sábado, 21 de janeiro de 2017

A prostração (parte 3)

Temos ainda outro exemplo a respeito da prostração. Para entender como esse gesto era experimentado por um israelita, e como tal reverência era considerada, a passagem de Absalão em 2 Samuel 15,5 é indispensável. Está escrito:

E se alguém se aproximava para se prostrar diante dele, estendia a mão, detinha-o e beijava-o. Assim fazia Absalão com todos os israelitas que vinham procurar o rei para qualquer julgamento. E desse modo conquistou os corações dos israelitas.” (2 Samuel 15,5-6)

O gesto de prostração mostrava profunda reverência diante de quem se prostrava. Isso exprimia a humildade daquele que se prostrava, era um modo de humilhação do coração. Dessa forma, Absalão pôde ganhar muitos para o seu partido ao dispensar os que vinham a ele de se prostrar.

Assim, quando alguém aproximava-se para ir prostrar-se, como era de se esperar, Absalão logo tomava a atitude de impedir que isso fosse feito, e ele mesmo mostrava outros gestos para convencer o outro, como o beijo, passando-se como alguém humilde. Os israelitas sentiram-se lisonjeados por ter sido elevados por Absalão naquela atitude de reverência, pois quando iam fazer a prostração Absalão tocava-os e detinha-os do gesto, fazendo ele mesmo uma reverência diversa. Ele devolvia ao súdito a reverência através do beijo.

Com essa escritura, temos expresso o valor do ato de prostrar-se. Sendo ele uma atitude bastante humilde, quando isso foi dispensado naquele momento, a pessoa entendia aquilo como uma demonstração de notável caráter, por não fazer questão de uma reverência que lhe era devida, mostrando assim uma atitude lisonjeira. Não demorou, portanto, para que os israelitas ficassem do lado de Absalão.

A prostração diante do rei era um dever. Assim, vemos a mulher da cidade de Tícua, que foi mandada por Joab à presença do rei, para uma trama contra Absalão. Ela foi até o rei Davi: “A mulher veio, pois, de Tícua e apresentou-se ao rei; lançou-se por terra e prostrou-se, dizendo: “Salva-me, ó rei, salva-me!”. (2 Samuel 14,4)

Após o rei Davi perceber que aquilo era um plano de Joab, perguntou à mulher que confessou a verdade. Então, ela disse a Davi: “... és tão sábio como um anjo de Deus, para saber tudo o que se passa na terra.” (2 Samuel 14,20) São palavras que denotam a veneração de uma pessoa perante o rei, e que está de acordo com a dignidade real. Em outras palavras, essa veneração é mostrada na prostração, nas palavras e no reconhecimento: o rei é comparado a um anjo do Senhor que possui conhecimento além do humano.

Quando Davi fala a Joab sobre sua resolução, após ter ouvido a mulher, observemos como foi a atitude de Joab:

Joab prostrou-se com o rosto por terra e abençoou o rei, dizendo:Agora, o teu servo reconhece que ganhou o teu favor, ó rei, meu senhor, pois que o rei cumpriu o desejo de seu servo”. (2 Samuel 14,22)

Passando dois anos Absalão vai à presença de Davi: “Joab foi ter com o rei e contou-lhe tudo. Absalão foi chamado, entrou na presença do rei e prostrou-se diante dele com o rosto por terra. E o rei o beijou”. (1 Samuel 14,33) Vemos assim que Absalão fazia com o rei, beijando aquele a quem ele amava, como fez com seu filho Joab. O que mudou, porém, foi deter que os outros viessem até ele e o saudasse com a prostração, sinal da servidão. Ele mesmo devotava aqueles gestos e sentimentos, e alegava não exigir isso dos outros para com ele.

Absalão queria tomar o trono real, e proclamou-se rei em Hebron. Davi fugiu, pois sabia não poder resistir a um ataque de Absalão.

Então, transportaram a arca, o sacerdote Sadoc e os levitas, e mostrou Davi a veneração que tinha para com a arca e o tempo:

Veio também Sadoc com todos os seus levitas, trazendo a arca da aliança de Deus. Depuseram-na, enquanto Abiatar subia e até que tivesse passado todo o povo que tinha saído da cidade. Disse então o rei a Sadoc: “Reconduz a arca de Deus à cidade. Se eu achar graça aos olhos do Senhor, ele me reconduzirá e me fará revê-la, bem como o lugar de sua habitação.” (2 Samuel 15,24-25. Cf. prostração em 2 Reis 2,15 e 2 Reis 5) Davi deseja viver, e voltar a Jerusalém, e por isso pede a graça de rever a arca e o templo onde ela habita.

Diante desses fatos incontestáveis, temos a prostração como gesto de veneração importante praticado pelos judeus, em diversos contextos, tanto social como político e, sobretudo, religioso. Acrescentam-se ao fato as palavras de reconhecimento, tais como “senhor”, e o testemunho da “graça” alcançada diante o soberano humano, como as expressões floreadas afirmando que o rei é um “anjo” que tudo ou muito conhece do que se passa na terra. Ainda, é importante a distinção que se faz da arca do Senhor e do templo em que ela habita, fato já demonstrado, expressando o sentimento tanto por um como pelo outro, e devotando gestos de veneração igualmente por ambos.
 
1)      Coloque-se no lugar de um fiel israelita, e veja se você é capaz, como servo de Deus no Novo Testamento, de curvar-se ou mesmo prostrar-se diante de um servo de Deus, e expressar-lhe homenagens chamando-o de anjo, afirmando que obteve dele a graça de ser atendido, ou que você é capaz de ter os sentimentos tão altos como tinham os judeus para com a arca e o templo.
 
Gledson Meireles.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Cruzada-albigenses-Inocêncio III

A heresia crescia no sul da França. O papa Inocêncio III envia um legado papal a Henrique VI, então governador da região. O mesmo faz voltar o legado com ameaças, e dias depois o legado papal é assassinado.
 
