quarta-feira, 27 de dezembro de 2023

O natal e as raízes judaicas

As raízes judaicas da fé cristã estão todas na santa Igreja Católica Apostólica Romana, basta fazer uma análise mais séria e admitir o fato. Assim, é preciso entender que as práticas católicas, sua liturgia, seus ensinamentos, são o conjunto da revelação de Cristo, que levou o judaísmo à sua plenitude.

Dessa forma, é um equívoco pensar que, por exemplo, para ser judaico é necessário continuar a observar o sábado do sétimo dia, a distinguir as carnes para a alimentação como era feito no AT, a observar a Lua Nova, a Páscoa da libertação do Egito, os Pães Ázimos, as Primícias, o Pentecostes como dia da entrega da Lei de Deus, as Trombetas, o Dia da Expiação, os Tabernáculos e o Purim. Tudo isso foi parte da fé verdadeira, sendo tudo cumprido e levado à perfeição, continuando na sua essência no que é feito no Catolicismo, com suas festas, sacramentos e liturgia, na Nova Aliança.

Basta pensar na Páscoa cristã católica, no Pentecostes, na festa da Ascenção, do Natal do Senhor, da Apresentação,  nos sacramento da Eucaristia e da Penitência, por exemplo, que verá que tudo tem origem judaica, sendo a fé judaica para os dias de hoje, e não a manutenção da fé antiga, que já foi cumprida, tornando-se para hoje obsoleta, mantendo apenas sua beleza e sendo encontrada nas Sagradas Escrituras para nosso entendimento do que estamos vivendo hoje e do que esperamos segundo as promessas de Cristo.

Aquelas festas apontavam para Cristo, sendo cristocêntricas, mas as festas atuais são igualmente cristocêntricas, com a diferença de que aquelas já ficaram no passado, como ensina a Bíblia, e essas continuam no presente. Dessa forma, não há necessidade de imolar um cordeiro como parte da liturgia cristã.

O argumento da naturalidade das comemorações, e o argumento contra a falácia do apelo ao silêncio são muito bons, e por isso está de acordo com a fé católica, que responde sempre com a Bíblia, a história e a razão ao que muitos objetam contra algo ensinado na santa Igreja.

A explicação de que "eventos importantes podem gerar novas comemorações" é muito católico, e o autor está expressando essa verdade muito bem, e sendo verdade é algo que está na doutrina católica, bastando perceber as tantas comemorações que temos no ano litúrgico para engrandecer a Deus. É algo de raiz judaica essa prática de comemorar liturgicamente verdades belas e espirituais para louvar a Deus.

Sobre a questão de Deus dar uma data e a Igreja comemorar outra, como sábado-domingo, citado no texto, basta que a argumentação continue sendo feita como está, bem bíblica e racional, com os dados bíblicos, históricos, racionais, etc, usando bem o bom senso, os dados sempre bem concatenados, que essa questão também é resolvida facilmente.

Ainda, o belo argumento de comemorar Jesus o sol da justiça (Ml 4, 1-6) é bastante católico. O autor pode continuar assim, e certamente vislumbrará muitas verdades que ainda não conhece.

Obs.: este artigo foi feito em consideração ao texto de Davi Caldas, Sobre o Natal e as raízes judaicas, em sua página do facebook.

Gledson Meireles.




domingo, 24 de dezembro de 2023

Feliz Natal

 Feliz e santo natal a todos.

Livro: História das Heresias: afirmações feitas no estudo do nestorianismo

 

No livro de Roque Frangiotti, História das Heresias: século I a VII – conflitos ideológicos dentro do cristianismo, o autor afirma que até o século V não havia “um culto oficial” à virgem Maria, mas apenas “atos de veneração” que foram aos poucos surgindo, e que São Gregório Nazianzeno parece ter sido o primeiro a ensinar a orar a Maria, citando Oratio 21, 10s.

Santo Agostinho teria sido quem contribuiu definitivamente para que um culto “sem receio” fosse dado à virgem Maria, quando ensina que Maria foi a única isenta do pecado original. Cita a obra De natura et gratia (Sobre a natureza e a graça).

Um sínodo em Alexandria teria aprovado oficialmente esse culto em 430, e somente em 431 foi selado definitivamente o tipo de culto e o lugar de Maria na Igreja Católica.

Esse tipo de apresentação é de fato idêntico em essência àquilo que os protestantes ensinam sobre a mariologia, como se tudo ocorresse de modo controverso e tardio. Certamente foi isso o que o padre José Eduardo percebeu e não cedeu à apresentação de uma afirmação do livro, lida por um pastor no debate, ainda que se tratasse de uma obra católica. De fato, muito do estudo católico contemporâneo faz diálogo e concorda com teses protestantes, ainda que em desacordo com a história bastante sólida sobre os mesmos pontos defendidos na tradição da Igreja. É possível encontrar tais coisas em obras católicas atuais.

E, ao que parece, isso é verdadeiro sobre o livro em questão, já que muito de obras protestantes são nele citados, como temas da histórica da Igreja de W. Walker, autor protestante.

Os estudos católicos, por sua vez, mostram que o culto mariano possui raízes no primeiro século, sendo as catacumbas de Roma valiosos testemunhos desse culto, mostrando inúmeras pinturas da virgem Maria, em locais de destaque, com o significado claro de Maria intercessora da Igreja Católica. Com isso, também, a reflexão teológica que vez ou outras aparecem nas obras católicas do século segundo em diante mostram o papel preponderante da virgem Maria na teologia, confirmando o que se encontra na arqueologia. Dessa forma, afirmar que o “culto oficial” veio séculos depois, e “atos de veneração” foram surgindo aos poucos, é algo que pode levar a incompreensões importantes.

É claro que a doutrina se desenvolve, e que as decisões dos concílios provocam certas mudanças, e que a liturgia demora séculos para incluir certas orações e temas e comemorações, o que não é o mesmo que dizer que a realidade não existia antes. Assim, a virgem Maria sempre foi cultuada, e esse culto foi crescendo a ponto de ser oficialmente celebrado, assim como várias festas atuais, que entram na liturgia, mas que possuem início recente.

O modo de entender da Igreja Católica abrange mais do que o protestante, e por isso a forma com que certos fatos são descritos em literatura não católica perdem o foco principal, introduzindo problemas de interpretação.

Interessante notar que a doutrina da verdadeira humanidade de Cristo tenha sido defendida pela escola antioquena, de interpretação literal, e não pela de Alexandria, mística. De fato, o método alegórico é perigoso em certas ocasiões, e menos preciso, dando margem a heresias, enquanto o literal é o preferido, e, tradicionalmente, o fundamental, embora Nestório fosse da escola antioquena.

Ao tratar de São Cirilo de Alexandria o autor se vale de H. von Campenhausen, certamente outro autor protestante, na fonte Les Pères Grecs, Paris, Livre de Vie, 1969

Informações importantes e interessantes sobre o papado são encontradas no livro, como a que afirma que o imperador Teodósio II era contrário a São Cirilo, aprisionando-o por três meses, e não aceitava a decisão do concílio de Éfeso. Apenas por saber que o concílio foi confirmado pelo papa Celestino I, ele o aceitou. Isso se deu no século quinto, em 431.

Mais uma vez se pode por esse fato entender o poder do papa naqueles tempos.

Gledson Meireles.

sábado, 23 de dezembro de 2023

Debate padre x pastor

Recentemente aconteceu um debate no canal Inteligência Ltda, no youtube, onde o padre José Eduardo e o Pastor batista Paulo Sérgio discutiram alguns temas relacionados à virgem Maria e à veneração dos santos.

O debate foi muito bem desenvolvido, educado e profundo. É claro que o tema é vasto demais e muitas coisas não podem ser ditas em pouco tempo, embora foram quatro horas e três minutos de debate, considerando o tempo total do vídeo.

Ambos os debatedores são cultos e conhecem bem do que estão tratando, considerando o conhecimento que cada um tem do seu respectivo credo. Assim, foi bem apresentado o tema por cada um dos dois. Não é possível dizer o quanto um conhece da fé do outro, ou seja, qual o nível de conhecimento que o padre tem do Protestantismo e o que o pastor possui do catolicismo.

O pastor levou livros católicos para fundamentar sua argumentação. O padre muitas vezes disse ser impreciso o que estava naqueles livros, e então o pastor afirmou que iria queimar os livros, pois nenhum dele foi aceito como boa fonte da doutrina católica, pensando então ser melhor ler o que o Protestantismo publica sobre o Catolicismo.

O padre José Eduardo possui um conhecimento vasto de muitas questões, sendo grande conhecedor da fé cristã católica, e sendo um propagador da santa doutrina católica, que inegavelmente é mais profunda, ele demonstrou maior conhecimento geral.

O que o protestante entende da fé cristã é praticamente o que o texto bíblico traz. Sendo assim, os temas marianos ficariam de fora, já que no primeiro século não há registros de desenvolvimento dessas doutrinas, como do culto dos santos e das imagens. É como pensar em orações dirigidas à virgem Maria e aos santos, e cada dogma ser expresso claramente no texto bíblico, com menção ao que a Igreja oficialmente celebrava, com procissões e imagens, por exemplo. Não tendo nada disso no texto bíblico, então o protestante prefere não se ater e não crer nessas doutrinas, por pensar que seu desenvolvimento foi espúrio, tardio, não ligado ao que a revelação contem.

