sábado, 16 de janeiro de 2021

Uma pregação sobre a virgem Maria

Em vídeo recente tratando sobre a pessoa da virgem Maria, o reverendo Augustus Nicodemus, entre outras coisas, afirma que os protestantes devem ser anti-católicos, que o povo católico é mariólatra, que a virgem Maria é pecadora como todos nós, que a oração da Ave- Maria é toda invenção da Igreja, que aquele que já rezou essa oração, ou que ainda faz tal oração, deve saber que ela é totalmente fora da Palavra de Deus, e que Maria não é mais agraciada do que aqueles que ouvem a Palavra de Deus, e que é o Espírito Santo que gera Jesus, e não Maria, que apenas empresta seu útero.

É esse o resumo daquilo que será comentado abaixo. Na pregação há muitas outras coisas, positivas e boas de serem aprendidas, muito conhecimento e valores evangélicos que devem ser preservados. Apenas essas afirmações acima serão dadas alguma atenção, porque não são bíblicas nem cristãs, mas são entendimentos mais recentes que os protestantes tendem a conservar. Aos que desejarem, assistam à pregação inteira.

Ser anti-católico: certamente trata-se de uma forma consciente e respeitadora de discordar veementemente da doutrina católica. Talvez seja somente isso que o pastor tenha afirmado.

Mariolatria: não existe na Igreja Católica, na sua doutrina, mas pode haver nos abusos e desentendimentos relativos à doutrina.

O reverendo esqueceu-se de afirmar que a frase inspirada “Bendita és tu entre as mulheres” é totalmente bíblica, está na Escritura, e não é invenção alguma. Pode não estar no versículo que o pastor leu, mas está em outro, basta continuar a leitura bíblica.

Maria pecadora?: o certo é que Maria é filha de Adão e Eva, mas foi salva, purificada, no momento em que foi concebida, para ser mãe do Salvador. Isso é fé cristã desde o início da Igreja. Quando Santo Agostinho tratava da questão do pecado, afirmou que não ousaria afirmar, quanto a isso, nada em relação à virgem Maria. Grande sabedoria de um grande e reconhecido doutor da Igreja.

A oração da Ave-Maria: é toda bíblica. São apenas versículos bíblicos rezados com muita fé e devoção, seguidos de um pedido de intercessão.

Os bem-aventurados: todos os bem-aventurados reconhecem a grandeza da Maria. Seria oportuno que os leitores refletissem sobre a grandeza de Maria como aquela que viveu na prática da Palavra de Deus. Assim, certamente ela tem o status maior. Imagina que o Jesus afirma que João Batista era o maior dos nascidos até então, e era menor no Reino dos Céus. Agora, pense na virgem Maria, que está toda envolvida no mistério do Reino dos Céus e foi toda obediente ao Senhor.

Sobre o título “portadora de Deus” ao invés do correto Mãe de Deus: a Bíblia afirma que Maria é mãe de Deus. O Espírito Santo veio sobre Maria e gerou Jesus a partir da humanidade de Maria. Não foi um milagre que operou um corpo dentro de Maria e não a partir dela, pois isso seria afirmar que Jesus não tinha verdadeira humanidade. Também, isso seria pressupor que o corpo de Jesus poderia ter sido criado à parte sem necessitar de encarnar-se no ventre de uma mulher. A Bíblia afirma que Jesus foi feito da Mulher, nascido na mulher, em Gálatas 4,4. Assim, negar o título de Mãe de Deus e afirmar que ela apenas emprestou o útero para carregar Deus feito homem, não é ensinar o que está no evangelho. A portadora de Deus é o mesmo que mãe de Deus, pois o título ensina que Maria é mãe de Deus feito homem. É compreensível que faltou no pregador conhecimento da mariologia.

