segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Batismo infantil por Tertuliano, São Cipriano e Santo Agostinho

Abaixo uma reflexão breve sobre três documentos que falam do batismo infantil, e da natureza do batismo.
A respeito da forma do batismo usual no início da Igreja, que foi por infusão ou mesmo aspersão, segundo o que testemunha a Bíblia, pode ser conferido aqui.

Tertuliano e o batismo infantil

Tertuliano escreveu em seu tratado sobre o batismo, capítulo 18: “E, então, de acordo com as circunstâncias e disposição, e até idade, de cada indivíduo, a demora do batismo é preferível; principalmente, entretanto, no caso de crianças pequenas.[1]

Para Tertuliano o batismo era muitíssimo valoroso, um dom preciosíssimo que não deveria ser entregue de forma imprudente, e para quem evidentemente não tivesse a possibilidade de guardá-lo como era necessário. Que as pérolas não fossem jogadas aos porcos, conforme Mateus 7,6.

Os casos em que as Escrituras mostram pessoas sendo batizadas imediatamente, depois da conversão, são porque Deus, segundo Tertuliano, proporcionou o conhecimento de que aquelas pessoas receberiam responsavelmente a graça, como que uma iluminação que apontava a adequada realização do batismo para aquela pessoa. Assim, Tertuliano afirma que: A aprovação de Deus envia sinais premonitórios seguros diante dele; cada petição pode enganar ou ser enganada.[2]

Fora disso, as circunstâncias deveriam ser analisadas, e a disposição da pessoa conhecida, para que de forma segura fosse percebida a bondade própria dessa disposição para o recebimento de tão grande dom. E até da idade, diz Tertuliano, pois como no batismo infantil era preciso pensar que a tenra idade poderia ser perigosa para a recepção do batismo, pois aquele indivíduo poderia, mais tarde, negar o dom recebido sem a devida consciência de seu valor. Mais ainda a respeito dos bebês.

Nesse caso, os padrinhos da criança estariam em perigo, pois responderiam por aquele ato. Talvez, veriam a pessoa batizada crescendo de forma contrária àquilo que deveria ocorrer em sua vida de batizado. O batismo ali, então, não era tão necessário, visto essas exigências.

Então, Tertuliano aconselhava esperar que se tornem cristãos aqueles que pedirem, que estiverem aptos a conhecer a Cristo. E, também, porque o bebê estaria na fase da inocência, a qual não deveria haver tanta pressa para o batismo. Pois as crianças não são responsáveis por assuntos mundanos importantes, quanto mais pelas coisas divinas.  Quem entender o sentido do batismo temerá mais sua recepção que sua demora: “a fé sadia é segura de salvação”. Veja então o tamanho valor do batismo.[3]


São Cipriano e o batismo infantil

São Cipriano discutiu uma questão, em Concílio, a respeito do batismo infantil. Havia quem pensasse não poder ser batizada uma criancinha com dois ou três dias de nascimento, mas somente após o 8º dia, como estava na lei de Moisés concernente à circuncisão. Assim, São Cipriano esclarece, pelo que podemos notar no tom de suas palavras, que esse não é o costume da Igreja, não foi o consenso dos padres do concílio, pois Deus quer a salvação de todos, independente da idade. Assim, a Igreja batiza a todos. Diz São Cipriano: Devemos nos esforçar que, se possível, que nenhuma alma seja perdida. Temos aqui explicitamente o batismo ligado à salvação, mesmo dos pequeninos.[4]

São Cipriano fala do tempo que foi designado por Tertuliano como período da inocência. Ele escreve: “sendo ultimamente nascido, não pecou, exceto que, tendo nascido da carne segundo Adão”. A criança “não pecou”, mas tal não significa que o infante não tenha pecado nenhum, pois há o pecado original, aquele que herdou de Adão.[5]


Santo Agostinho e o batismo infantil

Santo Agostinho afirmou que as pessoas levavam os infantes (criancinhas pequeninas, bebês) para serem batizadas por causa do pecado original que elas haviam herdado do nascimento natural, para serem purificadas pela “regeneração do segundo nascimento”, que é o batismo.[6]


Conclusão:

Esses testemunhos, sobre o batismo, do século 2º, 3º e 4º são de importância imensa. Tertuliano escreve de forma a deixar subentendido que o batismo de crianças era a norma em seu tempo, e que o mesmo não se opunha a ele em sua essência. Sua opinião apenas lidava com a importância do mesmo. Não negou o batismo infantil em si, opinou somente para que fosse esperado o momento para que pedissem o mesmo.

São Cipriano deixa mais clara a questão, e mostra, como Tertuliano, que o batismo é para a salvação, mas que deve ser conferido a todos, sem limite de idade, e que ainda que as criancinhas não pequem, são nascidas no pecado. Tertuliano não deixou claro seu “período de vida inocente”. Certamente esteja se referindo ao período em que as crianças não podem cometer pecados pessoais, e nesse sentido estão inocentes diante de Deus. Não são cristãos ainda, não são salvos, segundo o mesmo texto, pois ele diz que deve-se esperar que peçam para serem batizados e recebam a salvação. Devemos, antes, entender o contexto para o que Tertuliano colocou essa precaução para a realização do batismo. Não foi, porém, uma prática geral da Igreja Católica. Hoje também pode haver circunstâncias em que a Igreja Católica entenda ser preferível não batizar uma criancinha, até que certas exigências sejam supridas.

