segunda-feira, 27 de abril de 2020

Sola Scriptura

SOLA SCRIPTURA

Objeção 1: A Bíblia é a única regra infalível de fé, clara quanto à mensagem da salvação, podendo ser entendida por todos e qualquer um, não necessitando de interpretação de alguém, quando alguém a lê com fé e desejo de aprender a verdade de Deus nela revelada.

Resposta à objeção 1: A regra de fé deve ser universal, clara e disponível a todos, e por isso a pregação da Igreja é o meio de instruir os cristãos e não a leitura da Bíblia. Pois, a tenra idade, a dificuldade de obter a Bíblia, o analfabetismo, a pouca capacidade de interpretar corretamente, são obstáculos que acompanham a humanidade e tornam o livre exame limitado a alguns e não útil a todos. Além do mais, muitas passagens difíceis podem produzir dúvidas importantes, mesmo quanto à doutrina salvífica.

Objeção 2: A Bíblia é a única regra de fé que pode constranger a consciência, e é clara em seu ensino central, de modo que quaisquer divisões em temas secundários não afetam a salvação. Além do mais, a Igreja Católica enfrenta divisões de ordem doutrinal, através de várias interpretações da Bíblia, sem seguir o princípio Sola Scriptura.

Resposta à objeção 2: Essa clareza central é insuficiente quando envolta pelas interpretações que ofuscam a verdade do Evangelho. Deve-se ter em mente que a Igreja primitiva era única, e não tolerava divisões, não tendo ideia de temas centrais e secundários, ideia essa que pode ser fruto de más interpretações. Quanto às supostas divisões no interior do Catolicismo, não são comparáveis às divisões protestantes, pois todos estão unidos na forma organização e culto divino, obedecendo às mesmas autoridades, reunindo-se nos mesmos lugares respectivos, lendo o mesmo catecismo. Se as intepretações são contrárias à fé da Igreja, serão consideradas heresias, e não são sinais de divisões entre os católicos. O mesmo ocorria na Igreja no tempo apostólico.

Objeção 3: Quem lê a Bíblia encontra o básico da fé que salva, aprende a doutrina de salvação que é simples e compreensível, não necessitando de outros intérpretes, pois a Bíblia é clara no fundamento da doutrina que salva. Isso não significa inexistência de pontos de difíceis, mas que esses não impedem a compreensão da doutrina da salvação.

Resposta à objeção 3: Sendo a doutrina bíblica da salvação é clara e comum ao que a lê, todos os católicos a conhecem quando leem, e encontram salvação. Portanto, as demais doutrinas que são aprendidas por meio de ajuda, e não interferindo na salvação, não poderiam ser alvo de ataques por parte dos protestantes. Uma vez reconhecendo que outras doutrinas podem ser maléficas e todo o conjunto da fé salvacional deve estar puro e sem heresias, a objeção está refutada.

Objeção 4: A Bíblia é a única regra de fé infalível, e é acompanha pela tradição e pela igreja, sendo essas subordinadas á Escritura. A tradição e pronunciamento da igreja somente podem ser autoritativos se concordar com a doutrina da Escritura, que é a autoridade última. A tradição e a igreja estão passível de reforma, sendo parte falível no que se refere ao ensino da fé e da prática, são normas regidas pela Escritura.

Resposta à objeção 4: Uma vez que a igreja e a tradição se tornam autoridades menores e falíveis, teoricamente perdem seu sentido de salvaguardar a doutrina bíblica, pois a autoridade passa para o leitor ou leitores, no caso de reuniões eclesiásticas reformadoras, que julga(m) acessar o sentido que o escritor inspirado intencionou contra a autoridade da igreja e da tradição.

1. Nas apresentações do tema Sola Scriptura é comum encontrar afirmações de que a Igreja Católica ensina ser o fundamento para a Bíblia, enquanto que o Protestantismo ensina que a Bíblia é o fundamento para a Igreja.
 
Na primeira acepção a Bíblia estaria sob autoridade da Igreja, na segunda estaria acima dela.
 
A Igreja não teria definido a Bíblia, mas a Bíblia teria definido a Igreja.
 
Os livros inspirados se impuseram pela sua autoridade e apostolicidade, e não teria sido a Igreja que teria definido a Escritura.
 
Como se pode responder a essas questões? Estaria o Protestantismo correto no seu conceito de Sola Scriptura?
 
Para formular essas questões serviu uma apresentação do slogan Somente a Escritura, pelo reverendo Augustus Nicodemus.

domingo, 26 de abril de 2020

Santo Agostinho e a transubstanciação

De forma breve deve-se afirmar que a opinião protestante sobre a fé de Santo Agostinho na eucaristia tem alguns problemas. O protestante afirma que Santo Agostinho ensinou a presença simbólica apenas. No entanto, essa opinião está equivocada, pois para o santo bispo havia no sacramento tanto o aspecto simbólico como o literal. Não entendendo isso, não se entende a doutrina católica.

Inicio esse artigo com um estudo baseado em uma parte do Sermão 272:

O profeta manda crer para entender. Então, como você nos mandou crer, nos explique, para que possamos entender:

1º) Conhecemos de onde o Senhor tomou a carne, da virgem Maria.

2º) Foi amamentado

3º) criado

4º) Cresceu

5º) ficou adulto

6º) foi perseguido

7º) foi pendurado na cruz

8º) foi morto na cruz

8º) foi tirado da cruz

9º) foi sepultado

10º) RESSUSCITOU

11º) subiu ao céu

12º) De onde virá julgar os vivos e os mortos

13º) onde está agora à direita do Pai

14º) COMO PODE O PÃO SER SEU CORPO?

RESPOSTA: A razão disso, irmãos e irmãs, é chamada sacramento. No sacramento uma coisa é vista e outra é entendida.

Essa resposta é católico romana. A pergunta aponta para o modo de entender a mudança do pão no corpo. O protestante não luterano vê o pão e o vinho e afirma que se trata de pão e vinho, e que isso simboliza o Corpo e o Sangue de Cristo. Não há tanto mistério. Ao ver o corpo e o sangue são ensinados a lembrar do sacrifício de Cristo e pela fé creem receber seus benefícios.

O católico ao contrário vê o pão e do vinho e entende ser o Corpo e o Sangue de Cristo. Isso é o mistério da fé.
(continua)
 
Gledson Meireles.

terça-feira, 21 de abril de 2020

Credo dos Apóstolos

Estudos a partir da obra:

O Credo dos Apóstolos: as doutrinas centrais da fé cristã - Franklin Ferreira.

 
É com satisfação que escrevo essa análise e entro em possível diálogo com o autor dessa obra importante para a compreensão da fé cristã, e resgate de doutrinas e meios de expressão das doutrinas, como é o Símbolo dos Apóstolos, também conhecido como Credo dos Apóstolos, tão comum na Igreja Católica, rezado em todas as santas missas, e em tantas outras ocasiões, sendo pelos cristãos católicos guardado de cor desde a infância, sendo modelo para os catecismos da Igreja, uma fonte onde é a doutrina bíblica explicada, mas ao mesmo tempo quase desconhecido nas igrejas que tiveram origem no fundamentalismo protestante e que ainda hoje são contrárias e resistentes contra o uso de catecismos, confissões de fé e credos.