Para os que veem a Igreja no tempo da inquisição como uma instituição bárbara e sanguinária, contrária a toda a liberdade de pensamento, e que em sua própria época estava agindo de forma brutal e incorreta, diante dos costumes contemporâneos seus (que continuem assim a pensar, se quiserem, mas apenas fiquem sabendo de uma coisa, o que será mostrado a seguir), vejamos o que diz a história sobre isso.
 
Por mais estranho que pareça, é o conde de Toulouse, Raimundo V, quem primeiro sonhou em combater, militarmente, os heréticos que eram numerosos em seu domínio.” (Regine Pernoud, Idade Média: o que não nos ensinaram.)
 
Então, a história mostra que o conde cristão católico da região onde a heresia era mais expressiva, quando sentia sua mais direta e forte influência, foi o primeiro a imaginar uma coação militar para resolver esse problema, que era, também, social. Não foi a Igreja a primeira a arquitetar um plano macabro de aniquilar hereges. Foi um governante que, pensando em um modo de ver-se livre daquele incômodo religioso e social, pensou em usar as armas.
 
O que, porém, é expressivo é a opinião pessoal do governante. O conde Raimundo VI sucede a seu pai, Raimundo V. No entanto, esse pensa diferentemente de seu pai quanto à heresia, e por isso foi acusado por seus próprios súditos de ser leniente com os hereges.
 
Quando, em 1208, o Papa lhe envia um emissário, Pierre de Castelnau, ele o devolve com ameaças que encontram eco, porque o emissário é assassinado dois dias mais tarde. É, então, que o Papa Inocêncio III vai pregar a cruzada exortando aos barões de França e de outros lugares a pegar em armas contra o de Toulouse e os outros heréticos do sul.”.
 
Como sempre, havia aqueles leais ao papa e outros que a ele não se submetiam. Os hereges também eram protegidos politicamente, como aqueles os que viviam no sul da França. De fato, antes do combate bélico, para os que acham que a heresia sempre foi algo duramente combatido com a força física, sob o domínio das armas e da violência, vejamos como viviam os pobres hereges do sul francês antes da cruzada ser oficialmente aberta. Continuando o que foi dito acima:
 
Declara-se a luta, mas, contrariamente ao que, com frequência, se diz, e escreve, até esta data, tanto perfeitos como simples crentes, os heréticos vivem de modo nenhum na clandestinidade. É às claras que circulam, que pregam, que se multiplicam colóquios e encontros com aqueles que os tentam reconduzir à ortodoxia, em particular, com estes frades mendicantes a quem Domingos de Guzmán chama à prédica da santa doutrina e à prática de uma pobreza integral, e que se tornarão em 1215, os frades pregadores.”. (Pernoud, p. 127)
 
Isso significa que antes desse tempo tanto os cristãos católicos como aqueles albigenses, e outros, viviam no meio social normalmente, pregando sua doutrina, defendendo suas instituições, debatendo com os frades, sendo convidados para reuniões, participavam de discussões públicas.
 
Tudo muda, bem entendido, depois que a guerra é declarada; a mudança será mais sensível ainda quando for instaurada, uns vinte anos mais tarde, em 1231, a Inquisição pontifical”. (Pernoud, p. 127) Estamos a esse altura próximos dos meados do século 13.
 
E quanto às pretensões do papa Inocêncio III, que muitos julgam injustamente, consta o seguinte:
 

 
 
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
 
 
 

 
 
As cruzadas fugiram ao controle papal, de forma total, e a cultura da época demandava uma postura firme e de pena capital contra os hereges,  e os governantes seculares nem sempre estavam dispostos a seguir as posições da Igreja, as quais achavam lenientes demais.
 
Muitas vezes o exército que o papa convocou do norte francês era brutal com os hereges. Mas, afirma o historiador:
 
A maior parte da Cruzada estava inteiramente fora das mãos do papa, no entanto, e as matanças ilustram a contínua vontade por parte dos leigos a tomar os mais severos passos contra a heresia sem muita preocupação pela conversão e salvação dos hereges”. (Edward Peters) E o historiador Franco Hilário afirma que a Igreja combatia as heresias segundo o grau de perigo que elas apresentavam. (Quão diferente é esse cenário daquele que mostra o papa “inventando” pretextos pra matar! Historiadores como Franco Hilário, Edward Peters e Regine Pernoud mostrando esses fatos.)
 
O historiador afirma que o papa não tinha todo o controle da cruzada, e que os exércitos ultrapassam em medida durante seus ataques, e o povo estava ávido por punir os hereges com severidade, sem que a conversão e a salvação estivessem em seu interesse. Essas medidas eram, por parte da Igreja, antes de tudo, para conter a heresia e converter os hereges. Portanto, muito do que estava ocorrendo não era da alçada do papa, mas são verdadeiros abusos no exercício do dever.
 
 
Quanto a isso, está explícito o espírito de reforma do papa Inocêncio. Esse desejava por meios que tornaram-se necessários, na época, a conversão dos heréticos. 
 
O que Inocêncio queria, antes de tudo era reforma – tanto do clero quanto dos leigos – não perseguição ou condenação, e certamente não as consequências devastadores da cruzada Albigense”. (Edward Peters)
 
A inquisição papal começou em 1233, com o papa Gregório IX. Os dominicanos e outros frades menores. Esses, mais tarde, foram os responsáveis pela inquisição.
 