E São Agostinho testemunha da prática do batismo infantil, da fé no pecado original, e de que o batismo é para a salvação.

Em todos esses documentos, aprendemos que no segundo, terceiro e quarto século, a mesma fé sobre o batismo foi mantida. Em nenhum momento alguém objetou que o batismo devesse ser somente para crentes, nem que o mesmo fosse apenas um testemunho público da conversão e novo nascimento, e de que as criancinhas não devessem ser batizadas por não terem a capacidade de exercer fé. Esses argumentos não existiam.

O único argumento que poderia ser usado para a realização do batismo após a idade da razão é aquele de Tertuliano, mas o mesmo usou de outros motivos. O batismo é para remissão dos pecados, e como a criança não havia cometido ainda nenhum pecado, o batismo poderia ser esperado. Esse é o argumento. Não parece em nada com a argumentação de muitas igrejas atuais, onde o batismo seria apenas um símbolo do novo nascimento, e como esse somente pudesse ser realizado mediante a fé, somente o batismo de crentes seria o batismo “bíblico”. Tertuliano não subscreveria tal noção de batismo.

Além do mais, a posição de Tertuliano quanto à idade para o batismo não foi o costume da Igreja, mas tem seu valor, enquanto leva-nos a entender o sentido profundo do sacramento do batismo.

Para os dois santos, São Cipriano e Santo Agostinho, o primeiro entre o segundo e o terceiro século, e o segundo entre o terceiro e o quarto, temos a doutrina apostólica testemunhada. Todos criam no batismo como o sacramento da fé, o sacramento da salvação, onde o perdão dos pecados é realizado, e que as criancinhas são candidatas ao batismo como todos os adultos. Aliás, para santo Agostinho as crianças mortas sem o batismo não poderiam entrar no céu, mas seriam condenadas ao inferno, embora suas punições fossem as menores possíveis, visto não terem cometido pecados. Assim, a eclesiologia de santo Agostinho é puramente católica, onde é necessário fazer parte da Igreja Católica visível, e participar dos seus sacramentos.

Enfim, o batismo é o sacramento da salvação, e deve ser conferido a todos, infantes e adultos.

[as fontes citada estão disponível em www.newadvent.org]

Gledson Meireles.


[1] Tertuliano, On Baptism, 18.
[2] Ibid.
[3] Ibid.
[4] São Cipriano, Epistle 58, 2.
[5] São Cipriano, Epistle 58, 5.
[6] Santo Agostinho, On Marriage and Concupiscense, Livro II, cap. 4.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Papias e a tradição

O bispo Papias, Padre Apostólico, mostra que a tradição apostólica guardada pelos presbíteros era de importância fundamental:

Mas quando encontrava alguém que tivesse sido seguidor dos presbíteros em qualquer lugar, fazia questão de inquirir quais eram as declarações dos presbíteros. O que foi dito por André, Pedro ou Filipe. O que foi dito por Tomé, Tiago, João, Mateus ou qualquer outros dos discípulos de nosso Senhor. O que foi dito por Arístion e pelo presbítero João, discípulos do Senhor; pois não penso que eu me tenha beneficiado com os livros tanto quanto me beneficiei com a voz viva dos que ainda vivem.[1]

Segundo Papias, ele havia aprendido mais por essa via da tradição do que através da leitura dos livros. E, como trata da doutrina cristã, sua explicação tem em comparação a tradição apostólica e as Escrituras Sagradas, e em sua experiência pessoal ele havia ajuntado mais informações por meio da viva voz do que por suas interpretações nas leituras da Bíblia. E isso porque fazia questão em inquirir sobre a doutrina que foi ensinada pelos santos apóstolos. Por isso, disse ter tido mais benefícios com a tradição.

Eusébio afirma que Papias escreveu outros relatos como “tradições não escritas recebidas, assim como certas estranhas parábolas de nosso Senhor e sua doutrina e algumas outras questões um tanto fabulosas demais.[2]

Para Eusébio Papias incluiu em suas narrações intepretações que não condiziam com dados da tradição apostólica, mas que eram opiniões suas, não compreendidas em sua acepção mística e de figuras, mas literalmente, como fez ao apresentar o reino milenar: “Nesses ele afiram que haverá certo milênio após a ressurreição e que haverá um reinado corpóreo de Cristo nesta terra; coisas que parece ter imaginado, como se fossem autorizadas pelas narrações apostólicas, não compreendendo corretamente aquelas questões que propunham misticamente e suas representações”.[3]

Pela menção de Eusébio o milênio não era a doutrina mais difundida na Igreja, e nessa questão a interpretação espiritual era aquela reconhecida como parte da tradição apostólica. Assim, Eusébio pensa que Papias não compreendeu bem essa distinção quando escreveu sobre o milênio, e o fez erradamente como se esse dado estivesse na tradição dos apóstolos. Menciona, então, Santo Irineu, que havia adotado, por influência de Papias, por esse ser escritor antigo, assim como muitos, que adotaram a interpretação milenar literal de Papais.