Este artigo tratará do artigo do credo que reza Jesus “nascido da virgem Maria”. Muito boa a iniciativa do pastor e teólogo batista Franklin Ferreira, ao introduzir essa obra para estudar os fundamentos da fé cristã, tratando das doutrinas mais fundamentais, mais básicas, mais comuns, que por sua posição no depósito da fé, podem atingir e unir a maioria dos cristãos, em seus enunciados puros como feitos nos artigos do credo apostólico. No entanto, restam as importantes implicações implícitas dos artigos.

Tendo em vista o artigo VIII do livro, que versa sobre a concepção virginal de Jesus no ventre da virgem Maria, o intuito de escrever este estudo é enriquecer o entendimento do credo, buscar maiores compreensões da doutrina, estreitar laços de fraternidade cristã, abrir espaço para diálogo com líderes que podem, por sua posição e formação, levar outras pessoas a crer na verdade, e assim levá-las aproximar-se mais ainda de Jesus o Senhor.

É esperado que um protestante não desenvolva os artigos do credo de forma análoga ao que é feito na Igreja Católica. Mas é igualmente certo que ao aproximar-se desse assunto e instrumento da verdade, o estudioso cresce em direção à verdade, e assim fazendo chega mais perto do depósito da fé cristã católica. São muitos os exemplos disso, e durante o estudo essa afirmação será solidificada. Por isso, é importante chamar a atenção para pontos que podem ser levados adiante ao estudar o Credo.

Ao começar sua abordagem do tema do nascimento virginal, o autor traz o enfoque sobre o caráter milagroso do nascimento de Cristo, assim também como foi milagre o fim da Sua vida terrena e subida ao céu, e aponta para a ação de Deus na salvação, agindo sozinho, monergisticamente, sem cooperação da criatura. O nascimento virginal de Jesus aponta para Deus que salva sem ajuda do homem.

Lembrando a dificuldade da Igreja nos primeiros séculos para defender essa verdade bíblica importante, o autor mostra outra verdade que nasce da compreensão desse artigo, que é Jesus como nascido sem pecado.

A essa altura, o caráter do assunto da virgindade de Maria entra em cena com maior força. Não precisamos temer o ensino bíblico sobre a virgindade de Maria, escreve o autor.

De fato, os protestantes lembram-se desse tema ao pregar para católicos ou envolver-se em discussão relativa ao catolicismo. Fora disso, não há ênfase na ideia da virgindade de Maria, a mãe do Senhor. E é justamente esse ponto que será frisado aqui: nascido da VIRGEM Maria.

De fato, sabendo que não é possível para um cristão negar qualquer parte do credo apostólico e continuar a ser reconhecido como cristão, estamos em terreno comum, onde reconhecemos a importância do lugar em que caminhamos.

Finalmente, o autor trata do assunto das revelações Deus na natureza, por exemplo, e afirma não servem para levar o homem a Deus, mas apenas para torná-lo indesculpável. Essa é outra parte da doutrina que deveríamos pensar um pouco.

Ressaltando, por meio desse artigo do seu livro, “Jesus Cristo nasceu da virgem”, primeiro o monergismo divino na salvação, e depois a fé no Salvador sem pecado, o autor faz duas contribuições para os protestantes em particular, e para os cristãos em geral, que devem professar o credo.

Nessa abordagem, porém, poderão ser feitas ulteriores reflexões sobre a encarnação, como distintivo da fé cristã (1 João 4, 2; 1 Timóteo 3, 16). Ser cristão é professar que Jesus foi concebido pelo poder do Espírito Santo e nasceu da virgem Maria. Veio do céu, tornou-Se homem, da mesma natureza humana que todos participamos, e que a humanidade de Cristo foi proveniente de forma direta da humanidade de Maria. Ela é verdadeiramente sua mãe.

Com isso, temos a fé sólida de que Jesus é Deus e Homem, uma só Pessoa com duas naturezas, e compreendemos a graça e a glória que Maria recebeu de Deus.

Aprendemos ainda, com esse artigo, que Jesus foi ungido pelo Espírito Santo desde sua concepção, nascendo como o Cristo, o Ungido, o Messias salvador.

Diante de tudo isso, a Igreja ensina que tudo o que cremos a respeito de Maria tem fundamento em Jesus Cristo, mas não devemos esquecer que tudo o que a fé ensina sobre Maria leva à maior compreensão da fé em Jesus Cristo, e tem nisso a sua importância.

Assim, a predestinação de Maria, desde toda a eternidade, é pensada quando professamos “nascido da virgem Maria”. Deus a predestinou a ser a mãe do Salvador, associando-a no mistério da redenção, fazendo-a participar por sua liberdade, dando o sim a Deus.

Esse artigo ensina a fé bíblica de que para responder a Deus, Maria devia estar totalmente na graça de Deus. E assim o foi.

Por essa verdade, ao longo dos séculos, a Igreja foi conscientizando-se da santidade de Maria. Até que ponto a graça tinha operado a santificação na mãe do Senhor Jesus? Foi então que chegou-se à conclusão de que a virgem foi preparada na sua concepção, recebendo a salvação de Deus, sendo redimida por Cristo no instante da sua existência.

É outra forma de entender a ação monergística de Deus, salvando a mãe do Senhor Jesus. Por isso, a virgem Maria é chamada no evangelho, sob ação do Espírito Santo, de “mãe do meu Senhor” (Lucas 1,43). Esse é o Senhor de Israel, o Deus Todo-Poderoso, na pessoa do Filho. O Salvador sem pecado nasce de uma jovem virgem sem pecado. Glória a Deus no mais alto dos céus!

Outra verdade tem a ver com a virgindade de Maria. Essa foi entendida sempre, com os melhores padres e apologistas cristãos, dos primeiros séculos, como virgindade perpétua. Santo Agostinho afirma que Maria foi uma verdadeira e inviolada mãe, ou seja, mãe verdadeira de Jesus, mas mãe virgem, pois o seu nascimento foi um milagre. Jesus Cristo foi concebido na virgem e nascido da virgem.

E para preservar essa verdade, nenhum filho foi gerado no ventre de Maria após o nascimento do Salvador Jesus. A verdade da concepção e nascimento virginal é tão cara na Bíblia, que o evangelho é exato em afirmar que José não conheceu Maria antes e durante toda a gestação de Jesus. O motivo de enfatizar isso não era a vida conjugal futura entre Maria e José (pensar isso, argumentar nisso, é um erro), mas mostrar que não houve participação humana alguma na geração e nascimento de Cristo.

Entendido isso, compreendemos o porquê do Evangelho apropriadamente afirmar que José não conhecer Maria até que ela desse à luz. É grande essa verdade do nascimento virginal de Jesus.