Exemplo: Etienne de Saint Thibéry, massacrado em 1242, junto com Guillaume Arnaud. (cf. p. 128)
 
Populações arrasadas, no século XIII, sob a inquisição: as do sul da França, na Borgonha e Champanha. No norte da França também, com Robert Le Bougre. Esse governante foi terrível, e manda para a fogueira dezenas, e centenas de pessoas, e, contrariamente ao que pode-se pensar, de que estava fazendo um bom trabalho, logo foi suspenso pelo papa em 1234, mas volta no ano de 1235, e comete atrocidades. Foi suspenso definitivamente em 1241, e talvez condenado à prisão perpétua. (cf. Regine Pernoud, p. 129)
 
(Se ele estivesse fazendo a vontade do papa não teria sido suspenso uma única vez. Alguns podem não se dar por satisfeitos e acharem que a suspensão e possível prisão perpétua não foram suficientes pelos males que fazia! Isso porque não há o que possa convencer os objetores. O fato permanece, que um inquisidor que tão duramente massacrou hereges foi afastado do seu ofício justamente pelos seus excessos)
 
Foi dura a inquisição em Carcasonne, com Ferrier, em 1237 a 1244. Duzentos hereges queimados em Montségur, em 1244. E na fogueira de Berlaigues, essa mais bem conhecida, Raimundo VII queimou certa de 80 hereges.
 
É inútil insistirmos aqui sobre os exageros a propósito da Inquisição nas obras de escritores imaginativos, mas pouco respeitadores das fontes documentais. As penas aplicadas, em geral, são o emparedamento, isto é, a prisão (distingue-se o “muro estreito”, que é a prisão propriamente dita, e o “muro largo”, a prisão domiciliar), ou, com mais frequência ainda, a condenação a peregrinações ou ao uso de uma cruz de fazenda pregada na roupa.” (Regine Pernoud, p. 130)
 
Quando alguém apresenta esse argumento, vemos logo, ao serem confrontados, aqueles que gostam dos números, e os multiplicam até atingir os “milhões” de vítimas da inquisição. Quando ouvem esse fato histórico, voltam a retrucar com argumentação totalmente diferente, reclamando a respeito da liceidade e moralidade da prática de condenação à morte e perseguição aos indivíduos de outros credos, e, então, para isso, uma única morte já qualifica o réu, com toda a severidade que é figurada a Igreja Católica nas penas desses escritores cheios de imaginação e pouco respeitosos da História.
 
Mas, diferente disso, Regine Pernoud afirma:
 
De fato, para o crente – como a imensa maioria acreditava, durante a Idade Média – a Igreja está perfeitamente em seu direito quando exerce o poder de jurisdição: enquanto guardiã da fé, esse direito lhe foi sempre reconhecido pelos que, pelo batismo, pertenciam à Igreja. 
 
Foi uma mudança radical quando a inquisição foi estabelecida. Era a entrega ao “braço secular” para tratar das questões religiosas com penas físicas. A historiadora comenta a impaciência dos papas, mas reconhece que seu zelo ditava regras para uma solução rápida, pouco refletida, certamente, e com consequências não previsíveis.
 
A respeito da liberdade de espírito, no ano de 1231, ano do estabelecimento da Inquisição:
 
Quanto a Gregório IX, não seria exagerado ver nele um verdadeiro campeão da liberdade de espírito: o ano de 1231, que é o da instituição da Inquisição, é, também, o da bula Parens scientiarum, pela qual ele confirma e formula os privilégios da Universidade de Paris e assegura sua independência junto ao rei e, também, aos bispos ou seu chanceleres; em resumo, ele define e reconhece a liberdade de pesquisa filosófica e científica”. (Regine Pernoud, p. 133)
 
A Inquisição substituía “a acusação pelo inquérito” e introduz a justiça regular.
 
Alguns fatos e sua natureza na época:
 
Pedro Abelardo tinha feito a experiência, pois ele mesmo, em Soissons, em 1121, foi acolhido com pedradas por uma multidão indignada. Alguns anos antes, hereges, que o bispo da mesma cidade tinha condenado à prisão, dela foram retirados e conduzidos à fogueira por amotinados que reprovavam no bispo “sua franqueza sacerdotal””. (ibid., p. 134)
 
Filipe Augusto queima 08 cátaros em Troyes em 1200.
 
Quando em 1215, nos cânones do IV Concílio de Latrão, vê-se a exigência da perseguição aos hereges, obrigando os governantes a aplicar a lei, sob pena de serem excomungados, e de em seu lugar outros vierem a substituí-los para que façam valer a lei, alguém pensa no poder absoluto do papa sobre os reis.
 
Ou seja: ou os reis obedeciam às ordens papais e perseguiam os hereges ou eles mesmos eram excomungados, depostos e exilados, etc. Mas, as coisas não funcionavam bem assim.
 
Quanto a isso devemos saber o seguinte:
 
Ora, todo este aparelhamento de legislação contra a heresia não demoraria em ser dirigido pelo próprio poder temporal contra o poder espiritual do Papa”. (ibid.)
 
Quando os dois poderes (temporal e espiritual) confundem-se, antes que alguém pense o contrário, a história mostra que o poder temporal subjugava o espiritual, e o rei era favorecido pelo princípio de que ele era o responsável pela perseguição dos hereges. O papa perdia nesse cenário inteiro.
 
Fernando III, rei da Espanha, recusou a inquisição, e proclamou-se rei das três religiões. Esse rei foi canonizado. Um rei mais pacífico, que agiu com outros ideais, evitando uma instituição eclesiástica tão importante em sua época, esse mesmo rei é canonizado, posto como exemplo diante dos fieis.
 
Seu primo, Luís IX.
 
Os judeus e os cristãos. Afirma-se, nessa obra, que os judeus viviam na Europa cristã, de cultura permeada de Cristianismo em todos os seus pontos, e assim os judeus eram estrangeiros. Contudo, sua sorte era diferente, de acordo com os lugares, e bispos e príncipes os protegiam.
 

O que ocorreu na Primeira Cruzada nem os bispos nem o papa podiam controlar. Antes os papas e bispos, e governantes seculares, protegiam os judeus. Nas cruzadas a sorte dos judeus começou a mudar. Havia quem estivesse a favor da perseguição aos judeus, e quem se posicionasse contra. Não era a opinião da Igreja.
 
Tudo isso contradiz a apologética protestante que mostra apenas maldades do papado, do clero, da Igreja Católica, etc., no que diz respeito à inquisição, às cruzadas. Não se vê esses pormenores fatos da história, que contextualizam o assunto.
 
Gledson Meireles.

