sábado, 12 de outubro de 2024

Livro: Nenhum caminho leva a Roma, capítulo 7. Refutação parte 1

 Refutação do capítulo 7: Sola Scriptura

 

            O princípio protestante Sola Scriptura ensina que a Bíblia é a autoridade final e infalível. A tradição e a Igreja não poderiam ser infalíveis também, mas somente a Bíblia.

            O que não fica claro é a forma com que a doutrina bíblica chegará aos fieis de modo certo e inequívoco.

Que a Bíblia é a Palavra de Deus inspirada, infalível, inerrante, está claro. Essa é a doutrina cristã católica. No entanto, é preciso saber se a doutrina ensinada por uma igreja é verdadeiramente bíblica ou se é uma deturpação interpretativa da Bíblia.

É por esse sentido que a Igreja Católica afirma dogmaticamente que a Bíblia, a Tradição e o Magistério são infalíveis e são de autoridade para o fiel cristão católico.

            A Bíblia é suficiente para instruir os crentes. Muito bem. Mas é preciso que se tenha certeza de que a interpretação da Bíblia apresentada aos fieis seja correta. Portanto, a tradição e a Igreja se tornam necessários.

            Na verdade, o que a doutrina católica, a esse respeito, ensina, é que a Bíblia é a única forma pela qual Deus falou diretamente à Igreja, sendo texto único inspirado, de modo que não há nada que se compare a ela.

Ensina também que Jesus e os apóstolos transmitiram algumas coisas que ficaram na tradição, não sendo escritas por inspiração, mas que são ensinamentos divinos, pois ensinados por Jesus e pelos apóstolos por ordem Sua.

            Assim, a tradição contem ensinos que são do mesmo período da Bíblia e possuem origem comum. Portanto, são Palavra de Deus.

            Para conhecer quais são esses ensinos, temos de verificar a tradição confirmada pelo magistério autêntico da Igreja. E, em última análise, crendo assim, o fiel está seguindo a Bíblia, pois é essa autoridade que ordena a ouvir a Igreja.

            A ideia de que as outras autoridades são falíveis e devem ser avaliadas pela Bíblia não funciona bem na prática. As reformas tentadas com esse princípio podem subverter a fé. Isso sempre ocorre quando se lê a Bíblia como única regra de fé.

            Por isso, mesmo o ensino protestante contem a regra de que não é dado a todo cristão a liberdade individual e isolada de interpretar a Bíblia. Se o princípio Sola Scriptura é uma defesa da Bíblia como autoridade final e infalível para os cristãos, os católicos podem concordar. Contudo, na prática o modelo católico é o único que funciona harmonicamente.

            Quando se diz que a tradição é o mesmo que foi escrito e nada do que ficou fora da Bíblia é de necessidade para a salvação, ultrapassa-se o ensino da Bíblia. Há coisas importantes que não foram escritas.

            É claro também o princípio de que a verdadeira tradição não entra em conflito com as Escrituras. Isso é provado, e o leitor pode conferir ao ler o presente livro.

            Quando se diz que os judeus bereanos conferiam nas Escrituras aquilo que os apóstolos pregavam, julgando os apóstolos, isso não é bem assim.

            De fato, os bereanos fizeram o certo. Eram judeus que esperavam o cumprimento das promessas bíblicas e a vinda do Messias. Eis que alguns homens chegam pregando que o Messias é Jesus, e ensinando o evangelho a eles.

            Como bons judeus, eles foram às Escrituras para certificarem-se de que as características do Messias se cumpriam de fato em Jesus, se as coisas eram assim, como os apóstolos pregavam.

Uma vez que viram isso se cumprindo em Cristo, tornaram-se cristãos. A partir desse momento, não julgavam os apóstolos, pois eles estavam sob a autoridade dos mesmos, e deviam aprender o evangelho por meio dos apóstolos.

            Assim, os protestantes creem na tradição, reconhecem sua importância, conhecem que essa foi regra de fé no período patrístico, mas crê que não o era de forma infalível.

            Quando a Igreja ensina uma doutrina, ou guarda algum costume, de origem apostólica, é certo que não pode errar, pois ela é coluna e sustentáculo da verdade (1 Tm 3, 15).

            Está certo que Deus inspirou a Palavra da Escritura, que Jesus venceu as tentações usando a Palavra de Deus. Mas a Igreja é a coluna da verdade, e como coluna não pode cair, pois Deus a sustenta.

            No concílio de Jerusalém foi respondida a questão sobre a necessidade da circuncisão e prática da lei para os cristãos. Essa doutrina não estava nas Escrituras, mas foi revelada por Jesus e depois escrita e incluída nas Escrituras.

O Concílio de Jerusalém não recorreu somente às Escrituras para dirimir a questão, mas São Pedro contou o que Deu havia revelado a ele e assim levou a todos a aceitar que Deus não faz acepção de pessoas e que a lei não deveria ser imposta aos convertidos. Desse modo, vemos a autoridade da Igreja ao mesmo tempo em que aprendemos sob a autoridade máxima da Palavra de Deus guiando a Igreja.

            Assim, a afirmação simples de que no Concilio de Jerusalém ninguém recorreu à autoridade humana, mas somente às Escrituras, está equivocada. Não é um equívoco que leva a um erro grave, pois está claro que deve-se aceitar a autoridade divina das Escrituras e não a autoridade humana.