Sabendo, contudo, que Irineu foi reconhecidamente correto na doutrina, pois no Livro 4, capítulo XXI, Eusébio escreve, depois de citar vários escritores da Igreja: “Musano, também, e Modesto e, por fim, Irineu, cujas opiniões corretas acerca da fé saudável têm chegado a nós nas obras escritas por eles, conforme a receberam da tradição apostólica.[4] Isso mostra que, ainda que certa interpretação não fosse aceita geralmente na igreja, e que estivesse contida na obra de uma padre, esse ainda era considerado saudável em sua doutrina, pois aquela opinião era aceitável, embora ainda discutível, e que esperava o tempo para ser, se possível, cabalmente compreendida. É por isso que santo Irineu escreveu a respeito do milênio e reconhece que outros não adotavam aquela compreensão, e que esses eram igualmente fieis, corretos na doutrina. Essa constatação é uma prova de que o milenarismo ali ensinado não foi entendido como indiscutível doutrina apostólica por santo Irineu, mas uma interpretação possível, que em seu fundamento não era entendida como herética, e naquele momento não havia sido recusada pela Igreja.

É importante notar o valor da tradição em Papias. Muitas das informações que traz estão pautadas unicamente na transmissão que outros fizeram a ele, e que o mesmo tinha registrado, e guardado na memória, como ele escreve alhures. Diversos dados são passados, os quais não possuem a rigidez técnica usada posteriormente para compreender cada um, como nós os compreendemos hoje. 

Assim é que, ao falar da escritura do Evangelho por São Marcos afirma: “Assim Marcos não errou em nada ao escrever algumas coisas como ele as recordava; pois teve o cuidado de atentar para uma coisa: não deixar de lado nada que tivesse ouvido nem afirmar nada falsamente nesses relatos.” Não menciona alguma consideração a respeito da inspiração sob a qual São Marcos estava ao fazer o seu trabalho, mas a falta dessa informação específica no relato não indica mais que o mesmo não tinha em foco tratar da inspiração bíblica, mas mostrar conteúdos que eram guardados na Igreja por tradição.

Gledson Meireles.




[1] Eusébio de Cesareia, História Eclesiástica, Livro III, XXXIX.
[2] Eusébio de Cesareia, História Eclesiástica, Livro III, XXXIX.
[3] Eusébio de Cesareia, História Eclesiástica, Livro III, XXXIX.
[4] Eusébio de Cesareia, História Eclesiástica, Livro IV, XXI

sábado, 19 de dezembro de 2015

Tertuliano e a tradição

Tertuliano viveu na segunda metade do século 2º, e primeiras décadas do século 3º. Portanto, estamos em uma época bastante próxima da era apostólica. Escrevendo contra as heresias, Tertuliano deixa algumas indicações quanto a forma de combater as heresias, e o entendimento da tradição católica.

No capítulo 20 de sua obra Prescription Against the Heretics, Tertuliano afirma que a tradição é uma das características das igrejas, as quais, todas elas, que formam uma única Igreja. Os apóstolos: “Eles então, da mesma maneira, fundaram igrejas em cada cidade, das quais todas as outras igrejas, uma após a outra, derivaram a tradição da fé, e as sementes da doutrina, e estão todo dia derivando-as, para que elas tornem-se igrejas”. Entende-se, portanto, que a tradição é fechada com os apóstolos, e que as igrejas subsequentes não são fontes, ou criadoras de tradição, mas que derivam a tradição das igreajs apostólicas, como órgãos de transmissão dessa tradição ao longo do tempo. E continua, no capítulo 21, que: “Disso, portanto, nós elaboramos nossa regra”, referindo-se à regra de fé.
No capítulo 28 temos uma das mais claras de suas asserções quanto à tradição apostólica. Ele afirma: “Erro de doutrina nas igrejas deve necessariamente ter produzido várias questões. Quando, no entanto, aquilo que é depositado, entre muitos, é encontrado como um e o mesmo, não é o resultado do erro, mas da tradição. Pode alguém, então, ser descuidado o suficiente para dizer que estavam em erro quem transmitiu a tradição?” Quem ousa afirmar, segundo Tertuliano, que um dado da fé está errado, daquilo que é legitimamente aceito na Igreja, esse é descuidado, em outras palavras, imprudente.
Vemos que Tertuliano mostra que a Igreja tem a possibilidade, desde o seu início, de ter em seu meio erros de doutrina, e que muitos desses erros foram ocasiões de debates, de controvérsias, das “várias questões”, como escreve. No entanto, há uma regra elementar para reconhecer entre as várias tradições antigas aquela que é a tradição apostólica, a qual é Palavra de Deus e transmite necessariamente a verdade. Segundo Tertuliano, quando há uma concordância geral, em questão de doutrina, na fé da Igreja, esse resultado não é um erro. De fato, com esse pensamento Tertuliano exclui a possibilidade de que no consenso da Igreja possa haver erro. E conclui que esse resultado é o da tradição. Essa é a tradição apostólica, que entre muitas opiniões que pode ter surgido, entre debates de discussões teológicas, quando algum item doutrinal tem o sentido único reconhecido, e é idêntico na interpretação geral da Igreja.
Desse ensino de Tertuliano, nessa pequena porção de sua obra, pode-se ver que a tradição é regra de fé, tem o fundamento nas igrejas apostólicas, que formam uma só Igreja, e que o sinal de sua identidade é o consenso geral, quando “aquilo que é depositado, entre muitos, é encontrado como um e o mesmo”.
 
