segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

2Macabeus 15,38 e a inspiração do livro

“Assim terminou a história de Nicanor. A partir desse tempo, a cidade passou a ser governada pelos hebreus. Por isso, aqui encerro a minha narrativa. Se ficou boa e literariamente agradável, era o que eu queria. Se está fraca e medíocre, é o que fui capaz de fazer. É desagradável beber só vinho ou só água, ao passo que vinho misturado com água é agradável e gostoso. O mesmo acontece numa obra literária, onde o tempero do estilo é um prazer para o ouvido do leitor. E assim termino.” Outra tradução do verso 38: “Se ela está felizmente concebida e ordenada, era este o meu desejo; se ela está imperfeita e medíocre, é que não pude fazer melhor.(Macabeus 15,37-39)

É incomum encontrarmos um comentário objetivo dessa passagem do livro sagrado de 2 Macabeus [15,38] por parte daqueles que não tem a fé na sua inspiração.

O autor claramente se refere à sua “narrativa” quanto a estar “boa” e “literariamente agradável”. Sua narrativa ficou boa ou não? Está agradável do ponto de vista literário ou não? Ele fala do “tempero do estilo”, não das informações da obra em si. Esse é o assunto que o autor considera, e do qual revela sua humilde opinião, acreditando que seu esforço foi o melhor possível: “é o que fui capaz de fazer”. Preocupou-se com a fineza do estilo, não com erros em sua narrativa.

O autor não “refere-se à verdade da narração”, mas ao “estilo e modo de escrever”. [Haydock´s Bible Commentary]

É claro que dessa passagem o cristão não tira qualquer conclusão contra a inspiração do livro sagrado. Somente quem lê com uma preconcebida opinião [negativa] sobre a obra, pode ver nessa passagem uma “prova” de que o livro não teria sido inspirado, e de que o autor não estava cônscio da inspiração que recebeu, tendo receio de que seu trabalho não fosse fidedigno.
Essa comparação do autor de 2 Macabeus é comparável às palavras de são Paulo: “E, se sou rude na palavra, não o sou contudo na ciência”. O apóstolo fala da sua pregação da Palavra de Deus, do seu modo de expor o evangelho nas igrejas, e ainda assim humildemente reconhece que alguém pode tê-lo na conta de “rude” quanto ao seu estilo. Fala a respeito da opinião alheia. No entanto, reconhece que possui a “ciência”. (2 Coríntios 11,6)

Em 1 Coríntios 7,25 escreve são Paulo: “não tenho mandamento do Senhor; dou, porém, o meu parecer”. Nesse momento, são Paulo expõe sua opinião pessoal quanto a um assunto que toca à vida cristã. Obviamente acredita não estar ensinando o erro.

Esses exemplos da Sagrada Escritura nos ensinam que os homens santos e inspirados para escrevê-la possuíam estilo pessoal diverso um dos outros, e que reconheciam sua limitação, num tom de humildade. Esse é o ponto importante para refletir.

Sobre o conhecimento da Palavra de Deus e da profecia, está escrito: “Porque, em parte, conhecemos, e em parte profetizamos.” Que significa dizer “em parte”? Refere-se à imperfeição. Seria como escrever que nosso conhecimento é imperfeito e a profecia imperfeita, ou seja, profetizamos de modo imperfeito. Isso fica claro pelo contexto (v. 10), que explica o significado da expressão “em parte”: “Mas, quando vier o que é perfeito, então o que o é em parte será aniquilado.” “O que é perfeito” contrasta com “em parte”, o imperfeito.

No entanto, ao falar da imperfeição não se introduz noção de “erro”, mas de incompletude. Essas passagens podem ser incompreendidas pelos incautos.
O evangelista são Lucas decide escrever o evangelho para apresentá-lo a Teófilo: “Pareceu-me também a mim conveniente descrevê-los a ti, ó excelente Teófilo”. E continua afirmando de seu esforço pessoal para escrita da sua obra: “havendo-me já informado minuciosamente de tudo desde o princípio”. (Lucas 1,3)

Alguns tentam lançar dúvidas sobre o livro de 2 Macabeus porque seu autor deixa a possibilidade de sua obra não ter um estilo agradável para o leitor, e dessas palavras conclui que o autor não se via inspirado e que o livro não foi inspirado!

Esse princípio inventado aí deveria também caber noutras partes da Bíblia se fosse verdadeiro. Assim, tendo que o apóstolo Paulo afirmou que poderia ser rude na Palavra, alguém poderia concluir que não estava inspirado, pois a Palavra de Deus não seria jamais “rude”! Ou que um homem de Deus não falaria rudemente a Palavra de Deus!

Noutra passagem o mesmo santo apóstolo afirma que o mandamento que tem não é do Senhor, mas é parecer pessoal. No entanto, essas palavras estão na Bíblia, e cada parte da Escritura é inspirada, cremos em nossa fé cristã católica. Por isso, ainda que alguém impusesse aquele falso princípio de que o apóstolo aí não se reconheceu inspirado, e, portanto, seu livro carece de inspiração, diríamos, com fé cristã, que está em erro.