E para concluir, com breves alusões a verdades tão sublimes, esse artigo ainda aponta de forma sensível à maternidade de Maria em relação a todos os que creem em Cristo. Ele é o primogênito entre muitos irmãos. (Romanos 8,29) Concebe-se aí,  Maria mãe de Jesus e dos cristãos. A concepção virginal de Cristo aponta para o novo nascimento pela fé de cada cristão, que é concedido pelo Espírito Santo.

Maria é virgem e mãe, tornando-se símbolo da pureza, características da Igreja. Dessa forma, ela é um membro da Igreja que tornou-se símbolo da própria Igreja. É pura, sem pecado, como é a Igreja que deverá alcançar a vitória completa sobre o pecado no dia da vinda de Cristo. Essas são algumas verdades que aprendemos ao professar: “Concebido pelo Espírito Santo, nasceu da virgem Maria”.

Foi possível ver mais ações monergísticas de Deus, compreender melhor até onde a santidade de Jesus alcançou, santificando Sua própria mãe, e como a virgindade da mãe preserva melhor a fé na Pessoa do Filho contra os insultos que inimigos da fé lançam sobre a revelação bíblica e o credo apostólico.

Gledson Meireles.

domingo, 19 de abril de 2020

Conversões de protestantes ao Catolicismo

As conversões ao catolicismo são vistas pelo teólogo Franklin Ferreira como baseadas majoritariamente na Igreja.
 
Assim, os ex-protestantes eminentes que tornaram-se católicos nos últimos anos, fizeram isso por causa de uma ênfase na Igreja, símbolos e ritos, como fundamento e apoio para a fé, e deixando em segundo plano a Palavra de Deus e o sacerdócio exclusivo de Cristo.
 
É a opinião de um protestante que lamenta que homens fieis do protestantismo tenham saído dele e ingressado nas fileiras católicas.
 
Mas, será esse mesmo o motivo? Eles olharam para a Igreja e ficaram entusiasmados e esqueceram da Palavra de Deus e do sacerdócio de Jesus?
 
Eles puserem outro fundamento que não o Senhor Jesus Cristo? E por isso deixam de ser protestantes?
 
Não parece que tenha sido esse o motivo. Leia o testemunho de Scott Hahn, por exemplo.
 
Refletir!
 
Enquanto estudamos a doutrina reformada, pensemos nessas questões. Que Jesus seja o único fundamento, como ensina a Igreja Católica.
 
Gledson Meireles.

sábado, 18 de abril de 2020

O Cristão Reformado: sola gratia

Sola gratia

É esse ponto da doutrina protestante, e de forma particular, no ramo reformado, ensina que a totalidade da salvação é pela graça, entendendo que o homem não tem participação nenhuma quanto ao mérito, não podendo contribuir com nada, nem mesmo quanto à noção de cooperação. Ainda que na santificação haja essa sinergia, os reformados não entendem que isso tem qualquer ligação com a salvação, mas que é apenas fruto dela.

Esse entendimento leva a crer que tudo já está disponível, a eleição, a predestinação, a redenção, a santificação, os dons, apenas devendo ser entregue ao eleito, e só ao eleito, já que ninguém mais pode participar dessa realidade. Então, toda a vida cristã é resultado da graça de Deus.

Algo que se deve considerar aqui é a questão do pecado, já que também o reformado crê que não há liberdade para viver no pecado. Há, porém, muitos que inebriados com a ideia de que nada que façam pode afetar a salvação, que com frequência caem em pecados e vão perdendo a capacidade de arrependimento, já que tudo é pela graça, que não se merece nada, mas também não pode desfazer a graça de Deus, nem deve viver com a ideia de punição. Isso pode levar a um grande relaxamento espiritual. Essa segurança não raramente alimente o orgulho.

Essa é a doutrina e uma pequena contribuição crítica sobre a mesma, da forma que é ensinada pela teologia reformada.

No presente estudo, veremos o que a Igreja Católica ensina sobre a graça, utilizando de fontes protestantes para aprofundar a reflexão. Essa não é uma parte fácil de ser entendida na teologia cristã católica, e por isso tantos a entendem mal. É por esse motivo que apóstolos tiveram que várias vezes exortar os cristãos a não viverem no pecado, pois a pregação da graça parecia insinuar que a vida de pecado era algo irrelevante.

 
O cristão católico e a graça

A teologia católica ensina que a graça é o favor ou socorro gratuito que recebemos de Deus. Nós recebemos a graça para poder responder ao convite de Deus. (Catecismo da Igreja Católica, número 1996).

Ainda, ensina que a vocação para a vida eterna é “dependente integralmente da iniciativa de Deus”. Não há nada em nossa inteligência e nossa vontade que possa alcançar a Deus por si mesma. (CIC, 1998)

A graça é fonte da nossa santificação (2 Cor 5,17-18), é o motivo, o fundamento, a fonte para que nós possamos nos santificar. É correto ter a santificação como resultado da graça e do uso que dela fazemos. Quando o homem prepara-se para acolher a graça de Deus, ele já está na graça, pois essa preparação é uma obra da graça.

Então, é que entra uma noção bastante diferente entre a concepção católica e a reformada. A graça suscita e mantem nossa colaboração na justificação e na santificação. A justificação pela fé e a santificação pela caridade.

Diante disso, surge a questão do mérito. Na doutrina católica há espaço para pensar em mérito, enquanto na doutrina reformada a palavra mérito surge apenas no contexto de negação.

No entanto, a doutrina católica exclui qualquer glória humana, qualquer jactância. Basta que creiamos como nos é ensinado.

Os méritos são dons de Deus. Isso mesmo, o mérito do homem lhe foi dado pelo Senhor. O parágrafo 2007 do Catecismo ensina que diante de Deus o homem não tem mérito algum. Essa é a parte que a doutrina reformada mantem. Esquece-se da outra parte.

O mérito das obras é de Deus em primeiro lugar, e do homem em segundo. Isso acontece verdadeiramente. É um “direito por graça”, ensina a Igreja.

Ninguém pode merecer a graça. No entanto, após o recebimento da graça o homem pode merecer o que se segue a ela. A iniciativa pura de Deus agora associa o homem na obra da salvação, de forma que ele pode obter graça na graça. O catecismo ensina, citando uma santa cristã, mostrando a pura graça do mérito, e diante de Deus apareceremos de mãos vazias. Nossas obras e méritos são graça de Deus.

A santificação se dá por renúncias e combate espiritual. Com a vida de boas obras feitas sob o influxo constante da graça, como cooperação com o dom gratuito de Deus, esperamos, também da graça, dom da perseverança final. Do começo ao fim é tudo graça. O que envolve a diferença aqui em relação à doutrina reforma é a verdadeira liberdade do homem, o livre-arbítrio que coopera com a graça da salvação.

Entendendo o Sola Gratia

O teólogo batista Franklin Ferreira cita o santo Concílio de Trento como aquele que negou totalmente “a doutrina bíblica e reformatória da justificação somente pela fé...”. Pelo contrário, o Concílio de Trento definiu a doutrina bíblica, e isso pode ser provado ao estudar a Bíblia.