A Igreja Católica e a Civiliação Ocidental

O historiador Franco Hilário Júnior afirma: “Desta maneira, a Igreja pôde vir a ser o ponto de encontro entre aqueles povos. Da articulação que ela realizou entre romanos e germanos é que sairia a Idade Média”.

Tem-se uma constatação histórica, de que a Igreja Católica foi responsável pelo surgimento de uma sociedade milenar conhecida como a Idade Média, esse famoso período histórico, expressando o caráter de sujeito que teve a Igreja em articular os valores da cultura antiga, da antiguidade clássica, engendrando a partir do contato entre os povos romanos  e germanos uma civilização que surgiria a partir da queda do Império Romano. É esse caráter de sujeito que é mostrado na afirmação acima.

Mas, parece que essa mesma ideia é rechaçada por muitos, o que pode ser visto nas críticas a Thomas Woods, disponíveis aqui. Abaixo, três citações:

Logo, o Cristianismo enquanto sistema religioso, não é responsável por construir a Civilização Ocidental. É o oposto. A Civilização construiu o Cristianismo”.

A civilização ocidental aqui é colocada como o sujeito, e o Cristianismo como o produto final, como também parece ser a opinião de Glen Bowman, que afirma ser a antiguidade clássica a construtora da Civilização Ocidental. É o que está em oposição ao que afirmou o medievalista Franco Hilário.

Eu diria, pelo que parece ser a conclusão de Glen, que a antiguidade clássica constitui o conteúdo e não o sujeito que originou a civilização. Esse papel coube, pelo menos inicialmente e de forma persistente e duradoura, à Igreja Católica.

Enfim, há de se dizer que a cultura ocidental, a filosofia, ética, a ciência, se desenvolveu, em partes, por conta de homens e mulheres cristãos; mas, também, apesar do Cristianismo.”

Aqui transparece os lampejos da verdade, pois reconhece-se que a Igreja teve impacto positivo e expressivo na civilização. Contudo, a cultura teria desenvolvido “apesar” da Igreja.

O que afirmamos é que a cultura, a história e o desenvolvimento do ocidentes (sic) são assuntos complexos, historicamente atulhado de várias correntes, pensamentos e construções distintas que se perdem no passado.

É pouco provável que Thomas Woods tenha deixado de lado essa complexidade na suas conclusões.
Obs.: O que o Iluminismo (sujeito) utilizou em sua ação, foi o conteúdo da antiguidade clássica preservado na Idade Média.
Gledson Meireles.

(continuação): entendendo o gesto da prostração...

Enquanto o rei disse não ser “deus” para curar, mostrando que somente Deus pode conferir a cura, o profeta apresenta sua própria pessoa, dizendo a Naamã que “venha” até ele, e que por isso haverá a manifestação de que há “profeta” na terra de Israel, a manifestação do próprio profeta. Notemos bem as palavras e atitude do rei e as palavras e atitude do profeta: o rei alegou estar entregando a glória a Deus, enquanto o profeta Eliseu mostrou-se, ele mesmo, ser um homem capaz de operar a cura naquele pagão atingido pela lepra. E o fez com sua confiança em Deus.

Quem glorificou a Deus? O rei que disse ser incapaz de curar, porque só Deus pode fazer isso? Ou o profeta que colocou-se na frente da questão e disse: “Que ele venha a mim e saberá que há um profeta em Israel”?

Muitos atualmente, com falsa modéstia, e falsa humildade, determinados por falsa doutrina, agem como o rei, afirmando que não aceitam a honra e a glória, e que entregam toda honra e glória somente a Deus. Diferentemente, o homem de Deus aceitou a honra de ser considerado o homem e profeta do Senhor que pode realizar aquele prodígio.

O desenrolar da história tornará muita coisa às claras. Primeiramente, Eliseu age por meio de um mensageiro. Ao invés de ir pessoalmente falar com Naamã, ele envia um porta-voz dizendo o que Naamã deve fazer. (2 Reis 5, 10)

Naamã expressa sua fé tanto no profeta como em Deus, quando diz o que pensavam que deveria ser feito, e o que esperava que acontecesse:

“Naamã se foi, despeitado, dizendo: “Eu pensavam que ele viria em pessoa e, diante de mim, invocaria o Senhor, seu Deus, poria a mão no lugar afetado e me curaria da lepra. Porventura, os rios de Damasco, o Abana e o Farfar não são melhores do que todas as águas de Israel? Não me poderia eu lava neles e ficar limpo?”. (2 Reis 5,11-12)

Naamã sabia que o poder do profeta provinha de Deus. Sabia que ao invocar o Senhor e colocar a mão sobre ele, por esse gesto poderia obter a cura. Assim, Naamã estava glorificando a Deus e ao profeta de Deus. De fato, a glória do profeta é devida à glória de Deus, e ao crer no profeta estava ele crendo em Deus.

Muitos agem erroneamente pensando que atribuir qualquer honra a um homem tiraria a honra de Deus, e que isso seria idolatria, e fazendo assim estão imitando a postura do rei. Deviam, antes, tirar de exemplo a verdade mostrada pelo profeta, e imitar seu bom exemplo.

Naamã pediu a Eliseu a permissão de continuar a acompanhar seu senhor ao templo do deus pagão Remon, mas o faria apenas para ajudá-lo, e não para adorar com ele aquela divindade pagã.

Então disse: “Entretanto, que o Senhor perdoe ao teu servo o seguinte: Quando o meu soberano entrar no templo de Remon para adorar, apoiando-se no meu braço seja-me permitido também me prostrar no templo de Remon. E que o Senhor perdoe-se esse gesto ao teu servo. Eliseu respondeu: “Faze-o tranquilamente”. E Naamã o deixou.

