terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

John Owen: capítulo 3, livro I, do livro A morte da morte na morte de Cristo

 Capítulo 3


Tratar de temas correlatos da eleição e predestinação ao apreciar os argumentos de Owen parece ser útil. É o que se fará aqui, à medida que o argumento exigir maiores esclarecimentos.

Assim, morte de Cristo foi predeterminada por Deus (cf. Atos 4, 28). Deus está na eternidade, e até o tempo foi criado por Deus. Assim, para Deus tudo é presente, e o conhecimento das coisas é exaustivo, completo, infalível.

Dessa forma, Deus pode predeterminar coisas, fazer planos, e fazer certa todas as partes do mesmo, incluindo as circunstâncias, as contingências e ações livres das criaturas. Deus é absolutamente livre, e é santo, justo e bom.

O livre-arbítrio não é eliminado pela predeterminação de Deus, nesse sentido, quando o Senhor faz Seus planos, como o fez para a salvação da humanidade, em que a liberdade é incluída no decreto, e assim aquilo que os pecadores fizeram para crucificar Jesus não foi causado por Deus. Não foi tornado certo pelo decreto, mas foi incluído no decreto por ter sido antevisto e entrado na determinação de Deus.

Entretanto, nesse caso específico, da morte de Cristo, a mão e o propósito de Deus predeterminaram tudo, de forma que nada pudesse frustrar o plano de Deus.

Será isso afirmar que todas as ações dos homens em todas as circunstâncias são predeterminadas por Deus? Não. Deus predeterminou a morte de Cristo, usando dos pecados cometidos livremente pelas criaturas, como sempre nos mostra as Escrituras, sobre o modo de agir de Deus.

As ações humanas são todas livres, incluindo as daqueles que levaram à morte o Filho de Deus, mas são conhecidas de antemão, e incluídas no decreto divino, que conhece todas as coisas.

Por exemplo, Cristo disse que ninguém poderia tirar a Sua vida, mas Ele a daria livremente (cf. João 10, 17-18). Isso não quer dizer que os homens que mataram Cristo foram forçados fazê-lo pelo decreto divino, nem que o decreto tenha causado a ação de matar Cristo, nem que o decreto tenha causado algo que eles não quisessem fazê-lo caso contrário, mas que não poderiam atingir a vida de Cristo se Deus não o permitisse, e que o decreto incluiu a liberdade que tinham para levar Cristo à morte, e Cristo mesmo Se entregou no momento oportuno, e os mesmos fizeram o que quiseram, conforme predeterminação divina, assim bem entendido, e conforme eles mesmos desejaram fazer.

Somente em um cenário onde não há livre-arbítrio os atos seriam predeterminados, mas como será visto em muitas oportunidades nesse estudo do livro, a Bíblia não ensina essa liberdade predeterminada.

A punição de Deus inclui até mesmo o afastamento dele e o endurecimento do coração, a ainda assim o homem pode voltar-se a Deus pedindo Sua graça, como ficará claro mais à frente.

Voltando à questão da redenção, e não perdendo de foco o tema da redenção universal, acompanhemos os argumentos de Owen.

A entrega de Cristo ao mundo para morrer pelo mundo é obra do Pai, e por isso Ele a predeterminou de antemão, por Sua mão e propósito. É obra dele. Isso não significa que cada ação dos pecadores fosse predeterminada no decreto divino, mas que foram inclusas segundo a sabedoria de Deus para cumprir o que Deus quis.

O envio de Cristo e a punição posta sobre Ele pelos pecados é obra do Pai, como mostra Owen. Dos textos que falam desse envio de Cristo, muita coisa pode ser lida no sentido da redenção universal.

O primeiro é o envio de Cristo por amor ao mundo, para que o mundo seja salvo por Ele. O mundo é basicamente apresentado em três sentidos no evangelho, como mundo criado, como a humanidade e como mundo oposto a Deus. Às vezes os sentidos estão muito próximos uns dos outros.