(traduções com auxílio do google translator)
 
Prescipion against heretics. Disponível em: newadvent.org
 
Gledson Meireles.

Santo Irineu e a tradição

Santo Irineu, em seu livro III, capítulo 4, parágrafo 1, mostra que os cristãos devem ater-se à tradição dos apóstolos. Ele diz que não é necessário procurar a verdade entre outras pessoas, pois é possível obter isso da Igreja. Os apóstolos depositaram nela a verdade, como que uma riqueza em um banco, de modo que qualquer um pode ter a verdade por meio da Igreja.

Nas questões disputadas, sobre assuntos de importância, e desse modo podemos pensar, por “questões importantes”, que são coisas relativas à fé e que tocam a salvação, Santo Irineu afirma ser necessária a tradição. Ele refere-se, para isso, como meio de saber da tradição, às igrejas mais antigas, que tiveram contato com os apóstolos de Nosso Senhor Jesus Cristo.

E a pergunta retórica que faz é de uma importância magnífica nesse contexto de relação entre Escritura e Tradição. Ele diz: “Pois como seria se os mesmos apóstolos não tivessem nos deixado escritos?”. Essa questão mostra que as Escrituras eram o fundamento da fé, juntamente com a Tradição, e que o princípio cristão que englobava essas duas formas de transmissão da Palavra de Deus era totalmente estabelecido, pois não poderia haver um questionamento assim por alguém que cresse na possibilidade de que após a era apostólica somente os ensinos vindos por meio das Escrituras é que seriam autoridade infalível, como norma de fé, e única via, e ligassem todos os cristãos, se por essa afirmação a tradição seria algo comparável à brincadeira infantil do “telefone sem fio”.

Para santo Irineu, pelo contrário, se os apóstolos não tivessem deixado as Escrituras, nenhum escrito, de fato, seria possível ter a Palavra de Deus preservada ao consultar as igrejas antigas, aquelas comunidades que tiveram contato direto com os apóstolos, e por elas receber a doutrina verdadeira, e assim dirimir a questão nas disputas. Essa é uma possibilidade real, totalmente apresentada por Santo Irineu, caso as Escrituras não existissem. Por isso, ele mostra que é dever dos cristãos perguntar à Igreja sobre a verdade, pois nela está depositada, desde os apóstolos, pelos mesmos apóstolos, a verdadeira doutrina.

Então, ele continua da seguinte forma, com a pergunta: “Não seria necessário, [nesse caso,] seguir o curso da tradição que eles transmitiram àqueles a quem eles confiaram as Igrejas?”. Ou seja, seria necessário, se não tivéssemos a Bíblia, seguir a tradição e examiná-la para ver a doutrina que os apóstolos deixaram aos bispos nas respectivas igrejas. Essa tradição contém a Palavra de Deus, assim como a Bíblia, e ainda que tendo as Escrituras é correto e útil e necessário obter a verdade da Igreja, que a possui, como guardiã. É isso que Santo Irineu ensina.

Se a pergunta fosse feita a alguém que cresse no princípio Sola Scriptura, onde somente a Escritura guarda o ensino infalível, e que é a única forma a ser buscada para dirimir questões, então a resposta deveria ser que se os apóstolos não tivessem deixado as Escrituras não haveria mais como saber da verdade, e a resposta seria da impossibilidade de saber do verdadeiro evangelho. Muitos creem isso atualmente, mas não no tempo de Santo Irineu, e nem por Santo Irineu. Sua exposição é bastante clara nesse sentido. (cf. Livro III, cap. 4, parágrafo 1)

Continuando no parágrafo 2 esse ensino é tornado ainda mais reluzente. Santo Irineu exemplifica a vida da Igreja entre os bárbaros que não possuem as Escrituras. Em outras palavras, ele fala das nações, que falam outros idiomas, os bárbaros, as quais não têm a Bíblia para reger a sua fé e moral. Para isso seguem o curso da tradição. Ele afirma que esses bárbaros são cristãos, pois creem em Cristo, e têm a salvação em seu coração, pelo Espírito Santo, mas não possuem a Palavra em papel e tinta, “mas cuidadosamente preservando antiga tradição”, que em resumo significa que creem em Deus, o único, criador do céu e da terra, por meio de Jesus Cristo, o Filho de Deus, que por amor nasceu da virgem, unindo o homem a Deus, sofrendo sob Pôncio Pilatos e ressuscitando, subiu aos céus e virá na glória, que virá julgar e mandar para o fogo eterno os condenados; esses bárbaros os são em relação ao idioma, mas não no que concerne à fé, pois aí eles são sábios. Tudo isso sem ter a Bíblia. Eis a força da tradição, mostrada por Santo Irineu.
Against Heresies, Livro III. Disponível em: newadvent.org.

Gledson Meireles.