Afirma mais, que na declaração conjunta de 1998 a doutrina católica não cedeu em nada e continua em divergência com a doutrina protestante. Em relação a isso, é verdade, pois a Igreja Católica não pode negar sua fé, mas houve grande acordo com os protestantes luteranos que subscrevam a declaração.

O que deve ser entendido, e o foi naquele documento, é que a fé que justifica não vem sozinha. Ela precisa da resposta livre à graça, do arrependimento. É necessária a disposição do homem. Ficou claro isso. Entre outros pontos.

O ensino do concílio tridentino sobre a justificação, pode ser resumido em atenção aos pontos aqui discutidos, em relação ao Sola Gratia, como a condenação da doutrina da salvação pelas obras, tanto as feitas pelas forças naturais do homem, ou aquelas que provêm da Lei. Esse ensino está definido no cânone primeiro.
Também foi condenada a negação do livre-arbítrio, de que o ímpio peca em tudo o que faz, a ideia de que o salvo não pode perder a graça, e outras.
É também condenada a concepção de que a graça é apenas um meio auxiliar, que de outro modo poderia ser descartada, servindo apenas como facilitadora. Essa doutrina ensina que a graça é absolutamente necessária.

(Concílio de Trento, cânones sobre a justificação, Seção VII.)

Em Romanos 8, 26 está escrito que o Espírito Santo ajuda nossa fraqueza. Essa é a graça de Deus auxiliando o livre-arbítrio do homem, que é fraco, para praticar o que deve praticar.

A constante ajuda da graça para a salvação, pois não podemos ter um pensamento bom com sendo de nós mesmos. (2 Cor 3,5) Devemos permanecer unidos à verdadeira videira (Jo 15,4).

Franklin Ferreira, no intuito de realçar a graça, a justiça de Cristo imputada ao que crê, afirma que somente Jesus foi salvo pelas obras, por ter sido o único a obedecer por toda a vida.

Para isso, cita o texto de Hebreus 5,7-10. Quando o cristão recorre às Escrituras para ensinar, temos uma base sólida e suficiente para examinarmos o ensino.

Por isso, devemos prestar atenção na afirmação e no que o texto bíblico ensina, para certificarmo-nos de que está correto.

Está escrito:

“Nos dias de sua vida mortal, dirigiu preces e súplicas, entre clamores e lágrimas, àquele que o podia salvar da morte, e foi atendido pela sua piedade. Embora fosse Filho de Deus, aprendeu a obediência por meio dos sofrimentos que teve. E uma vez chegado ao seu termo, tornou-se autor da salvação eterna para todos os que lhe obedecem, porque Deus o proclamou sacerdote segundo a ordem de Melquisedec.”

O teólogo ressaltou a obediência para afirmar a salvação pelas obras, pois o texto afirma: “aprendeu a obediência por meio dos sofrimentos.”

No entanto, não percebeu o que o texto ensina sobre nós cristãos, e que poderia tê-lo ensinado muito, e, assim, abalado a estrutura do seu sistema reformado.

De fato, o texto afirma que Jesus “tornou-se autor da salvação eterna”, e continua com a parte que devemos igualmente firmemente considerar, que diz: “para todos os que lhe obedecem”.

A obediência de Cristo ao Pai, e a nossa salvação por Cristo, desde que obedeçamos a Ele. Esse é o ensino bíblico. Conhecendo as outras passagens já estudadas, fortalece-se o ensino de que as obras têm efeito salvífico quando feitas em obediência ao evangelho.

O reformado poderia retrucar, e é esperado que o faça, afirmando que o cristão obedece porque é salvo, e não é salvo porque obedece.

Não muda nada essa objeção, pois o texto afirma que Jesus salva os que Lhe obedecem, não tendo espaço para que seja salvo só pela fé.

A questão da imputação da justiça

A ideia de imputação é verdadeira, mas não pode parar aí. Eis o problema. A justiça de Cristo é infusa em nós na justificação, de forma a nos tornar justos, e não apenas nos considerar justos.
 
Gledson Meireles.

segunda-feira, 13 de abril de 2020

O Cristão Reformado: a eleição incondicional

Eleição Incondicional



05)  Vasos de barro

Quem não aprendeu com o Sínodo de Dort que Deus teria criado uns para salvação e outros para a perdição? Mas, você sabia que Deus quer a salvação de todos, e criou o homem livre, e não determinou que ninguém fosse condenado? Esse assunto será tratado aqui.

Em 2 Timóteo 2,14, o apóstolo Paulo introduz um assunto bastante interessante que nos ensina muito sobre a predestinação. Ele dá o conselho para evitar discussões, que “só servem para perdição dos ouvintes”, e as más conversam que “contribuem para a impiedade” (v. 16).

Ao mencionar a heresia espalhada por Himeneu e Fileto (2Tm 2,17), entende-se que a “perdição” causada por motivos de vãs discussões é a perdição eterna, já que pode se causada pela adoção de heresias. Esse transtorno da fé de alguns, como está no versículo 18. Nesse cenário nos lembra os que são fieis de Deus, citando Número 16,5: “O Senhor conhece o que são seus”.

Então, introduz a bela comparação da casa cheia de utensílios (σκεύη), uns de ouro e de prata, outros de madeira e de barro, “aqueles para ocasiões finas, estes para uso ordinário?”. (2 Tm 2,20) Ou seja, uns para honra (τιμὴν) e outros para desonra (ἀτιμίαν·).

“Quem, portanto, se conversar puro e isento dessas doutrinas, será um utensílio nobre, santificado, útil ao seu possuidor, preparado para todo uso benéfico”. (2 Tm 2,21)

Usando do livre-arbítrio envolvido pela graça, pode-se através da obediência tornar-se utensílio nobre. Fazer-se um utensílio nobre ou um utensílio de uso ordinário pela obediência a Deus, é uma verdade que aponta para a grande importância da vida de fé e boas obras, em conexão com a santificação e a salvação.

É importante ressaltar também o verso 25, visto que aprendemos que os adversários precisam do “arrependimento e o conhecimento da verdade” para libertarem-se dos “laços do demônio”. (v. 26) Ou o homem está agindo sob Deus ou debaixo das influências do demônio.

Em Romanos encontramos uma comparação semelhante, com enfoques específicos, onde a criatura olha para Deus e não há razão para contestar Sua Vontade, como se um vaso de barro reclamasse ao oleiro o motivo de fazer um vaso para uso nobre e outro para uso vulgar. (Rm 9, 20-21)

As imagens são diferentes, mas o sentido idêntico. Em Romanos o apóstolo usa vasos de barro, iguais em sua forma, diferentes no uso. Essa passagem muito debatida, o que demonstra sua dificuldade intrínseca, deve ser entendida por outras mais claras, como a de 2 Timóteo comentada.

Mas, não só essa. A própria continuidade da argumentação, Romanos 9, verso 22, é capaz de lançar luz sobre o sentido do verso anterior. São Paulo responde à questão da justiça de Deus. “Onde, então, está a injustiça?”. E a resposta é que Deus, “para mostrar a sua ira e manifestar o seu poder”, suportou com paciência os objetos da ira preparados para a perdição.