Por exemplo, Jesus não veio condenar o mundo, mas para salvar o mundo. O mundo aqui é a humanidade ou sistema oposto a Deus? Certamente a humanidade, mas o mundo mau oposto a Deus também necessita da graça da conversão, e é parte da humanidade.

Jesus não pediu ao Pai pelo mundo. Pela humanidade ou pelo mundo maligno? Certamente, pelo mundo maligno. Por aqueles que no momento estavam contrários ao evangelho, recusando a aceitação da salvação. E, ainda, por aqueles que resolutamente se colocam contra a graça, contra o anúncio da salvação. Dessa forma, Cristo não ora por quem rejeita a graça comum a todos, que chama a todos, que atrai todos, por oferecerem impedimento após o chamado.

Jesus veio na carne na semelhança da carne de pecado para condenar o pecado na carne, para que a justiça da Lei seja cumprida em nós, como está em Rom 8, 3.4. Jesus veio na semelhança da humanidade pecadora, e por isso pode compadecer-Se por todos os pecadores, e não somente por muitos.

A propiciação é através da fé no sangue de Cristo (cf. Rm 3, 25). Isso já inclui a fé como condição para receber o efeito da propiciação. Cristo submeteu-Se à Lei para salvar os que estavam sob a Lei (cf. Gl 4,4-5). Foi enviado para salvar (cf. Is 19, 20).

Esse último texto, de Isaías, está no contexto em que se vislumbra a universalidade, a começar pela inclusão do Egito, que se converterá, e da Assíria, que se juntará também ao culto do Deus verdadeiro, ao lado de Israel. Não se fala de indivíduos escolhidos entre as nações, mas da conversão das nações, em sentido geral.

Em referência a 1 Tm 4, 10, embora Owen explicou que se referia não à obra redentora de Cristo mas à providência de Deus que atinge a todos, o texto de Tito 3, 4 afirma algo diverso, corroborando que isso não é relativo à providência geral apenas, mas alude à obra redentora de Cristo por todos.

De fato, no verso 4 está escrito “nosso Salvador”, e logo após, “o seu amor para com os  homens”. Não se diz imediatamente que o amor é para os eleitos, ou somente para nós, o que não mudaria o sentido, mas que é oportuno reassaltar, mas o amor geral, para com os homens, todos eles, todos os pecadores, de sorte que “nós”, conforme o contexto, “ele nos salvou” (cf. Tt 3, 5). Novamente o amor geral e a salvação aplicada nos que creram e foram batizados.

Entre outras coisas, o verso 11 afirma que a perseverança no pecado traz a condenação. A prática do bem (v. 8) e o evitar coisas nocivas ao evangelho (v. 9) são exortações da passagem. Não são apenas meios utilizados para avivar a quem não poderia perder a salvação, mas reais meios empregados para exortar contra o perigo da perda da salvação.

Esse esforço para aperfeiçoa-se na prática do bem, esse perigo de condenação, a condenação de si pelo pecado, são coisas dignas de nota, para que o reformado compreenda que tais noções, ainda que relativamente explicadas do ponto de vista reformado, e muitas vezes com aparência de explicações satisfatória, ferem a compreensão clara que essas passagens fornecem.

Owen fala da imposição autoritativa do ofício de Mediador. Cita o Salmo 2, 7.8 com o objetivo de mostrar essa qualidade de envio de Cristo pelo Pai. Façamos ainda algumas considerações no texto para mostrar algo que implica em redenção universal.

Essas passagens não são assim consideradas na teologia reformada, nem foram citadas por Owen com esse intuito, mas aqui serão feitas essas abordagens por servirem de argumento maior contra a expiação limitada defendida por Owen.

O verso 1 fala das nações, no sentido geral, universal, sem excluir nenhuma nação pagã. O verso 2 menciona os reis da terra e os príncipes, o que também não prevê nenhuma limitação, mas que se refere fundamentalmente as todas as autoridades do mundo gentio.