Santo Irineu ensinou a Bíblia e a Tradição


Santo Irineu, em seu livro III, capítulo 2, versos 1 e 2, enfrentou heresias em que, uma vez confrontadas com as Escrituras, o seus defensores negavam as próprias Escrituras. Afirmavam que as Escrituras eram, entre outras coisas, imprecisas, não autoritativas, e não podiam ser entendidas por quem não conhecesse a tradição. Essa era a tradição segundo a opinião dos hereges gnósticos, e não a tradição apostólica. Isso será provado abaixo. Para essa seita a doutrina teria vindo aos cristãos por viva voce e não por escritos.

Em debates a respeito da autoridade da Bíblia Sagrada e da Tradição Apostólica, essa exposição de Santo Irineu certamente pode ser usada, com a ideia acima, contida na opinião dos gnósticos, sem as devidas qualificações, para intimidar os cristãos católicos que creem na validade da tradição ao lado das Escrituras como de valor idêntico, por serem modos de transmissão legítimos da Palavra de Deus. Mas, uma coisa deve ser entendida. Santo Irineu afirma que aquela heresia negava que os ensinos tivessem vindo por meio escrito, o que não é o que ocorre na doutrina cristã católica, nem mesmo na doutrina cristã protestante. Muito pelo contrário. Assim, aquela heresia não coaduna-se com nenhum dos lados referidos do debate.

Entretanto, quando a Igreja, por meio dos apologistas da época (pois Santo Irineu refere-se a ele e outros na exposição da verdade, como a posição oficial da Igreja), afirmava a tradição dos apóstolos para provar a doutrina verdadeira àqueles que afirmavam crer na tradição, no ensino de viva-voz, então, Santo Irineu escreve: “Mas, novamente, quando referimos a eles àquela tradição a qual origina-se dos apóstolos, [e] a qual é preservada por meio da sucessão dos presbíteros nas Igrejas, eles objetam a tradição...”. (tradução minha) De fato, nem mesmo a tradição apostólica eles seguiam, pois, diz Santo Irineu, esses achavam-se mais aptos a encontrar e a ensinar a verdade do que os apóstolos, os quais eram acusados por esses hereges quanto à sua fidelidade no ensino da doutrina verdadeira. É uma lástima já naqueles tempos, onde os hereges acusavam os próprios apóstolos do Senhor, e consequentemente os bispos [presbíteros] que os sucederam de não ter transmitido puramente o ensino.

E, se isso é um absurdo, blasfêmia é afirmar que o mesmo Senhor Jesus não tivesse ensinado a verdade incontaminada. Até mesmo a esse ponto chegaram os gnósticos em suas invectivas contra a Igreja Católica no tempo de santo Irineu. Então, conclui o defensor da fé, que esses hereges não criam nem nas Escrituras, nem na tradição. (Livro III, cap. 2, 3)

Essa contextualização é necessária para mostrar que Santo Irineu não igualou Escritura e tradição como se referissem à mesma coisa. Pelo contrário, citou ambas as vias de ensino da Palavra de Deus, sendo as Escrituras aquela Palavra deixada pelos apóstolos por escrito, e a tradição o ensino que os apóstolos deixaram oralmente, e que foi preservado pelos bispos nas igrejas. Embora ambas tenham a mesma verdade, o mesmo conteúdo, por ser Palavra de Deus, não são uma única via, mas duas. E Santo Irineu ensina ambas.

Gledson Meireles.
 
fonte: Against Heresies. Disponível em: newadvent.org.

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

As discussões entre Santo Agostinho e São Jerônimo sobre Gálatas 2,11

Estudo feito em consideração ao artigo Jerônimo e Agostinho debatendo sobre doutrina e interpretação bíblica.
Na querela que surgiu entre São Jerônimo e Santo Agostinho sobre a passagem de Gálatas 2,11, São Jerônimo escreve que a oração de ambos os debatedores é que a verdade prevaleça.[i]

Um dos princípios cristãos católicos de interpretação da Bíblia é descrito por Santo Agostinho, em sua carta a São Jerônimo, e repetido por São Jerônimo, de que a interpretação deve ser literal.[ii]
São Jerônimo inicia mostrando que sua interpretação do evento em Gálatas aludido acima foi condicionada por leituras de outros autores e que estava à disposição do leitor julgá-la correta ou errônea.[iii]

Não querendo ser dogmático naquela questão, sugere a Santo Agostinho escrever sua doutrina e procurar persuadir os bispos a concordar com ele na sua interpretação.[iv]

Falando sobre Gl 1, 18 explica que São Paulo foi a Jerusalém por reconhecer a grande autoridade de São Pedro, e que Paulo não confiaria em sua pregação se não fosse confirmado por Pedro e pelos outros apóstolos.[v]
Pedro estava agindo como que em clara discordância com sua própria regra.[vi] Essa afirmação mostra a autoridade de Pedro.

Então, São Jerônimo escreve a Santo Agostinho para que ele considere, pelo contrário, não as pequenas opiniões dele em seus comentários, mas das seitas heréticas, dos Nazarenos, que eram e sua forma entremeada de Judaísmo e Cristianismo, e tinham introduzido heresia pestilenta.
O ponto mais importante nessa controvérsia, e que São Jerônimo não entendeu, foi que as cerimônias judaicas observadas fortuitamente por um cristão judeu não deveria ser como se fossem salvíficas. São Jerônimo não via motivo para observar algo que não servisse para a salvação, e isso foi sua dificuldade em entender o que escreveu Santo Agostinho.