Ainda com as palavras sagradas escritas por são Paulo, teríamos que se o conhecimento inspirado e a profecia [que é inspirada, obviamente] são “imperfeitos”, isso implicaria em que as mesmas não eram inspiradas, e isso teria sido reconhecido, pelo autor!

Igualmente, com as palavras do evangelista são Lucas, que afirmou ter sido sua obra uma iniciativa pessoal, não divina. O mesmo parece não reconhecer-se inspirado. Então, teríamos que afirmar ser seu livro sem inspiração! Tudo isso seria uma grande heresia.

Portanto, está provado que o princípio que alguns tiram de 2 Macabeus 15,38 é falso e é contrário à Palavra de Deus. Sabemos que para um livro ser inspirado não é necessário que esse se mostre inspirado, que seu autor indique consciência clara de sua inspiração. Esse princípio não existe, como foi expresso na refutação acima.

Para terminar, saibamos que 2 Macabeus 15,38 apenas forneceu um exemplo de humildade de seu autor, como 2 Coríntios 11,6. Notemos também que mesmo não percebendo a inspiração [cf. Lc 1,3; 1 Cor 7,25; talvez 13,9], o autor foi inspirado sem dúvida, e por isso seu livro está no cânon.

Explicações importantes:

O autor Lucas Banzoli considera as respostas que comparam o texto de 2 Mc 15,38 com 2 Cor 7,10, por exemplo, como um “devaneio”.

Afirma que são Paulo reconhecia sua inspiração (2 Tm 3,16-17; 1 Cor 7,40), e que somente estava afirmando que não recebeu aquele mandamento “diretamente” do Senhor. No entanto, tinha inspiração para passar mandamentos.

Essa explicação falha no princípio básico: se são Paulo mostrasse seu reconhecimento de inspiração nessa passagem, como acima 1 Cor 7,25, porque teria dito que “não” tinha ensinamento sobre isso vindo do Senhor? Ele não fala de estar diretamente ou não de posse do mandamento, mas reconhece que não ouviu nada sobre isso do Senhor, e isso inclui ensinos diretos de Jesus a ele. Dessa forma, se ele não lembrou de qualquer ensinamento de Cristo nesse momento, e disse que aquele conselho era sua posição, isso encaixa-se no princípio de que essa passagem exemplifica que o apóstolo não estava consciente de estar recebendo inspiração para aquele pronunciamento particular. Ele acredita estar conforme a verdade, mas atribui a opinião a si mesmo, não a Deus.

São Paulo afirma ter TAMBÉM o Espírito de Deus (1 Cor 7,40), e isso não é contrário ao que foi dito acima, os cristãos devem possuir o Espírito de Cristo, pois do contrário não seriam de Cristo. Deve-se ter em mente o princípio.

Como explicado acima, o autor de 2 Macabeus não considerou que sua obra estivesse errada, contendo informações falsas, e fosse de pouca confiança. Longe disso. De fato, ainda que fôssemos ler sua confissão em termos humanos, teríamos que concluir que confiava em todas as informações do livro, visto que para ser sincero e honesto deveria ter pesquisado e sintetizado informações que julgasse verdadeiras. Isso o autor fala em termos claros. E, ao contrário de um autor orgulhoso de suas faculdades, ele fala de sua esforçada empreitada, mas pede compreensão se seu estilo não agradou o leitor. Tanto em Paulo como no caso de 2 Macabeus o Espírito Santo permitiu que seus autores expusessem opiniões pessoais, e verdadeiras, ainda que sob a inspiração direta.

Outra questão importante: atos de humildade são diversos de pessoa para pessoa. Dentre 20 pessoas, por exemplo, alguém pode realizar algum ato é isso ser sinal de humildade. Outros podem expressar sua humildade de formas diferentes. Assim, não é preciso que outro escritor bíblico afirme que sua composição talvez não tenha ficado perfeita para que isso seja aceito em 2 Macabeus. Isso torna-se um petitio principii.

Então:

1)   Está refutado que o autor de 2 Macabeus reconhecesse sua obra, e não somente seu estilo, como possivelmente pouco agradável.

2)   Está refutado o princípio de que o apóstolo reconheceu sua inspiração e por isso pronunciou um mandamento.

3)   Está refutado o princípio implícito dessas objeções de que o escritor bíblico reconhece explicitamente sua inspiração, ou que os livros bíblicos expressem explicitamente origem divina.


[Resposta a um princípio contido em: Os livros apócrifos admitem que são apócrifos, de Lucas Banzoli.]


Gledson Meireles.

Um comentário:

  1. Olha issso!http://heresiascatolicas.blogspot.com.br/2013/05/insanidades-do-catecismo-bulas-e.html?m=1

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