A atitude de Eliseu é de uma lucidez incrível, tanto mais para o tempo em que isso aconteceu. Diante das intrigas entre Israel e as nações pagãs, e da proibição do Êxodo e do Deuteronômio, como de toda a doutrina bíblica, contra as divindades pagãs, e da prostração diante delas, permitir que um homem que reconheceu o Deus de Israel frequentar o templo pagão e ainda prostrar-se diante de um deus estrangeiro é de uma grande profundidade teológica. Essa passagem mostra que mesmo o ato de prostrar-se pode mudar de significado segundo o que passa-se no interior da pessoa, e é isso que constitui a verdadeira adoração. O determinante da adoração acontece no espírito do adorador, e é mostrado no ato físico.

Assim, o sírio sabendo o valor do ato de prostração, pede perdão quando isso ocorrer, pois não tinha mais a intenção de adorar o deus Remon: “E que o Senhor perdoe esse gesto ao teu servo”, sendo isso aceito pelo profeta Eliseu: “Faze-o tranquilamente”, que significa: “Vai em paz”, conforme nota da Bíblia Ave-Maria. Naamã iria prostrar-se sem adorar.
 
Gledson Meireles.

sábado, 14 de janeiro de 2017

Curioso caso da Ordem de Malta e o papado: arrazoados protestantes

A Ordem Soberana e Militar Hospitalária de São João de Jerusalém, de Rodes e de Malta está em contenda com a Santa Sé. Achei oportuno comentar que essa posição, de uma ordem católica, reconhecida há séculos, com praticamente mil anos de existência, recusando-se a obedecer as ordens do papa, ainda que por motivos alegadamente de natureza puramente jurídica, serviria como prova contra o papado segundo o modo usado pelos protestantes.
 
Como a questão envolve, ainda que de maneira secundária, uma questão de moral (e a Igreja é responsável pela pureza da fé e da moral), a posição da ordem estaria, pelos arrazoados protestantes contrários ao primado de Pedro, “provando” que o papado não existe, ou que não possui o governo soberano na Igreja, pois do contrário uma ordem crsitã católica não se atreveria a desobeder as ingerências do papa e, ainda, alegar sua soberania histórica contra a interferência da Santa Sé, com base no direito internacional.
 
Pelos princípios que regem o debate católico e protestante a respeito do papado, esse exemplo funcionaria como exemplo de inexistência do poder papal no século XXI, não?
Gledson Meireles.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Ex-padre nega as aparições de Fátima


No artigo Padre desmascara as “aparições” de Fátima e diz: “Fátima Nunca Mais”! o padre Mário de Oliveira aparece como alguém que escapou à lavagem cerebral de Roma.
Pensemos um pouco:
1º O papa não pensa por todos os católicos, já que o próprio papa deve ser fiel à Escritura e à tradição, que não permite mudanças doutrinais e invalida qualquer interpretação da Bíblia que não esteja de acordo com o que foi aceito antes.

2º A respeito do padre Mário de Oliveira, em sua entrevista a Alice Barcellos, com o título do seu livro “Fátima Nunca Mais”, publicado em 1999: qualquer católico tem o direito de aceitar ou não uma revelação particular. Isso é o que ensina a Igreja.
Por isso, não há qualquer problema na atitude do padre em recusar o fato das aparições em Fátima. E o padre Mário sabe e afirma isso. O que não é razoável é um membro da Igreja Católica passar a esforçar-se para convencer a todos de que a sua opinião está correta e que não se pode crer naquilo que ele mesmo não crê. Isso o faria menos transigente que a própria instituição, que deixa livre aceitar ou não determinada revelação. E, ao que parece, é isso que o padre faz: chama de “teatrinho” tudo o que envolve as aparições de Fátima, bem como parece negar todas as outras aparições marianas antigas, como a de Lourdes e a de Guadalupe.  Reconhece que pode não haver problema em alguém continuar a crer nas aparições.MAS, NÃO PARA POR AÍ.

3º Segundo dito na sua entrevista no programa A tarde é sua, o padre disse que o que o apresentador afirmou sobre seu impedimento em celebrar a eucaristia não procede. Ele é presbítero, jornalista, só não assume uma paróquia como pároco. Ele afirma: Fátima não faz parte da fé católica, e diz que não houve aparição nenhuma.

4º O padre Mário nega os milagres. E não estou falando que nega as revelações particulares e seus milagres portentosos como há em Fátima e em Lourdes, por exemplo. Ele nega o que está narrado nos Evangelhos. Ele nega a Bíblia. Isso explica a natureza da negação das aparições de Fátima ou quaisquer outras. O padre Mário também nega que Jesus nasceu em Belém. (Veja na entrevista de 31-07-2015 TVI)
Para ele, o Senhor Jesus nasceu em Nazaré, outra negação da revelação da Bíblia. Nega a parusia e o juízo final, nega a ressurreição. De forma geral, o padre Mário não encaixa-se como um cristão católico convicto e obediente à fé revelada, e nesse clima de negação de tantas verdades, não é surpresa que venha a negar uma “revelação particular”, que não teria tão grande repercussão como negar fatos bíblicos, que são a revelação oficial da Igreja Católica. A posição do padre contra as aparições de Fátima não é um bom sinal, definitivamente.
Afirmar que esse padre não está mais sujeito à suposta “lavagem cerebral” de Roma é uma brincadeira, pois o que mostra a sua “liberdade”, após a sua sortuda “libertação” das garras romanas (no sentido aludido), é que ele não está seguindo a doutrina ortodoxa, mas distanciando-se do verdadeiro Cristianismo, que não agradaria nem mesmo a linha principal do Protestantismo.

Seu estudo, que tem “o aval científico” da Universidade, segundo o mesmo afirma, podemos suspeitar que está eivado de suas inclinações à heresia pelo que se pode notar.

Porém, para um protestante é suficiente ver um padre católico negando algo tão reconhecido e amado pelo Catolicismo, como são as aparições de Nossa Senhora de Fátima, e que é visto pelo Protestantismo como engodo, coisa diabólica, etc. Vendo isso, pronto: esse padre é dos “nossos”, logo estará “convertido”, para falar sobre a natureza do sentimento que povoa o coração principalmente dos protestantes anti-católicos.