Chegando ao fim da sua resposta sobre o episódio de Pedro e Paulo na epístola aos Gálatas, São Jerônimo afirma que sua opinião e a de Santo Agostinho são praticamente idênticas.[vii]
Expressando humildade em sua opinião, São Jerônimo afirma que se Santo Agostinho escrever mais uma carta a ele, que está tão distante geograficamente, a Itália e Roma conhecerão o conteúdo da mesma antes que ele a leia.[viii] É como afirmar que, por questão de resolução de São Jerônimo, as discussões ulteriores passarão primeiro pela autoridade magisterial de Roma.

E no final, mencionando sua idade avançada, e sua vida no monastério, fala a Santo Agostinho, que era jovem, e bispo, a entregar-se ao ensino e trazer frutos espirituais do mesmo a Roma.[ix]

1.      As divergências entre Santo Agostinho e São Jerônimo não tocavam o dogma. Divergiam na interpretação de passagens bíblicas, chegando no final à mesma conclusão. Ambos criam que a Lei judaica havia sido abolida, e que não mais obrigava os cristãos, e que os apóstolos Pedro e Paulo, quando praticavam a Lei, faziam por motivos que não fossem contrários ao evangelho.

2.      Magistério infalível existia, embora não foi explicitamente citado na carta. Argumento do silêncio. Mas, ao falar que a carta seria lida primeiro em Roma infere-se o magistério, ou melhor, a autoridade do papa está implícita na carta.

3.      Levando logicamente o que entendeu de Santo Agostinho, disse que isso seria cair na heresia de Cerinto e Ebion. Isso não significa que o mesmo acusasse santo Agostinho de seguir Cerinto e Ebion, ou de ter doutrina semelhante, mas que por suas palavras a lógica levaria a isso. Sabia, porém, que Santo Agostinho tinha a mesma doutrina e prática que ele.[x]

4.      Agostinho não ensinava diferentemente de Jerônimo.

5.      Portanto, era uma questão de levar às últimas consequências as palavras de Agostinho que poderia chegar a ser “doutrina de perdição”, e não que a realidade fosse essa. Prova essa que Jerônimo pede a Agostinho que use sua pena contra as ideias da seita de Cerinto e Ebion, e não contra as suas, que não passagem de um resumo de comentários antigos.

Queira o Senhor Jesus que todas as divisões sejam tais como as que tiveram Santo Agostinho e São Jerônimo como vimos acima.

Gledson Meireles.


[i] cf. I am well assured that your prayer as well as mine is, that in our contendings the victory may remain with the truth.
[ii] but that all things in Scripture are to be received literally as they stand.
[iii] By which I have made it manifest that I did not adopt finally and irrevocably that which I had read in these Greek authors, but had propounded what I had read, leaving to the reader's own judgment whether it should be rejected or approved.
[iv] I do not presume to dogmatize in regard to things of great moment.
[v] In the following context, again, he adds: Then, fourteen years after, I went up again to Jerusalem with Barnabas, and took Titus with me also. And I went up by revelation, and communicated unto them that gospel which I preach among the Gentiles; proving that he had not had confidence in his preaching of the gospel if he had not been confirmed by the consent of Peter and those who were with him.
[vi] No one can doubt, therefore, that the Apostle Peter was himself the author of that rule with deviation from which he is charged.
[vii] Nor is there, after all, a great difference between my opinion and yours: for I say that both Peter and Paul, through fear of the believing Jews, practised, or rather pretended to practise, the precepts of the Jewish law; whereas you maintain that they did this out of pity, not with the subtlety of a deceiver, but with the sympathy of a compassionate deliverer. But by both this is equally admitted, that (whether from fear or from pity) they pretended to be what they were not. As to your argument against our view, that he ought to have become to the Gentiles a Gentile, if to the Jews he became a Jew, this favours our opinion rather than yours: for as he did not actually become a Jew, so he did not actually become a heathen; and as he did not actually become a heathen, so he did not actually become a Jew. His conformity to the Gentiles consisted in this, that he received as Christians the uncircumcised who believed in Christ, and left them free to use without scruple meats which the Jewish law prohibited; but not, as you suppose, in taking part in their worship of idols. For in Christ Jesus, neither circumcision avails anything, nor uncircumcision, but the keeping of the commandments of God.
[viii] And if you happen to write me a letter, Italy and Rome are sure to be acquainted with its contents long before it is brought to me, to whom alone it ought to be sent.
[ix] Do you, who are young, and who have been appointed to the conspicuous seat of pontifical dignity, give yourself to teaching the people, and enrich Rome with new stores from fertile Africa.) [From Jerome to Augustine (A.D. 404) em http://www.newadvent.org/fathers/1102075.htm]
[x] for I know that you are a Christian, and will not be guilty of a profane action

domingo, 29 de novembro de 2015

O papa Vítor I e a controvérsia sobre a data da Páscoa

As igrejas da Ásia comemoravam o dia 14 de Nisã como os judeus, onde o jejum da quaresma terminava nessa data, indiferentemente do dia da semana que caísse a mesma. O restante das igrejas em todo o mundo celebrava a páscoa no dia de domingo. Escreve Eusébio: “Mas não era costume celebrá-la dessa maneira nas igrejas do restante do mundo que observam a prática que subsistiu pela tradição apostólica até o presente...”