Gledson Meireles.

terça-feira, 5 de janeiro de 2021

Identificando a Igreja: a Igreja nos primeiros dias

Durante quarenta dias, Jesus ressuscitado ensinou aos apóstolos, falando sobre o reino de Deus. Isso mostra, em continuação aos evangelhos, que o colégio apostólico mantem a missão de anunciar a doutrina de Jesus.

O batismo no Espírito Santo, ou melhor, o batismo com o Espírito Santo, foi cumprido no dia de pentecostes, quando o dom do Espírito encheu todos os que estavam esperando essa realização. Os apóstolos e discípulos de Jesus, com a virgem Maria e os parentes de Jesus.

Os apóstolos foram fortalecidos com o poder do Espírito e foram aos confins da terra espalhar a mensagem de Jesus, fazendo crescer a Igreja.

Pedro então inicia o processo de escolha do apóstolo que substituiu Judas Iscariotes. Pedro aparece como líder, como fora posto por Jesus, levantando-se entre os irmãos, da mesma maneira como sua figura é proeminente nos evangelhos.

A escolha da Igreja, sob a liderança de Pedro, de dois discípulos, com o fim de eleger um deles para apóstolo, fez com que todos conhecessem a escolha de Deus. Matias foi o escolhido. Isso mostra que a ação da Igreja, fundada na doutrina de Jesus, conforme ensinada pelos apóstolos, está sob a liderança de Deus. Será importante notar sempre a autoridade dos apóstolos. É o modo estabelecido para o agir de Deus.

É assim que Pedro, como em Atos 1, 15, “levantou-se no meio dos irmãos”, ele “então, de pé, junto com os Onze” profere o primeiro sermão da Igreja. Todos na Igreja receberão o Espírito Santo, para profetizar, ter visões e sonhos. Isso mostra que os dons do Espírito Santo que estão na Igreja fazem todos caminhar diante de Deus para a formação do Corpo de Cristo Espiritual, sob a liderança que Ele colocou, que são os apóstolos, e em especial o apóstolo Pedro, que estava falando naquele momento (cf. Atos 2,1).

Então, falando dos fins dos tempos, quando da Grande Tribulação, ensina que quem invocar o Nome do Senhor será salvo (Atos 2, 21). Isso não significa outro modo de para encontrar a salvação, como se não fosse mais necessária a fé, nem a obediência, nem a profissão de fé.

Não se trata de outra dispensação, na qual haveria para a salvação uma só exigência: invocar o nome do Senhor. Na verdade, a invocação do nome de Jesus sempre é necessária. Quem invoca o Nome de Deus sem fé? Quem invoca o Nome de Jesus verdadeiramente sem a disposição de segui-lo verdadeiramente? Não se pode imaginar essa situação sem imediatamente notar que tal não é ensino bíblico.

Tanto hoje como nos dias finais é necessário invocar o Nome de Jesus para ser salvo. De fato, São Paulo invocou o Nome do Senhor no dia do seu batismo. Afirmou que devemos crer com o coração e professar com a boca para alcançar salvação. Pois, quem crê será salvo. Basta isso? De certa forma sim. Mas a Escritura ainda prossegue ensinando que devemos crer com o coração, no mais íntimo da nossa alma, para obter a justiça, e confessar com a boca para a salvação. Ainda, invocar o Nome de Jesus para ser salvo.

De fato, a invocação do nome do Senhor é para a salvação, desde os dias de Cristo, até o fim dos tempos. Isso está ensinado em Romanos 10, 10-13. Ninguém pode afirmar o que está em um versículo sem considerar o que está em outro. Aliás, essa passagem ensina a fé e a profissão de fé para a salvação, e a invocação do nome do Senhor. É como a fonte que transborda do coração, a partir do momento em que se crê.

Por isso, em Atos 3, 19 está escrito: “Arrependei-vos e convertei-vos, a fim de que sejam apagados os vossos pecados”. Não se diz aí que deve-se ter fé. Não está escrito que devemos crer e confessar para receber a justiça e a salvação. Afirma apenas, nesse verso, que devemos nos arrepender dos pecados e converter-nos, ou seja, mudar de vida, para que tenhamos os pecados perdoados.