Para o ex-padre a “salvação” seria uma “humanização”, um progresso de fazer sermos humanos, uma relação “maiêutica uns com os outros”, relativa à comunicação, uma responsabilidade para com o “cosmos”, etc. Parece algo bíblico? Pense.
Ele nega a ressurreição de Jesus, que a Bíblia ensina ser o dogma principal que nós devemos professar. Mas, para o pe. Mário essa doutrina não tem nada de politicamente relevante, não tem conteúdo histórico nenhum. De fato, ele não é um “zumbi”, é um “grande” adepto do livre-exame.

Há um vídeo de esclarecimento sobre o ex-padre Mário aqui.

Não precisamos provar as aparições de Fátima, e a Igreja reconhece as aparições por critérios os mais sérios e sólidos possíveis, não nos impondo nada quanto a isso, apenas afirmando que não há nelas algo que deponha contra a revelação, de forma que é suficiente conhecermos o que essas aparições têm para nos ensinar. Quanto à posição particular do ex-sacerdote, dispensa maiores comentários, já que é apenas um dos sintomas de quem afastou-se da fé, como indica ser o caso.

Gledson Meireles.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

A parte bíblica: sobre a prostração

 A prostração

São vários os gestos que podem mostrar a adoração, bem como também o respeito, a honra, a homenagem. Pode ser a genuflexão, onde a pessoa abaixa-se sobre um dos joelhos para reverenciar; também pode ser o ato de ajoelhar, onde os dois joelhos são dobrados até o chão; pode ser a inclinação, onde o corpo volta-se um pouco para a frente, com um leve abaixar da cabeça; como pode haver a prostração, onde a pessoa abaixa-se em corpo inteiro à terra, fazendo o rosto descer até o chão. Essa é a mais espetacular, a maior das reverências.

Ouvi o sonho que tive: estávamos ligando feixes no campo, e eis que o meu feixe se levantou e se pôs de pé, enquanto os vossos o cercavam e se prostravam diante dele”. (Gênesis 37,6-7)

José teve ainda outro sonho, que contou aos seus irmãos. “Tive – disse ele – ainda um sonho: o sol, a lua e onze estrelas prostravam-se diante de mim. Ele contou isso ao seu pai e aos seus irmãos, mas foi repreendido por seu pai: “Que significa – disse-lhe ele – este sonho que tiveste?” Viremos, acaso, eu, tua mãe e teus irmãos, a nos prostrar por terra diante de ti?” (Gênesis 37, 9-10)

O sonho de José não foi bem aceito entre os seus familiares, pai, mãe, irmãos. Jacó ficou nervoso ao ouvir o sonho de que ele, sua esposa e demais filhos poderiam vir a prostrar-se por terra diante do seu filho José. Por esse modo, vemos que a prostração tem um sentido de reverência profunda, que pode trazer vários significados, como a servidão, como o reconhecimento de dependência, e a reverência por uma alta dignidade, como nesse episódio. Nesse caso, José devia prostrar-se diante de Jacó, e não o contrário, como o sonho havia predito. Isso causou espécie em Jacó.

Não obstante, alguns anos mais tarde, os irmãos de José prostraram-se diante dele em Gênesis 42,6 como havia revelado a profecia: “José era o governador de toda a região, e era ele quem vendia o trigo a todo o mundo. Desde sua chegada, os irmãos de José prostraram-se diante dele com o rosto por terra.”

Assim, mostra-se que os hebreus saudavam com a prostração mesmo uma autoridade estrangeira, um governador ou rei pagão, visto que não sabiam que José era hebreu, e reputavam-no como um desconhecido governante do Egito. Ainda, o sentido que a prostração obteve ali era impensável para os parentes de José, pois no tempo em que o sonho foi revelado ficaram muito preocupados e desgostosos com o pensamento de que iriam prostrar-se diante do seu irmão.

Os filhos dos profetas que estavam em Jericó, vendo o que acontecera defronte deles, disseram: “O espírito de Elias repousa em Eliseu”. Foram-lhe ao encontro, prostraram-se por terra diante dele, e disseram: “Sabe que entre os teus servos há cinquenta homens valentes, que podem ir em busca do teu amo. Talvez o tenha arrebatado o Espírito do Senhor e atirado com ele para algum monte ou para algum vale”. “Não os mandeis” – respondeu Eliseu”. (2 Reis 2,15)

A prostração também era feita religiosamente, diante dos homens de Deus, os profetas. Assim, sabendo que o espírito de Elias, ou seja, que o vigor, a força, as virtudes, os carismas, que Elias havia recebido, e agora estavam sobre Eliseu, o grupo dos profetas foi até ele e saudou-o com a prostração. Essa era a veneração que prestavam a pessoas ilustres, e no caso de Eliseu sua honra devia-se a ser ele um servo de Deus, sendo, portanto, uma veneração religiosa.

Entretanto, havia de igual forma a honra política entre o Povo de Deus, prestada ao rei, tanto como representante de Deus no poder temporal, como ungido do Senhor.

Para entender esses gestos tão profundos de veneração, devemos contextualizar um pouco. Para isso, é suficiente ler o capítulo 5 do segundo livro dos Reis. Lá é contada a história de Naamã, general do exército do rei da Síria. Naamã era um leproso (v.1)

Aconteceu que uma jovem de Israel foi capturada e levada para a casa de Naamã, tornando-se serva da sua mulher. Sabendo que Naamã era leproso, ela disse que o profeta que morava em Samaria podia curá-lo. (vv. 2-3)

É importante ver a fé do povo para com o profeta, que era visto como homem em que o poder de Deus estava, e que podia operar milagres, ainda quando alguém o procurasse com tal objetivo. O profeta podia operar a cura quando alguém o pedisse.