Por isso, o verso 8: “...Te darei por herança todas as nações” é expressão que inclui a todos os povos e indivíduos neles, sem implicar em salvação universal, pois as condições para a salvação são bem estabelecidas. Essas passagens mostram o propósito universal de Deus em enviar Cristo como salvador e governante de todas as nações.

O mesmo é ensinado em Isaías 49, 6: “Disse-me: “Não basta que sejas meu servo para restaurar as tribos de Jacó e reconduzir os fugitivos de Israel; vou fazer de ti a luz das nações, para propagar minha salvação até os confins do mundo”.

Os reformados dirão que essa propagação da salvação é apenas exterior, a todos, para que os eleitos, muitos entre as nações, sejam despertados e chamados, e assim a expiação seria feita somente por eles. Outro argumento de Owen para a oferta indiscriminada da salvação seria o valor todo suficiente da redenção.

No entanto, essa ideia vem de todo o sistema que foi montado na teologia calvinista, e não a partir do que o texto está ensinando.

O Senhor afirma da restauração das tribos de Jacó, e da recondução dos fugitivos de Israel, da luz das nações, que é profecia sobre Cristo, e anúncio da salvação até os confins do mundo, como está em Mateus 28, 19-20 e Marcos 16, 15-16.

Não haveria nenhuma necessidade de anunciar a salvação a todos se essa salvação não fosse para todos. Ainda, que a base para o anúncio a todos fosse somente porque os eleitos habitam em todas as nações, ainda assim esse entendimento não seria satisfatório, quando o Senhor não oferece limite à salvação, o que implica que não há limite no Seu propósito de oferecer o sacrifício em favor de toda a humanidade.

E mais. O texto de Isaías 49, 6 é citado em Atos 13, 47, um verso antes de Atos 13, 48, tão oportuno para provar a redenção ilimitada.

Como já explicado, esse texto também está totalmente de acordo com a doutrina da redenção universal, da eleição e predestinação, como ensina da fé católica, e sem os problemas que a teologia reformada levanta.

Há algo no verso 45 que lança luz ao que está sendo apresentado. São Paulo e São Barnabé dizem aos judeus: “porque a rejeitais e vos julgais indignos da vida eterna, eis que nos voltamos para os pagãos”.

O grego traz a seguinte expressão: (mas (epeide) vocês rejeitam (apotheisthe) ela (auton) e (kai) não (ouk) dignos (axious) vocês julgam (krinete) vós mesmos (heautos) da vida eterna (tes aiouniou zoes).

O texto sagrado afirma que eles não se julgavam dignos da vida eterna, e não que o Senhor não os julgava assim, nem que não os incluíra soberanamente no conselho e decreto de salvação, nem que o decreto causou tal rejeição, nem que o decreto tornou certa a rejeição da salvação, mas que eles mesmos não se julgaram dignos da vida eterna.

Diante da salvação proposta a todos, e do anúncio da salvação igual para todos, sem exclusão de nenhum ser humano, onde os que estavam predispostos (tetagmenoi) para a vida eterna fizeram ato de fé, isso mostra que o Senhor deixou aqueles que recusaram voluntariamente e claramente o chamado para a salvação, livres para rejeitar, e aceitou os que voluntariamente receberam e fizeram ato de fé.

De fato, afirmar que a salvação deverá ser feita até os confins do mundo é garantia de Deus para a providência de meios salvíficos que fluem da cruz de Cristo a toda e qualquer pessoa.

Aqueles creram porque estavam ordenados à vida eterna, ou estavam ordenados à vida eterna porque iriam crer?

A passagem não permite total resposta a essa pergunta. No entanto, ao afirmar que os que estavam ordenados à vida eterna fizeram ato de fé, isso pressupõe o ordenamento antes do ato de fé, sem problema para a soberania e o livre-arbítrio, já que o Senhor mostra a Sua misericórdia e quer a salvação de todos, e por isso predestina o pecador que aceita a graça e entrega-se a Deus, sendo ordenado para a vida eterna.

Ao mesmo tempo, Deus reprova o que oferece em si impedimento para a graça, uma vez tocado por ela, como o contexto mostra claramente. São os que rejeitam a verdade.