Seria uma ignorância terrível ler o versículo isoladamente e ensinar que não seria mais necessária nem a fé, nem a profissão de fé, nem a invocação do nome de Jesus, mas apenas o arrependimento e a conversão!

O leitor deve ter compreendido que a Bíblia ensina em seu todo, e não podemos isolar passagens para ensinar uma doutrina. Por isso, sabemos que é necessário crer para a salvação, também é necessário confessar o nome de Jesus para a salvação, que é necessário invocar o nome de Jesus para ser salvo, que é necessário também arrepender-se dos pecados e de converter-se para termos os pecados perdoados, portanto, para a salvação, mudar de caminho de vida, passar para o caminho de Jesus. É assim que devemos entender o evangelho, em sua inteireza.

Assim, quando alguém afirma que em um tempo basta a fé, noutro são necessárias as obras, noutro será apenas a invocação do nome do Senhor, está dividindo a palavra de Deus, de forma errônea, anti-bíblica. A mesma doutrina que está em Mateus inteiro, também está em Atos e está no Apocalipse, como está em toda a Bíblia. Onde há mudança, a própria Escritura deixa isso bastante claro. Portanto, na dispensação última na qual estamos, somos salvos por Cristo pela fé e boas obras.

O derramamento do Espírito Santo profetizado pelo rei Davi aconteceu no dia de Pentecostes. É o que a Escritura mostra, como São Pedro fala aos judeus ali presentes (cf. Atos 2, 33).

As conversões aconteceram em quantidade naquele dia. O que deveriam fazer? Deverão converter-se e ser batizado em nome de Jesus para o perdão dos pecados, para então receber o Espírito Santo (vv. 37-38). Todos deveriam crer no Cristo, e receber o batismo por meio dos apóstolos. Fé, batismo, dom do Espírito, tudo em harmonia, tudo na sequência estabelecida, onde só Deus pode milagrosamente, e com motivos fundados, fazer de outra forma. Assim é que Cornélio e o seus receberam o Espírito antes do batismo, como algo extraordinário, para mostrar aos judeus convertidos que os gentios são chamados à mesma aliança. No entanto, a forma ordinária do evangelho é fé e conversão, batismo e recebimento do Espírito Santo.

O livre-arbítrio na aceitação do Evangelho é patente. “Salvai-vos desta geração perversa”. E, assim, os que acolheram a Palavra foram batizados (vv. 40-41).

A partir daí, todos obedeciam aos “ensinamentos dos apóstolos”, estavam na comunhão fraterna e partiam o pão diariamente, em ação de graças a Deus, na Eucaristia. Vemos aí que a primeira comunidade formada a partir de Pentecostes, com os dons do Espírito, estava unida e obediente aos apóstolos.

O verso 43 é tremendo. O Senhor mostra a autoridade dos apóstolos, diante da Igreja, e todos estavam tomados de temor. Os apóstolos realizavam prodígios numerosos e imensa quantidade de sinais. Os que seriam salvos eram colocados na Igreja pelo Senhor, ensina a Escritura no verso 47. Eis a soberania de Deus, que já havia incluído o livre-arbítrio nesse mistério salvífico.

Não há aí autonomia de membros, como se todos os cristãos fossem mestres e pudessem por si tomar autoridade, nem dons que dividem, contra a autoridade estabelecida, nem livre-exame para escolher e julgar a pregação apostólica.

Temos a liderança dos apóstolos, a obediência da igreja, os dons carismáticos, distribuídos na igreja, e de forma especial os dons confirmatórios da autoridade dos apóstolos (cf. Atos, 2, 43). Tudo isso é fruto do evangelho de Jesus.

Jesus veio para abençoar e salvar. O homem livre deve afastar-se da maldade, arrepender-se, converter-se, crer em Jesus, ser batizado (cf. dentre os textos citados, ler ainda Atos 3, 26).