Vendo isso ficamos informados que havia na Ásia uma tradição antiga em celebrar a páscoa em data diferente do restante da Igreja no mundo, e que essa tradição local, embora antiquíssima, não era considerada apostólica, mas um “costume transmitido por seus pais”, afirmavam os bispos da Ásia.

Eles achavam estar seguindo o que seguiram o apóstolo São João e tantos outros, e a regra de fé da Bíblia. Mas, Vítor, o bispo de Roma, que era portanto papa, ainda que naquele momento o título não fosse usado exclusivamente a ele, o papa Vítor desligou as igrejas da Ásia e outras, por esse motivo. Porém, diante disso muitos bispos não concordaram com a dureza da papa. E então: “Eles o exortaram de imediato, pelo contrário, para considerar aquele curso calculado para promover a paz, a unidade e o amor mútuo”.

O bispo Polícrates da Ásia estava convicto na sua posição. O bispo Vítor I (189-198) de Roma lançou o anátema e excomungou as igrejas dissidentes. Outros bispos amigos de Vítor o exortaram a considerar a paz e a união e usar o momento para fomentar esses valores.

Os bispos foram severos contra Vítor. Santo Ireneu escreve ao papa Vítor para não dividir, cortando igrejas de Deus que observavam um costume antigo, e que aquelas diferenças estabeleciam a fé comum entre as comunidades: “e a própria diferença em nosso jejum estabelece a unidade em nossa fé”. É como afirmar que os jejuns em dias e formas diferentes unia a todos, pois todos jejuavam.

Então, Santo Ireneu cita a tradição dos papas Sotero, Aniceto, Pio, Higino, Telésforo e Xisto, que permitiam as igrejas da Ásia agirem assim. Dessa forma, era conhecida de Roma a prática dos cristãos da Ásia Menor.

Menciona o caso de São Policarpo discutir questões com o papa Aniceto (154-166), mas logo entrando em concordância. São Policarpo afirmava seguir a tradição que aprendeu do apóstolo João, e Aniceto afirmava seguir os seus predecessores. Eusébio afirma que Aniceto cedeu à opinião de Policarpo “sem dúvida por respeito”. (Eus. Ces. Hist. Ecl. Liv. XXIII, XXIV) Assim, no lugar que muitos lêem que o papa Aniceto recebeu ordem de Policarpo, o que está na História é outra afirmação, ou seja, de que ambos discutiram questões, mas que respeitosamente, por consideração ao irmão Policarpo, o bispo Aniceto aceitou sua posição e cedeu.

Pelo exposto, pode-se extrair vários fatos. A Igreja geralmente observava a Páscoa no domingo, enquanto que algumas regiões, como a da Ásia Menor, mantinha tradição antiga, segundo afirmavam vir de São João, de que a páscoa era celebrada em 14 de Nisã, como no Antigo Testamento. Mas, ainda em Jerusalém e em outros lugares os judeus modificaram o dia de celebração após a destruição da cidade.

O papa Vítor I excedeu no zelo, visto que nenhum dos seus predecessores havia tomado semelhante atitude, e parece ter sido uma opinião particular, considerando que os bispos em geral foram contrários à decisão do papa, e como o foi Santo Irineu.

Disso vemos que o papa Vítor I era reconhecido em sua autoridade, pois convocou sínodos regionais vários, e lançou ação disciplinar sobre uma região distante de Roma, e todos viram normalidade em sua atitude, não concordando apenas que a mesma devesse ser realizada, por pensarem ser questão de menor monta, e que os papas anteriores conscientes da matéria não fizeram o mesmo.

As repreensões de Santo Irineu e dos bispos ao papa Vítor I são vistos por muitos como exemplo de que não reconheciam a autoridade suprema do papa. Mas, tudo o que girou em torno da questão mostra o contrário.

De fato, mostra aquela ocasião muitas características da Igreja Católica naqueles tempos que são as mesmas hoje. Em meados do século 2º São Policarpo vai a Roma conversar com o papa sobre questões polêmicas, mas que não atacavam o dogma. A atitude do papa e do santo foi de manter a paz, deixando as questões de datas, e etc., em segundo plano. O fato de ir a Roma tratar da questão com seu bispo já denota a autoridade do papa em pleno século 2º, reconhecida por alguém que conviveu com os apóstolos.

O que escreveu Santo Irineu é também de importância para entender o poder do papa no tempo de Vítor I. O santo critica a atitude de dureza desnecessária do pontífice, mas não nega seu direito de tomá-la. Vítor havia convocado sínodos em diversas áreas, como na nas Gálias, onde presidia o bispo Irineu, e na Palestina. Os demais bispos foram contrários a Vítor, mas o que puderam fazer foi tentar demovê-lo da sua atitude, não negar sua autoridade.