Usando o mesmo raciocínio, teríamos de dizer que no primeiro século cada cristão sabia dizer que Cristo possui duas naturezas, divina e humana, e que houve uma união hipostática, e que a trindade conceitualmente era Deus único em três pessoas iguais e distintas, e que o Espírito Santo é verdadeiramente pessoa e que não há subordinação alguma entre as pessoas da santa trindade, etc, e que a justificação se dá em caráter forense, sendo seguido da santificação que acompanha a vida de fé do salvo, etc. É sabido que essas coisas, importantes e atreladas à fé salvífica, não podiam ser respondidas por ninguém, de forma clara, naqueles primeiros dias, no decorrer do primeiro século.

Também nenhum cristão sabia o que era o cânon, e não podia enumerar com certeza todos os livros da Bíblia, principalmente do Novo Testamento, o que faz com que seja impossível falar sobre sola scriptura.

Então o protestante dirá que essas questões estão todas claramente nos textos bíblicos, e que as questões marianas não.

Essa realidade ocorreu no debate, e o padre tentou mostrar isso, mas o pastor não apreendeu e negou que fosse assim, entendendo que, por exemplo, a intercessão dos santos não estava na Bíblia. O padre disse crer que está, e de forma até clara, como em Ap 5, 8. O pastor não aceitou, afirmando que ali se trata de apenas "apresentação" das orações, e que não se pode literalizar tudo, como se orações fossem postas em taças e apresentadas, e etc. O padre afirmou que por trás das metáforas estão as verdades, o que já refuta a posição do pastor.

De fato, diante de tantos argumentos que o padre apresentou, esse texto bíblico mostra criaturas recebendo orações dos santos da terra e oferecendo-as diante de Deus. Conhecendo a doutrina bíblica, essa cena simbólica só pode significa que as orações da Igreja vão aos santos do céu que podem apresentá-las, o que é o mesmo que interceder (e isso foi dito pelo padre), diante de Deus, em nome de Jesus Cristo, se assim podemos completar o que a cena tem a ensinar.

O pastor agiu como bom protestante, preferindo pensar que apresentar não é interceder, que os anciãos não podem ser identificados, e não sabemos mais o que, embora os argumentos católicos são bastante sólidos.

Enfim, que os leitores assistam o debate e possam apresentar mais e crescer na fé.

Gledson Meireles.


terça-feira, 31 de outubro de 2023

Dia da Reforma Protestante: rezemos sempre pela unidade

É verdade que aquilo que a Reforma Protestante sempre desejou realizar, a Igreja Católica já realizava e continua realizando. São muitas as coisas que impedem tantos de ver isso, e não enxergam a floresta por causa da árvores.

Dessa forma, estamos mais unidos do que pensamos, embora na prática muitas vezes bem divididos, mais do que imaginamos.

Mas, é sempre bom rezar pela unidade, buscando e amando a verdade.

Durante um ano, nesta página os artigos lidaram especialmente com o tema da imortalidade da alma, no estudo que estou fazendo do livro A lenda da imortalidade da alma, e logo estará concluído. Dessa forma, provando biblicamente que a alma é imortal, desfazendo os mal entendidos, enfrentando as objeções, refutando cada argumento, vamos crescendo na fé.

Na véspera do Dia de Todos os Santos, temos de crer mais e mais nessa verdade, pois os santos estão no céu. Outros ainda estão em processo de santificação purgatório. A doutrina das indulgências, também, está ligada à verdade da imortalidade da alma, já que alcançamos graças para nós e para os falecidos.

Vale lembrar, que a doutrina do juízo pré-advento, ensinada no Adventismo, e que é baseada na doutrina da morte da alma, seria praticamente reformulada, no mínimo, se cressem na imortalidade da alma, pois veriam que o juízo ocorre a cada instante, quando o Senhor admite as santas almas nos céu, e purifica outras no purgatório, e já lança outras na condenação do inferno. O juízo está ocorrendo.

Tudo isso ocorre antes da vinda de Cristo. Assim, a doutrina da imortalidade da alma faz toda diferença, pois explica todas essas questões, como também a intercessão dos santos.

Portanto, para os que tendem a pensam que a alma morre, que o inferno não existe, que esses estudem o assunto, leiam a refutação postada em tantos artigos aqui, e verão que a doutrina da "mortalidade da alma" é bastante frágil e não pode ser harmonizada com muitas passagens bíblicas, enquanto que a imortalidade da alma é a única forma de entender o que muitos textos bíblicos ensinam.

Então, nesse dia da Reforma, que essa e outras doutrinas sejam redescobertas, estudadas, ensinadas, e que todos cresçamos na fé e na unidade.

Louvado seja nosso Senhor Jesus Cristo.

Gledson Meireles.

domingo, 15 de outubro de 2023

Livro: A lenda da imortalidade da alma: resumo da refutação

Resumindo a questão, o livro pode ser refutado afirmando o seguinte:

Quando a Bíblia afirma que após o pecado viria a morte, isso não quer dizer que o ser humano pecador iria deixar de existir ontologicamente, como se a morte fosse voltar a inexistência, mas que não iria existir no mundo físico, ou seja, entraria em um estado diferente da inexistência, mas antinatural a ele, num estado indesejado, que é chamado de morte. Eis as trevas da morte.

A alma tem vários sentidos na Bíblia. Um deles é o de princípio vital, e a partir daí a Igreja utiliza esse termo para indicar o que sabemos na Bíblia sobre a parte do homem que não pode morrer, que é espiritual. Os demais sentidos do termo alma não nega essa realidade. Por exemplo, a alma pode indicar a pessoa, e nesse sentido material a alma pode morrer. Porém, no sentido de princípio de vida, é visto indo além, e não podendo perder a vitalidade em si.

O mesmo ocorre com o termo espírito, que tem vários sentidos. Um deles é o de respiração. Mas também, pode significar ser espiritual, como a alma e os anjos. Assim, é certo que a alma humana é às vezes referida com a palavra espírito.

A consciência humana é entendia estar na alma atuando por intermédio do órgão do corpo responsável por essa função, que é o cérebro.

Os mortos no Antigo Testamento estavam no lugar espiritual chamado sheol, que não pode ser entendido apenas no sentido de sepultura ou lugar de todos os mortos humanos, como uma mera metáfora, mas como lugar onde estavam as almas de todos os mortos no Antigo Testamento. Portanto, no AT os mortos não podem estar no céu, mas estão no sheol.

Entende-se, dessa maneira, que o conceito de alma imortal foi expresso de forma diferente no judaísmo, e por isso há divergência com aquilo que o paganismo ensinava, mas não que houve influência pagã para introduzir esse ensino entre os judeus.

Assim, no Novo Testamento, igualmente, há o ensino da alma, mas agora as almas salvas estão com Cristo no céu.

Dessa forma, a alma imortal é a sede da consciência e da personalidade, e espera o momento da ressurreição para voltar à vida física com o corpo.

O mesmo que acontece no AT é encontra no NT em relação a outros escritos fora da Bíblia, pois a doutrina cristã expressa a imortalidade da alma de outras formas, não utilizando a mesma fraseologia encontrada em outras obras.

Assim, os padres da Igreja foram aos poucos elaborando a doutrina da alma conforme o entendimento cristão.

Na Idade Média a doutrina da imortalidade da alma é geral e consenso universal na Igreja.

O dualismo grego não é o mesmo que a dualidade cristã, vamos dizer, e por isso é necessário entendimento correto da doutrina cristã para uma prática ascética saudável, por exemplo, fundada na correta compreensão da natureza humana.

Por sua vez, sendo a alma imortal, os réprobos deverão sofrer eternamente no inferno. Assim não há lugar para o aniquilacionismo. Isso pode ser provado pela Bíblia e pela razão.

E quanto ao amor de Deus, tudo o que a Bíblia garante é que não há injustiça nenhuma na condenação dos ímpios, ainda que haja argumentos interessantes contra a eternidade das penas, nenhum consegue manter-se diante da Bíblia e da reta razão.

Por fim, isso mostra o motivo da doutrina da imortalidade da alma ser um consenso universal.

Gledson Meireles.

sábado, 14 de outubro de 2023

Livro: A lenda da imortalidade da alma: A imortalidade da alma em Atos 23, 8-9. Refutação está no subtítulo que trata da pregação de São Paulo em Atenas

 

Na ocasião em que São Paulo fala aos membros do conselho judaico, vemos que há diferenças entre a crença dos fariseus e dos saduceus. O texto sagrado afirma que os saduceus não criam “nem anjos, nem espíritos, mas os fariseus admitem uma e outra coisa” (Atos 23, 8). Alguém percebe aqui que há duas coisas que os fariseus negam, e que tem a ver com as realidades espirituais? Uma é a fé na existência de espíritos e outra na existência de anjos.

Pois bem. Pelo visto, é o mesmo que afirmar que os fariseus criam na alma humana, ou seja, que há espíritos, e por isso creem na ressurreição, enquanto os saduceus não creem nem em almas, que são os espíritos humanos, e também negam a ressurreição, nem em anjos.

De fato, o texto é enfático ao apontar que entre saduceus e fariseus há essas duas diferenças, a crença em anjos e espíritos.