Lembrando que são vasos iguais, de mesmo material, o barro, mas de uso diferente. Em 2 Timóteo a diferença de uso está atrelada à prática das obras e à vida de fé. Isso insere diferença nos usos dos vasos.

Eles são preparados para a perdição no sentido de se prepararem assim. Da mesma forma, os que são vasos de honra são aqueles que se conservam puros e sem heresias.

O que justifica essa leitura é o próprio verso 22, que afirma que Deus tem suportado com paciência esses vasos. Na mesma casa, a casa de Deus, há vasos de honra e de desonra, onde é responsabilidade dos vasos se prepararem para o bom uso, servindo ao Senhor. Essa é a doutrina das duas passagens em consideração.

Em nenhum momento a razão do castigo dos ímpios foi a vontade de Deus, nem a implicação de que os vasos foram criados para a perdição, porque Deus fez o homem bom (cf. Ecl 7,29), mas exalta-se a justiça de Deus na Sua paciência ao suportar esses vasos.

O apóstolo poderia ter dito: Onde está a injustiça, se Deus quis criar uns para a honra e outros para a desonra e ponto!? Mas não.

Onde está a injustiça, se Deus tem suportado pacientemente esses vasos de desonra? A paciência de Deus mostra Sua justiça.

A pergunta: “Por que me fizeste assim?” (v. 20) é uma ilustração. Outra é a do v. 21, quando fala das diferenças de uso de vasos feitos da mesma massa. Como que perguntando: ‘Por que me usaste assim?’.

De fato, está falando de como o Faraó foi tratado no verso 17, passando pela explicação sobre a misericórdia e o endurecimento, no verso 18, e pela pergunta enfática da queixa e da impossibilidade de resistir à Vontade de Deus no verso 19.

Em nenhum momento é dito que um vaso foi feito bom e o outro mal, ou que Deus cria um para usá-lo para o bem e o outro para o mal. A ilustração tem a ver com a liberdade de Deus em tratar Suas criaturas, escolhendo umas e não outras, para um determinado bom propósito, e castigando a outros, como é segundo a Sua justiça. É a liberdade que leva a isso.

A primeira ilustração aplica-se bem ao caso de Jacó, a outra na questão referida cabe perfeitamente ao Faraó. Não há injustiça da parte de Deus escolher uma determinada forma para o Seu vaso. Também não há injustiça se um vaso Ele trata com honra e outro não. Todos são criaturas de Deus e Ele faz com Suas criaturas segundo Sua Vontade. Resta ver o motivo por que trata diferentemente. (2 Tm 2,20) E esse é preparado pela criatura. (v. 21)

O mesmo foi usado antes para realçar a justiça de Deus, no caso da escolha de Jacó. Dois meninos nasceram e um foi escolhido. Deus preferiu a Jacó, mas não faz injustiça a Esaú, já que não é obrigado por nada.

No entanto, sua rejeição a Esaú não é para a perdição, como já afirmado, pois Deus não age contrariamente ao Seu caráter santo.

Tudo isso está de acordo com o início de todo o assunto, nos versos 11 e 12. Deus é livre nas Suas escolhas, e antes que houvesse obras da parte de Jacó e Esaú, Ele escolheu o primeiro e rejeitou o segundo.

Não para salvação e perdição, como já visto no texto sagrado do Antigo Testamento que está sendo citado, mas para eleição de Israel como povo, e embora não haja maldição de Deus para Esaú como outra nação.

Esaú respondia pelos próprios pecados. Parte-se dos indivíduos para falar das duas nações.

O contexto de Romanos 9 é a salvação de Israel, irmãos do apóstolo segundo carne. (v. 3) Mas, para explicar a dureza de Israel, São Paulo fala da promessa, razão da filiação, e não da descendência meramente natural. (v. 8)

Ilustra a liberdade da escolha de Deus com o fato de Israel ser servido pelo irmão mais velho Esaú, como está em Gênesis 25,23, e a escolha de Jacó ao invés do primogênito Esaú, em Malaquias 1,3, antes que nascessem e tivessem feito o bem ou o mal. Tratando da posição de cada um no plano da salvação e não no sentido de salvar um e condenar o outro. Eis a Palavra de Deus.

Deus é livre em mostrar Sua misericórdia. Dois exemplos são lembrados, a palavra falada a Moisés em Êxodo 33,19, quando o profeta pede para ver a glória de Deus. Então o Senhor profere as palavras “Dou a minha graça a quem eu dou a minha graça, e uso de misericórdia com quem eu uso de misericórdia”, segundo tradução literal. Isso significa que Deus usa de misericórdia com quem Lhe agrada. De fato, tudo o que Deus faz é santo e nada pode manchar Seus desígnios.

E o caso do endurecimento do Faraó em Êxodo 9, 16 após o Senhor ter revelado o derramamento dos flagelos, caso o faraó não libertasse o povo conforme a vontade de Deus. O verso 16 mostra o motivo de Deus não eliminar de uma vez o faraó: mostrar o Seu poder e glorificar o Seu Nome sobre a terra, “se” o faraó obstinar-se. (v. 17).

Esse é o sentido do motivo do faraó ter sido levantado para cumprir esse desígnio de Deus. “Haverá injustiça em Deus?”. A resposta é não.

De fato, o Senhor disse em Êxodo 3,19: “Eu sei, no entanto, que o rei do Egito não vos deixará ir, se não for obrigado por mão forte.”

Essa é a razão por que Deus endureceu o coração do faraó, para o obrigar a deixar o povo sair da escravidão. Deus sempre age para salvar, libertar, fazer o bem, mostrar Sua justiça. Assim, o endurecimento do faraó tinha sido previsto por Deus e foi o motivo do seu endurecimento.

Sabendo que o Faraó endureceria seu coração, Deus agiu sobre ele fazendo endurecer ainda mais, e o fixando nessa rebelião, que mesmo diante dos flagelos que viriam não deixaria o povo sair, até que fosse mostrada toda a intervenção de Deus. Trata-se de um castigo pelo pecado de desobediência do Faraó.

Michael Horton percebe isso, e no seu sistema onde somente Deus tem o livre-arbítrio e o homem a livre agência, um tipo de liberdade diferente para a criatura, ele afirma que as passagens que falam que Deus irá endurecer o coração do Faraó vêm no começo, citando Êx 4,21 e 7,3.

No entanto, a primeira profecia vem primeiro, em Êx 3,19. Deus sabe que o Faraó endurecerá o coração, e então ato de Deus é obrigar o Faraó por mão forte, a libertar o povo. Ele então endurece o coração do Faraó por cima do seu coração já endurecido.

Não é totalmente correta a explicação de Horton, que afirma que o “Faraó estava endurecendo seu próprio coração em resposta à Palavra de Deus”, e Deus estava fazendo o que disse a Moisés que iria fazer.

Na verdade, Deus antes mesmo de endurecer o coração do Faraó, revelou que o mesmo não deixaria o povo sair (Ex 3,19), e por isso endureceria seu coração.

Portanto, o Faraó já possuía um coração petrificado. Deus opera em cada coisa de acordo com sua (da coisa) própria natureza.

