sábado, 27 de fevereiro de 2016

Sobre as imagens e a idolatria

O pastor presbiteriano, reverendo Hernandes Dias Lopes, em sua apresentação sobre a “Idolatria: uma prática enganosa” (vídeo que pode ser acessado neste link), afirma a proibição de “prostrar-se diante de um ídolo”, mesmo que imaginário, de tributar culto e veneração a essas obras como se fosse o próprio Deus.

 Consequências gravíssimas são advindas da idolatria, pois quebra o primeiro e o segundo mandamentos de Deus, não terás outros deuses e não farás para ti imagens de escultura. Nenhum cristão iria opor-se a isso.

Nesse momento, ocorre a primeira quebra do pensamento bíblico: o reverendo divide o primeiro mandamento em dois, e afirma que o segundo é a proibição de imagens de escultura. Sendo assim, a proibição torna-se absoluta: não se pode fazer, nem ter, nem expressar qualquer gesto de reverência para com elas. Como calvinista, ele certamente pensa que toda imagem é um ídolo. Calvino, por exemplo, tinha até mesmo um crucifixo na conta de ídolo. É um absurdo, mas ele ensinou isso. De fato, embora afirmando que a imagem não é nada, em si mesma, “há algo por trás dela”, ou seja, Satanás, (ou um demônio) estará ali sempre enganando o cristão que à imagem se achegar. a) No final, está anatematizando as imagens em seu uso, absolutamente, nas igrejas. Não é isso que a Bíblia ensina.

Afirma ainda, o reverendo, que a Igreja cristã foi “eivada, tomada e assaltada pela questão da idolatria”, e passa a falar sobre os anos após 313. Afirma que o paganismo entrou na Igreja, que essa “desviou-se da sua fidelidade à Palavra de Deus, e distorceu o culto a Deus, que deva ser espiritual”. Então, passa a falar da Reforma que veio para corrigir esse desvio, que o culto deve ser bíblico, em espírito e em verdade. b) Em outras palavras, não há espaço para nenhuma imagem nas igrejas protestantes, segundo o parecer Reformado expresso pelo reverendo Hernandes.
Entre as provas da suposta “idolatria”, ele cita o feriado de 12 de outubro, em que é venerada a imagem pescada no rio Paraíba do Sul em 1717, e que essa imagem é padroeira do Brasil, ou protetora do Brasil.

E esta imagem foi colocada dentro de um santuário, e esta imagem é chamada de padroeira do Brasil. Em outras palavras, protetora do Brasil. A pergunta é: será que uma imagem que é pescada dentro de um rio, e é colocada num santuário, que foi feita por mãos humanas, perecível, que recentemente foi quebrada por um iconoclasta, e depois restaurada, e colocada numa redoma de vidro, pode ser de fato protetora da nação brasileira. Será que nós não estamos cometendo um gravíssimo pecado contra Deus, abandonando a confiança no Deus todo-poderoso, criador dos céus e da terra, sustentador da vida, o único Deus poderoso pra salvar, e colocando a nossa confiança numa imagem que não pode proteger a si mesma, colocando essa imagem como protetora do Brasil? Este é um grave erro, este é um grave pecado, que atrai sobre a nação brasileira a ira de Deus, que distorce a realidade bendita do culto espiritual que nós só devemos a Deus”. O pastor afirma que o culto à padroeira Nossa Senhora Aparecida é dado “à imagem”. Em toda a sua apresentação ele diz isso. Tratando-se de alguém versado em Teologia, a afirmação é grave, e deve ser refutada.

Informação com o essa é feita por Adelson Santos, em uma obra contra o Catolicismo, que afirma que as imagens têm igrejas construídas para elas. Assim, os protestantes veem as imagens como entidades separadas daquilo que elas representam, e as anatematizam. Primeiro, reconhecem que são apenas matéria, mas que há algo influenciando-as, como os demônios. Depois, afirmam que elas recebem “dos católicos” o culto em si mesmas, as orações são “para elas”, os templos construídos são para elas, as promessas são para elas, o culto é todo para elas. Enfim, em específico, é a imagem que foi encontrada no rio Paraíba, em 1717, que é a “padroeira” – “protetora” do Brasil, na mente dos protestantes, em considerável número, como está provado nas opiniões do reverendo Hernandes Lopes e Adelson Santos. c) As imagens são explicadas como realidades em si, por esse motivo, e não como representando os protótipos. Essa posição não é aquilo que ensina o Catolicismo.
Afirma, ainda, que veneração e adoração são sinônimos; que Deus proíbe o povo fazer imagens de escultura, e não aceita um culto por intermédio da imagem. O culto precisa ser espiritual porque Deus é espírito. Dessa forma, não aceitam que haja diferença de culto no coração do fiel, nem que há imagens lícitas, pois no final afirmam o que vemos com frequência: Deus proíbe imagens. Há a possibilidade de que, ainda, quando refutados pelos argumentos bíblico-teológicos e da razão, apelam para alguma revelação, um sonho, uma visão, afirmando que imagens são do demônio.
Outra fonte em que as imagens sagradas são atacadas, é o artigo que tenta refutação dos argumentos católicos, encontrado aqui, e merece uma atenção também.

Prostrar-se diante de uma pessoa, tudo bem. De imagens, não!
... os católicos fazem amplo uso das passagens veterotestamentárias onde uma pessoa se curva diante de outra em sinal de reverência, como se isso fosse a mesma coisa de se prostrar aos pés de uma imagem de pau e pedra e cultuá-la ...

Era penas cultura, não “prestação de culto”
Se o costume antigo dos cumprimentos eram feitos com a prostração, por que Pedro rejeitou o que fez Cornélio? Estaria rejeitando ser cumprimentado? Pois, uma vez que a forma usual era aquela, não teria motivo opor-se a ela. Como foi feita a distinção por Pedro entre o mero cumprimento e o gesto de adoração?

De Cornélio afirma o artigo: “Ele se prostrou pensando que aquilo era simplesmente um gesto respeitoso, uma “veneração”, como diriam os católicos.” Certamente, não.

Para explicar isso, devemos ter cuidado para não contradizer o texto bíblico, nem introduzir princípios que ele não tem. Assim, São Pedro deve ter entendido, por algo que Cornélio fez e – ou falou, pois logo afirma que ele também era homem. Cornélio certamente ultrapassou o simples gesto de honra para um homem de Deus, um apóstolo, e fez o que só poderia ser dirigido a Deus. Tendo percebido isso, São Pedro pode teria rejeitado sua veneração exagerada. Assim, “não foi simples cumprimento”, “nem foi uma veneração correta”, que é justificável. Assim, Cornélio pode não ter tido Pedro como um “deus”, pois era piedoso, justo, temente a Deus, monoteísta, mas pensou-o em termos que não são aplicáveis aos santos, mas só a Deus, e foi corrigido por Pedro.

O que importa é o que “se faz” com as imagens, e não elas em si
Deus curava quando alguém olhava uma imagem. (cf. Nm 21,8) Sabendo que aquela bênção da cura vinda através de um gesto para com uma imagem de escultura era um “perigo” para aquele povo tão inclinado à idolatria, ainda assim Deus não evitou usar desse artifício. É a Sabedoria infinita que devemos imitar. Sabemos que, mais tarde, houve realmente idolatria diante da serpente de bronze, mas isso somente ocorreu quinhentos anos depois, ou seja, mais de dez gerações após o tempo de Moisés. Antes daquilo, os povos mantiveram a serpente de bronze, conservaram-na no acampamento. Ela foi objeto de instrução durante gerações, lembrando o que havia ocorrido. Isso é veneração.
Então, vem a afirmação: “Os católicos cultuam as imagens que representam os santos? Sim. Os católicos se prostram diante dessas imagens? Sim. Então estão praticando idolatria.

Adoração pode ser até “sem intenção”
“... pois, como vimos, Cornélio adorou Pedro sem intenção e João adorou o anjo sem intenção...
E para ficar mais claro esse sentido, vemos o seguinte: “qualquer imagem que seja objeto de culto e que se prostrem diante dela, o que biblicamente é considerado adoração”. (ênfase no original)

O caso de Pedro foi explicado antes. Quanto ao caso de São João e o anjo, certamente o anjo percebeu perfeitamente, por ser espírito, que São João estava ultrapassando a medida certa da veneração. Pode ter também querido mostrar humildade, elevando São João em honra, por ser servo de Deus, como ele.