Mas, o verso 9 é ainda mais claro, quando alguns se levantam e pensam consigo: “Quem sabe se não lhe falou algum espírito ou um anjo.” Isso mesmo, a revelação podia ter vindo de duas fontes, ou de espíritos ou de anjos. Essa, certamente, pode mais uma vez ser uma prova irrefutável da imortalidade da alma, que os mortalistas não podem negar.

Talvez afirmem que os espíritos são anjos em forma humana e os anjos são anjos em forma de “...”, ops, não há forma para os anjos, pois são espíritos invisíveis. Então, os espíritos, que Nosso Senhor explicou que não possuem carne e ossos, e, portanto, são fantasmas, são as almas dos mortos, e os anjos são os espíritos inteligentes que Deus criou para viverem nos céus e operarem para o bem dos que servem a Deus.

É muito claro que há diferenciação entre espíritos e anjos aqui, onde espíritos não podem ser “respiração, fôlego”, mas seres sem corpo e dotados de inteligência. Também não pode ser que espíritos sejam anjos, já que nas duas vezes que o pensamento é elaborado há distinção entre os dois. Assim, mais uma dificuldade bíblica para os mortalistas.

Gledson Meireles.

sexta-feira, 6 de outubro de 2023

Livro: A lenda da imortalidade da alma: refutação sobre o tópico O ladrão morreu naquele mesmo dia?

 Refutação: O ladrão morreu naquele mesmo dia?

 

Pilatos ficou surpreso porque Jesus morreu tão depressa. Há algo interessante, porém, em todo o relato.

 

O primeiro, é o fato que o cadáver sempre é chamado de “corpo” e não mais pelo nome, como a pessoa. Por isso, quando se fala de mortos é comum é esperado que haja referência ao corpo do falecido, e não ao falecido.

 

Assim, o texto bíblico afirma que José de Arimateia pediu o corpo de Jesus (Mc 15, 43) e Pilatos mandou dar-lhe o corpo (v. 45).

 

E o texto de João 19, 31 afirma o seguinte: “Os judeus temeram que os corpos ficassem na cruz durante o sábado,  porquejá era a Preparação e esse sábado era particularmente solene. Rogaram a Pilatos quese lhes quebrassem as pernas e fossem retirados.”

 

O contexto sugere que os ladrões estavam vivos, já que somente Jesus, já morto, não teve as pernas quebradas. Porém, o texto sugere que eles estavam bastante enfraquecidos, quase mortos, já que morreriam logo, e seus “corpos” ficariam na cruz durante o sábado. Assim, os judeus previam que eles morreriam rapidamente e não que passariam dias vivos na cruz, pois do contrário seria dito que eles passarima o sábado na cruz, quando o texto diz o contrário, que seus corpos passariam o sábado na cruz. Desse modo, é bastante provável que os ladrões morreram naquele dia.

 

A surpresa de Pilatos é usada como argumento de que os crucificados normalmente passavam dias na cruz. Mas aquele sinal no texto é mais forte do que isso, já que sugere que no sábado já seriam todos mortos.

 

É interessante a explicação para esse método de quebrar as pernas dos crucificados. Seria para que não fugissem. Mas, na ânsia de fortalecer essa explicação, o autor mortalista afirma: “Se a intenção fosse matar os outros crucificados, este certamente teria sido o recurso aplicado neles também.

 

Com isso, o soldado teria perfurado o lado de Jesus para confirmar a morte. No entanto, o texto é claro ao afirmar que eles viram que Jesus já estava morto, não quebrando-lhe as pernas. Assim, ele cravou a lança no coração de Cristo sem qualquer outra intenção. Por isso, o verso 34 inicia com um “mas” (em grego ἀλλ’). Ou seja, todos os soldados ali viram que Jesus “já” estava morto, e não necessitavam de fazer mais nada. Porém, um soldado resolveu ferir o corpo com uma lança. O texto, assim, mostra que esse ato não teve nenhuma intenção de confirmar a morte, já conformada pelo grupo de soldados.

 

Dessa forma, já temos dois indícios de que a interpretação mortalista não está correta. Primeiro, os judeus sabiam que no sábado os crucificados estariam mortos. Segundo, o fato dos outros crucificados terem as pernas quebradas pode ter sido para que morrerem mais rápido.

 

Pode-se afirmar que, se a supresa de Pialtos serve para formular a explicação de que os crucificados passariam vivos muitos dias na cruz, é também válido pensar que se os judeus não queriam que os corpos ficassem na cruz durante o sábado é porque eles morreriam entre a sexta e o sábado.

 

E se as provas mortalistas de que o ladrão não poderia ter entrado no paraíso no mesmo dia da morte de Cristo não foram suficientes até aqui, nem com essa explicação sobre a quebra das pernas dos crucificados, que supostamente não morreram naquele dia, nem mesmo essa explicação foi conclusiva. Ainda, ele esbarra em alguma dificuldade: a primeira é que se Pilatos ficou surpreso porque Jesus morreu rapidamente, isso não prova que pensasse que o mesmo passaria dias na cruz antes de morrer. Poderia ter morrido ao fim do dia.

 

Diante disso, faz também muito sentido que os crucificados tenham tido suas pernas quebradas para morrerem mais rápido. Faz sentido o que pensaram os judeus, que no sábado estariam mortos na cruz. E a surpresa de Pilatos não infere que a morte de Jesus demoraria tanto, mas apenas que foi muito rápida.

quinta-feira, 5 de outubro de 2023

As raízes judaicas da Igreja Católica Apostólica Romana: qual a diferença com a Igreja Adventista do Sétimo Dia?


Esse é um assunto interessante, e muito. De fato, a Igreja Católica começa com a pregação e Jesus Cristo, que era judeu, e foi continuada pelos apóstolos, todos judeus, e mais outros líderes importantes dos primeiros séculos, os bispos, em maioria judeus também.

A sede da Igreja Católica foi primeiramente Jerusalém, a cidade de Davi, portanto, o centro judaico do mundo.

E o que a Igreja de fato possui de suas raízes judaicas? E o que a Igreja Adventista, nascida no século dezenove, após o movimento milerita, o que essa Igreja possui de judaico, e quais as suas prerrogativas para reivindicar estar correta sua posição?

É preciso entender como o judaísmo desenvolveu-se durante os séculos, até chegar ao nascimento da Igreja Adventista do Sétimo Dia, e como foi esse processo todo, vivido pela Igreja Católica Apostólica Romana. Entendendo isso, já se pode essencialmente resolver a questão.

De fato, a Igreja Católica sucede o Judaísmo, não como substituição, mas como desenvolvimento. Os judeus que aceitaram o Messias, o Cristo, permaneceram na mesma religião, agora chamada cristã.

No entanto, o que deveriam fazer? Deveriam continuar iguais em sua fé, em suas práticas, apenas adotando a pregação do evangelho? Poderiam continuar com os sacrifícios antigos? Isso não.

Então, poderiam continuar a circuncisão e ensinar que esse sinal é para todos os que deverão servir a Deus? Também não. Isso sugere que há diferenças a partir da vinda de Jesus.

Mas, o que muitos pensam, é que se deveria continuar com muitas coisas que os judeus faziam, como a guarda do sábado, mesmo a circuncisão, entre os que assim quiserem, com a distinção entre alimentos puros e impuros, e outras observâncias.

Se assim fosse, as igrejas deveriam ser chamadas ainda de sinagogas, e a arquitetura continuar idêntica, assim como a forma de culto antigo, pois não há ordens expressas para mudanças nessas áreas.

Será mesmo que com exceção da circuncisão, os cristãos continuaram plenamente com a fé judaica? Em certo sentido, como explicado acima, sim, já que o desenvolvimento da religião judaica até a vinda de Cristo exigia muitas mudanças, do tipo ao antítipo, etc. Se for pensado que tudo o mais continuou idêntico, ou deveria continuar, como a guarda do sétimo dia, no sábado semanal, a proibição de carne de porco, de peixes de couro, de animais com casco não fendido, etc, isso não é simples assim.

Portanto, não é simples afirmar que a fé dos cristãos era plenamente judaica, quando se excetua a circuncisão.

De fato, em Atos 15 a circuncisão é entendida em Concílio como não obrigatória aos gentios, mas em Atos 16 São Paulo acha oportuno circuncidar Timóteo, “por causa dos judeus”, para não causar mais divisões, embora o rito em si estivesse abolido.

Outro fato era que os cristãos não se reuniam nas sinagogas como se nada tivesse mudado, mas iam aos sábados nas sinagogas para falar de Jesus. E em várias passagens bíblicas é sugerido que suas reuniões cristãs se davam em outros momentos e seguiam moldes novos. Também, os ritos já eram outros, como o batismo, a imposição das mãos, etc. Mesmo nas práticas que antes eram bastante claras, como não comer na casa dos gentios, nem mesmo lá entrar, foi deixado de lado, o que sugere fortemente que os cristãos já estavam livres para alimentarem-se de do cardápio oferecido por cristãos de origem gentia, sem problema. Basta ler as implicações de Atos 10.

Por isso, a guarda do sábado não era mais enfatizada, mas também não havia oposição a ela, a não ser que se tratasse o sábado do sétimo dia como algo perene. Então, deve-se ler o que ensina Cl 2, 16. Assim, os cristãos podiam frequentam o templo, ir às orações judaicas nas horas de costume, ir às sinagogas, serem circuncidados, fazer votos, não comer alimentos antes considerados impuros, etc., desde que entendendo que tais práticas não mais são obrigatórias aos cristãos.