Naamã fica esperançoso, e dirige-se ao rei para pedir permissão de ir a Israel a fim de ser curado. O rei logo concede sua viagem e envia ao rei de Israel dinheiro e presentes, pedindo que o mesmo cure o sírio: “Ao receberes esta carta, saberás que te mando Naamã, meu servo, para que o cures da lepra”. (v. 7. cf. vv. 5-7)

Nós devemos prestar bastante atenção ao que diz o documento do rei da Síria, sobre o sentido de suas palavras, e ver a fé que ele testemunha: o rei sírio acreditava que o rei de Israel podia curar seu servo leproso.

A partir disso, devemos também comparar com a fé do rei de Israel, a respeito do que foi dito sobre ele, e como reagiu ao saber daquela incumbência, e o peso que concebia quanto a estar sobre tamanha responsabilidade.

Assim, disse o rei de Israel: “Sou eu, porventura, um deus, que possa dar a morte ou a vida, para que esse me mande dizer que cure um homem da lepra?” (cf. 2 Reis 5, 7)

Essas palavras expressam a fé do povo a respeito do poder de curar: esse apanágio é exclusivo de Deus. Todos sabem que somente o Deus soberano de toda a terra pode curar, ainda mais uma doença terrível como era a lepra.

Contudo, o rei mostra-se extremista, e faz uma dicotomia errônea entre o poder de Deus que pode curar, e o homem que pode ser um intermediário para que essa cura seja aplicada. O rei expressou sua total indignação contra a esperança do rei da Síria, “rasgou as vestes” e disse não ser um deus para curar. Embora essas palavras ajudem a entender a importância da cura, elas mostram um erro tremendo: aquele rei pensava estar glorificando a Deus, no entanto suas palavras testemunharam contra ele.

Isso é o que vemos no verso seguinte: “Quando Eliseu, o homem de Deus, soube que o rei tinha rasgado as vestes, mandou-lhe dizer: “Por que rasgaste as tuas vestes? Que ele venha a mim e saberá que há um profeta em Israel”.
 
(continua)
 
 
Gledson Meireles.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2017


PARTE BÍBLICA

A arca da aliança

Farão uma arca de madeira de acácia; seu comprimento será de dois côvados e meio, sua largura de um côvado e meio, e sua altura de um côvado e meio. Tu a recobrirás de ouro puro por dentro, e farás por fora, em volta dela, uma bordadura de ouro.” (Êxodo 25,10-11)

A bela arca da aliança foi construída e colocada no Tabernáculo. Foi feita de madeira de lei, e revestida de ouro por dentro, tendo bordadura de ouro por fora, e quatro argolas de ouro, por onde deveriam passar os dois varais de madeira também cobertos de ouro, para quando fosse transportada. (cf. Êxodo 25,10-16)

Por cima da arca havia dois querubins de madeira cobertos de ouro, sobre a tampa, também de ouro puro. De entre os querubins, do meio deles, o Senhor Deus vinha falar a Moisés: “Ali virei ter contigo, e é de cima da tampa, do meio dos querubins que estão sobre a arca da aliança, que te darei todas as minhas ordens para os israelitas.” (v. 22) A arca era a imagem sagrada onde era guardada a Lei dos 10 mandamentos.[1]

 

Habitação de Deus no Templo

Deus estava no Tabernáculo, como afirma o verso 8 do mesmo capítulo 25 de Êxodo: “Eles me farão um santuário e habitarei no meio deles”. No entanto, a Sagrada Escritura afirma que o Senhor Deus não habita em casa feita por mãos humanas, mas afirma também que, tanto a Tenda da Reunião quanto o Templo eram, de alguma forma, e em certo sentido, a habitação de Deus entre o povo. Portanto, devemos entender esse modo de habitação do Senhor.

A Escritura mostra que Deus dignou-Se em vir frequentemente encher o santuário com Sua glória, guiar o povo, dar Suas instruções, falar com os judeus. E o lugar da comunicação dava-se do meio dos querubins, que são duas imagens de escultura de anjos dourados, em cima da tampa de ouro puríssimo sobre a arca da aliança.

Com a construção do templo em Nome do Senhor (1 Reis 5,3), no ano 480 da saída dos israelitas do Egito (1 Reis 6,1), a arca foi nele colocada. No templo de Salomão, a arca da aliança ficava no Santo dos Santos, onde havia dois querubins de oliveira cobertos de ouro. (1 Reis 6,23.28) Esses eram imponentes e tinham aproximadamente cinco metros de altura (10 côvados).

Assim, o templo era muitíssimo venerado, pois as orações eram ouvidas quando eram feitas nele, as mãos eram erguidas em direção a ele, o estrangeiro devia nele rezar[2], e quando os judeus estivessem distantes do templo, por causa das guerras, deviam rezar para a direção de Jerusalém e do Templo. É necessário observar a distinção da importância espiritual própria de Jerusalém e do valor espiritual também do templo. Por isso não é dito apenas Jerusalém, ou somente é referido o templo, mas ambos são mencionados: Jerusalém e o Templo, sendo o Templo a localização mais exata, o lugar onde está simbolizada a habitação de Deus:

Quando o céu se fechar e não cair mais chuva, por terem pecado contra vós, se vierem orar neste lugar, dando glória ao vosso nome e se converterem de seus pecados por causa e sua aflição”. (1 Rs 8,35)

Se um homem, se todo o vosso povo recorrer a vós com orações e súplicas e se cada um, reconhecendo a chaga de seu coração, levantar as mãos para este templo”. (1 Rs 8,38)

Porque se ouvirá falar da grandeza de vosso nome, da força de vossa mão e do poder de vosso braço – quando vier orar neste templo, ouvi-o do alto dos céus, do alto de vossa morada, ouvi-o e fazei tudo o que esse estrangeiro vos pedir”. (1 Rs 8,42-43)

Quando o vosso povo partir para a guerra contra os seus inimigos, seguindo o caminho que lhe indicastes, se vos invocarem com o rosto voltado para a cidade que escolhestes, para o templo que edifiquei ao vosso nome, ouvi do alto dos céus as suas preces e súplicas e fazei-lhe justiça”. (1 Rs 8,44-45)