A gente morre de medo se parecer com qualquer coisa que cheire e que tenha algum ranço de Catolicismo, não é verdade?” (Mauro Meister. Pode ser conferido aqui.)
Considerando as imagens como coisas que estão fora da Palavra de Deus, refere-se ao “medo da idolatria”. Mas, afirma que a idolatria não está na imagem, nem no santo. Está no idólatra. Correto.
Mas, ainda assim, um típico protestante não irá querer uma imagem de jeito nenhum! Se afirma que entendeu o princípio, então está aí a sua auto-refutação! Ele afirma ter aprendido para negar, que esse foi o caso, logo em seguida.


Gledson Meireles.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

É Eva a mulher no protoevangelho de Gênesis 3,15?

O protoevangelho está em Gênesis 3,15. É a primeira promessa do Salvador.
 
Porei ódio entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela. Esta te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar.” (Gn 3,15) (Bíblia Ave Maria)

 
E porei inimizade entre ti e a mulher, e entre a tua semente e a sua semente; esta te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar.” (Almeida Corrigida Fiel)

 
A leitura literal do texto é que Deus colocou ódio [inimizade] entre a serpente e Eva, entre o animal mais astuto do Jardim do Éden e a primeira Mulher. Também foi colocada a inimizade entre a descendência da serpente, que são todas as serpentes em espécie, e a descendência da mulher, ou seja, todos os homens. Trata-se da inimizade natural entre os homens e as serpentes.
O sentido espiritual é que Deus introduziu uma “inimizade” espiritual entre o Demônio e Maria, e entre a descendência do Demônio, que são os homens que o seguem, e a descendência de Maria, que é primeiramente JESUS CRISTO, pois Gálatas 3,16 refere-se ao descendente como no sentido singular, mas depois a todos os descendentes da mulher, que são os membros espirituais do Corpo de Cristo. Há um só descendente, que é Cristo, e todos estamos nEle pela graça. O cumprimento é perfeito.

 
Sendo que, entre Maria e o Demônio e entre Cristo e o Demônio, a inimizade é de natureza espiritual, temos então que Maria é amiga de Deus, e Seu Filho, como sabemos, é o próprio Deus, o Filho de Deus, que é a 2ª Pessoa da Trindade. Estando já reconciliada com Deus isso significa que o pecado original foi perdoado a ela. Assim, o Demônio não podia tê-la em sua amizade.
Romanos 5,1 fala que pela fé temos paz com Deus. A paz vem da reconciliação, da amizade. O justificado está em paz com Deus. Então, Maria foi justificada com Deus desde sua origem, pois a profecia afirma que foi colocada a inimizade entre ela e o Demônio. Cristo é Santo por excelência, portanto, já veio com essa total inimizade com o Demônio. Assim, nele estão todos os justificado em inimizade espiritual com o Maligno, pois estamos em paz com Deus.

 
Objeções: se o sentido espiritual fosse que a descendência da serpente, que é o Demônio, são os homens filhos do Demônio, e que a descendência de Eva é Jesus, e todos os Seus seguidores, excluindo Maria do paralelismo, isso já mostraria que há erro nessa interpretação. Por que a serpente teve o seu símbolo revelado e a mulher não? A serpente não continuou sendo o simples animal (cf. Gn 3,1), mas foi entendido, de fato, como o Demônio, mas a mulher continuou sendo Eva, que foi criada milênios antes do Salvador vir como Seu Filho? Por que a figura da mulher está sendo negada?
 
Então, se for feita nesse sentido a leitura espiritual, então a inimizade espiritual é entre o Demônio e Eva. O que isso quer dizer? Pois, na verdade, naquele momento Eva caiu em pecado, foi presa do Demônio, e sua amizade com Deus foi quebrada. Ali, naquele instante, a amizade foi feita com o Demônio. Por outro lado, isso significaria que Eva era amiga do Demônio e ali foi feita inimiga! Mas é heresia afirmar que antes do pecado os primeiros pais foram amigos de Satanás, e por isso a interpretação é falsa.
 
A única forma é aceitar a verdadeira promessa: Serpente=Diabo (cf. Ap 12,9); Mulher=Maria (cf. Ap 12,4-5); Semente da Serpente=filhos do Diabo (cf. João 8,44; Ap 12,15); Semente da Mulher=Jesus Cristo (cf. Ap 12,5.13) e os cristãos, filhos da Mulher (cf. Ap 12,17) O título mulher é dado por Jesus, na cruz, a Sua mãe Maria. Por isso ela foi chamada de Mulher. (cf. Jo 19,25)

Serpente   =   Diabo (cf. Ap 12,9);
Mulher   =    Maria (cf. Ap 12,4-5);

Semente da Serpente  filhos do Diabo (cf. João 8,44; Ap 12,15);

Semente da Mulher  Jesus Cristo (cf. Ap 12,5.13) e os cristãos, filhos da Mulher (cf. Ap 12,17) A semente é os filhos da mulher, sendo JESUS o Filho por excelência, e único, e nEle todos os filhos espirituais.

O título mulher é dado por Jesus, na cruz, a Sua mãe Maria. Por isso ela foi chamada de Mulher. (cf. Jo 19,25)

 Em termos indiretos temos aí a base para a doutrina da imaculada conceição de Maria.
 
Gledson Meireles.

Santo Agostinho e a imaculada conceição de Maria

O Dr. Joe Mizzi argumenta que santo Agostinho não cria na imaculada conceição de Maria. Isso pode ser visto no artigo Immaculate Conception and the Church Fathers. O artigo foi traduzido em um blog protestante reformado, especializado em Catolicismo Romano, e que avalia o Catolicismo a partir da perspectiva bíblica conforme entendida pela teologia Reformada. A tradução pode ser lida no artigo  Agostinho e a imaculada conceição de Maria.
O tradutor escreveu uma nota para mostrar que a afirmação dos apologistas católicos quanto ao fato de Santo Agostinho crer na imaculada conceição não procede, pois o mesmo “cria que Maria não pecou durante a vida, porém, ela não foi preservada do pecado original, compartilhando com toda a humanidade da necessidade da redenção que há em Jesus Cristo.
O artigo faz justiça ao fato que Santo Agostinho ensinou que a virgem Maria não cometeu pecado em toda a sua vida o mesmo que é ensinado também por Santo Tomás de Aquino, que afirma que Maria não cometeu pecado nenhum, nem mortal nem venial. Temos, assim, uma verdade de fé de dois dos maiores expoentes da teologia cristã católica, um do século quarto e outro do décimo terceiro século, que testemunham uma verdade bastante crida em toda a Igreja.
Em termos básicos podemos afirmar que essa constatação está de acordo com a fé na imaculada conceição. Apenas a doutrina em si não havia sido elucidada, devido ao argumento de que isso poderia implicar na exclusão de Maria no plano da redenção, o que não pode ser acreditado. Por isso, Santo Tomás é explícito em negar a imaculada conceição, e Santo Agostinho pode ter também negado, embora não explicitamente.
Embora, também, certamente tenha sido essa a posição de Santo Agostinho e Santo Tomás, eles ensinam aí duas verdades: Maria não pecou, mas necessitou da redenção de Cristo. Esses dois postulados são bíblicos e defendidos pelo Catolicismo. Por isso, escreve Mark Bonocore: “No entanto, o que NÃO era uma matéria de debate era a impecabilidade de Maria[1]. E afirma que o debate tinha a ver quanto ao momento em que essa impecabilidade começou. De fato, Maria nasceu de pais que tinham o pecado original, diferentemente de Cristo que foi gerado pelo Espírito Santo nela, que já havia sido redimida. Cristo é o único absolutamente SANTO, por Sua própria natureza de Deus, e por Sua geração e nascimento virginais. A virgem Maria teve outro motivo para isso, e a respeito do momento dessa santificação foi o que durou séculos para ser definido.
Cremos no desenvolvimento da doutrina. Desenvolvimento não quer dizer invenção ou nascimento de uma doutrina depois da era apostólica. De fato, os apóstolos ensinaram a imaculada conceição, em princípio, ainda que nunca tenham, por certo, usado o termo ou falado dela diretamente. Assim, a doutrina é apostólica por estar no depósito da fé deixada pelos apóstolos.
O mesmo pode-se afirmar sobre a trindade. Não esperaríamos ver nas páginas sagradas os apóstolos ensinando o conceito completo da trindade, ou pronunciando o termo trindade, pois certamente não fizeram isso, conforme os modelos de hoje. No entanto, no registro santo de Deus na Bíblia essa doutrina é de origem apostólica, e foi definida no ano 325, enquanto a imaculada conceição veio a ser definida em 1854. As circunstâncias históricas explicam os motivos desses pronunciamentos.
Poderíamos pensar também da seguinte forma: não há na Bíblia nenhum ensino contrário à trindade, como fazem muitos esforçando-se por mostrá-lo, e ninguém encontrará os apostólos pregando um sermão sobre isso, da mesma forma que não verão qualquer apóstolo negando essa verdade. Aliás, ainda assim isso não é o argumento do silêncio, pois a doutrina pode ser vista nas afirmações que a Bíblia faz a respeito do assunto.
Igualmente, nenhum leitor encontrará na Bíblia um sermão completo sobre a imaculada conceição, mas, por outro lado, não achará um só apóstolo negando esse ensino. Também aqui não há espaço para o argumento do silêncio, pois das asserções feitas na Bíblia é entendido que a doutrina está lá.
Diríamos que, da forma como a entendemos hoje, nenhum apóstolo nem Santo Agostinho e Santo Tomás, nega a doutrina da trindade ou da imaculada conceição Maria.