Assim, as questões foram acentuando-se ao longo das décadas e séculos, e não é a diferença de liderança que explicam as diferentes posições quanto ao judaísmo no decorrer do tempo, mas as novas circunstâncias, que fomentaram outras discussões e foram aos poucos preparando o lugar para maiores divisões entre os judeus não crentes e os cristãos.

É certo que o centro cristão deixou de ser Jerusalém, e passou a ser Roma, por pura providência divina. A oliveira santa continuou ser a mesma, e os que seguiram a Cristo foram enxertados nela, ou nela permaneceram, no caso dos judeus justos e santos, como o justo e piedoso Simeão e a profetiza Ana.

É certo também que os cristãos não iam ao templo para celebrarem os mistérios cristãos, que faziam somente entre os convertidos, mas iam ao templo por costume, e para anunciar o evangelho. Não mais seguiam os votos, as leis dietéticas, o sábado, a circuncisão, como se a isso fosse obrigados, mas celebravam a ceia do Senhor, o batismo, a imposição das mãos, a unção dos enfermos com óleo, a nova páscoa onde Cristo é o Cordeiro imolado, o mandamento do amor a Deus e ao próximo resumindo toda a Lei.

Isso é muito católico, e pouco adventista. Por certo, a Igreja Adventista entende ser necessário continuar a guardar o sábado do sétimo dia semanal, a evitar a carne de porco e outras leis do Antigo Testamento, que interpretam como atuais. Isso é fruto de seus estudos e entendimento surgidos no século dezenove, mas não coincide com o que levou a Igreja a esclarecer essas questões com o desenrolar dos anos.

Santo Epifânio explica que os “nazarenos” separaram-se dos cristãos. Eles guardavam a Lei, praticavam a circuncisão, como cristãos, e certamente essa era sua doutrina. Portanto, eles eram um grupo à parte, que os cristãos consideram judeus que pregavam o nome de Cristo, e não cristãos de fato.

Então, o sábado, as leis dietéticas, a doutrina sobre a morte da alma, e sobre a inexistência do inferno, não são raízes judaicas que a IASD possui, mas entendimentos de outras fontes que nasceram em alguma data da história e que foram importantes para a formação do adventismo.

Por sua vez, a Igreja Católica mantem o que a Bíblia mostra como o que de fato deve continuar entre os cristãos, e para isso basta ver como são semelhantes as observâncias e modo de vida católicos e judaicos, como a arquitetura, símbolos, orações.

Gledson Meireles.

quarta-feira, 27 de setembro de 2023

Livro: A lenda da imortalidade da alma: refutando o argumento do contraste entre Jesus e os levitas


Refutação: O contraste entre Jesus e os levitas

 

O argumento mortalista tira de Hb 7, 8 um argumento que seria incompatível com a imortalidade da alma, já que estaria contrastando radicalmente vida e morte, de modo a levar a pensar que vida é existência e morte a inexistência. Mas, vamos mostrar que esse argumento não é o que está em todo o contexto. O argumento mortalista contém erro teológico.

Jesus pode ser sacerdote para sempre porque ressuscitou. É simples. Não há a implicação de que as almas dos levitas não podiam oficiar no céu, ou no sheol, porque o que está em questão é a vida em contraste com a morte. Jesus está vivo. Os levitas, mesmo estando hoje no céu, estão mortos, e por isso se diz que suas almas estão no céu, e não que eles em pessoa estejam no céu.

Ainda, é preciso saber que o sacerdócio levita é diferente do sacerdócio de Cristo. O primeiro era figura, um tipo, e era terrestre por isso, de forma que em si a antiga lei foi abolidade, e era ineficaz e não levou à perfeição (Hb 7, 18-19), e por isso foi substituída por outra aliança superior (Hb 7, 22). Então, os levitas só podem oficiar na terra, enquanto Cristo só oficia no céu.

Por isso, o verso 23 introduz a segunda parte do argumento: “Além disso”, e prossegue dizendo que os levitas não podiam ser sacerdotes sempre porque morriam, enquanto Cristo vive para sempre.

Há em Hebreus dois argumentos: o primerio é que o sacerdócio levítico é inferior (cf. Hb 7, 11), e o segundo é que os sacerdotes levitas são mortais (cf. Hb 7, 23). Em resumo, pode-se dizer que ainda que os levitas não morressem, seu sacerdócio não poderia continuar. E até o final da refutação o leitor irá perceber melhor o porquê disso, e identificar mais precisamente o erro do argumento mortalista.

E o motivo é que o sacerdócio dos levitas simbolizava o sacerdócio de Jesus Cristo. Dessa forma, os levitas, ainda que estejam vivos no céu em espírito, não podem ser sacerdotes, porque morreram e porque seu sacerdócio foi apenas figura do verdadeiro sacerdócio de Cristo, e só podia ser feito na terra.

Desse modo, ainda que ressuscitados, como o sacerdócio levita foi levado à realização em Cristo, eles não oferecem dons e sacrifícios pela salvação do mundo. Entendendo esse fato, o constraste feito entre Cristo e os levitas não pode em nada implicar coisa alguma contra a imortalidade da alma.

Dito doutro modo, a morte impede o sacerdócio contínuo dos levitas porque esse ofício é feito na terra, era de natureza imperfeita e provisória, e não porque a morte põe fim à existência. O argumento da morte é a parte dois, e significa realmente que o sacerdócio levítico é inferior porque seus sacerdotes são mortais, não continuam a vida na terra, único lugar onde esse sacerdócio é ministrado. Aqui já fica refutado o argumento mortlaista, mas é bom continuar e liquidar de forma a não deixar dúvida.

Talvez o texto de Hebreus 8, 4 sirva para refutar bem essa implicação que o mortalismo tentou tirar do contraste entre Jesus e os levitas. O texto diz o seguinte: “Por conseguinte, se ele estivesse na terra, nem mesmo sacerdote seria, porque já existem aqui sacerdotes que têm a missão de oferecer os dons prescritos pela Lei”.

O autor mortalista usou a lógica do contraste acima referido para formular um argumento contra a imortalidade da alma, como se a doutrina não pudesse ser harmonizada com o que foi contrastado, ou seja, como se o fato dos levitas possuírem alma imortal e estarem no céu fosse incompatível com o contraste feito. É um bom argumento, no processo de defesa do seu sistema, como tentativa, e serve para fazer com que tenhamos mais cuidado ao ler o texto bíblico. Mas esse argumento não atinge a doutrina da alma imortal, como mostrado acima, constituindo argumento frágil.

Portanto, faz todo sentido dizer que Jesus está vivo, e que Seu sacerdócio é feito no céu, de modo perfeito e único, realizando o que a figura do sacerdócio terrestre constituía. Assim, a Bíblia afirma que Jesus não seria sacerdote se estivesse na terra.

E o que a lógica do argumento mortalista está afirmando é que os dois sacerdócios são idênticos, pois diz:

 

 Se os sacerdotes levitas estivessem neste momento vivos no céu, o autor de Hebreus teria cometido uma gafe ao fazer um contraste dessa natureza, já que tanto um como o outro estariam vivos para continuar seu ofício no outro mundo.”.

 

De fato, não há gafe nenhuma, pois os levitas estão vivos em espírito no céu e não podem continuar seu ofício no outro mundo: primeiro, porque seu ofício terminou em Cristo, pois Cristo é o fim da Lei e do sacerdócio antigo. Segundo, porque estão mortos, e seu oficío era apenas para ser feito na terra.

Disso se pode dizer que o argumento mortalista não procede, porque não é tirado do verdadeiro contraste que é feito entre o sacerdócio levítico e o de Cristo, e porque ele cria um erro, fazendo com que o sacerdócio levita seja antítipo e não o tipo. Seria o mesmo que dizer que os levitas morrem, e Cirsto, estando vivo, continua o ofício levítico, o que é um erro, pois o sacerdócio de Cristo é segundo a ordem de Melquisedeque, diferente do levítico, que serviu apenas de símbolo. Por isso, o argumento é totalmente falho.

Gledson Meireles.

quarta-feira, 20 de setembro de 2023

Livro: A lenda da imortalidade da alma: refutação da interpretação mortalista de Apocalipse 20:10 e o significado do “lago de fogo”

 

Tradicionalmente o “lago de fogo” é interpretado como o inferno, onde há um fogo espiritual e literal, ou seja, existe mesmo, onde sofrem as almas e depois os réprobos ressuscitados. O fogo é espiritual, já que é a punição pelo pecado, e literal, já que atinge as almas e corpos ressuscitados não glorificados.

A interpretação mortalista expressa no livro é muito curiosa. Como o lago de fogo é a segunda morte, então a doutrina aniquilacionista ensina que o castigo anterior à segunda morte não é o lago de fogo. Muito curioso.

Essa noção é, ao que parece, bastante nova, pois cria uma punição temporária por causa do pecado antes da entrada no lago de fogo e enxofre, conceito que não se encontra em nenhum versículo bíblico. Essa é a primeira refutação.