A Bíblia afirma que o Senhor assenta-Se sobre os querubins, e é nessa simbologia que a arca foi construída: “Davi pô-se a caminho com toda a sua gente, indo a Baala de Judá, para trazer dali a arca de Deus, sobre a qual é invocado o nome do Senhor dos exércitos, que se assenta sobre os querubins.”. (2 Samuel 6,2)

Os versos 43 e 45 mostram que Deus tem a morada no alto dos céus, o que diferencia de sua habitação no templo. Definitivamente, Deus habita o céu, mas há um modo de habitação no Templo. Por isso, ao pôr-se diante da arca devia-se invocar o Nome de Deus, para que viesse ter com o povo ali, na arca, que era guardada no lugar santíssimo do templo. Como dito antes, Deus vinha ao templo para enchê-lo com Sua presença e glória, para habitar entre o povo, mas era uma habitação especial, pois a Bíblia é clara ao afirmar, ainda que entendendo e considerando a onipresença de Deus, afirma que o Senhor Deus mora nos céus. A habitação do Senhor no templo é uma habitação diferente, que serve de referência ao povo, e que tem sua acepção espiritual, e por isso é, nesse sentido profundo, a Casa do Senhor.

Dessa forma, é importante entender que o templo representa a presença de Deus, e a arca de forma especialíssima é a imagem que simboliza essa mesma presença de Deus. No entanto, a arca é apresentada como o “lugar” da aliança, pois ela simboliza o pacto que o Senhor fez com o povo, a aliança sagrada de Deus com Israel. A imagem da arca evoca a realidade da aliança divina: “Preparei um lugar para a arca, onde se encontra a aliança do Senhor, aliança que fez com nossos pais quando os tirou do Egito.” (cf. 1 Reis 8,21)

Deus não estava sempre com a Sua glória em todo o tempo no interior do Templo, como também não estava dentro da arca, nem estava no meio das imagens dos querubins. Ele vinha àquele lugar quando queria falar ao povo, quando julgasse isso necessário. Mas, tinha o santuário do templo como especial lugar para estar na terra, no meio do povo. E, quando desejava mostrar Sua presença, a nuvem enchia o templo.

Por isso, a Escritura afirma que o Senhor Deus habita na nuvem: “Quando os sacerdotes saíram do lugar santo, a nuvem encheu o Templo do Senhor, de modo que os sacerdotes não puderam ali ficar para exercer as funções de seu ministério; porque a glória do Senhor enchia o Templo do Senhor. Então Salomão disse: “O Senhor declarou que habitaria na obscuridade. Por isso, edifiquei uma casa para vossa residência, um lugar onde habitareis para sempre.”[3]

Essa presença mais marcante do Senhor na nuvem de glória acontecia desde o tabernáculo que Moisés havia construído, e que Deus usava para guiar o povo de Israel. (cf. Êxodo 40,36-38) Então, o templo, e em especial a arca, eram sempre grandemente louvados e venerados pelos israelitas.

 

Davi temeu a Arca de Deus

Depois do episódio ocorrido durante a procissão de transporte da Arca de Deus para Jerusalém, onde Oza tocou na arca e foi ferido de morte por isso, o rei Davi ficou temeroso de receber a arca em sua casa, mandando que a levassem para a casa de Obed-Edom. A arca ficou ali durante três meses. Assim está escrito: “Naquele dia, Davi teve medo do Senhor e disse: Como entrará a arca do Senhor em minha casa?” E não quis deixá-la entrar em sua casa, na Cidade de Davi; mandou levá-la par a casa de Obed-Edom, natural de Gat. Ficou a arca do Senhor três meses na casa de Obed-Edom de Gat e o Senhor abençoou-o com toda a sua família.” (2 Samuel 6,9-11)

Essa passagem mostra que a arca era considerada um objeto de valor religioso máximo, sendo reconhecida em sua acepção de objeto material pelo qual o Senhor tinha enorme zelo. Não somente isso. Deus mesmo ratificava essa crença dos filhos de Israel, pois castigava qualquer deslize para com a arca.

O rei Davi temeu o Senhor pelo que viu acontecer com Oza, e assim não quis receber a arca em sua casa. Sendo levada à casa de Obed-Edom, Deus abençoou a esse como também a toda a sua família. Vê-se então que a arca era considerada uma imagem de grande sentido religioso, que podia trazer as bênçãos de Deus. E isso de fato acontecia.

Foi anunciado ao rei que o Senhor abençoava a casa de Obed-Edom e todos os seus bens por causa da arca de Deus. Foi então Davi e fê-la transportar da casa de Obed-Edom para a Cidade de Davi, no meio de grandes regozijos.” (2 Samuel 6,12) No transporte da arca, com grande pompa e muita piedade, numa procissão magnífica, 1) o rei dançava, 2) o povo gritava de alegria, 3) sacrificavam bois e bezerros, 4) tocavam trombetas. Foi uma verdadeira cerimônia (v. 18), terminada com uma refeição para todos, onde comeram bolo, carne e torta. (2 Samuel 6,19)

Essas expressões de fé do povo de Deus para com a arca foram sempre acolhidas, ratificadas, naturalmente realizadas, e encontram-se entre as práticas religiosas corretas encontradas na Bíblia.



[1] É importante perceber aqui que não é dito que os querubins sobre a arca são o foco do estudo, mas que a própria arca, completa em sua estrutura (obviamente incluindo os querubins) é a imagem que o estudo tem como referência total.
[2] O mesmo sentido de orar. É muito comum, em português, distinguir rezar e orar, tendo a primeira palavra o sentido técnico de repetir uma oração escrita, lendo-a ou de memória, enquanto a segunda é geralmente ligada ao surgimento espontâneo da oração, feita com palavras próprias de quem ora. Porém, tanto a recitação de uma oração pronta como a realização de uma oração espontânea devem ser feitos com fé, brotar do espírito com a intenção de elevar a alma ao Senhor Deus. Isso é o que configura a oração.
[3] 1) Para refletir: Deus habitava dentro da arca da aliança? O que diz a Bíblia?