quarta-feira, 2 de outubro de 2024

Livro: Nenhum caminho leva a Roma

Refutação do Capítulo 5: Refutando o purgatório

 

            Na apologética protestante é agora mais comum encontrar apresentações mais fidedignas do purgatório do que era de costume. No entanto, os apologistas ainda não entendem bem a doutrina.

            Quando tempo a alma de alguém deve passar no purgatório? Não sabemos. Pode ser por um instante ou por séculos! Quem sabe? Não foi revelado.

            Qual a base do purgatório? O apologista afirma que são suposições e crenças teológicas, e não evidências concretas.

            Também afirma que não há prova objetiva ou científica. Aliás, é bom lembrar, há protestantes que negam até mesmo a existência do inferno. A tradição protestante geral nega somente o purgatório.

            O purgatório entra em conflito com a doutrina da salvação pela graça? É claro que não. É somente por meio da graça, através da fé, que o mérito do sacrifício de Cristo é aplicado ao pecador. No entanto, o mesmo é responsável pelas suas ações, e deve sofrer penas do pecado, caso não as satisfaça.

            Deus é amor e misericórdia, mas também justiça. Davi pecou contra Deus, foi perdoado, mas perdeu seu filho primogênito como pena pelo seu pecado. Então, o fato do salvo ter alguma pena a sofrer não é contrário ao amor e misericórdia de Deus.

            Deus é todo-poderoso, compassivo e santíssimo. É por isso que pode haver sofrimento adicional, pós-morte, caso o salvo não tenha vivido o amor e a fé sem reservas, e tenha algo a purgar.

            Quanto às incertezas em torno do conceito de purgatório em relação ao tempo, isso não é problema. O importante é sabermos que os que estão no purgatório estão salvos.

            As evidências do purgatório na Bíblia são suficientes para não deixar dúvidas. Há uma boa base escriturística, sólida e razoável.

            Vamos à análise das Escrituras Sagradas e refutar cada objeção protestante (página 59).

            Em Romanos 8, 1 o texto diz que não há condenação para quem está em Jesus Cristo, mas não diz que não há sofrimento.  Quem está em Cristo está salvo, terá o céu. Quem não está, sofrerá condenação no inferno. O apologista protestante não ofereceu nenhum argumento citando esse texto. Apenas afirmou que não há “nem sofrimento” também para os que estão em Cristo. Mas isso o texto bíblico não ensina. Portanto, não há argumento nenhum aqui.

            Em Mateus 19, 25 o contexto é a dificuldade do rico entrar no Reino dos Céus e o milagre que é quando isso acontece. Não é o esforço humano que leva o pecador à salvação eterna, mas a intervenção de Deus. Porém, é preciso doação total a Deus, sem reservas.

            Quando se pensa no purgatório, entendemos que cada pecado, por mais simples que seja, se não for confessado, e satisfeito, terá suas penas no purgatório.

Desse modo, é óbvio que o cristão católico leva a sério a vida espiritual. Mesmo os pecados veniais são evitados, na santificação. A vida dos santos mostra isso.

Por sua vez, a maioria dos protestantes não crê na distinção entre pecado mortal e venial, e na sua crença da salvação somente pela fé ele acredita que está salvo, e que os pecados, sejam quais forem, que são perdoados, não deixam penas.

Desse modo, os fieis protestantes exercitam sua santificação, mas psicologicamente essa realidade leva o fiel a preocupar-se menos do que o devoto e piedoso católico que igualmente crê na sua salvação em Cristo. De fato, que pensa que os pecados não acarretam pena alguma após o perdão está mais tranquilo do que aquele que acredita nessa verdade, pois sabe da sua responsabilidade para santificar-se cada vez mais e na possibilidade de sofrer as penas dos pecados.

No quesito salvação ambos estão igualmente seguros na fé que têm em Jesus Cristo. Mas, na santificação o fiel católico frutifica mais em boas obras pela doutrina mais exigente que professa.

O texto de 1 João 2, 2 ensina que Cristo é a propiciação pelos pecados do mundo inteiro. Isso não invalida o sofrimento no purgatório. De fato, como visto, a Bíblia mostra que o salvo pode ser perdoado e ainda sofrer penas. O rei Davi é um exemplo disso. Não se trata apenas de um exemplo do Antigo Testamento, mas é o modo pelo qual Deus trata o pecado. É Deus quem confere o perdão, mas somente Ele pode remir as penas. Essa parte é dada ao pecados esforçar-se com a graça para satisfazer as penas dos pecados perdoados.