O autor afirma que Ap 20, 14 explica Ap 20, 10, apenas dizendo que o “tormeno eterno”, que é realizado no lago de fogo, é somente a “segunda morte”, no sentido de destruição e inexistência. O tormento é a inexistência. Isso já pode ser considerado parte da primeria refutação. De fato, não faz muito sentido o tormento simbolizar a inexistência.

Mas, é interessante que o autor admitiu que nesse verso é mostrado o “tormento eterno dos ímpios”, embora interprete esse “tormento” como a inexistência, como visto, é óbvio, permanecendo o fato de que a linguagem bíblica expressa claramente o tormento eterno. O restante é uma interpretação, e vamos ver se ela é válida. Pelo primeiro sinal de incoerência, parece que não. De fato, a Bíblia não ensina que os ímpios sofreram proporcionalmente e depois serão destruídos.

Assim, o conceito tradicional de segunda morte é que essa punição eterna vem após a punição temporal da morte física. É uma segunda punição. Ou seja, hjá duas punições para o pecado, a morte e o inferno. A primeria é a morte física, onde todos, salvos e não salvos passam. A segunda é o inferno, onde somente os réprobos sofrem.

Como a morte é o salário do pecado, tanto a primeira como a segunda são punições. Mas, a segunda é irreversível, pois os mortos ficam presos nas suas cadeias longe de Deus eternamente. A primeira foi uma prisão temporária, a segunda é eterna, pode-se dizer.

Dessa forma, não é a doutrina aniquilacionista que possui uma interpetação plausível com mais sentido. Assim, pode-se pensar que todos passam pela primeira morte, porque todos pecaram, mas somente os que rejeitarem a salvação é que sofrerão a segunda punição, a segunda morte, por rejeitarem o perdão de Deus.

A morte não é inexstiência. Os ímpios sofrerão no final “no” lago de fogo, e não antes de entrarem no lago de fogo, como fica na interpretação que o livro mortalista apresenta.

Desse modo, é preciso notar que há um lugar de punição, o tanque de fogo e enxofre, para os que serão condenados após o juízo.

O argumento de que a segunda morte poderia ser a “separação da alma e do corpo” é muito bom, é franco, usando a linguagem que o autor mortalista empregou para se referir a um argumento imortalista. Faz sentido perguntar. Mas ele parte do pressuposto que o termo “morte” no versículo está sendo usado no sentido literal, explicando uma figura de linguagem, e que esse sentido é o mesmo que inexistência.

Diante disso, pode-se responder que a linguagem do Apocalipse é simbólica, e por isso a explicação da segunda morte é necessária, e se trata de ela ser “o lago de fogo”. O autor discorda dessa interpretação, e afirma o contrário, ou melhor, afirma que o lago de fogo é que é usado como símbolo da segunda morte. Essa explicação é curiosa, e vamos testá-la. O símbolo é a segunda morte ou o lago de fogo? Certamente, o lago de fogo, e possivelmente, ambos.

Também, ninguém pensa que os mortos são julgados, condenados e morrem novamente, mas julgados, condenados e lançados no lago de fogo e enxofre. Esse lago é chamado de segunda morte.

Assim, o que faz pensar que a segunda morte é diferente da primeira é essa linguagem apocalíptica que usa o termo morte em um conceito de “castigo”, como se falasse do segundo castigo.

Eis que outro argumento aniquilacionista, muito bom por sinal, entra em jogo. São João explica que o lago de fogo é a segunda morte por se tratar de algo simbólico, não sendo o próprio significado o conceito. Formidável.

Assim explica o livro mortalista: “Note ainda que João não diz que a segunda morte é o lago de fogo, como interpretam os imortalistas, mas precisamente o contrário: que o lago de fogo é a segunda morte.” Não. O original afirma que a segunda morte é o lago de fogo.

É justamente por isso que tradicionalmente o lago de fogo é o inferno, um lugar espiritual, que não é literalmente um “lago” comparado a um lago de água, como que mudando apenas seu conteúdo para as chamas de fogo, mas que esse “lago” simboliza o suplício eterno. Está vendo, o lago também pode ser um símbolo.

Tudo está no campo das figuras de linguagem apocalípticas. Assim, todos concordamos que o lago tipifica outra coisa, e essa coisa não é a “inexistência”, mas um castigo eterno para os réprobos ressuscitados e conscientes, um lugar espiritual de suplício. É pacífico que o castigo no lago de fogo é eterno, ou melhor, tem duração eterna, seja ele qual for.

De outra forma, estaria o autor apenas literalizando o termo “morte”, e quando se diz que a segunda morte é o lago de fogo, estaria apenas mostrando que a primeira morte é idêntica à segunda, como entendem os mortalistas, o que já está refutado, pois essa morte não é inexistência, e nem que a primeira e a segunda “morte” são os mesmos fatos em natureza. Pelo contrário, o contexto indica que são os dois castigos pelo pecado, e são diferentes.

Se é assim, se a segunda morte é apenas inexistência, e traz o sentido somente disso, vamos interpretar o texto e ver se o conceito encaixa-se perfeitamente.  Se a alegoria do fogo é usada apenas para representar outra morte física, isso deverá fazer sentido no contexto.

Se a morte é um “sono”, com a diferença que a primeria há despertar e a segunda não, então a morte seria algo que ninguém saberia o que é, já que não se tem consciência quando não existe. E a explicação do Targum é bastante importante, mas não é maior que aquilo que a texto bíblico explicita.

No verso 10 o Demônio é lançado no lago de fogo e enxofre, que na interpretação mortalista signficia o fim, a inexistência. Então o Demônio deixou de existir. E o texto afirma que lá estavam a Fera e o falso profeta, ou seja, interpretado como se não existissem mais. Seria o “lá na inexistência”, onde já estavam esses seres citados.

Mas o Apocalipse afirma que eles estavam sendo “atormentados, dia e noite”. E a outra questão é que o Demônio é lançado no lago após sua derrota, sem dizer o mínimo sobre um castigo “antes” de ser lançado ali. A punição se identifica com o lago de fogo, e não com outra coisa. Isso mostra que essa inovação interpretativa não deu certo. Não existe castigo proporcional antes do lago de fogo. Parece que está refutado o argumento aniquilacionista.

Na interpretação mortalista, fundamentada no argumento do Dr. Bacchiocchi, “a segunda morte é o lago de fogo”. Assim, o autor do livro explica que o símbolo é interpretado em Ap 20, 10.14 como é feito em Ap 1, 20, onde as estrelas são os anjos e os candelabros são as igrejas.

O texto grego assim diz em Apocalipse 1, 20: “As sete estrelas os anjos das sete igrejas são, e os candelabros sete, (as) sete igrejas são”, e formos traduzir literalmente.

Aqui temos duas refutações: a primeira, é que o grego explica o simbolismo usando a estrutura “estrelas são anjos e candelabros são igrejas”. Segundo, os anjos podem também ser um símbolo, pois possivelmente se referem aos bispos das igrejas e não aos anjos literais, pois seria estranho o apóstolo João escrever cartas a anjos literais.

Dessa forma, quando o autor do livro mortalista afirma: Note ainda que João não diz que a segunda morte é o lago de fogo, como interpretam os imortalistas, mas precisamente o contrário: que o lago de fogo é a segunda morte.”, ele não consultou o texto grego, mas usou o argumento do Dr. Bacchiochi.

E o texto grego assim afirma: “οὗτος (este) ὁ (a) θάνατος (morte) ὁ (a) δεύτερός (segunda) ἐστιν, (é) ἡ (o) λίμνη (lago) τοῦ (de) πυρός (fogo).

Ou seja, o contrário do que o autor do livro mortalista afirmou, pois ele seguiu uma tradução em português. Em grego literal está assim: “Esta a morte segunda é o lago de fogo”. O Apocalipse está explicando a segunda morte como símbolo, e o lago de fogo como o conceito.

A tradução da King James e da Almeida Corrigida e Fiel fizeram o contrário, o que corrobora a interpretação do livro, mas que não é o que está no original grego.

A versão da Ave Maria assim traduz: “A segunda morte é esta: o tanque de fogo”. Em outras palavras, o tanque de fogo é o conceito de segunda morte, para usar o raciocínio do autor mortlaista, ao mesmo tempo que refutando sua interpretação.

 

Desse modo, temos:

 

Ap 1, 20

As sete estrelas são os anjos

Ap 1, 20

Os sete candelabros, as sete igrejas

Ap 20, 14

A segunda morte é esta: o tanque de fogo

 

O grego literal está aproximadamente assim: “as sete estrelas, anjos das sete igrejas são e os candelabros sete, sete igrejas são”: “οἱ ἑπτὰ ἀστέρες ἄγγελοι τῶν ἑπτὰ ἐκκλησιῶν εἰσίν καὶ αἱ λυχνίαι αἱ ἑπτὰ  ἑπτὰ ἐκκλησίαι ἐκκλησίαι”.

A estrutura usada em Ap 20, 14, onde o símbolo é explicado, mostra que aquilo que está no lugar do símbolo é a “segunda morte”.

Então, essa versão que o livro mortalista trouxe, e serviu para o seu argumento, não traduziu conforme o original em relação à estrutura: “Então a morte e o Hades foram lançados no lago de fogo. O lago de fogo é a segunda morte.” Aqui o lago de fogo está no lugar do símbolo, mas no original não. Assim, essa é de fato mais uma refutação.