Em Atos 4, 32-33 vemos a Igreja crescendo, sob o impulso do Espírito Santo. Era o Senhor liderando através dos apóstolos. A Igreja era unida de coração e alma, e os apóstolos testemunhavam a ressurreição de Jesus, e tratavam, até aquele momento, das administrações econômicas da Igreja, distribuindo e repartindo conforme as necessidades de cada um, os valores e bens que recebiam de doações voluntárias. Eram chefes espirituais, e já tratavam de questões temporais, as que tocam o evangelho, pois se tratava de vestir o nu, dar comida aos famintos, colaborar para a vida digna dos cristãos.

Todos podem constatar que havia uma só Igreja, sob o comando dos apóstolos, guiada pelo Espírito Santo. Em cada localidade será fundada uma comunidade cristã que estará unida na fé e obediência apostólica. Isso ficará claro ao passo em que continuamos a refletir sobre a Igreja, sua autoridade e sua posição ante às divisões e doutrinas diversas e sobre a sua disciplina.

Gledson Meireles.

domingo, 3 de janeiro de 2021

Adão e o livre-arbítrio

O Senhor Deus colocou, de forma especial, duas árvores no Éden. Uma era a árvore da vida. A outra, a do conhecimento do bem e do mal. De todas as árvores podiam o homem e a mulher comerem, exceto de uma: a que estava no meio do jardim, a saber, a do conhecimento do bem e do mal. Deus a criou para testar a obediência das suas criaturas racionais, aquelas que Ele havia criado à sua imagem.

A narrativa é bastante natural. O homem podia agir normalmente, vivendo as delícias do paraíso, governando as criaturas, servindo-se da criação, como mordomo de Deus. Ele deveria cuidar do jardim, alimentar-se, recrear, viver de forma abundante e perfeita, e repousar de seu labor.

Havia, porém, uma limitação, dada por Deus, pelo mandamento. Não coma da árvore do conhecimento do bem e do mal. Isso pressupõe a possibilidade de obedecer e de desobedecer. Ninguém duvida disso. O homem podia não comer, como também poderia comer a desobedecer a ordem de Deus, pois a árvore estava ali, à sua disposição, e ao seu alcance.

Buscando uma explicação mais profunda, no plano metafísico, alguns apresentaram a teoria de que Deus havia determinado que o homem desobedecesse a sua Lei e caísse no pecado. Isso porque não haveria outra fonte de energia e origem de todo agir que não fosse o próprio Deus. Assim, a criação não poderia estar fora da total soberania de Deus.

Dessa forma, explicam que o pecado foi determinado. No entanto, sabemos que pela narrativa não há necessariamente apenas esse tipo de explicação. Pelo contrário, ela de alguma forma infringe leis da racionalidade humana.

Portanto, sabemos que Deus deu liberdade ao homem, que é o livre-arbítrio, ou seja, a liberdade da vontade, para agir por si mesmo, fazendo ou deixando de fazer. No entanto, essa ação não escapa do conhecimento de Deus, e do Seu exaustivo controle, pois não há realidade fora de Deus. Temos aqui o mistério da relação entre a soberania e o livre-arbítrio.

Que toda a realidade é conhecida por Deus não há como negar. Presente, passado e futuro são para Deus simples de conhecer. Assim, todos os eventos são conhecidos nos seus mínimos detalhes. Se são conhecidos, como isso ocorre? Isso significa que estão determinados e não podem mais mudar? Significa que foi Deus quem determinou todas as ações livres das criaturas racionais?

Essas questões são profundas e difíceis, mas felizmente encontram resposta na Bíblia. Há o sistema que aceita os dados da revelação, como estão desde as primeiras páginas da Bíblia, que mostram o homem e a mulher criados livres, dotados de livre-arbítrio, e responsáveis por suas ações. Esse é o posicionamento da Igreja Católica.