Glória seja dada a Deus para todo o sempre.

Gledson Meireles.


[1]

domingo, 14 de fevereiro de 2016

Santo Inácio: o pertencimento à Igreja e a Eucaristia

A respeito dos hereges, Santo Inácio exorta a mantermos distância dos mesmos. Desses ele afirma que não são plantas de Deus, são plantas más, e que Jesus não cuida delas por isso. Então, escreve: “Pois quantos são de Deus e de Jesus Cristo estão também com o bispo. E quantos irão, no exercício do arrependimento, retornar à unidade da Igreja, esses, também, pertencerão a Deus, para que eles vivam de acordo com Jesus Cristo[1]. Muito diferente do que ensinam em muitas igrejas, de que o pertencimento à Igreja invisível é que garante a salvação. Santo Inácio não ensina essa doutrina. Essa exortação é claramente referente ao pertencimento à Igreja visível, pois deve-se estar em comunhão com o bispo, que é sinal de que o fiel está com Deus e com Jesus Cristo. Portanto, Santo Inácio afirma que o retorno à unidade da Igreja é o retorno à Igreja visível. Assim, e por meio disso, estará ligado à Igreja invisível.
Mais adiante, afirma completando o sentido de sua exortação: “Se algum homem segue aquele que faz cisma na Igreja, ele não herdará o reino de Deus[2]. Isso significa que se alguém segue o cismático e não mais está com o bispo, em sua autoridade, e vai atrás de outro líder cristão herege, esse não está mais na Igreja, e assim não será salvo. É a verdade de que fora da Igreja não há salvação.
Sobre a Eucaristia, santo Inácio ensina: “Preste atenção, então, para ter só uma Eucaristia. Pois há uma carne de nosso Senhor Jesus Cristo, e um cálice para [mostrar] a unidade de Seu Sangue; um altar; como há um bispo, juntamente com o presbitério e os diáconos...[3]. Essa apresentação é muito sugestiva, pois é evidente a fé na Eucaristia como real corpo e sangue de Jesus, e que é um sacrifício, pois menciona o altar, que é lugar de sacrifício, e refere-se também ao simbolismo da Eucaristia, a unidade, assim como mostra a hierarquia da Igreja sob um só bispo, o corpo de presbíteros, que são os padres, e, finalmente, os diáconos. Essa é uma elucidação, pois as palavras de Santo Inácio são compatíveis com a fé na presença de Jesus nos elementos do pão e do vinho, e incompatível com as teologias que séculos vieram depois.
Então, escrevendo na Epístola aos Esmirnenses, capítulo 7, a respeitos dos hereges: “Eles abstém-se da Eucaristia e da oração, porque eles não confessam a Eucaristia ser a carne de nosso Salvador Jesus Cristo, a qual sofreu por nossos pecados, e a qual o Pai, de Sua bondade, ressuscitou novamente.”[4] Para refutar os hereges do docetismo gnóstico, que não criam na realidade da encarnação de Cristo, e apenas ensinavam uma aparência de humanidade nEle, São Justino mostra esses heréticos não confessando a verdade de que a Eucaristia é a Carne de Jesus. Não poderia estar se referindo a um simbolismo, já que isso não refutaria o gnosticismo. Ele mostrava ser uma identidade da Eucaristia=carne e sangue de Cristo.
Seria inócuo afirmar que a Eucaristia era apenas símbolo da Carne de Jesus que seria apenas aparente. Isso estava mais conforme o modo de pensar dos gnósticos. Pelo contrário, ele prova que Jesus tem verdadeiro Corpo, e que a Eucaristia é esse Corpo que os hereges negam.
Ainda, contra essa heresia, apresenta o dogma da Eucaristia como necessário professar: “Aqueles, portanto, que falam contra esse dom de Deus, incorrem morte no meio de suas disputas[5].
Para ficar ainda mais claro quanto a isso e à hierarquia da Igreja, Santo Inácio apresenta o sacerdócio, que é o que torna possível a celebração da Eucaristia, apresentando a Igreja visível, com sua hierarquia, que é a Igreja de Jesus, pois é onde Ele está:
Que nenhum homem faça nada ligado à Igreja sem o bispo. Que seja observada a própria Eucaristia, a qual é [administrada] ou pelo bispo, ou por um daqueles que ele a confiou. Onde o bispo aparecer, a multidão [do povo] também estará; assim como, onde Jesus Cristo está, há a Igreja Católica.”[6]
Alguém diria que a designação Igreja Católica tinha um sentido diferente na época, o que não é verdade. Ele está falando da Igreja em toda parte, cada qual, dentro de suas circunstâncias, sob a autoridade de um bispo, e também governada, com ele, pelo grupo dos presbíteros e pelos diáconos. Sendo assim, toda a Igreja tem sua união em Jesus Cristo. Não é à Igreja invisível que se refere o texto, mas à visibilidade, à concretude da Igreja Católica na terra.
E nesse contexto todo, exorta: “É bom reverenciar a Deus e ao bispo. Aquele que honra o bispo foi honrado por Deus; aquele que faz algo sem o conhecimento do bispo, [na verdade] serve o Demônio.”[7] Não podia ser mais claro.
Gledson Meireles.

[1] Epístola aos Filadelfos, 3.
[2] Ibid.
[3] Ibid., 4.
[4] Epístola aos Esmirnenses, 7.
[5] Ibid.
[6] Ibid., 8.
[7] Ibid., 9.

sábado, 13 de fevereiro de 2016

Lutero e a revolta dos camponeses

 A guerra dos camponeses foi um evento ocorrido no interior do Protestantismo, quando o poder civil alemão esmaga a revoltada massa de camponeses anabatistas que seguia o espírito da Reforma, mas cheia de ideias extremistas e, não raramente, destoantes da doutrina de Lutero.

A posição de Martinho Lutero é entendida pelos seus defensores como a opinião de que, não tendo a influência e o poder político em suas mãos, não podia acarretar o que ocorreu ali, na guerra onde acabaram morrendo milhares de pessoas. Aquilo ocorreria com ou sem a sua opinião.[1] Suas palavras não podiam fazer os príncipes agirem ou não, sendo isso de uma importância pouco significativa.