Quando São João explica que a segunda morte é o lago de fogo, os judeus entenderam que se tratava do hades igual a inferno, como na parábola do rico e Lázaro.

Jesus afirma que na Sua vinda os ímpios serão consumidos, como nos dias de Sodoma. Ainda, a explicação mortalsita da figura do fogo e enxofre caindo do céu como aquilo que aniquilará os ímpios, criando um lago de fogo e enxofre onde eles estão, torna toda a cena literal, o que contradiz o que o autor mortalista quis explicar acima. Ainda, contradiz aquela noção de que haverá castigo proporcional antes do lago de fogo.

Em outras palavras, se o fogo que cairá do céu é literal, criando um lago de fogo, então não haverá um castigo instantâneo, e assim o lago de fogo é o lugar do tormento proporcional, o que contraria a explicação anterior. Se o fogo que cai do céu aniquila os ímpios, e a figura do lago de fogo é apenas um símbolo para mostrar o que aconteceu aos condenados, então não houve castigo proporcional, contrariando a doutrina aniquilacionista proposta no livro. Das duas formas não há como harmonizar com a doutrina bíblica.

Se o lago de fogo não pode ter um fogo literal, já que a morte e o hades são nele lançados, também a forma de “aniquilar” os ímpios também deverá ser sem fogo. Ou haverá fogo? O aniquilacionista decide.

E a explicação de que o lago de fogo causa tormeno apenas no sentido simbólico é plausível, mas não se sustenta diante do que já foi exposto acima. E falta ainda ficar claro como será a completa aniquilação, como ensina o aniquilacionismo, se é pelo fogo e enxofre que cairá do céu instantaneamente, como falam as imagens proféticas, ou se realmente esse fogo formará um lago onde por um período temporário individual cada um irá ser consumido por séculos talvez, no tempo proporcional às suas faltas. É isso que dá introduzir outras interpretações das figuras bíblicas.

Se o fogo devorador cai do céu e elimina em um só instante a todos os ímpios, não há graus de castigo. Se o lago de fogo é apenas uma forma de mostrar o que aconteceu com os que morreram no fogo que caiu do céu na vinda de Jesus, de fato a explicação parece negar que haja castigo proporcional. De fato, não há como morrer instantaneamente e ao mesmo tempo ter um castigo proporcional às culpas. Por essa incoerência, surge mais uma refutação.

Portanto, a explicação de que o tormento diário para sempre é apenas parte do sentido simbólico foi bastante plausível no contexto da apresentação da doutrina aniquilacionista. Bom argumento. No entanto, em geral foram mostrados muitos problemas que invalidam a interpretação.

Gledson Meireles.

quinta-feira, 22 de junho de 2023

Um estudo sobre os vasos de barro: Rm 9 e 2 Tm 2

A comparação com os vasos de barro (Romanos 9)

Quem não aprendeu com a doutrina ensinada no Sínodo de Dort que Deus teria criado uns para salvação e deixado outros para a perdição? Mas, você sabia que Deus quer a salvação de todos, e criou o homem livre, e não determinou que ninguém fosse condenado?

Você pode crer com firmeza que é predestinado ao céu, embora não saiba certamente se receberá a graça eficaz para entrar no céu. No entanto, há uma certeza moral. Esse assunto será tratado aqui.

Em 2 Timóteo 2,14, o apóstolo Paulo introduz um assunto bastante interessante que nos ensina muito sobre a predestinação. Ele dá o conselho para evitar discussões, que “só servem para perdição dos ouvintes”, e as más conversam que “contribuem para a impiedade” (v. 16).

Ao mencionar a heresia espalhada por Himeneu e Fileto (2Tm 2,17), entende-se que a “perdição” causada por motivos de vãs discussões é a perdição eterna, já que pode ser causada pela adoção de heresias. São Paulo fala do transtorno da fé de alguns, como está no versículo 18. Nesse cenário nos lembra os que são fieis de Deus, citando Número 16,5: “O Senhor conhece os que são seus”.

Então, introduz a bela comparação da casa cheia de utensílios (σκεύη), uns de ouro e de prata, outros de madeira e de barro, “aqueles para ocasiões finas, estes para uso ordinário?”. (2 Tm 2,20) Ou seja, uns para honra (τιμὴν) e outros para desonra (ἀτιμίαν).

“Quem, portanto, se conversar puro e isento dessas doutrinas, será um utensílio nobre, santificado, útil ao seu possuidor, preparado para todo uso benéfico” (2 Tm 2,21).

Usando do livre-arbítrio envolvido pela graça, como aparece em toda a Escritura, pode-se através da obediência tornar-se utensílio nobre. Por isso, a Palavra de Deus afirma: “quem, portanto, se conversar puro e isento dessas doutrinas”. Fazer-se um utensílio nobre ou um utensílio de uso ordinário pela obediência a Deus, é uma verdade que aponta para a grande importância da vida de fé e boas obras, em conexão com a santificação e a salvação.

É importante ressaltar também o verso 25, visto que aprendemos que os adversários precisam do “arrependimento e o conhecimento da verdade” para libertarem-se dos “laços do demônio”. (v. 26) Ou o homem está agindo sob Deus ou debaixo das influências do demônio. E aqui não se faz essas exortações por desconhecimento de quem são os eleitos, mas porque é pressuposto que todos são livres e podem obedecer à graça, sendo todos chamados à salvação. Não se trata de supor que talvez entre os inimigos estejam os que estão predestinados, como se os demais não fossem verdadeiramente chamados à salvação, mas do fato de que esse chamado é igual a toda a humanidade pecadora.

Em Romanos encontramos uma comparação semelhante, com enfoques específicos, onde a criatura olha para Deus e não há razão para contestar Sua Vontade, como se um vaso de barro reclamasse ao oleiro o motivo de fazer um vaso para uso nobre e outro para uso vulgar (Rm 9, 20-21). E sendo Deus o criador de tudo, indo além daquela relação entre oleiro e barro, já que o barro não é obra do oleiro, a comparação é ainda mais forte.

As imagens são diferentes, mas o sentido idêntico. Em Romanos o apóstolo usa vasos de barro, iguais em sua forma, diferentes no uso. Essa passagem muito debatida, o que demonstra sua dificuldade intrínseca, deve ser entendida por outras mais claras, como a de 2 Timóteo comentada.

Mas, não só essa. A própria continuidade da argumentação, Romanos 9, verso 22, é capaz de lançar luz sobre o sentido do verso anterior. São Paulo responde à questão da justiça de Deus. “Onde, então, está a injustiça?”. E a resposta é que Deus, “para mostrar a sua ira e manifestar o seu poder”, suportou com paciência os objetos da ira preparados para a perdição.

Lembrando que são vasos iguais, de mesmo material, o barro, mas de uso diferente. Trata-se da relação oleiro e vaso, aludindo a criador e criatura, uso e direito de uso. Em 2 Timóteo a diferença de uso está atrelada à prática das obras e à vida de fé. Isso insere diferença nos usos dos vasos.

Eles são preparados para a perdição no sentido de se prepararem assim. Da mesma forma, os que são vasos de honra são aqueles que se conservam puros e sem heresias. Não se trata de Deus tê-los criado para a desonra, mas que, sendo obras de Deus, se puseram no caminho da desonra, serão usados justamente como vasos de ira.

O que justifica essa leitura é o próprio verso 22, que afirma que Deus tem suportado com paciência esses vasos. Na mesma casa, a casa de Deus, há vasos de honra e de desonra, onde é responsabilidade dos vasos se prepararem para o bom uso, servindo ao Senhor. Essa é a doutrina das duas passagens em consideração.

Em nenhum momento a razão do castigo dos ímpios foi a vontade de Deus, nem a implicação de que os vasos foram criados para a perdição, porque Deus fez o homem bom (cf. Ecl 7,29), mas exalta-se a justiça de Deus na Sua paciência ao suportar esses vasos maus. Deus conhece o coração de cada um deles, de modo que sabe o que fará com cada um.

O apóstolo poderia ter dito: Onde está a injustiça, se Deus quis criar uns para a honra e outros para a desonra e ponto!? Essa seria a posição reformada. Mas não.

De fato, foi questionado: Onde está a injustiça, se Deus tem suportado pacientemente esses vasos de desonra? A paciência de Deus mostra Sua justiça. Essa é a resposta bíblica, e católica. Deus não criou os vasos ruins como vasos ruins, mas esses vasos que se tornaram ruins são suportados por Deus. Se Deus suporta o que não quer, por misericórdia, isso implica a redenção universal, o livre-arbítrio, o chamado da graça suficiente.

A pergunta: “Por que me fizeste assim?” (v. 20) é uma ilustração. Outra é a do v. 21, quando fala das diferenças de uso de vasos feitos da mesma massa. Como que perguntando: ‘Por que me usaste assim?’.

De fato, está falando de como o Faraó foi tratado no verso 17, passando pela explicação sobre a misericórdia e o endurecimento, no verso 18, e pela pergunta enfática da queixa e da impossibilidade de resistir à Vontade de Deus no verso 19.

Em nenhum momento é dito que um vaso foi feito bom e o outro mal, como consequência do decreto divino, ou que Deus cria um para usá-lo para o bem e o outro para o mal. A ilustração tem a ver com a liberdade de Deus em tratar Suas criaturas, escolhendo umas e não outras, para um determinado bom propósito, e castigando a outros, como é segundo a Sua justiça.

