Refutação do capítulo 7: Sola Scriptura
O princípio protestante Sola Scriptura ensina que a Bíblia é a autoridade final e
infalível. A tradição e a Igreja não poderiam ser infalíveis também, mas
somente a Bíblia.
O que não fica claro é a forma com que a doutrina bíblica
chegará aos fieis de modo certo e inequívoco.
Que
a Bíblia é a Palavra de Deus inspirada, infalível, inerrante, está claro. Essa
é a doutrina cristã católica. No entanto, é preciso saber se a doutrina
ensinada por uma igreja é verdadeiramente bíblica ou se é uma deturpação
interpretativa da Bíblia.
É
por esse sentido que a Igreja Católica afirma dogmaticamente que a Bíblia, a
Tradição e o Magistério são infalíveis e são de autoridade para o fiel cristão
católico.
A Bíblia é suficiente para instruir os crentes. Muito
bem. Mas é preciso que se tenha certeza de que a interpretação da Bíblia
apresentada aos fieis seja correta. Portanto, a tradição e a Igreja se tornam
necessários.
Na verdade, o que a doutrina católica, a esse respeito,
ensina, é que a Bíblia é a única forma pela qual Deus falou diretamente à
Igreja, sendo texto único inspirado, de modo que não há nada que se compare a
ela.
Ensina
também que Jesus e os apóstolos transmitiram algumas coisas que ficaram na
tradição, não sendo escritas por inspiração, mas que são ensinamentos divinos,
pois ensinados por Jesus e pelos apóstolos por ordem Sua.
Assim, a tradição contem ensinos que são do mesmo período
da Bíblia e possuem origem comum. Portanto, são Palavra de Deus.
Para conhecer quais são esses ensinos, temos de verificar
a tradição confirmada pelo magistério autêntico da Igreja. E, em última
análise, crendo assim, o fiel está seguindo a Bíblia, pois é essa autoridade
que ordena a ouvir a Igreja.
A ideia de que as outras autoridades são falíveis e devem
ser avaliadas pela Bíblia não funciona bem na prática. As reformas tentadas com
esse princípio podem subverter a fé. Isso sempre ocorre quando se lê a Bíblia
como única regra de fé.
Por isso, mesmo o ensino protestante contem a regra de
que não é dado a todo cristão a liberdade individual e isolada de interpretar a
Bíblia. Se o princípio Sola Scriptura
é uma defesa da Bíblia como autoridade final e infalível para os cristãos, os
católicos podem concordar. Contudo, na prática o modelo católico é o único que
funciona harmonicamente.
Quando se diz que a tradição é o mesmo que foi escrito e
nada do que ficou fora da Bíblia é de necessidade para a salvação,
ultrapassa-se o ensino da Bíblia. Há coisas importantes que não foram escritas.
É claro também o princípio de que a verdadeira tradição
não entra em conflito com as Escrituras. Isso é provado, e o leitor pode
conferir ao ler o presente livro.
Quando se diz que os judeus bereanos conferiam nas
Escrituras aquilo que os apóstolos pregavam, julgando os apóstolos, isso não é
bem assim.
De fato, os bereanos fizeram o certo. Eram judeus que
esperavam o cumprimento das promessas bíblicas e a vinda do Messias. Eis que
alguns homens chegam pregando que o Messias é Jesus, e ensinando o evangelho a
eles.
Como bons judeus, eles foram às Escrituras para
certificarem-se de que as características do Messias se cumpriam de fato em
Jesus, se as coisas eram assim, como os apóstolos pregavam.
Uma
vez que viram isso se cumprindo em Cristo, tornaram-se cristãos. A partir desse
momento, não julgavam os apóstolos, pois eles estavam sob a autoridade dos
mesmos, e deviam aprender o evangelho por meio dos apóstolos.
Assim, os protestantes creem na tradição, reconhecem sua
importância, conhecem que essa foi regra de fé no período patrístico, mas crê
que não o era de forma infalível.
Quando a Igreja ensina uma doutrina, ou guarda algum
costume, de origem apostólica, é certo que não pode errar, pois ela é coluna e
sustentáculo da verdade (1 Tm 3, 15).
Está certo que Deus inspirou a Palavra da Escritura, que
Jesus venceu as tentações usando a Palavra de Deus. Mas a Igreja é a coluna da
verdade, e como coluna não pode cair, pois Deus a sustenta.
No concílio de Jerusalém foi respondida a questão sobre a
necessidade da circuncisão e prática da lei para os cristãos. Essa doutrina não
estava nas Escrituras, mas foi revelada por Jesus e depois escrita e incluída
nas Escrituras.
O
Concílio de Jerusalém não recorreu somente às Escrituras para dirimir a
questão, mas São Pedro contou o que Deu havia revelado a ele e assim levou a
todos a aceitar que Deus não faz acepção de pessoas e que a lei não deveria ser
imposta aos convertidos. Desse modo, vemos a autoridade da Igreja ao mesmo
tempo em que aprendemos sob a autoridade máxima da Palavra de Deus guiando a
Igreja.
Assim, a afirmação simples de que no Concilio de
Jerusalém ninguém recorreu à autoridade humana, mas somente às Escrituras, está
equivocada. Não é um equívoco que leva a um erro grave, pois está claro que
deve-se aceitar a autoridade divina das Escrituras e não a autoridade humana.