Se o coração do Faraó é ruim, então Deus operará nesse coração segundo ele merece. Essa noção pode ser percebida igualmente tendo em mente a livre agência, já que Deus não causa o endurecimento, mas encontra um coração duro, mas afirma que esse coração não poderia ser de outra forma.

No entanto, a passagem é totalmente explicada pelo livre-arbítrio, já que Deus prevê uma ação livre do Faraó e age por cima dela para realizar Seu plano de libertação. As nuances são semelhantes, mas o livre-arbítrio é mais eloquente. Não somente isso, ele é correto.

A liberdade de Deus usar de misericórdia e justiça sobre as pessoas é realçada em Romanos 9,20-21. Por isso, Deus pôde usar da dureza de coração do Faraó para mostrar Seu poder e anunciar o Seu Nome sobre a terra. Esse é o sentido do texto, e não o de que alguém foi criado para a condenação.

Os vasos de Rm 9,22 são preparados (κατηρτισμένα) para a perdição, enquanto que os do versículo 23 são que Ele preparou (προητοίμασεν) para a glória, usando a mesma palavra de Efésios 2,10, sobre as obras que Deus preparou para que andássemos nelas. A fraseologia é diferente quando se fala da condenação e da salvação. Para a salvação o Autor é Deus, para a condenação é o homem.

São Paulo afirma que os gentios procuravam a justiça e a encontraram pela fé, e os judeus procuravam a Lei que desse justificação e não a encontraram. (Rm 9, 30) Porque não a procuraram pela fé e “sim pelas obras”. (v. 31)

Para melhor resumir toda essa questão no texto de Romanos 9, façamos algumas indicações importantes para conhecimento do contexto dos três capítulos que versam sobre a eleição de Israel.

Em primeiro lugar temos que Israel possui dois sentidos no texto sagrado. Em segundo lugar, a eleição aparece com duas nuanças correlatas, ambas fundamentadas pela promessa e graça de Deus. Em último lugar, deve-se conhecer a base para a eleição e o motivo do endurecimento que Deus realiza nos corações.

Essas coisas já foram tratadas acima, mas com fins de fecharmos o argumento serão reunidas aqui no contexto de Romanos 9, 10 e 11.

São Paulo fala de Israel segundo da carne e segundo a promessa, afirmando que o verdadeiro Israel da promessa está reservado pela graça, pois a recusa de muitos não significa a rejeição do povo de Israel por parte de Deus. (Rm 11,1) Dessa forma, o contexto trata do Israel natural e do Israel da promessa. (Rm 9,8)

Também temos que a eleição é baseada na graça de Deus. Quando se diz que é pela graça, e que as obras não são causa da eleição. (Rm 9,12-13) O caso de Jacó e Esaú é apresentado para falar da liberalidade de escolha de Deus, assim como o fato do faraó egípcio ter sido endurecido tem a ver com a justiça de Deus.

Sabendo a distinção entre o Israel segundo o sangue e o Israel segundo a eleição da graça, temos a correta interpretação de todo o texto. Isso está em Rm 10, 6, onde Israel é comparado aos eleitos. Há em Israel um número eleito segundo a graça para provar que a eleição de todo o povo continua de pé. (cf. Rm 11,1)

Chegamos então ao endurecimento que Deus opera nos desobedientes. Ele o faz para salvar. Isso está em Romanos 10, 7-8.

São Paulo afirma que ainda são chamado esses que caíram por causa da incredulidade. Há em Israel os que estão endurecidos (Rm 11,7), mas não o foram para ficarem assim, mas para a salvação dos gentios. (v. 11) E estão endurecidos por que não creram.

Então, quando o tempo dos pagãos for completado, os demais serão convertidos em grande número. São Paulo fala do trabalho de pregação para levar alguns desses à salvação. (v. 13). Não está aqui falando do remanescente eleito, mas dos outros que certamente estão no endurecimento de coração.

São esses que serão enxertados na raiz santa, onde já estão os pagãos convertidos. Essa parte de Israel, em maioria, foi cortada pela incredulidade, e está endurecida, enquanto que os gentios estão firmes na fé e enxertados na oliveira santa.

Nesse contexto é revelado, mais uma vez, o livre-arbítrio dos que estão na graça, a possibilidade da perda da salvação e a eleição de Deus pela graça.

O versículo 22 fala da bondade e da severidade de Deus. Os que estão enxertados são exortados a vigiar, para que não sejam cortados.

Da mesma forma, os que estão na incredulidade possuem a esperança de serem pela fé enxertados de novo, “se não persistirem na incredulidade”.

Estamos em contexto salvacional, onde a eleição pela graça é permeada em todo texto.

Portanto, aprendemos da Bíblia, que nos leva a toda boa obra e salvação, que Deus encerrou todos na desobediência para usar de misericórdia com todos.

A eleição do remanescente e de todo o Israel está baseada na graça de Deus, pois “Quem lhe deu primeiro, para que lhe seja retribuído?”. Por tudo isso, é importante conhecer essa distinção dos dois Israel, das duas eleições, do sentido da graça, e do motivo do endurecimento, pois esse é sempre a segundo a misericórdia de Deus. A Deus toda a glória. (Rm 11,36).

04)  O problema da negação do livre-arbítrio




 

A teologia reformada ensina que o homem tem a liberdade escolher o que lhe agrada conforme suas disposições. Porém, perdeu a capacidade de escolher o bem supremo de acordo com sua natureza original.

 

Ainda assim é responsável pelas suas ações, porque sua incapacidade em fazer o bem é de origem moral, auto-imposta, feitas em Adão.

 

“Há uma certa liberdade que é possessão inalienável de um agente livre, a saber, a liberdade de escolher o que lhe agrada, em pleno acordo com as disposições e tendências predominantes da sua alma”, como afirma Louis Berkhof.

“Mas o homem perdeu a sua liberdade material, isto é, o poder racional de determinar o procedimento, rumo ao bem supremo, que esteja em harmonia com a constituição moral original da sua natureza.”

 

“O homem é incapaz como resultado da escolha pervertida que fez em Adão”. (Louis Berkhof)

 

O mesmo ensina Wayne Grudem, pois afirma que das passagens da Escritura que falam da falta de bem espiritual no homem a Escritura “não está negando que os incrédulos possam fazer o bem na sociedade humana em alguns sentidos”.

Afirma que os que não têm Cristo podem fazer escolhas, mas “não têm liberdade no sentido mais importante de liberdade – que é a liberdade para fazer o que é certo, e para fazer o que é agradável a Deus”. (GRUDEM, Wayne, p. 498)

Portanto, o cristão reformado comumente entende que o livre-arbítrio é a capacidade de escolher e discernir o bem, estar voltado para o bem, poder escolher entre o bem e o mal, no sentido mais importante, entre a salvação e a perdição.

Negando isso, porque o pecado acorrentou a vontade, então nega o livre-arbítrio, pois esse não está neutro, e está inclinado ao mal. Essa inclinação o reduziria a nada, a mero nome.