E há o sistema que nega o livre-arbítrio e constrói toda a sua teologia em cima dessa negação, aceitando todas as demais premissas da revelação que relacionam-se com esse tema, exceto o próprio livre-arbítrio. Esse sistema nasceu principalmente por causa da doutrina dos reformadores protestantes, em especial pelo trabalho de João Calvino, por isso conhecido como Calvinismo.

Desse modo, essa teologia precisa explicar inúmeras passagens da Bíblia, que naturalmente contradizem suas afirmações, e, precisa também, tentar harmonizá-las com seus princípios, que procuram a manter afastada doutrina do livre-arbítrio.

Tradicionalmente o calvinismo, também chamado de fé reformada, aceita que Adão possuía o livre-arbítrio. Ensina isso porque define o livre-arbítrio como capacidade de escolher igualmente opções contrárias. Adão podia comer do fruto da árvore da vida como também podia não comê-lo, com a mesma facilidade. Tudo estava em seu poder de escolha. Mas, antes disso, afirma a mesma teologia, estava determinado, no decreto divino, que Adão comeria do fruto da árvore, pecaria, e perderia a graça.

Dessa forma, Adão agiu livremente, mas sem saber estava obedecendo ao decreto divino que determinava que ele comesse do fruto da árvore da vida e fosse causa de perdição para toda a sua descendência.

No entanto, essa explicação não está na Bíblia, nem amolda-se no contexto do Gênesis que revela a criação do mundo. Por isso, o pecado original não estava determinado.

Por isso, antes de pensar em determinação de todos os eventos, Deus criou o mundo e suas criaturas livres sabendo como se comportariam, e incluiu isso no decreto de salvação. Isso quer dizer que Deus viu o pecado de Adão, e não que o determinou. Não que dizer que quis o pecado, nem que determinou que o mesmo ocorresse, nem que viu algo que fugia do Seu controle, como vindo de outra fonte que não o Seu próprio poder e criação, mas que pela criação de criaturas livres, sabia como agiriam, livres como são, e quis assim decretar, levando em conta o livre-arbítrio.

Dessa forma, Adão agiu livremente sem que fosse determinado por isso, e Deus sabia da resposta de Adão, e já havia previsto isso no seu decreto eterno.

O Senhor Deus colocou, de forma especial, duas árvores no Éden. Uma era a árvore da vida. A outra, a do conhecimento do bem e do mal. De todas as árvores podiam o homem e a mulher comerem, exceto de uma: a que estava no meio do jardim, a saber, a do conhecimento do bem e do mal. Deus a criou para testar a obediência das suas criaturas racionais, aquelas que Ele havia criado à sua imagem.

A narrativa é bastante natural. O homem podia agir normalmente, vivendo as delícias do paraíso, governando as criaturas, servindo-se da criação, como mordomo de Deus. Ele deveria cuidar do jardim, alimentar-se, recrear, viver de forma abundante e perfeita, e repousar de seu labor.

Havia, porém, uma limitação, dada por Deus, pelo mandamento. Não coma da árvore do conhecimento do bem e do mal. Isso pressupõe a possibilidade de obedecer e de desobedecer. Ninguém duvida disso. O homem podia não comer, como também poderia comer a desobedecer a ordem de Deus, pois a árvore estava ali, à sua disposição, e ao seu alcance.

Buscando uma explicação mais profunda, no plano metafísico, alguns apresentaram a teoria de que Deus havia determinado que o homem desobedecesse a sua Lei e caísse no pecado. Isso porque não haveria outra fonte de energia e origem de todo agir que não fosse o próprio Deus. Assim, a criação não poderia estar fora da total soberania de Deus.

Dessa forma, explicam que o pecado foi determinado. No entanto, sabemos que pela narrativa não há necessariamente apenas esse tipo de explicação. Pelo contrário, ela de alguma forma infringe leis da racionalidade humana.