Os que se convertiam eram exortados a perseverar na graça de Deus, a fazerem sua parte, a continuarem na graça, a usufruírem da graça. Essa noção está no em Atos 13, verso 43. Primeiro recebem a graça, fazem ato de fé, e são instados a continuar, a perseverar na graça. Isso implica que os eleitos perseveram na graça.

Por sua vez, os que não aceitaram “encheram-se de inveja”, uma paixão bastante negativa, um pecado diante da pregação do evangelho também feita aos gentios, “e puseram-se a protestar com injúrias contra o que Paulo falava”, o que mostra o motivo por que não foram convertidos. A pregação a todos foi vista por eles como motivo de inveja e protestos e injúrias, o que revela a rejeição da graça ali anunciada, e revela o livre-arbítrio de cada um.

Por isso, diz abertamente a Palavra de Deus, aquelas palavras eram dirigidas em primeiro lugar a esses que estavam rejeitando a pregação apostólica, pois eles não quiseram, a rejeitaram e, desse modo, julgaram-se indignos da vida eterna, dando razão à mudança de público no anúncio da salvação (cf. Atos 13, 45). Eles mesmos se puseram fora do escopo do anúncio da Palavra que era para eles em primeiro lugar.

Os elementos que temos é o anúncio da Palavra de Deus aos judeus ali presentes, o que é conforme o propósito e eterno conselho de Deus. Deus não enviaria a Palavra da salvação a um público que não devesse receber a graça da cruz.

Temos a rejeição da Palavra por aqueles que a ouviram e eram objeto do anúncio, e, portanto, se julgaram indignos da vida eterna. Isso mostra que o decreto de Deus inclui o livre-arbítrio para responder à graça.

Ainda, vemos que é necessário perseverar na graça recebida. E por fim, vemos que os que estão ordenados à vida eterna recebem a Palavra com alegria, com glória (v. 48).

Por tudo isso, antes de pensar num decreto de eleição e predestinação que ordena uns e deixa outros de fora por puro beneplácito divino, essas revelações orientam a doutrina metafísica da eleição, de que o Senhor quer salvar mesmo aqueles que rejeitam a graça, e ordena à vida eterna os que perseveram nela. Isso mostra que Cristo morreu por todos, pois não receberiam a graça do chamado se a mesma não tivesse sido adquirida por Cristo.

Em outras palavras, o anúncio universal prova a redenção universal. A perseverança na graça leva à graça da perseverança final.

Ainda, o texto mostra que eles rejeitaram o que foi preparado em primeiro lugar para eles, o que só pode estar na eterna vontade e propósito de Deus a salvação dos mesmos. Por isso, a salvação foi oferecida a eles, mas puderam finalmente rejeitá-la. Foi, então, o propósito de Deus frustrado? De jeito nenhum, pois a recusa da graça foi antevista e permitida por Deus, o que faz com que quem assim aja esteja fora do decreto de predestinação.

Por tudo isso, Deus somente exclui da salvação os que após a oferta da mesma, pela graça oferecida por Cristo, ainda a rejeitam, fazendo-se indignos da vida eterna adquirida pelo Redentor na cruz. Portanto, a redenção é universal.

Portanto, Owen mostra que Deus prometeu dar um Salvador e um Mediador a Seu povo, dando a Ele a plenitude de todos os dons e graças, a perfeição e excelências espirituais, preparou Jesus para Sua obra e ofício, e entrou em aliança com Ele, protegendo-O e assistindo-O, e garantindo o sucesso da Sua obra. Pois bem.

Então, Owen afirma que toda a obra foi para juntar a Igreja gloriosa dos crentes, entre judeus e gentios, de todo o mundo, derramando Seu amor e os frutos desse amor sobre os eleitos em fé, santificação e glória, colocando sobre Cristo a maldição da Lei e o castigo correspondente, onde Cristo morreu em nosso lugar.