No entanto, a afirmação não levou em conta que nesse tempo, ano 49 d. C., o Novo Testamento não havia sido escrito e o Antigo Testamento não tinha a revelação para resolver o problema discutido no concílio.

Assim, a Igreja segue a Palavra de Deus. Não é a Igreja a regra em si. A Bíblia é a Palavra de Deus. As doutrinas da tradição são Palavra de Deus. Desse modo, a autoridade da Igreja está em conservar a Palavra de Deus.

Quando o protestante afirma: “Todavia, é importante ressaltar que isso não nega a autoridade da igreja, muito pelo contrário, isso apenas reflete que a autoridade da igreja só pode ser absoluta quando é pronunciada biblicamente (cf. Is 8.20), ou seja, apoiada na infalibilidade das Escrituras”, podemos afirmar o seguinte: essa afirmação reflete o que é a infalibilidade da Igreja.

De fato, Cristo assiste a Igreja, e então a mesma sempre ensina corretamente as doutrinas de fé e moral, de modo que sua autoridade é absoluta por ser pronunciada biblicamente e apoiada na infalibilidade das Escrituras.

Outro ponto que deve ser refletido é o fato de considerar cristãos como “inimigos” das Escrituras. Isso é algo tremendamente equivocado, para afirmar o mínimo. Crer na tradição e na Igreja não é ser contra as Escrituras, mas obedecer ao que as Escrituras ensinam.

Se os apóstolos não estão mais vivos para dirimir as questões hoje, a Igreja está viva, porque é a Igreja do Deus vivo. Assim, na dúvida, devemos questionar a Igreja, que conserva a interpretação correta de determinada passagem bíblica.

A infalibilidade da Igreja leva a entender a infalibilidade do papa, que é o servo de Deus que recebeu a incumbência de confirmar os irmãos na fé.

No entanto, os cristãos nunca seguiram o papa incondicionalmente no sentido de que também não pensam por si mesmos. Assim, é comum as críticas ao bispo de Roma em todas as épocas da história. Isso mostra que logicamente hoje existem críticas ao papa.

Portanto, criticar o Sumo Pontífice devidamente e com respeito não é negar a infalibilidade papal.

Ainda, todas as doutrinas católicas estão de acordo com as Escrituras. Mesmo aquelas mais explicitamente contidas na tradição.

Como sabemos nos dias atuais se uma tradição é apostólica ou é meramente humana, questiona o apologista protestante? Pois bem. Basta ouvir a Igreja, em seu magistério autêntico.

Mas o apologista afirma: “Só podemos determinar pelas Escrituras!”. Essa seria a lógica irrefutável.

Esse modelo não funciona na realidade. De fato, a verdade está na Bíblia. Mas, vejamos um pouco como isso funciona.

Digamos que o texto de João 3, 5 seja trazido para estudo. A interpretação católica afirma que se trata do batismo. A doutrina da Igreja Batista, concordante com a doutrina reformada em geral, geralmente discorda dessa interpretação. O texto permanece o mesmo, e a interpretação é divergente. Quem estaria com a razão?

Então, especialistas se põem a estudar, a examinar as Escrituras, a comparar textos bíblicos com outros textos bíblicos, de modo a esclarecer a questão.

Assim, os idiomas da Bíblia são estudados, uma interpretação literal é feita, uma boa exegese é posta em prática, com o devido estudo das questões sócio-culturais do primeiro século, na região onde foi escrito o texto sagrado, para que, através de tudo isso, a interpretação seja aceita, em conformidade com o parecer geral da denominação.

Tudo isso é feito, e os cristãos protestantes batistas concluem que o texto não é relativo ao batismo com água. Por sua vez, a Igreja Católica apresenta todo o estudo possível e de acordo com as mais exigentes regras de hermenêutica bíblica, e conclui que o texto de fato afirma a necessidade do batismo com água.

Alguém dirá que a autoridade está na Bíblia. E de fato está. No entanto, como dizer que o batista está correto e o católico está errado se ambos estão interpretando o texto bíblico e chegando a conclusões opostas? Não pode ser que ambos estejam igualmente corretos.

É por essas e outras questões que devemos ouvir o que vem desde o início, quando Jesus ensinou a ouvir a Igreja. Ouvindo-a, entendemos melhor a Bíblia. No final, é a Palavra de Deus na Bíblia que se torna clara e nos instrui.

Aliás, que o leitor estude a questão do batismo, no presente livro, e verificará a autoridade da Igreja Católica ao ensinar essa doutrina examinando a Bíblia.

Ainda, nenhum cristão discorda da ação da Providência de Deus no estabelecimento do cânon. A Escritura possui autoridade por si mesma, por ser Palavra de Deus. No entanto, para nosso conhecimento, Deus guiou a Igreja para que definisse o cânon dos livros sagrados.

Quando o protestante afirma que rejeita tudo o que não está de acordo com a Bíblia, que é a única regra infalível, de algum modo está crendo na sua interpretação própria, ou na interpretação da denominação à qual pertence, como no exemplo dado do batismo.

E, no mais, é verdade que o “está escrito” e o “assim diz o Senhor” só se encontram nas Escrituras.

Gledson Meireles.

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