O bem que o homem faz está sob a influência da graça comum. No entanto, tudo o mais, a liberdade de escolha, chamada de livre agência, é crido na teologia reformada. De forma geral, muito do que o cristão católico crê sobre o livre-arbítrio, o cristão reformado atribui à livre agência.

Mas, pode-se questionar essa liberdade de acordo com a natureza, que escolhe segundo as inclinações da mesma. Por isso, a doutrina reformada crê que a natureza deve ser trocada antes que o salvo possa escolher a Deus. A regeneração viria antes da justificação.

Pensemos no sentido da definição de liberdade dada pela doutrina reformada. O homem incrédulo é livre para agir de acordo com as disposições da sua natureza decaída. Da mesma forma, o homem salvo é livre no âmbito da sua nova natureza recebida na regeneração.

 

No primeiro caso, o homem é livre para pecar, e no segundo é livre para servir a Deus. Na escravidão do pecado não poderia passar a agir de maneira santa e agradável a Deus ou, em outras palavras, executar algo que poderia efetivar a relação com Deus.

 

Da mesma forma, o homem salvo não poderia absolutamente agir de forma a desfazer sua filiação divina, e sua comunhão com Deus, nem mesmo pela incredulidade, já que sendo eleito de fato não poderia senão agir conforme a nova natureza, e mesmo que caísse na mais crassa devassidão, ainda assim retomaria o bom caminho já que infalivelmente Deus opera nele o bem querer, e não poderia por quaisquer meios imagináveis cair da graça.

 

Esse é o traço decisivo para pensar no livre arbítrio e na questão da livre agência e sua diferença essencial.

 

Ainda deve-se recordar que nessa doutrina reconhece-se que Adão teve o livre-arbítrio, mas que o teria perdido pelo pecado.

 

Considerando esse cenário, o cristão católico pode reconhecer alguma verdade, mas deve corrigir essa visão de forma a evitar as conclusões heréticas.

 

De fato, cremos que o homem possui o livre-arbítrio, podendo agir ou não agir. Sem a graça divina, o homem é livre, no entanto pela concupiscência deixada pelo pecado original, está inclinado totalmente ao mal, de forma a encontrar prazer no pecado e não poder por si mesmo voltar-se para Deus e o escolher.

 

Do mesmo modo, o homem salvo continua sendo livre, mas sendo impulsionado pela graça, está apto a responder a Deus no uso do seu livre-arbítrio, podendo escolher o bem e evitar o mal ou mesmo rejeitar a graça de permanecer no mal.

 

Antes da conversão não há possibilidade de entrar no reino de Deus e ter comunhão com ele, já que morto pelo pecado está sem a graça divina, perdida pelo pecado original.

 

Após a conversão, o homem pode continuar a obedecer livremente a Deus, como pode igualmente revoltar-se em desobediência contra o Senhor. Assim, tem-se que por sua iniquidade pode cair da graça. Isso é o que está em Hebreus 6, 4-8, e que o calvinismo não pode explicar totalmente.

 

A explicação de que nessa passagem não se fala do crente verdadeiro não é convincente. Pois, como um falso crente não pode mais voltar ao arrependimento? O texto trata da apostasia da fé, e como poderia um falso crente apostatar da fé? A revelação não fala de aparências.

 

Tendo isso em mente, pode-se apontar vários pontos de contato entre as duas doutrinas. Ambos, o cristão católico e o cristão reformado crêem no livre-arbítrio de Adão.

 

Também crêem que o homem pode fazer livres escolhas, e por isso é responsável pelo seus atos.

 

Crêem igualmente que o homem não pode iniciar o processo de salvação, não pode sair do estado de pecado e passar à amizade com Deus por suas próprias forças. A graça é necessária.

Uma vez salvo, continua a agir livremente, mantendo responsabilidade por suas ações diante de Deus. Ambos crêem que Deus faz o chamado pela graça, e que o homem pecador resiste naturalmente à graça de Deus, e deve ser por ela convencido.

 

Também crêem que uma vez chamados pela graça, recebem o dom da fé, crêem em Cristo, arrependem-se dos pecados, confessam a fé em Cristo e são salvos. Em linhas gerais esses são pontos de concordância.

 

Partamos agora à consideração nos quesitos de discordância. O cristão católico crê que o homem é livre e somente pode ser convertido com o auxílio da graça de Deus.

 

Sendo chamado pela graça, responde livremente, quando as cadeias do pecado são desfeitas. Pode resistir à graça, ser convencido por ela, mantendo a possibilidade negá-la.

 

Recebe a nova natureza, agora liberta da escravidão do pecado e em amizade com Deus, para poder servi-Lo de coração. O cristão reformado nega a possibilidade de negar a graça.

 

Da regeneração entende ser o primeiro passo, antes da justificação, pois entende que o homem sai do domínio do pecado e passa para o domínio de Deus. Como do pecado não podia passar para Deus, assim uma vez servindo a Deus não pode voltar ao pecado. A livre agência manteria apenas as ações segundo as determinações de Deus.

 

Para o incrédulo, restaria apenas agir conforme as determinações para obedecer a natureza pecaminosa.

 

O livre-arbítrio, por sua vez, reconhece que o homem convertido pode agir contra a vontade de Deus a ponto de perder a graça, pois conhecendo o bem e o mal pode voltar para o lugar de onde veio. Se apostatar perde a graça totalmente. O texto de Hebreus ensina isso.

 

Assim, ele é responsável por agir livremente. É livre antes da graça, continua a ser após auxiliado pela graça. A diferença do salvo é que que agora ele pode crescer na liberdade.

 

Qual doutrina coaduna-se com a revelação bíblica? Algo que indica a correta interpretação é a facilidade que a doutrina verdadeira tem em ser provada pelas Escrituras, tanto no texto em si, como no contexto próximo, como no teor geral das Escrituras. Isso não quer dizer que algum texto não seja difícil, aparentemente obscuro ou que não haja dificuldade. Isso ocorre, mas à luz de uma leitura atenta consegue-se entender satisfatoriamente, e refutar a visão ou opiniões opostas.

 

Por outro lado, a interpretação errônea tem consigo a dificuldade que a doutrina falsa tem em fundamentar-se nos textos bíblicos, tendo que explicar muitas e muitas passagens bastante claras em si, por meio de outras, e não passagens difíceis ou que contenham alguma ambiguidade. Encontram muitas barreiras para serem aceitas. Mas conseguem.

 

O texto de Hebreus 6, 4-8 é um exemplo, pois facilmente é entendido em considerando o livre-arbítrio. Mais sobre essa questão será tratado em outros subtítulos.
 
 
03) A fé que salva é um dom


Agora vejamos se Deus dá o dom da fé a todos ou nega o dom da fé a alguém. João 1,12 afirma que a todos os que receberam Jesus, Ele deu o poder de tornarem-se filhos de Deus. Eles primeiros creram, quando tantos não creram, como está no verso 11. Não é hora de explicar o motivo por que não creram, apenas o fato.