Caso se o papa pedisse a paz, por exemplo, escrevendo aos príncipes para deixarem o movimento sem punição, isso supostamente seria acolhido com total unanimidade. O mesmo que ocorreria se o papa pedisse o massacre daqueles revoltosos. Assim, o papa e a Igreja estariam culpados pelo que ocorreu com os camponeses, não tendo como defender-se, pois o poder estava em suas mãos. Isso é o que está por detrás da argumentação, como se na história essa fosse a regra sempre acatada, nunca quebrada. Ou pelo menos raramente. Sabe-se não ser isso correto, mas não é o lugar para tratar questão. Vejamos a posição de Lutero, o pai do Protestantismo, nesse contexto.

Por essa via, seria injusto pensar segundo a cultura moderna e julgar a posição do Reformador naquela situação complicada, em tempo de conturbação como eram aqueles do século 16, o que é um princípio correto. Podemos afirmar, sobre isso que: os camponeses ultrapassaram o limite da justa reivindicação, e passando a agir violentamente, causando transtorno da ordem social, deviam ser freados pela força militar do império, para garantir a paz. Suas ideias eram heréticas, e o movimento não era somente social, mas reformador. Nada mais normal o poder temporal ser usado para conter a violência.

Para quem atualmente arrepia-se ao pelo menos imaginar uma medida mais enérgica para conter as heresias no passado, efetuadas pelo poder temporal com o apoio do papa, e que veem em Lutero o homem para o seu tempo, é preciso saber como ele pensava a respeito dos camponeses, e o que teria feito se fosse o governante, ou pudesse usar ele mesmo o poder, e de fato como fez ao ensinar e aconselhar os príncipes a agir.

Lutero afirma[2] que os camponeses tinham expressado sua boa vontade em ser ensinados e corrigidos, e por isso não ia julgá-los, conforme Mt 7,1. Mas logo eles esqueceram de sua promessa, passando a cometer crimes como cães raivosos, ao modo de “cachorros doidos”. Os 12 Artigos que os camponeses apresentaram era de que não passava de mentira, sob o nome do evangelho. E escreve Lutero: “eles estão fazendo a obra do diabo”.

Por isso, Lutero muda sua opinião, e adota outro tom em sua obra, conforme acredita ser o seu dever. E para tal, passa a fazer o que acha certo: “Eu então devo instruir os governantes como eles devem conduzir-se nessas circunstâncias”. Por essas palavras, não parece ele que sabia da guerra, de nenhuma medida tomada pelo poder secular contra a revolta dos camponeses.

Pelo pecado deles, diz Lutero, esses devem sofrer a pena de morte do corpo e da alma. Pela pilhagem que estavam fazendo nos conventos e castelos, eles devem ser mortos, e o primeiro que o fizer está agindo bem. Ensinou a matar os revoltosos aberta ou secretamente.

Aludindo à doutrina pregada pelos anabatistas, afirma que o batismo não faz o homem livre em propriedade e corpo, mas na alma. E tratando-os como hereges, escreve: “Bons cristãos eles são! Eu penso que não há diabo deixado no inferno; todos eles entraram nos camponeses.”

Quanto à sua posição a respeito do poder secular, seja ele cristão ou mesmo pagão, é que os perturbadores e desobedientes devem ser punidos. Afirma: “Esse não é um tempo para dormir. E não há lugar para paciência ou misericórdia. Esse é o tempo da espada, não o dia da graça.”

Dependendo de Lutero, após a revolta dos camponeses, a sorte deles teria sido diferente? Basta pensar.

Agora, como Lutero não foi o responsável direto de tudo isso, e chegou a criticar os príncipes por sua crueldade naquele empreendimento, isso é visto com bons olhos, o que não seria de forma alguma se se tratasse da Igreja Católica. De fato, Lutero é facilmente perdoado e defendido, pois está “longe” de ser como os “papistas”. Não é mesmo?






[1] Cf. http://beggarsallreformation.blogspot.com.br/2007/11/luther-and-peasants-revolt.html.


[2] http://www.scrollpublishing.com/store/Luther-Peasants.html.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

A MÃE DOS "IRMÃOS" DE JESUS

As mulheres na cena da crucifixão e sepultamento de Jesus
Estudar a Bíblia, a Palavra de Deus, é maravilhoso. Os ensinamentos são riquíssimos e de natureza eterna. Um dos temas que mais me ensinou verdades profundas da Palavra de Deus foi o estudo sobre a virgindade de Maria. Impressionante é que o tema faz-nos deslocar para outros assuntos que lançam luzes nas verdades que concernem a Jesus Cristo nosso Redentor e Salvador. Esse é o objetivo de toda a Revelação.
Lendo a cena da crucificação, em Mateus 27, 54-57, e depois a do relato do sepultamento e da ressurreição, em Mateus 27,60-61 e Mateus 28,1-14, procurei identificar as mulheres que ali estavam junto à cruz e nos momentos seguintes.
O verso 55 afirma que “algumas mulheres, que de longe olhavam” eram mulheres que tinham vindo da Galileia, seguindo a Jesus, para servi-Lo. Afirma o evangelho: “tinham seguido Jesus desde a Galileia”. (v. 55) Não sabemos se todas eram nascidas ou não na Galileia, ou se todas apenas moravam ali, mas sabemos que a origem do seguimento de Jesus deu-se nessa região. Foi de lá que elas vieram com Jesus a Jerusalém.
O verso 56 nos informa quem eram elas: “Entre elas se achavam Maria Madalena e Maria, mãe de Tiago e de José, e a mãe dos filhos de Zebedeu.” Temos no relato de São Mateus uma identificação de “algumas mulheres”, não de todas, pois ele continua a narração afirmando: “entre elas”, expressão que nos prepara para termos um relato parcial de quais pessoas estavam ali naquela ocasião. E o evangelista menciona três mulheres. A primeira é Maria Madalena, aquela discípula da região de Magdala. A segunda é a Maria mãe de dois personagens, certamente de vulto, pois é por eles que ela é identificada aqui, os quais são Tiago e José. E a terceira é a mãe dos filhos de Zebedeu, portanto, outros personagens bastante reconhecidos, pelos quais sua mãe era identificada, e que em outras passagens sabemos tratar-se de Tiago e João.
Após a crucificação parece ter ficado naquele local apenas duas mulheres, conforme nos relata São Mateus. Essas duas foram Maria Madalena e a outra Maria, que “ficaram lá, sentadas defronte ao túmulo” (Mateus 27, 61). Então, depreende-se que as outras mulheres, juntamente com a mãe dos filhos de Zebedeu, foram embora, e ficaram em outro lugar. Apenas duas continuaram ali. Isso se fôssemos considerar que o relato exclui a presença de outras pessoas por não tê-las mencionado. Esse caso ficará mais claro durante o estudo.

Identificando as pessoas que foram ao túmulo
Sabemos por Mateus 28, 1 que as duas mesmas mulheres, ao amanhecer, foram ao túmulo. Nessa ocasião São Mateus as descreve como “Maria Madalena e a outra Maria”, as duas mesmas mulheres que foram apresentadas na cena de Mateus 27,56 e 61. Essas duas viram o anjo descer do céu e rolar a pedra que fechava o túmulo, e logo após tiveram a visão de Jesus. Isso está escrito em Mateus 28, 9. Elas aproximaram-se de Jesus, prostraram-se diante dele, e beijaram-Lhe os pés. Depois, continuaram sua caminhada para dar a boa nova aos discípulos.
Todo o contexto dessa cena mostra as duas mulheres como discípulas de Jesus. Vejamos que nos versos 55 e 56 acima citados, está escrito: “Havia ali também algumas mulheres que de longe olhavam; tinham seguido Jesus desde a Galileia para o servir. Entre elas se achavam Maria Madalena e Maria, mãe de Tiago e de José, e a mãe dos filhos de Zebedeu”.
Esse contexto permite-nos ver com clareza que nessa menção a mãe de Jesus não aparece. Do contrário, o Evangelista teria dito mais naturalmente que dentre as mulheres que haviam seguido Jesus estavam Sua mãe, e etc. Mas, diferentemente, após citar o nome de Jesus no relato, afirma que entre as seguidoras estava uma Maria Madalena, e a outra Maria mãe de Tiago e de José, e não mãe de Jesus, é preciso acentuar, e a mãe dos filhos de Zebedeu. Esse modo de apresentar por si mostra que a Maria citada em segundo lugar nesse versículo não é Maria mãe de Jesus.
Então fica claro, pelo contexto explicado acima, que a acompanhante de Maria Madalena não era a mãe de Jesus, mas outra Maria. Essa designação seria estranha, pelos cânones dos Evangelhos, se caso a “outra Maria” fosse a mãe do Senhor. Na cena a figura de Maria Madalena é sempre citada primeiro, seguida da outra Maria, mãe de dois personagens importantes citados, e que parece ser uma das mais próximas amigas de Maria Madalena.
Essas emocionadas mulheres estiveram de longe, olhando Jesus na cruz, ficaram após a crucificação, esperaram o sepultamento, voltaram pela manhã para embalsamar o corpo, e foram, por isso, aquelas que tiveram a notícia da ressurreição e viram a Jesus ressuscitado. Os apóstolos, e as outras mulheres, portanto os discípulos (v. 7), se lermos o termo incluindo os apóstolos e os outros discípulos em geral, estavam certamente à espera de alguma notícia dentro de Jerusalém.