Em Hebreus 9, 28 está escrito que Jesus foi oferecido para tomar sobre Si os pecados de muitos. Essa verdade não torna desnecessária a penitência pelos pecados. Somente Cristo garante o perdão e a entrada no céu, mas isso não significa que as consequências dos pecados sejam suspensas automaticamente. É preciso arrependimento perfeito, que nem sempre o pecador arrependimento possui.

A passagem de Hebreus 6, 4-6 fala dos que deixaram a fé, apostaram. Para esses, é claro, não há purgatório. Se o apologista tivesse compreendido bem, não usaria essa passagem. A mesma diz que esses que foram iluminados crucificaram Jesus Cristo. Portanto, não foram fieis. Se morrem assim, são condenados.

Essa passagem não tem nada a ver com o purgatório e é perfeitamente entendida na doutrina católica. Nesse caso, não há razão para o purgatório porque não morreram na graça de Deus.

Ainda, o purgatório é sofrido pelas almas, e não se trata de uma obra de pagamento pelos pecados. É uma forma de justiça que impõe penas por causa dos pecados.

A salvação é gratuita. Basta crer em Jesus e obedecer. Não são as obras que compram, mas as obas obras devem nascer dessa comunhão com Deus. Assim, é preciso operar a salvação. Nesse caso, explica-se esse processo de purificação adicional que muitos passam. Não todos, mas aqueles que Deus julga necessário que sofram as penas.

É verdade que muitos podem pensar que devem realizar obras e penitências para garantir a entrada no céu. Trata-se de um erro, e assim é preciso evangelização e estudo da Palavra de Deus. Do mesmo modo, o protestante pode pensar que uma vez que possui fé não deve preocupar-se com as obras. Pode ocorrer isso, e deve ser corrigido pelo estudo sério da doutrina cristã.

Em nenhum momento da doutrina do purgatório mostrou-se antibíblica, mas está de acordo com a revelação inteira. Está de acordo com o evangelho de Jesus e a pregação dos apóstolos.

Não há ação humana para comprar a salvação nem forma de pagamento pelos pecados, a não ser o pagamento que Cristo fez na cruz.

Uma vez que se entende que o purgatório não é remição dos pecados mas um castigo que ainda é devido às penas dos pecados que permaneceram, entende-se a gravidade do pecado, a santidade de Deus e sua justiça perfeita.

O apologista protestante afirma que 1 Coríntios 3, 15 é o principal texto distorcido pelos apologistas católicos.

O texto estaria se referindo ao juízo final e o fogo provaria a obra de cada um e não de uma pessoa individualmente.

A ideia do purgatório no texto é, porém, devido ao fato de que mesmo os que já morreram sofrerão danos, passando como que pelo fogo, que testará a obra que cada um tiver feito. Assim, esse fogo que testa ouro, prata, pedras, madeira, palha, feno, é o fogo que purifica. O que é queimado é obra ruim, pecaminosa. O que permanece é boa obra, fundamentada em Cristo. Assim, de fato há o purgatório. Ainda que no dia do juízo haverá uma purificação simbolizada por essa purificação com fogo.

 

O julgamento individual não está explicitamente descrito em alguma passagem, mas há princípios revelam esse sentido, como o texto de Hebreus 9, 27, onde a morte é seguida do juízo.

Também, a objeção de que cada pessoa passa por mais de um julgamento não é um bom argumento. De fato, um juízo já decide irrevogavelmente o destino do indivíduo. No entanto, o juízo final tem um objetivo diverso, que é o de mostrar a todos a justiça e a misericórdia de Deus.

Portanto, se 1 Coríntios 3, 15 refere-se somente ao juízo final, temos algo a considerar. Imagine milhares de salvos que já estão no céu, em suas almas, à espera da ressurreição.

No dia do juízo final, esses salvos compareceriam diante do tribunal de Cristo. Muitos deles sofreriam detrimento, sofrendo o juízo por suas obras de madeira, palha, e feno, o que significa que são obras pecaminosas.

Desse modo, se estavam ainda para receber o juízo por seus pecados, ainda que salvos, isso significaria que durante milênios, certamente, estavam no céu, na felicidade eterna, vendo a Deus, os anjos e os demais santos, e ainda estavam em pecado.

Também isso redundaria no absurdo de que após tantos anos de felicidade teriam de enfrentar julgamento e sairiam salvos, como que por meio do fogo, ou como o próprio apologista protestante admite, a expressão significa que a “salvação que ocorre com estreita margem” (p. 67).

Não faz sentido algum o salvo estar no céu, ser ressuscitado e sofrer perda no julgamento, sendo salvo por uma estreita margem no julgamento final.

Aos que acreditam que a alma morre, esses não têm que explicar a contradição, já que não creem que os salvos estão em algum lugar antes da ressurreição. O problema é que a Bíblia ensina de fato que a alma é imortal e que os salvos recebem recompensa no céu. Desse modo, quando se diz que o juízo segue a morte (cf. Hb 9, 27), deve-se entender que há o juízo particular.