No
entanto, a afirmação não levou em conta que nesse tempo, ano 49 d. C., o Novo
Testamento não havia sido escrito e o Antigo Testamento não tinha a revelação
para resolver o problema discutido no concílio.
Assim,
a Igreja segue a Palavra de Deus. Não é a Igreja a regra em si. A Bíblia é a
Palavra de Deus. As doutrinas da tradição são Palavra de Deus. Desse modo, a autoridade
da Igreja está em conservar a Palavra de Deus.
Quando
o protestante afirma: “Todavia, é
importante ressaltar que isso não nega a autoridade da igreja, muito pelo
contrário, isso apenas reflete que a autoridade da igreja só pode ser absoluta
quando é pronunciada biblicamente (cf. Is 8.20), ou seja, apoiada na
infalibilidade das Escrituras”, podemos afirmar o seguinte: essa afirmação
reflete o que é a infalibilidade da Igreja.
De
fato, Cristo assiste a Igreja, e então a mesma sempre ensina corretamente as
doutrinas de fé e moral, de modo que sua autoridade é absoluta por ser
pronunciada biblicamente e apoiada na infalibilidade das Escrituras.
Outro
ponto que deve ser refletido é o fato de considerar cristãos como “inimigos”
das Escrituras. Isso é algo tremendamente equivocado, para afirmar o mínimo.
Crer na tradição e na Igreja não é ser contra as Escrituras, mas obedecer ao
que as Escrituras ensinam.
Se
os apóstolos não estão mais vivos para dirimir as questões hoje, a Igreja está
viva, porque é a Igreja do Deus vivo. Assim, na dúvida, devemos questionar a
Igreja, que conserva a interpretação correta de determinada passagem bíblica.
A
infalibilidade da Igreja leva a entender a infalibilidade do papa, que é o
servo de Deus que recebeu a incumbência de confirmar os irmãos na fé.
No
entanto, os cristãos nunca seguiram o papa incondicionalmente no sentido de que
também não pensam por si mesmos. Assim, é comum as críticas ao bispo de Roma em
todas as épocas da história. Isso mostra que logicamente hoje existem críticas
ao papa.
Portanto,
criticar o Sumo Pontífice devidamente e com respeito não é negar a
infalibilidade papal.
Ainda,
todas as doutrinas católicas estão de acordo com as Escrituras. Mesmo aquelas
mais explicitamente contidas na tradição.
Como
sabemos nos dias atuais se uma tradição é apostólica ou é meramente humana,
questiona o apologista protestante? Pois bem. Basta ouvir a Igreja, em seu
magistério autêntico.
Mas
o apologista afirma: “Só podemos
determinar pelas Escrituras!”. Essa seria a lógica irrefutável.
Esse
modelo não funciona na realidade. De fato, a verdade está na Bíblia. Mas,
vejamos um pouco como isso funciona.
Digamos
que o texto de João 3, 5 seja trazido para estudo. A interpretação católica
afirma que se trata do batismo. A doutrina da Igreja Batista, concordante com a
doutrina reformada em geral, geralmente discorda dessa interpretação. O texto
permanece o mesmo, e a interpretação é divergente. Quem estaria com a razão?
Então,
especialistas se põem a estudar, a examinar as Escrituras, a comparar textos
bíblicos com outros textos bíblicos, de modo a esclarecer a questão.
Assim,
os idiomas da Bíblia são estudados, uma interpretação literal é feita, uma boa
exegese é posta em prática, com o devido estudo das questões sócio-culturais do
primeiro século, na região onde foi escrito o texto sagrado, para que, através
de tudo isso, a interpretação seja aceita, em conformidade com o parecer geral
da denominação.
Tudo
isso é feito, e os cristãos protestantes batistas concluem que o texto não é
relativo ao batismo com água. Por sua vez, a Igreja Católica apresenta todo o
estudo possível e de acordo com as mais exigentes regras de hermenêutica
bíblica, e conclui que o texto de fato afirma a necessidade do batismo com
água.
Alguém
dirá que a autoridade está na Bíblia. E de fato está. No entanto, como dizer
que o batista está correto e o católico está errado se ambos estão
interpretando o texto bíblico e chegando a conclusões opostas? Não pode ser que
ambos estejam igualmente corretos.
É
por essas e outras questões que devemos ouvir o que vem desde o início, quando
Jesus ensinou a ouvir a Igreja. Ouvindo-a, entendemos melhor a Bíblia. No
final, é a Palavra de Deus na Bíblia que se torna clara e nos instrui.
Aliás,
que o leitor estude a questão do batismo, no presente livro, e verificará a
autoridade da Igreja Católica ao ensinar essa doutrina examinando a Bíblia.
Ainda,
nenhum cristão discorda da ação da Providência de Deus no estabelecimento do
cânon. A Escritura possui autoridade por si mesma, por ser Palavra de Deus. No
entanto, para nosso conhecimento, Deus guiou a Igreja para que definisse o
cânon dos livros sagrados.
Quando
o protestante afirma que rejeita tudo o que não está de acordo com a Bíblia,
que é a única regra infalível, de algum modo está crendo na sua interpretação
própria, ou na interpretação da denominação à qual pertence, como no exemplo
dado do batismo.
E,
no mais, é verdade que o “está escrito” e o “assim diz o Senhor” só se
encontram nas Escrituras.
Gledson Meireles.
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