Alguns detalhes na crucifixão
Na cena da crucifixão que o Espírito Santo também nos deixou, relatada por São Marcos, temos em Marcos 15, 40-41: “Achavam-se ali também umas mulheres, observando de longe, entre as quais Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago, o Menor, e de José, e Salomé, que o tinham seguido e o haviam assistido, quando ele estava na Galileia; e muitas outras que haviam subido juntamente com ele a Jerusalém.
Por essa exposição, temos maiores informações sobre as mulheres que estavam em Jerusalém no dia da morte de Cristo. Como São Mateus, também São Marcos não cita todas as mulheres, mas algumas, “umas mulheres”, como escreve, e que essas ficaram “observando de longe”. Dessas a primeira citada é Maria Madalena, como fez o evangelista São Mateus, que pode ter utilizado esse relato de São Marcos, de alguma forma. A segunda é igualmente a Maria, mãe de Tiago e de José, mas São Marcos acrescenta que o Tiago aqui citado é chamado o Menor. É por algum motivo um termo diferencial dado a esse Tiago, e lembrado aqui para maior identificação dele. Por fim, o nome da terceira mulher é revelado, trata-se de Salomé, por certo a mesma que é chamada mãe dos filhos de Zebedeu. Uma vez que ele cita o nome dela, não mencionou os seus filhos. São Mateus usou de forma inversa, mencionado o nome apenas dos filhos, para que por esses a mãe fosse conhecida.
É afirmado também que ainda “muitas outras” mulheres ali estavam, e que seguiam Jesus, assistiam-No, e que vieram com Ele a Jerusalém. Essa é substancialmente a mesma informação que tivemos ao estudar o que nos ensina o Evangelho de Mateus.
Da mesma forma, sabemos do momento do sepultamento que “Maria Madalena e Maria, mãe de José, observaram onde o depositavam”. (Marcos 15, 47) Por essa informação, falando de Jesus, temos que as quatro mulheres citadas eram discípulas de Cristo. O evangelista refere-se a Jesus quatro vezes: “tirou-o da cruz, envolveu-o no pano e depositou-o num sepulcro” e “observaram onde o depositavam”, mas não relaciona aquela Maria a Ele em nenhum momento: “Maria Madalena e Maria, mãe de José, observaram onde o depositavam”. O natural esperado seria afirmar que: Maria Madalena e Maria, Sua mãe, observaram onde O depositavam, mas a Maria é constantemente ligada a outros filhos, que até esse momento foram citados juntos, a saber Tiago e José, ou na forma do evangelho de Marcos: Tiago, o Menor, e José.
Quando São Marcos mostra o que ocorreu no dia da ressurreição, afirma: “Passando o sábado, Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago, e Salomé compraram aromas para ungir Jesus.” (Marcos 16,1) Com essa passagem aprendemos que a não menção de um, ou mais, personagem(ns) não exclui a presença desse(s). De fato, São Mateus restringe-se a citar apenas Maria Madalena e a outra Maria, e São Marcos estende sua apresentação mostrando que Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago, que com certeza é a mesma chamada por Mateus de “outra Maria”, e que também tem um filho chamado José, e Salomé estava juntas quando foram ao sepulcro. Em todo o relato de Mateus não vemos Salomé, mas o sabemos pela informação de Marcos que ela também estava presente com as outras duas mulheres.
De fato, são muitos os pormenores que há, e que são levantados por uma boa exegese. Vou restringir-me aqui ao fato que estou tentando, da melhor forma, elucidar. No verso 7 a menção “os discípulos” parece identificar os outros apóstolos, e talvez mais pessoas, sob a presidência de Pedro, que é citado à parte: “Mas, ide, dizei a seus discípulos e a Pedro que ele vos precede na Galileia”. (Marcos 16,7) No verso 9 Marcos afirma que a primeira aparição foi feita a Maria Madalena, não citando a outra Maria, e nem mesmo a Salomé, ainda que saibamos da presença delas ali naquele momento. Ressalta-se aqui o papel importante de Maria Madalena no grupo de mulheres, e na apresentação da Boa Nova da ressurreição de Jesus aos apóstolos.

O número de pessoas que foram ao sepulcro
No Evangelho de São Lucas, no capítulo 24, verso 55, está escrito que: “As mulheres, que tinham vindo com Jesus da Galileia, acompanharam José. Elas viram o túmulo e o modo como o corpo de Jesus ali fora depositado. Elas voltaram e preparam aromas e bálsamos. No dia de sábado, observaram o preceito do repouso.” Pelo que aprendemos no evangelho de São Marcos, essas mulheres não estavam com José de Arimateia enquanto ele levava o corpo de Jesus para O sepultar, mas olhavam a uma certa distância.
De igual modo, não é possível saber o número total de mulheres, mas apenas que dentre elas estavam Maria Madalena, Maria mãe de Tiago e Salomé. Ao voltar para casa, outras certamente puderam auxiliar no preparo dos bálsamos, mas não sabemos a identidade de todas as que foram de madrugada ao sepulcro, apenas temos, até aqui, por certo três delas, como visto acima.
São Lucas fornece ainda mais outros detalhes não encontrados nos outros evangelhos precedentes, de forma a enriquecer a cena, com importantes detalhes. Assim, em Lucas 24, 9, afirma-se que elas contaram da ressurreição “aos Onze, e a todos os demais”. Isso certamente está contido no outro evangelho sob o termo “os discípulos”, contendo os apóstolos e outros seguidores do nosso Senhor Jesus Cristo.
No verso 10, do mesmo capítulo 24, temos os nomes de algumas das mulheres: “Eram elas Maria Madalena, Joana e Maria, mãe de Tiago; as outras suas amigas relataram aos apóstolos a mesma coisa”. Incrivelmente, o conhecimento da cena é ampliado. Temos que, com Maria Madalena, Maria de Tiago e Salomé, ainda encontravam-se no dia da ressurreição, indo ao sepulcro de madrugada, também Joana, e outras mulheres, suas amigas. Com São Lucas o relato fica ainda mais completo, nos informando que muitas mulheres foram ao sepulcro, e voltaram com a notícia aos apóstolos.
Prosseguindo o relato sagrado, temos no verso 18, que um homem chamado Cléofas voltava, com outro discípulo, para Emaús. (cf. Lucas 24,13.18) Certamente, pela ciência de tudo o que havia ocorrido, até mesmo da notícia da ressurreição, que algumas mulheres “dentre nós” haviam passado, esse mesmo Cléofas pode ser o esposo de Maria, mãe de Tiago e de José, mas que não crendo no testemunho das mulheres, ia para o povoado de Emaús. Não sabemos se lá moravam, ou se eram de lá provenientes, como de nascimento, mas a Bíblia apenas afirma que Cleófas e o outro discípulo, “caminhavam para uma aldeia chamada Emaús”. (Lucas 24,13) Se houve contenda entre Maria e Cléofas, ela crente e absolutamente certa do que ocorrera, ele triste e decepcionado com tudo o que vira, e desconfiado da notícia que as mulheres trouxeram, isso é uma possibilidade. Talvez Cléofas (o mesmo que Clopas) e Maria tratava-se de um casal de Emaús, que morava nessa região. Mas, os evangelhos falam que as mulheres serviam a Jesus na Galileia. Não é dito que todas eram da Galileia, mas que vieram com Jesus de lá. Por isso é certo que Cléofas, caso esse ser o mesmo do capítulo em apreço, ou outro de mesmo nome, e sua esposa Maria, ou pelo menos somente Maria, estivesse(m) servindo a Cristo em Sua missão na Galileia. Porém, ao que parece ambos estavam na Galileia.