Portanto, sabemos que Deus deu liberdade ao homem, que é o livre-arbítrio, ou seja, a liberdade da vontade, para agir por si mesmo, fazendo ou deixando de fazer. No entanto, essa ação não escapa do conhecimento de Deus, e do Seu exaustivo controle, pois não há realidade fora de Deus. Temos aqui o mistério da relação entre a soberania e o livre-arbítrio.

Que toda a realidade é conhecida por Deus não há como negar. Presente, passado e futuro são para Deus simples de conhecer. Assim, todos os eventos são conhecidos nos seus mínimos detalhes. Se são conhecidos, como isso ocorre? Isso significa que estão determinados e não podem mais mudar? Significa que foi Deus quem determinou todas as ações livres das criaturas racionais?

Essas questões são profundas e difíceis, mas felizmente encontram resposta na Bíblia. Há o sistema que aceita os dados da revelação, como estão desde as primeiras páginas da Bíblia, que mostram o homem e a mulher criados livres, dotados de livre-arbítrio, e responsáveis por suas ações. Esse é o posicionamento da Igreja Católica.

E há o sistema que nega o livre-arbítrio e constrói toda a sua teologia em cima dessa negação, aceitando todas as demais premissas da revelação que relacionam-se com esse tema, exceto o próprio livre-arbítrio. Esse sistema nasceu principalmente por causa da doutrina dos reformadores protestantes, em especial pelo trabalho de João Calvino, por isso conhecido como Calvinismo.

Desse modo, essa teologia precisa explicar inúmeras passagens da Bíblia, que naturalmente contradizem suas afirmações, e, precisa também, tentar harmonizá-las com seus princípios, que procuram a manter afastada doutrina do livre-arbítrio.

Tradicionalmente o calvinismo, também chamado de fé reformada, aceita que Adão possuía o livre-arbítrio. Ensina isso porque define o livre-arbítrio como capacidade de escolher igualmente opções contrárias. Adão podia comer do fruto da árvore da vida como também podia não comê-lo, com a mesma facilidade. Tudo estava em seu poder de escolha. Mas, antes disso, afirma a mesma teologia, estava determinado, no decreto divino, que Adão comeria do fruto da árvore, pecaria, e perderia a graça.

Dessa forma, Adão agiu livremente, mas sem saber estava obedecendo ao decreto divino que determinava que ele comesse do fruto da árvore da vida e fosse causa de perdição para toda a sua descendência.

No entanto, essa explicação não está na Bíblia, nem amolda-se no contexto do Gênesis que revela a criação do mundo. Por isso, o pecado original não estava determinado.

Por isso, antes de pensar em determinação de todos os eventos, Deus criou o mundo e suas criaturas livres sabendo como se comportariam, e incluiu isso no decreto de salvação. Isso quer dizer que Deus viu o pecado de Adão, e não que o determinou. Não que dizer que quis o pecado, nem que determinou que o mesmo ocorresse, nem que viu algo que fugia do Seu controle, como vindo de outra fonte que não o Seu próprio poder e criação, mas que pela criação de criaturas livres, sabia como agiriam, livres como são, e quis assim decretar, levando em conta o livre-arbítrio.

Dessa forma, Adão agiu livremente sem que fosse determinado por isso, e Deus sabia da resposta de Adão, e já havia previsto isso no seu decreto eterno.

Por isso, Adão não perdeu o livre-arbítrio quando pecou. Ele não perdeu a capacidade de fazer escolhas livres. Perdeu a justiça e santidade originais, perdeu aquela neutralidade nas escolhas, perdeu a santidade e ficou sujeito ou pecado, à concupiscência. O livre-arbítrio não é neutralidade nas escolhas, mas a própria capacidade de escolher, sem coerção, de forma livre, por meio de motivos.

Assim, após a queda, o homem continua a poder escolher, mas poderá escolher a salvação somente quando for capacidade para isso pelo auxílio da graça de Deus.

Gledson Meireles.