Mas, tenhamos a passagem de Mateus 16, 17, onde é revelado a Pedro a identidade de Jesus como o Cristo Filho de Deus. Essa revelação não partiu da natureza humana, mas foi dada por Deus. Assim, São Pedro acreditou.

Em Mateus 11, 25 também temos a revelação de que Deus esconde coisas aos sábios e entendidos, e as revela aos pequeninos, para que creiam. Antes de lhes serem revelados não creriam.

O mesmo encontra-se em Gálatas 1,15, quando o apóstolo fala da sua eleição para o ministério apostólico, desde o seio da sua mãe, que o chamou pela graça. Nessa ação de Deus encontra-se o dom da fé, que é dado ao homem para que creia.

O fato de muitos não crerem está na sua liberdade e responsabilidade. Por isso, em 2 Coríntios 2,4 fala da cegueira espiritual causada pelo Demônio naqueles que se perdem.

Portanto, como ensina a Bíblia, o Catecismo da Igreja Católica transmite essa verdade de que a fé é um dom de Deus. A graça de Deus vem ao coração do homem, e o Espírito de Deus move o coração e o converte a Deus. (Catecismo da Igreja Católica, n. 153)

No entanto, também ensina que a resposta do homem a Deus também é fé, que é nascida do homem, livremente, como ato humano. A graça abre os olhos do coração (cf. Ef 1,18, Catecismo n. 158) e o homem recebe a fé respondendo com a sua fé agora na graça de Deus. Nesse particular a doutrina reformada mantem a verdade católica.

Então, Cristo atrai o homem a Si. Todo aquele que o Pai Lhe deu. Assim, Deus Pai entrega a Jesus os que devem ir a Ele para serem salvos, e Cristo tem a incumbência de não deixá-los perder. Essa verdade será explicada adiante.

2)  Embora os reformados neguem o livre-arbítrio, eles crêem que o homem é livre, possuindo livre agência, responsável pelas suas escolhas, e que todos indistintamente estão em rebelião contra Deus. Essa explicação não tem, aparentemente, diferença da doutrina católica. No entanto, afirma que somente os eleitos serão convertidos no meio dessa massa caída, por terem sido alvos da salvação na eternidade. E a liberdade que possuem segue sua natureza, caída ou regenerada, o que introduz problemas sérios quando analisada detalhadamente, pois não é o mesmo que livre-arbítrio.

Para entender melhor, é afirmado que o decreto de Deus visaria salvar muitos dentre os perdidos, deixando os demais seguirem o próprio caminho, não os impelindo para tal e nem impedindo que venham a se converter. No entanto, essa explicação encontra lugar no coração de muitos porque ela tem aparência de verdade e usa linguagem que transmite um conceito verdadeiro.

É verdade que Deus não impele ninguém ao mal, nem que impeça de ouvir e aceitar o Evangelho. Mas, sabemos que os que não aceitam a salvação são livres para assim agirem. Eles recebem o apelo do Evangelho, são alcançados pela graça do chamado e, já postos pela graça em condição de responder a Deus, são capazes de aceitar ou recusar a graça. É igualmente verdadeiro que Deus não impede que o homem salvo escolha o mal ou que force o ímpio a vir a Cristo.

Para a teologia reformada as coisas não são bem assim. Os ímpios deixados segundo as inclinações de sua própria natureza agem contra Deus livremente porque não estão no decreto divino de salvação, e não recebem a graça da salvação porque Cristo não teria morrido por eles, e a fé nunca estaria disponível para eles.

Eles têm natural rebelião contra Deus por viveram na natureza pecaminosa, mas não lhes seria oferecido nada que os pudesse tirar desse estado, já que não existiria meio disponível, pois a morte de Cristo não teria comprado nada para essa parte da humanidade.

Quando lemos as Escrituras não há esse cenário. Encontramos ensinada a doutrina cristã católica, por todas as Escrituras, mas nada que soe de acordo com essas terríveis afirmações acima. Calvino afirmava que Deus predestina para a condenação pelo seu próprio prazer, pela Sua Vontade. É o que continua a ser afirmado pelos reformados desde os cânones de Dort.

Muitos pensavam que não importava a vida que levassem, se fossem do número dos eleitos seriam salvos, se dos reprovados seriam condenados. Não há muitos que creem totalmente nessa afirmação, já que logo afirmaram que é necessária uma vida de boas obras também. Isso já foi tratado em outra postagem. Para os que creem, esses não encontram apoio nem no meio reformado histórico.

1) Esse ponto é também patrimônio da doutrina cristã católica. Não há o que objetar ao se afirmar que Deus salva por pura misericórdia por meio da sua graça, sem quaisquer obras e méritos da parte do homem. Essa é doutrina católica desde sempre, pois está na Escritura Sagrada. Santo Tomás de Aquino a explicou extensamente.

O que envolve esse ponto em discussão tem a ver com as afirmações calvinistas desde o século 16, principalmente quando a questão foi resolvida no século 17 no Sínodo de Dort, realizado na cidade de Dortrecht, em 1618-1619, pois quando já separados da Igreja Católica os protestantes reuniam-se para tratar da suas questões internas. Esse sínodo cristaliza a tradição reformada, em aspectos importantes e fundamentais para a vida desse ramo protestante.

Na Holanda a Igreja Reformada possuía a Confissão de Fé Belga e o Catecismo de Heidelberg, como dois documentos de orientação doutrinal, de persuasão calvinista. A partir das discussões introduzidas pelo também calvinista Jacó Armínio (1560-1609), surgiram então questões que levaram, como era seu desejo, mas que só aconteceu após sua morte, à realização de um sínodo, que atingiu esfera internacional, mencionado antes. Ali nasceram os cânones sinodais, o que ficou conhecido como os cinco pontos calvinistas, em contraposição aos pontos formulados pelos seguidores de Armínio em 1610, como uma representação, a Remonstrance, nomeando seus defensores de remonstrantes. São os atuais arminianos.

Portanto, nos cânones estabelecidos ficou a doutrina reformada de acordo com a interpretação dada por João Calvino e condenada aquela de Jacob Arminius. De fato, a Institutas da Religião Cristã escrita por Calvino é expressão reconhecida de autoridade da teologia reformada, como afirma  Earle E. Cairns.

Tendo já essa introdução, trataremos o ponto sobre a eleição incondicional que é um dos cânones reformados, mas não teria nada a objetar se a afirmação fosse apenas que as obras não são causa da eleição. No entanto, esse cânone ensina que Deus dá o dom da fé aos que foram eleitos e predestinados desde a eternidade pelo decreto divino, mas não dá esse dom aos que foram deixados para a perdição. Alguns receberão a verdadeira fé e outros não. Uns poderão até apresentar um tipo de fé momentânea ou por algum tempo, mas logo apostatarão, porque são do número dos perdidos que não receberão nunca o dom da fé.

Esse particular está em contradição com a doutrina católica que ensina que todos recebem a graça suficiente para serem salvos. De fato, a fé é oferecida a todos, mas por causa da recusa de muitos, esses não exercem fé e recebem a dura condenação. Esse é um caso de divergência séria.
 
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Gledson Meireles.