Essa é a realidade, onde cada um faz o que quer, mas de tudo isso a vontade que prevalece é a de Deus. E o sentido último não é de uma livre agência determinada, onde as ações seguem como consequência do decreto, mas de reais ações que são permitidas no decreto e consideradas para que sirvam justamente aos propósitos divinos.

É a liberdade que leva a isso. Deus pode agir conforme Lhe apraz, e as escolhas que faz nos dão capacidade de entendê-las, e o modo como aplica a Sua justiça também. Assim, sabemos que não há injustiça na escolha de Jacó, nem na punição do Faraó. E os motivos mostrados acima são diversos daqueles contidos nas explicações calvinistas.

Portanto, a primeira ilustração aplica-se bem ao caso de Jacó, a outra na questão referida cabe perfeitamente ao Faraó. Não há injustiça da parte de Deus escolher uma determinada forma para o Seu vaso. Também não há injustiça se um vaso Ele trata com honra e outro não. Todos são criaturas de Deus e Ele faz com Suas criaturas segundo Sua Vontade. Resta ver o motivo por que trata diferentemente (2 Tm 2,20). E esse motivo é preparado pela criatura (v. 21). Melhor ainda, não é o beneplácito de Deus tratar diferentemente, mas as diferentes criaturas explicam o motivo de diferentes tratamentos.

Diriam os teólogos reformados que isso se trata da diferença entre a reprovação negativa, onde Deus deixaria os vasos em sua pecaminosidade, e a reprovação positiva, onde Deus traz o juízo e castiga os ímpios pela sua maldade. No entanto, como explicam, tudo é apenas um ato simples da parte de Deus, onde Deus teria preparado os vasos para serem como são, agirem contra Sua vontade expressa, determinando-os a praticarem o mal, que o fariam por sua própria vontade, e no final castiga-los pelo mal que praticaram.

Isso tudo não está no texto bíblico, mas é um raciocínio de certas afirmações, levadas quase ao máximo pela teologia reformada principal. Deus não pode ter determinado que os vasos assim agissem, pois contradiz o fato de que a Bíblia naturalmente apresenta a misericórdia de Deus em tudo isso, onde Ele suporta os vasos da ira, ainda que os mesmos tenham rejeitado a conversão.

O mesmo foi usado antes para realçar a justiça de Deus, no caso da escolha de Jacó. Dois meninos nasceram e um foi escolhido. Deus preferiu a Jacó, mas não faz injustiça a Esaú, já que não é obrigado por nada. Ele não teria nada que o obrigasse a escolher Esaú para ser o patriarca de Israel.

Por isso, sua rejeição a Esaú não é para a perdição, como já afirmado, pois Deus não age contrariamente ao Seu caráter santo. E não se pode levar essa escolha no sentido místico onde Esaú teria sido reprovado, o que não é a intenção do texto bíblico. Ele não age punindo antes que um motivo exista. E tal motivo deve nascer da criatura livremente, e não pela determinação anterior de um decreto feito para que o motivo fosse criado. Para o mau, o motivo da punição deve anteceder. Não há decreto de Deus para criar o mal em qualquer lugar que seja, mas apenas confirmar o mal que já existia proveniente da criatura, e não do decreto divino, e infligir o castigo, a ação de punição. Só esse mal pode ser referido à vontade de Deus.

Tudo isso está de acordo com o início de todo o assunto, nos versos 11 e 12. Deus é livre nas Suas escolhas, e antes que houvesse obras da parte de Jacó e Esaú, Ele escolheu o primeiro e rejeitou o segundo. E por isso, não há qualquer injustiça.

De fato, o assunto da eleição não para salvação e perdição, deve-se entender bem, como já visto no texto sagrado do Antigo Testamento que está sendo citado, mas para eleição de Israel como povo, embora não haja maldição de Deus para Esaú como outra nação. Esaú respondia pelos próprios pecados. Parte-se dos indivíduos para falar das duas nações. Somente a partir dessa realidade clara, se pode subir para suas implicações místicas.

O contexto de Romanos 9 é a salvação de Israel, irmão do apóstolo segundo carne (v. 3) Mas, para explicar a dureza de Israel, São Paulo fala da promessa, da razão da filiação, e não da descendência meramente natural (v. 8).

Ilustra a liberdade da escolha de Deus com o fato de Israel ser servido pelo irmão mais velho Esaú, como está em Gênesis 25,23. Também a escolha de Jacó, segundo nascido, ao invés do primogênito Esaú, em Malaquias 1,3, antes que tivessem nascido e tivessem feito o bem ou o mal. Tratando da posição de cada um no plano da salvação e não no sentido de salvar um e condenar o outro. Eis o que ensina a Palavra de Deus.

É um exemplo que foi utilizado para apresentar o plano salvífico divino, e não um modelo para mostrar como Deus salva. Não é a salvação de um e condenação de outro como proveniente do beneplácito divino, mas os modos que Deus age para salvar e punir.

Deus é livre em mostrar Sua misericórdia. Dois exemplos são lembrados, a palavra falada a Moisés em Êxodo 33,19, quando o profeta pede para ver a glória de Deus. Então o Senhor profere as palavras: “Dou a minha graça a quem eu dou a minha graça, e uso de misericórdia com quem eu uso de misericórdia”, segundo tradução literal. Isso significa que Deus usa de misericórdia com quem Lhe agrada. De fato, tudo o que Deus faz é santo e nada pode manchar Seus desígnios.

E vejamos ainda o caso do endurecimento do Faraó em Êxodo 9, 16, após o Senhor ter revelado o derramamento dos flagelos, caso o faraó não libertasse o povo conforme a vontade de Deus. O verso 16 mostra o motivo de Deus não eliminar de uma vez o faraó: mostrar o Seu poder e glorificar o Seu Nome sobre a terra, “se” o faraó obstinar-se (v. 17). Existe o condicional, que depende da atitude da criatura. É certo que Deus sabia do endurecimento do Faraó, mas o condicional não existiria se fosse pelo Seu decreto que o mesmo viesse a endurecer o coração, de modo que a revelação clara de Deus dos Seus desígnios tivesse caído sob névoas nessa passagem.

Esse é o sentido do motivo do faraó ter sido levantado para cumprir esse desígnio de Deus. E vem a questão: “Haverá injustiça em Deus?”. A resposta é não. De fato, o Senhor disse em Êxodo 3,19: “Eu sei, no entanto, que o rei do Egito não vos deixará ir, se não for obrigado por mão forte.”

Essa é a razão por que Deus endureceu o coração do faraó, para o obrigar a deixar o povo sair da escravidão. Deus sempre age para salvar, libertar, fazer o bem, mostrar Sua justiça. Assim, o endurecimento do faraó tinha sido previsto por Deus e foi o motivo para que Deus agisse posteriormente para o seu endurecimento pessoal persistente.

Sabendo que o Faraó endureceria seu coração, Deus agiu sobre ele fazendo endurecer ainda mais, e o fixando nessa rebelião, que mesmo diante dos flagelos que viriam não deixaria o povo sair, até que fosse mostrada toda a intervenção de Deus. Trata-se de um castigo pelo pecado de desobediência do Faraó. O faraó havia perdido sua chance de deixar o povo ir.

Michael Horton percebe essa problemática para a doutrina reformada, e no seu sistema onde somente Deus tem o livre-arbítrio e o homem a livre agência, que seria um tipo de liberdade diferente para a criatura, ele afirma que as passagens que falam que Deus irá endurecer o coração do Faraó vêm no começo, citando Êx 4,21 e 7,3.

No entanto, a primeira profecia vem antes disso, a saber, em Êx 3,19. Deus sabe que o Faraó endurecerá o coração, por si mesmo, particularmente, e então o ato de Deus é obrigar o Faraó por mão forte, a libertar o povo. Ele então endurece o coração do Faraó por cima do seu coração já endurecido. Ele faz com que o Faraó continue na sua maldade. Deus não torna o coração do faraó mal e endurecimento, mas o fixa na sua rebelião, usando essa atitude para a libertação do povo e para o castigo desse mau rei.

Não é totalmente correta a explicação de Horton, que afirma que o “Faraó estava endurecendo seu próprio coração em resposta à Palavra de Deus”, e Deus estava fazendo o que disse a Moisés que iria fazer.

Na verdade, Deus antes mesmo de endurecer o coração do Faraó, revelou que o mesmo não deixaria o povo sair (Ex 3,19), e por isso endureceria seu coração. O Faraó já iria desobedecer e endurecer seu coração. Então, a posteriori Deus causa o endurecimento como punição, Ele não inicia o endurecimento do coração do Faraó. Essa distinção é fundamental. Portanto, o Faraó já possuía um coração petrificado. Deus opera em cada coisa de acordo com sua própria natureza. É conforme a natureza de uma coisa que Deus age para fortalecê-la segundo o que ela intencionou realizar.

Se o coração do Faraó é ruim, então Deus operará nesse coração segundo ele merece. Essa noção pode ser percebida igualmente tendo em conta a livre agência, como explicaria o calvinista, já que Deus não causa o endurecimento, encontrando um coração duro. Mas o reformado afirma que esse coração não poderia ser de outra forma. De fato, ele afirma que pelo decreto divino aquele coração consequentemente deveria ser endurecido por si mesmo, e depois ser endurecido por Deus, o que destoa da apresentação da Escritura.