A virgem Maria aos pés de Jesus na cruz
No Evangelho de São João vemos na cena da crucificação: “Junto à cruz de Jesus estavam de pé sua mãe, a irmã de sua mãe, Maria mulher de Cléofas, e Maria Madalena. (João 19,25) O detalhe da proximidade da cruz é importante. O evangelista está descrevendo algo bastante próximo de Jesus na cruz, de forma que Ele pudesse conversar com os presentes, como o fez com Maria Sua mãe, nos versos seguintes. Este é um relato das pessoas que ficaram, pelo menos por um tempo, aos pés da cruz.
As mulheres relatadas são Maria, citação claramente que indica “sua mãe”, e a irmã de Sua mãe, Maria de Cléofas, e Maria Madalena. Como não há meio de saber com certeza se a passagem mostra três ou quatro mulheres, pois não há sinais de pontuação no original grego, isso deve ser melhor esclarecido pelo contexto encontrado nos evangelhos.
Uma das leituras vê a irmã de Maria como a mulher de Cléofas, de nome Maria também. Outra tese considera que a irmã da mãe de Jesus seria Salomé, a mulher de Zebedeu. O original grego não traz pontuação, não há vírgula, de forma a tornar essa verificação impossível por esse ângulo. O que temos de certo é que a mulher de Cléofas é a mãe de Tiago, o Menor, e de José.
É interessante que, nessa cena, a mãe de Jesus é citada entre as mulheres. E é citada em primeiro lugar. Nos outros relatos, Maria Madalena encabeça a lista, quando não havia a menção de Maria mãe de Jesus.
A Maria de Cléofas vem em segundo lugar, com exceção, como visto neste estudo, do evangelho de Lucas, que traz Joana em segundo lugar. A Maria mãe de Tiago é citada em segundo lugar em João 19,25. Agora em João temos Maria Madalena em último. Pelo contexto vemos que o intuito foi preparar a cena onde Cristo entrega Maria a João, e João a Maria como mãe e filho. E, ainda, o lugar de Maria Madalena, sendo por último citada, mantém certo destaque. Fica evidente, porém, que Maria Madalena não é citada em primeiro lugar quando a cena traz o nome da virgem Maria, mãe de Jesus.

O modo dos evangelhos de contar os fatos
Isso podemos ver no verso 11, onde a aparição a Maria Madalena é mostrada em separado. Como a cena já foi delineada nos outros evangelhos, aprendemos com isso que o evangelista João está apenas enfatizando algo quando faz suas citações. Os personagens principais, envolvidos nos acontecimentos, segundo a vontade de Jesus, são os mais mencionados. E quando Maria mãe de Jesus está na cena, é sistematicamente citada em lugar de destaque.
Em João não encontram-se os pormenores da observação das mulheres no sepultamento de Jesus. São João afirma do dia da ressurreição: “No primeiro dia que se seguia ao sábado, Maria Madalena foi ao sepulcro, de manhã cedo, quando ainda estava escuro”. (João 20,1) Em preparação para a cena da aparição de Cristo a ela, não aparecem as outras mulheres, como o fez os demais evangelistas. Esse é um dado importante no estudo da Bíblia, onde o sentido de um versículo é completado por outro em outras passagens. Observando a cena nos vários evangelhos, a inclinação que temos é que em João 19,25 há a menção de três mulheres, e não quatro. E assim sendo, a Maria mãe de Tiago é irmã de Maria mãe de Jesus. Não é exigido que fosse filha dos mesmos pais, para não termos duas irmãs com nomes iguais, mas significa que são da mesma família, do mesmo clã judaico, de laços próximos, como primas, e por isso tratadas de irmãs. A preposição grega “e” [kai] encontra-se dividindo apenas três mulheres.

 Tiago Maior e Tiago Menor
Os contemporâneos de Jesus ficam conturbados com Sua ação e disseram: “Não é este o filho do carpinteiro? Não é Maria sua mãe? Não são seus irmãos Tiago, José, Simão e Judas ?” (Mateus 13,55)
Em Marcos 6,3 encontramos o mesmo: “Não é ele o carpinteiro, o filho de Maria, o irmão de Tiago, de José, de Judas e de Simão? Não vivem aqui entre nós também suas irmãs?
Em São Mateus, Jesus é o Filho do carpinteiro, e em Marcos é Ele mesmo o carpinteiro. Isso porque Jesus seguiu a profissão de São José. As versões mostram a fala dos contemporâneos a partir da Pessoa de Jesus: “não é Ele...”. E pela referência n´Ele falam de Maria, e depois dos irmãos. Isso quando lemos o texto de Marcos. Em Mateus fala-se de Jesus identificado como o filho do carpinteiro e de Maria, cujos irmãos são aqueles mencionados. Em Marcos não é citado São José, como o fez Mateus, mas trata-se da mesma ocasião. Um relato completa o outro, como aprendemos na Bíblia.
Esses nomes citados com parentesco em relação a Jesus, os Seus irmãos, possuem uma ordem na qual aparecem: primeiro Tiago, depois José. Simão e Judas mudam de lugar, sendo também Judas e Simão.
Lembrando que uma Maria é conhecida no Novo Testamento como a mãe de Tiago e de José, temos evidência fortíssima, e clara, de que trata-se do Tiago e do José citados em Mateus 13,55 e Marcos 6,3. Esses dois são irmãos, como evidenciado pelo contexto, e provavelmente o são também os dois últimos, Simão e Judas. Doutra forma, esses são parentes próximos.
Em Mateus 10,2 encontramos Tiago, filho de Zebedeu, irmão de João. No verso 3 é relatado Tiago, filho de Alfeu e Tadeu. Pela junção de ambos Tiago e João, e Tiago e Tadeu, parece tratar-se de duas duplas de irmãos. A primeira dupla é composta dos filhos de Zebedeu, o que está explícito, e a segunda compõe-se dos filhos de Alfeu, e esse conhecimento é fruto de exegese.
Não é apenas pela relação inferida do uso da preposição que Tiago de Alfeu e Tadeu são irmãos. De fato, Simão e André são irmãos, Tiago e João são irmãos, Filipe e Bartolomeu não sabemos, Tomé e Mateus não sabemos, Simão e Judas Iscariotes certamente não o são, mas igualmente não sabemos com certeza. A preposição “e” na dupla final pode estar referindo-se à terminação da lista com Judas: “e Judas Iscariotes, que foi o traidor”. Os outros que são apresentados pela preposição talvez possuam algum laço comum.
A lista do Evangelho de Marcos traz um agrupamento diferente, mas Tiago aparece como filho de Alfeu, seguido de Tadeu e Simão. (Marcos 3,16-19) Simão e André aparecem separadamente, pois abre-se uma explicação para o nome Pedro, dado a Simão, e o de Boanerges, dado a Tiago e João. Segue então a lista de forma parecida com a anterior de Mateus.
Na relação de São Lucas, há os apóstolos Tiago e João, sem qualquer identificação, e Tiago é mostrado como filho de Alfeu, seguido por Simão e Judas, traduzido por “irmão de Tiago”. O original traz “Judas de Tiago”. (Lucas 6,12-15)
Em Atos dos Apóstolos há uma nova enumeração, mas Tiago filho de Alfeu é seguido por Simão e Judas. Simão é dito o Zelador, e Judas é o irmão de Tiago. (Atos 1,13-14)
Impressionante que na lista dos apóstolos, Tiago é citado primeiro, identificado como filho de Alfeu, ou Tiago de Alfeu, como está no original, depois do qual seguem Judas e Simão. Simão é apresentado como zelota, por ser membro do partido dos zelotes ou por ser um judeu zeloso pela Lei. Judas é também chamado Tadeu, e é em Atos ligado a Tiago: Judas de Tiago. Temos assim, sem as qualificações: Tiago, Simão e Judas, na lista dos apóstolos.
Segundo o costume do evangelho de citar dois irmãos, separando-os por uma explicação ligada a um deles, como feito em Mateus 10,2: “Simão, chamado Pedro, e depois André, seu irmão”, ao invés de apenas Simão e André. E também com Tiago e João: “Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão”, é bastante provável que a especificação: “Tiago, filho de Afleu, e Tadeu” tenha o mesmo sentido, ou seja, “e Tadeu”, seu irmão. (cf. Mateus 10,3) Assim, temos Tiago e Judas como irmãos de fato.