Ainda, santo Irineu cita para argumentar com Vítor que os bispos de Roma que vieram antes dele foram todos tolerantes para com essas questões de importância menor. Essa era opinião de Irineu, de que não poderia introduzir divisão por coisas de pouca monta como essa. Assim afirma dos papas: “em tempo algum desligaram alguém só por causa da forma”. Esses papas não guardavam o 14 de Nisã, e nem permitiam que outros guardassem costume diferente daquele mantido em Roma, mas permitia que outras igrejas nas demais localidades mantivessem costumes tradicionais diferentes, “na forma”, coisas que não afetavam o dogma.  Essa é a prova de que o papa de Roma podia desligar igrejas.

A questão das datas era complicada, pois na Ásia pensavam estar seguindo o costume de São João, mas em Roma o papa afirmava seguir seus predecessores, o que remonta ao apóstolo São Pedro. O fato que reforça a posição de Roma contra a opinião do bispo Polícrates é que segundo Eusébio, e confirmado pela argumentação de Santo Irineu, as demais igrejas particulares do mundo estavam unidas na mesma tradição com a comunidade de Roma, o que põe a região da Ásia como de tradição mais recente.

E santo Irineu que presidia na Gália não escreveu com autoridade igual ao bispo de Roma, mas como era de costume seu, enviava escritos para exortar e ensinar a muitos outros bispos, em questões polêmicas, como afirma Eusébio, com o fim de manter paz e unidade. Irineu concordava com o papa, mas era tolerante àqueles que guardavam a “tradição de um costume antigo”. As divergências, explica santo Irineu, vem da pouca exatidão que os antigos conseguiram guardar quanto aos fatos. Ele diz: “talvez, não tendo regulado com rigidez suficiente, estabeleceram a prática que nasceu de sua simplicidade e inexperiência.” Mostra assim que acreditava na boa disposição dos outros que não mantinham a mesma data, e outras coisas de natureza igual, mas que pensava que isso foi resultado de perda da tradição apostólica naquele caso. Exortava a todos a manter a tolerância nessas coisas.

Eusébio afirma que Irineu era “promotor da paz, exortou e negociou questões tais como essa pela paz das igrejas”. Escrevia com sugeridas exortações, não como alguém que presidia outras comunidades, e isso fica claro pelo contexto do que diz.

De outra forma foi a posição de Vítor, que escreveu não para exortar e sugerir algo, mas com autoridade, não negada, e excomungou bispos e cristãos de outras localidades, usando e prerrogativa legítima. Isso explica que os que não ficaram satisfeitos com essa posição do papa tentassem dissuadi-lo dela. O que fez Santo Irineu foi positivo, pois evitou a excomunhão do bispo Polícrates e dos cristãos da Ásia, que ficaram todos em comunhão com Roma, tolerados em celebrar na data que aprenderam, não havendo cisma.

A fim de maior esclarecimento, Santo Irineu chamou Roma de “maior e mais antiga igreja”, não em consideração a estar sediada na grande capital do Império, e por ter sido fundada por Pedro e Paulo, como ele mesmo afirma esse último fato, mas afirma também “aquela igreja que tem a tradição e a fé que vem a nós depois de ter sido anunciada aos homens pelos apóstolos”. Além disso, que já é o bastante para mostrar a exclusividade da Igreja em Roma na doutrina cristã por sua fundação, Santo Irineu afirma que: “Com essa igreja, por causa da sua superior origem, todas as igrejas devem concordar”. Esse é o bastante para entender a posição da Igreja de Roma nas questões doutrinais, mas ainda há mais na obra de Santo Irineu. (Against Heresies, 3:3:2 [A. D. 189] em www.catholic.com.) É por isso que o papa Vítor I tinha tal autoridade sobre as outras igrejas.

Com referência o tempo do papa Clemente, quando São Policarpo ainda vivia, esse escreveu uma Epístola aos Coríntios, para resolver questões naquela igreja. Muitos supõem que tal fato era corriqueiro, um costume de bispos exortarem igrejas em outras localidades, assim como faziam os apóstolos, e que não deveria esse fato servir de pretexto para pensar na autoridade papal de Clemente.

No entanto, para quem assim pensa, o ônus da prova está do seu lado, pois São Clemente foi papa, e escreveu sua epístola com tal autoridade. Embora a prova esteja na responsabilidade de quem nega, acima está a prova da autoridade papal de Clemente, para servir a quem quiser compreender melhor as verdades cristãs.

Na epístola ainda há muitas outras verdades. Uma delas é que São Clemente afirma, no capítulo 5 de sua carta, que após São Pedro dar o seu testemunho, ele “partiu ao lugar de glória devido a ele”, em outras palavras, ele partiu para o paraíso, ele partiu para o céu. De São Paulo ele disse o mesmo, afirmando que “partiu para o lugar santo”. Para quem nega a imortalidade da alma, esse lugar de glória fica sem sentido. Mas como Clemente cria na doutrina de que os santos vão para o céu antes da ressurreição, é isso que ele está afirmando.

Em toda a discussão sobre a questão da data da Páscoa também aparece, na menção de Eusébio, algo da tradição das virgens consagradas, como as filhas de Filipe. Também o fato do jejum para a Páscoa é um costume da Igreja em todos os lugares, e de tradição apostólica, mantido até os dias atuais, com mudanças apenas na forma, como afirma Santo Irineu, mas na unidade de doutrina. Tudo o que está aqui foi apresentado segundo documentos da história da Igreja, de acordo com sua apresentação.

Gledson Meireles.