De fato, a Bíblia simplesmente mostra a atitude do Faraó sendo prevista por Deus e as ações de Deus para libertar o povo, punindo o Faraó. Disso se pode aprender, para entender o decreto divino, que o Faraó possui o livre-arbítrio, e por isso Deus usa dessa situação para o bem de todo o povo.

Entretanto, a passagem é totalmente explicada pelo livre-arbítrio, já que Deus prevê uma ação livre do Faraó, que foi instado muitas vezes a deixar o povo ir, por ordem de Deus, e ainda assim recusou-se a obedecer, e age por cima dela para realizar Seu plano de libertação. As nuances são semelhantes àquilo que o reformado diria do ativo negativo e positivo de Deus na punição do pecador, supondo algo que na realidade se apresenta como livre-arbítrio, mas que é considerado como não sendo assim, pois seria uma liberdade determinada. As características podem ser parecidas para explicar a passagem, mas o livre-arbítrio é mais eloquente. Não somente isso, ele é correto.

A liberdade de Deus usar de misericórdia e justiça sobre as pessoas é realçada em Romanos 9,20-21. Por isso, Deus pôde usar da dureza de coração do Faraó para mostrar Seu poder e anunciar o Seu Nome sobre a terra. Esse é o sentido do texto, e não o de que alguém foi criado para a condenação. Perceba que tudo está sendo concatenado pela própria Escritura.

Os vasos de Rm 9,22 são preparados (κατηρτισμένα) para a perdição, enquanto que os do versículo 23 são que Ele preparou (προητοίμασεν) para a glória, usando a mesma palavra de Efésios 2,10, sobre as obras que Deus preparou para que andássemos nelas. A fraseologia é diferente quando se fala da condenação e da salvação. Para a salvação o Autor é Deus, para a condenação é o homem. De fato, é certo que essa distinção é feita na doutrina reformada, mas não pode ser totalmente compreendida, como foi mostrado acima, quando se nega o livre-arbítrio.

São Paulo afirma que os gentios não procuravam a justiça e a encontraram pela fé, e os judeus procuravam a Lei que desse justificação e não a encontraram (Rm 9, 30). Porque não a procuraram pela fé e “sim pelas obras” (v. 31). Obviamente não está falando de cada indivíduo gentio e judeu, mas em relação à coletividade dos gentios e dos judeus. Aqueles encontravam a justiça que procuravam, e o fizeram por meio da fé, esses não a encontraram porque foram através das obras.

Para melhor resumir toda essa questão no texto de Romanos 9, façamos algumas indicações importantes para conhecimento do contexto dos três capítulos que versam sobre a eleição de Israel.

Em primeiro lugar temos que Israel possui dois sentidos no texto sagrado. Em segundo lugar, a eleição aparece com duas nuanças correlatas, ambas fundamentadas pela promessa e graça de Deus. Em último lugar, deve-se conhecer a base para a eleição e o motivo do endurecimento que Deus realiza nos corações.

Por meio dessa análise, ver-se-á que a eleição é o intuito primeiro de Deus, e que o endurecimento só vem após a ação má e a recusa da criatura. Essas coisas já foram tratadas acima, mas com o propósito de fecharmos o argumento serão reunidas aqui no contexto de Romanos 9, 10 e 11.

São Paulo fala de Israel segundo a carne e segundo a promessa, afirmando que o verdadeiro Israel da promessa está reservado pela graça, pois a recusa de muitos não significa a rejeição do povo de Israel por parte de Deus (Rm 11,1). Então, ele trata de indivíduos do povo eleito que recusaram a fé, mas mostra que isso não invalida a eleição do povo inteiro.

Dessa forma, o contexto trata do Israel natural e do Israel da promessa (Rm 9,8). A promessa não se limita ao Israel natural, pois Jesus desfez na sua carne o muro de separação entre judeus e gentios, e abriu para todas as nações a possibilidade de ser povo de Deus, fazendo de dois povos um só, como está em Efésios 2. Dessa forma, a descendência física não é contada para a eleição, mas a promessa de Deus feita aos patriarcas.

Mais uma vez, não se trata de separar os que foram infiéis do povo que permaneceu, mas mostrar que a infidelidade de muitos não desfaz a promessa de Deus, visto que não é a carne que define o verdadeiro Israel, mas a promessa, que fez de Israel e das nações um povo único, de modo que todos são chamados, e todos podem tornar-se membros da aliança.

Também temos que a eleição é baseada na graça de Deus. Quando se diz que é pela graça, e que as obras não são causa da eleição (Rm 9,12-13). O caso de Jacó e Esaú é apresentado para falar da liberalidade de escolha de Deus, assim como o fato do faraó egípcio ter sido endurecido tem a ver com a justiça de Deus.

Sabendo a distinção entre o Israel segundo o sangue e o Israel segundo a eleição da graça, temos a correta interpretação de todo o texto. Isso está em Rm 10, 6, onde Israel é comparado aos eleitos. Há em Israel um número eleito segundo a graça para provar que a eleição de todo o povo continua de pé (cf. Rm 11,1).

Chegamos então ao endurecimento que Deus opera nos desobedientes. Ele o faz para salvar. Isso está em Romanos 10, 7-8. Isso mesmo, o endurecimento dos corações, como punição aqui, punição daqueles que quiseram livremente rejeitar o evangelho, tem o fim de salvar, e não de condenar.

Não se trata de decretar a reprovação de uns para que outros sejam salvos, mas que apesar do endurecimento de muitos, que deveriam estar na eleição, esse mal será usado para a salvação dos eleitos, daqueles que aceitam e aceitaram o chamado.

São Paulo afirma que esses que caíram por causa da incredulidade ainda são chamados à salvação. Por isso, pelo ciúme, os que estão endurecidos podem voltar-se a Deus e serem salvos. Isso é maravilhoso e confirma tudo o que foi explicado antes. Há em Israel os que estão endurecidos (Rm 11,7), mas esses não foram endurecidos para ficarem assim, mas para a salvação dos gentios: “Pergunto ainda: Tropeçaram acaso para cair? De modo algum. Mas sua queda, tornando a salvação acessível aos pagãos, incitou-os à emulação” (v. 11).

Então, quando o tempo dos pagãos for completado, os demais serão convertidos em grande número. São Paulo fala do trabalho de pregação para levar alguns desses à salvação (vv. 13-14). Constatando isso, é correto afirmar que durante a história, ainda que o povo está coletivamente no endurecimento a favor da salvação das nações, muitos estão sendo salvos, pois pela pregação, “com o intuito de, eventualmente, excitar à emulação os homens da minha raça e salva alguns deles”, mostrando que é a graça suficiente a todos, e o poder do livre-arbítrio para responder ao chamado.

Não está aqui falando do remanescente eleito, mas dos outros que com certeza estão no endurecimento de coração. Sendo assim, essas passagem refutam totalmente a ideia de que se está procurando salvar os eleitos, como se os reprovados não pudessem, pelo decreto divino, responder ao chamado da salvação. Nada disso. O apóstolo está mostrando que sua pregação se dirige aos que estão caídos, os que tropeçaram e caíram, e podem ser incitados à fé pela pregação do evangelho e serem salvos, se aceitarem. Tem-se então a explicação do plano do remanescente, do objeto do endurecimento de Israel, e do plano de salvação para aquela parte que está endurecida de coração.

São esses que serão enxertados na raiz santa, onde já estão os pagãos convertidos. Essa parte de Israel, em maioria, foi cortada pela incredulidade, e está endurecida, enquanto que os gentios estão firmes na fé e enxertados na oliveira santa.

Nesse contexto é revelado, mais uma vez, o livre-arbítrio dos que estão na graça, a possibilidade da perda da salvação e a eleição de Deus pela graça.

O versículo 22 fala da bondade e da severidade de Deus. Os que estão enxertados são exortados a vigiar, para que não sejam cortados. Isso não é mera retórica, mera exposição de condições, mas uma conexão com a realidade dos fatos. Há muitos que deixaram a graça, e isso contradiz a doutrina dos decretos como está na teologia reformada, mas é o modo que a doutrina bíblica apresenta a eleição e a reprovação.

Da mesma forma, os que estão na incredulidade possuem a esperança de serem, pela fé, enxertados de novo, “se não persistirem na incredulidade”. Outra vez um condicional. Estamos em contexto salvacional, onde a eleição pela graça é permeada em todo texto.

Portanto, aprendemos da Bíblia, que nos leva a toda boa obra e salvação (2 Tm 3, 15), que Deus encerrou todos na desobediência para usar de misericórdia para com todos. Os desobedientes foram deixados na desobediência não para serem castigados e reprovados, mas para serem salvos, causarem a salvação, de todos. A eleição do remanescente e de todo o Israel está baseada na graça de Deus, pois: “Quem lhe deu primeiro, para que lhe seja retribuído?”.

Por tudo isso, é importante conhecer essa distinção dos dois Israel, das duas eleições, do sentido da graça, e do motivo do endurecimento, pois esse é sempre segundo a misericórdia de Deus. A Deus seja dada toda a glória (Rm 11,36).

Gledson Meireles.