Tiago de Alfeu é o "irmão" de Jesus e foi apóstolo
Sendo que Tiago de Alfeu é um apóstolo, fica claro ainda em outra passagem, em que São Paulo o disse em Gálatas 1,19: “Dos outros apóstolos não vi mais nenhum, a não ser Tiago, irmão do Senhor”. Dessa explicação, sabemos que Tiago é um apóstolo, pois Paulo fala: “Dos outros apóstolos” e “a não ser”, ou seja, ele não tinha visto, além de Pedro, a nenhum outro, somente a Tiago. E esse Tiago é chamado “o irmão do Senhor”.
Temos um conjunto já formado de informações: Tiago é filho de Alfeu, é um apóstolo, e é um irmão de Jesus. Por essa indicação percebe-se que Tiago é um personagem muito conhecido no Novo Testamento. É ele quem encabeça a lista dos irmãos: Tiago, José, Simão, Judas. É por ele que a lista dos apóstolos identifica o parentesco com Alfeu. E por isso, conclui-se que a Maria, citada muitas vezes nos evangelhos como mãe de Tiago, e de José, é a mãe do apóstolo Tiago, filho de Alfeu. É também a ele que São Judas refere-se quando escreve: “Judas, servo de Jesus Cristo e irmão de Tiago”. (Juda 1) Temos assim Tiago, José e Judas plenamente identificados, com uma harmonia incrível.
Quando ao apóstolo Simão, a História Eclesiástica de Eusébio de Cesareia mostra que Hegesipo testemunha que ele é filho de Cléofas e irmão de Tiago, o que faz completa a lista de Mateus 13,55 e Marcos 6,3. De fato, ele foi o sucessor de São Tiago no posto de bispo em Jerusalém. O Tiago Maior, que é irmão de João, é o filho de Zebedeu. O Tiago Menor é o filho de Cléofas, por certo o mesmo Alfeu, esposo da outra Maria.

Aparições de Cristo
Como já vimos, os relatos são normalmente feitos segundo os fatos relevantes que aconteceram, e as pessoas mencionadas são aqueles que mais de perto estiveram ligadas ao fato específico. Assim, em João 20,1-2 está escrito: “No primeiro dia da semana, Maria Madalena vai ao sepulcro, de madrugada, quando ainda estava escuro e, vê que a pedra fora retirada do sepulcro. Corre, então e vai a Simão Pedro e ao outro discípulo, que Jesus amava, e lhes diz: “Retiraram o Senhor do sepulcro e não sabemos onde o colocaram”.
Sem recorrer aos outros relatos desse acontecimento do dia da ressurreição, teríamos que somente Maria Madalena foi ao túmulo de manhã, e ao notar que Jesus não estava lá, voltou a contou o fato a Pedro e a João. Somente essas pessoas são citadas, e a cena parece clara quanto à presença de somente elas. E percebemos uma ida de Maria Madalena aos discípulos antes que Jesus aparecesse a ela.
E se a leitura continuar, o mesmo segue-se, pois a aparição dos anjos e do Senhor é feita a Maria Madalena, e ninguém mais é citado na cena por São João. (cf. João 2, 11-18)
No verso 19 vemos que ao cair da tarde, no mesmo dia, o domingo, Jesus aparece a todos os apóstolos, com exceção de Tomé. Esse não estava lá, e por isso não creu na ressurreição através do testemunho dos outros. (João 20,24-25) Mas, a misericórdia de Jesus é infinita, e Ele aparece oito dias depois, aos discípulos, e nesse dia Tomé estava presente. (vv. 26-27)
Após alguns dias, Cristo apareceu novamente aos discípulos no mar de Tiberíades. Lá estavam Pedro, Tomé, Natanael, Tiago, João, e mais dois outros, dos quais não são citados os nomes. Nessa aparição ele conversa com Pedro, fazendo-lhe a promessa de apascentar Seus cordeiros e ovelhas. (João 21, 1-3.15-18)
No evangelho de Mateus vemos Maria Madalena acompanhada ao ir ao túmulo pela manhã, e ao ver o anjo e o Senhor ressuscitado. (Mateus 28, 5.9) Por essa passagem, fica ainda mais claro o fato de que os evangelistas podem citar parcialmente um acontecimento, para dar-lhe sua ênfase particular, e que a cena pode ser construída com o auxílio de outras passagens sobre ela.
São Marcos afirma a aparição a Maria Madalena, e depois a dois discípulos que iam ao campo. (Marcos 16, 9.12) Depois, fala da aparição aos Onze. (Marcos 16,13) Portanto, lendo esse relato nos versos 11 e 12 temos a impressão de que após a aparição a Maria Madalena a próxima foi àqueles discípulos que caminhavam para o povoado de Emaús.
Nesse mesmo sentido, São Lucas fala a respeito da visita de Pedro ao sepulcro: “Pedro, contudo, levantou-se e correu ao túmulo. Inclinando-se, porém, viu apenas os lençóis. E voltou para casa, muito surpreso com o que acontecera.” (Lucas 24,12) Não percebemos outras pessoas com São Pedro nesse momento. Mas, pelo relato de São João, isso fica claro, pois ao sair São Pedro, São João corre atrás dele, e o ultrapassa, chegando primeiro ao túmulo, ficando do lado de fora. Pedro chega logo após e entra no sepulcro. (João 20)
E dos dois discípulos, que através de São Marcos não lemos os nomes, em São Lucas um deles é nomeado Cléofas. Depois que viram Jesus ressuscitado, voltam a Jerusalém com a fé restabelecida, e mencionam o fato de que Jesus apareceu a Simão. (Lucas 24,18.34) No verso 24 é relatado que o testemunho das mulheres apenas trazia a aparição angélica, e que ninguém ainda havia visto o Senhor. Então, é narrada a aparição aos discípulos, nos versos 37 a 52.
Escrevendo sobre esses acontecimentos, o apóstolo São Paulo mostra que isso é conteúdo da fé cristã. Em primeiro, ao lembrar as aparições, menciona a aparição a Cefas (Pedro), e depois aos Doze apóstolos. Ainda uma aparição a quinhentos irmãos, uma a Tiago, e depois uma a todos os apóstolos. E por fim fala da aparição a ele mesmo. (1 Coríntios 15,5-8) Pelo visto, São Paulo não está fazendo uma citação com a cronologia completa das aparições, mas manifestando que essas são parte da fé cristã original, oficial, e obrigatória a todo o cristão professo.
Pela descrição dos discípulos de Emaús, e de São Paulo em 1 Coríntios 15,5, teríamos que o primeiro a ver o Senhor foi Simão Pedro, mas que os relatos nos mostram que foi a Maria Madalena, e a outras mulheres com ela, que o Senhor apareceu primeiramente.
Aprendemos que as citações nem sempre revelam, separadamente, toda a cena, e deixam-nos impressões que não condizem com as mesmas, quando fazendo uma exegese cuidadosa, segundo os dados fornecidos. Muito pode fazer parte da nossa imaginação, que tende a completar algo que percebemos estar faltando, ou mesmo à nossa razão que está inclinada a concluir algo apressadamente, e com isso fazemos uma ideia rígida da cena, quando o texto não nos permite mais do que ele mesmo nos revelou e sugeriu.
Diante de tudo isso, alguns exigem que sejam explicados detalhes que a Bíblia não mostra serem de importância para o entendimento do que está posto. Um exemplo é a aparição a São Tiago, como revelada por São Paulo. No mesmo contexto em que as aparições de Cristo ressuscitado são mencionadas, fala-se de uma aparição a Pedro, em particular, e ao grupo em geral depois, como também conta-nos uma aparição a Tiago, e depois aos outros. Os detalhes e objetivos dessas aparições a indivíduos não são de todo revelados.
São Paulo cita a aparição que teve do Senhor como sendo a última, e isso sabemos que foi naquele momento que ocorreu a sua conversão. A Pedro e a Tiago o motivo com certeza não foi converter-lhes, pois os mesmos haviam tido outras aparições quando estavam com os demais apóstolos e discípulos. No caso de São Pedro é interessante ressaltar que na aparição feita quando estavam pescando, foi quando Jesus perguntou se ele O amava mais que os outros. Isso sugeriria que a aparição particular ainda não tivesse ocorrido, se fôssemos pensar que Jesus teria feito esse questionamento logo na primeira oportunidade. De fato, a ordem das manifestações de Jesus não é plenamente conhecida.
Desse modo, a aparição a Maria Madalena e às outras mulheres é seguida daquela aos dois discípulos, ou seja, a Cléofas e ao outro, que dirigiam-se a Emaús. Quando, porém, voltaram aos Onze, os dois contaram tudo o que tinham visto, e testemunharam uma aparição a Simão. (Lucas 24,18s) Pelos dados do evangelho de João teríamos que a aparição a Maria Madalena foi seguida por aquela aos discípulos de Emaús. Porém, ao ler o relato dos mesmos, vemos que uma aparição a Simão pode ter ocorrido nesse intervalo, após a manifestação a Maria Madalena, e antes daquela que eles tiveram a graça de receber.
Mas, há outra possibilidade. O uso da designação os “Onze” pode ser referencial, de forma a não equivaler ao número exato dos onze apóstolos em cada momento em que o termo é empregado, sendo usado apenas para indicar o grupo dos apóstolos, ainda que refira-se a um número menor deles em uma ocasião. Da mesma forma, quando “os discípulos” são indicados, não sabemos quantos deles estavam reunidos, a não ser que um esclarecimento seja dado na Palavra de Deus.
Por esse ângulo, no verso 19 do capítulo 20 de São João está escrito: “Na tarde do mesmo dia, que era o primeiro da semana, os discípulos tinham fechado as portas do lugar onde se achavam, por medo dos judeus. Jesus veio e pôs-se no meio deles. Disse-lhes: “A paz esteja convoco!””. E, mais adiante, no verso 24, há um esclarecimento: “Tomé, um dos Doze, chamado Dídimo, não estava com eles quando veio Jesus.
Assim, conforme Marcos 16,13, os dois discípulos contaram a aparição aos Onze, e esses não creram: “Eles foram anuncia-lo aos demais. Mas estes tampouco acreditaram”. A expressão “aos demais” poderia indicar todos os outros discípulos, mas não é isso necessário. E pela análise contextual, isso é menos provável. Assim, possivelmente, Pedro não estava ali ainda, e sua aparição foi revelada por Jesus aos discípulos e Emaús. Cristo certamente contou-lhes da Sua aparição a Simão. Isso é reforçado pela informação de que “mas estes tampouco acreditaram”, o que se entendido como incluindo todos os onze, colocaria Pedro e João nessa categoria, o que sabemos não ser o caso.
De fato, em João 20, 7 e 8 está escrito que João chegou ao sepulcro, mas não entrou de pronto. Pedro chegando em seguida, entrou no sepulcro, viu o sudário e os panos. Logo, entrando João, “viu e creu”. Então, o verso 9 mostra a fé de ambos: “Em verdade, ainda não haviam entendido a Escritura, segundo a qual Jesus devia ressuscitar dentre os mortos.” A fé foi a eles completada naquele momento. Então, o verso 10 mostra que eles “voltaram para as suas casas”. Essa informação explica o motivo de Pedro não estar entre os “onze” quando os discípulos de Emaús contaram o que havia ocorrido no caminho.
Não compreendendo esse modo bíblico de relatar os fatos, alguns afirmam que a aparição a Tiago provaria tratar-se de um “outro” Tiago que não estava no número dos Doze, pois Jesus já havia aparecido aos apóstolos mais de uma vez, e não haveria razão para, em particular, aparecer a Tiago novamente. Seria essa a ocasião de reavivar ou dar a fé a um incrédulo. Mas, como já pode-se notar neste estudo, Jesus aparece a Pedro em circunstância similar, ainda que já tivesse aparecido a ele noutras ocasiões. Em nenhum momento a Bíblia afirma o motivo dessas aparições. E se o caso da tríplice exigência de da confissão de amor a Cristo foi a primeira aparição a Simão, então temos que a aparição em particular tem outra razão que não seja o testemunho da ressurreição. Esse certamente não foi o motivo em cada vez que aparecia. No entanto, o contexto inteiro é uma prova de que o Senhor está vivo, ressuscitado, e várias vezes apresentou-Se aos discípulos, falou com eles, tomou refeição com eles, partiu o pão, ensinou-lhes. Sabemos que Cristo apareceu durante quarenta dias, falando das coisas do reino. (Atos 1,3) Portanto, foram inúmeras aparições, a grupos de pessoas, a pessoas em particular, em diversos momentos. E, estritamente em concordância com os dados bíblicos, sabemos que nenhum motivo há para levantar qualquer problema quanto à identidade do apóstolo Tiago, que é filho de Maria e Cléofas-Alfeu. O que passa disso é fruto de imaginação.