Ainda. O leitor protestante tem que entender que 1 Coríntios 3, 15 ensina que no dia do juízo os salvos passam por um juízo de fogo. Certamente, os que estiverem vivos serão glorificados quando passarem pelo juízo final.

Esse é o momento descrito, onde cada um é provado por causa das suas obras feitam em Cristo. Muitos passam ilesos no teste e recebem galardão, enquanto outros perdem, sofrendo essa perda. Esse é o purgatório.

Se existe o purgatório para os que estiverem vivos no dia do Senhor, implica a existência do purgatório para todos os que morrem em Cristo, e que passam pelo juízo particular, já que não podem entrar no céu sem terem sido julgados. De fato, na presença de Deus não pode haver nada de impuro. Desse modo, a passagem ensina a doutrina do purgatório.

Só se entra no céu após o julgamento. No julgamento há um processo de fogo. Portanto, existe o purgatório: morte, juízo, e talvez o purgatório, e finalmente o céu, para os salvos.

Quanto ao fogo podemos afirmar que ainda que a passagem seja metafórica nesse quesito, não se pode negar que exista uma espécie de purificação ensinada no texto. Sendo assim, as traduções católicas seguem o sentido do texto original, pois não há nada que contrarie a interpretação do purgatório na Bíblia.

A ideia que o autor entendeu, ao estudar a passagem, de que o foto se refere a uma proximidade crítica à condenação é bastante curiosa. No Protestantismo não há espaço para tal entendimento. Esse é o que o texto bíblico de fato ensina.

Quando olhamos para o texto e vemos que muitos podem salvar-se em Cristo na comparação como alguém que escapa de um incêndio, temos que há graus de pecado, e que as obras possui valor na salvação. Doutro modo, não faria sentido. Assim, o entendimento do autor confirma a doutrina católica.

Também na interpretação de 2 Macabeus 12, 31-46, vemos que os judeus criam que podiam auxiliar seus irmãos mortos em batalha, e que haviam cometido um pecado. Essa noção só pode ser fundamentada na crença de que havia uma purificação pós-morte.

Desse modo, os judeus não criam que seus irmãos estavam irremediavelmente perdidos. Ainda. Aquele pecado certamente não foi de idolatria, pois é possível que os judeus tenham ficado com os objetos consagrados aos ídolos por seu valor material, mas que aquilo era proibido pela Lei judaica.

O episódio de Davi não tem nada contra o purgatório. O rei orava pelo seu filho para que não morresse. Uma vez morto, o rei disso: “Poderia eu trazê-la de volta à vida” Ele não estava orando pela alma de um morto, mas manter seu filho em vida. Esse exemplo do rei apenas prova que há penas pelos pecados e essa pena do rei foi a morte do seu filho. O pecado foi perdoado, mas a pena não. Davi passou pela pena do pecado.

E o último argumento é que todos os pecados levam à condenação eterna. Assim, é claro, uma vez perdoados o pecador está salvo. Sendo assim, a doutrina católica permanece, pois acredita que ninguém é salvo morrendo em pecado mortal, e que todos os pecados veniais precisam de arrependimento e perdão também. Esse perdão é pedido diariamente. Um exemplo é a oração do Pai Nosso.

E o apologista protestante cita 1 Coríntios 6, 9-10. Nessa passagem vários pecados e pecadores são citados: os perversos, os imorais, os idólatras, os adúlteros, os homossexuais (na tradução protestante usada no livro). A tradução católica da Ave-Maria traduz como “efeminados”. Também são citados os ladrões, os avarentos, os alcóolatras, os caluniadores, os trapaceiros.

Nenhum desses pecados é venial.

Vejamos os pecados e pecadores mencionados em Apocalipse 21, 8:

Os covardes, os incrédulos, os depravados, os assassinos, os imorais, os feiticeiros, os idólatras, e os mentirosos.

Todos são pecados mortais.

E, por fim, é citado Gálatas 5, 19-21:

Imoralidade sexual, impureza, devassidão, idolatria, feitiçaria, inimizades, desavenças, ciúmes, ira, egoísmo, dissensões, facções, inveja, embriaguez, orgias e etc. Mais uma vez, são pecados mortais. Todos esses o texto sagrado afirma que os praticantes não herdarão o reino de Deus.

A Escritura ensina que há pecado que leva para a morte. Isso implica que existe pecado que não leva para a morte. Assim, sabemos que há pecado mortal e pecado venial.

Enfim, toda a doutrina do purgatório está em conformidade com a Sagrada Escritura.

 Gledson Meireles. 

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