 Aparição a Tomé
As Escrituras mostram que o apóstolo Tomé foi aquele que não creu na ressurreição do Senhor, e exigiu que para isso devesse primeiro ver e tocar o corpo de Jesus. (João 20,25) Por isso, na cena acima relatada, que está no evangelho de são João, a primeira aparição especifica que Tomé Dídimo não estava com os outros discípulos naquele momento. Isso prepara para entendermos o modo do Senhor tratar aquela questão.
Oito dias depois, no domingo próximo, Jesus aparece aos discípulos. Então, o verso seguinte afirma que “estavam os seus discípulos outra vez no mesmo lugar e Tomé com eles”. (João 20, 26)
Tomé foi aquele que pôs um desafio ao Senhor, e a aparição a ele foi entre os outros discípulos. Se alguém precisava de uma aparição exclusiva, esse foi Tomé. Mas, ainda assim, oito dias transcorreram sem que Jesus fizesse isso. Dirige-se a ele individualmente, sim, mas entre os outros, diante de todos. Portanto, a Bíblia não oferece nenhuma base para que seja fixado um objetivo de Jesus ao revelar-Se a alguém, ou a um grupo. E ainda que o fim seja provar Sua ressurreição, não há motivo de pensar que a aparição seria feita individualmente.

São Pedro e São Tiago
O apóstolo Tiago é um dos mais citados na Igreja primitiva, como sendo de autoridade notória naqueles tempos. Por exemplo, Pedro manda anunciar a Tiago o que havia ocorrido. (Atos 12,17) É São Tiago que fala após Pedro decidir a questão no Concílio de Jerusalém. (Atos 15,13) Localmente, entretanto, era São Tiago o bispo da igreja na cidade de Jerusalém, ainda que São Pedro fosse o primeiro dos apóstolos.
Portanto, a aparição a Tiago em particular está nesse contexto que envolve um dos maiores líderes da igreja local de Jerusalém. São Pedro o chefe do colégio apostólico, e São Tiago o líder da igreja local de Jerusalém, sendo o seu primeiro bispo. E esse Tiago é o filho de Alfeu e Maria, a mesma chamada nos evangelhos de “a outra Maria”, como fica claro pela correta exegese, e comprovado por documentos históricos.
Christopher Wong afirma que provavelmente a outra Maria era cunhada da virgem Maria, mãe de Jesus. Ele cita as informações que Hegesipo conservou, de que Simão era filho de Cléofas, e foi bispo de Jerusalém. Afirma, ainda, que Cléofas era irmão de São José.[1]

Por tudo isso, aprendemos que a Bíblia corrobora a doutrina da virgindade de Maria, e conforme a profundidade exegética aumenta, mais é notória a verdade de que Jesus foi seu Filho único. 

Gledson Meireles.