Tudo isso é entendido como sendo objetivo da mente de Deus para ser feito apenas por um número de pessoas e não por toda a humanidade, o que é o erro de Owen. Tudo o que e a Escrituras mostram abrem o plano de salvação a todos, e aplica nos que creem, sem limitar a redenção.

Cristo morreu pela humanidade, foi feito pecado na cruz, ou seja, tornou-Se o sacrifício do pecado, tendo sobre ele a maldição da Lei, sofrendo a condenação da lei em nome da humanidade, para que todos pudessem ter nEle a redenção, a salvação, a purificação, a santificação, a justificação e a glória.

Cristo morreu em lugar da humanidade inteira, e isso não torna a humanidade salva pelo fato da morte de Cristo, pois a doutrina do evangelho impõe a condição da fé a todos, e promete a eficácia do sacrifício redentor e os frutos do sacrifício a todos os que creem, forem batizados e perseverarem na fé tratando da doutrina geral da salvação, o que diverso de afirmar que o sacrifício foi feito para que alguns creiam.

A doutrina bíblica é que o sacrifício de Cristo será experimentado pelos que creem e não que fará alguns crerem para dele participarem. Essa é a conclusão da doutrina de Owen, mas não é conclusão necessária, como ficará bastante clara no estudo do livro.

Todas as coisas apresentadas, formidavelmente por Owen, sobre o envio de Jesus e o preparo do Pai para o sacrifício redentor do Filho, é verdadeiro, mas há algo na essência da morte substitutiva de Cristo, que Owen introduz e que causa problema para a harmonização de muitíssimas passagens bíblicas, que são justamente aquelas que se colocam como problemas a serem resolvidos pelos calvinistas, e que o próprio Owen se pôs a responder exaustivamente em seu livro.

Por isso, a morte substitutiva não é substancialmente o que o reformado pensa sobre ela. Existe a substituição, mas ela tem um caráter diverso. De fato, Cristo não morre por alguns, garantindo somente a salvação desses, mas morre por todos, cumprindo toda a justiça de Deus, entregando o Seu sacrifício por amor dos pecadores, para que todos os que tiverem fé em Cristo possam ser salvos. Isso já supõe o livre-arbítrio, o que é negado radicalmente na teologia reformada.

Isso supõe igualmente a redenção universal, pela infinita suficiência do sacrifício, que antes de prevenir que algo seja desperdiçado, que uma gota do sangue precioso do Salvador seja desperdiçada, previne do erro de se pensar que alguém tenha sido deixado fora, e que parte do valor da redenção não tenha sido usado. De fato, se nem todos são salvos isso não diminui a suficiência do valor do sacrifício, nem tira nada do sacrifício em si. Pelo contrário, não oferecer a todos algo infinitamente suficiente para salvação de todos, mas apenas uma promessa indistinta a todos, quando nem todos possuem a promessa, é o que estabelece o problema.

Antes de pensar que Deus não tenha atingido o objetivo ao salvar a todos pelos quais Cristo morreu, Ele garante a oferta a todos e a salvação de todos os que creem. A promessa de Cristo, o Seu objetivo, permanece de pé e será levado até o fim.

Certamente, lendo passagens como Is 60, 1-2, onde o povo de Israel é símbolo dos eleitos, que serão salvos entre Israel e todas as nações, Owen extrai o ensino de que o plano de redenção estaria dirigido somente a esses que são tirados entre as nações, “porque tua luz é chegada, a glória de Iahweh raia sobre ti”, “a escuridão envolve as nações, mas sobre ti levanta-se Iahweh”.

Essa passagem trata da reunião do povo de Israel, onde por um tempo as nações devem servir o povo eleito, se não serão destruídas: “Com efeito, a nação e o reino que não te servirem perecerão, sim, essas nações serão reduzidas à reuina. (v.12). O mesmo sentido pode ser lido em Is 61, 6.

Portanto, antes de provar a redenção limitada a alguns, o contexto pode levar a outro problema, que é a leitura literal como feita pelo dispensacionalismo, que entende tal parte como o plano de salvação somente para Israel literal, e não para os eleitos, como entende Owen. Portanto, nenhuma dessas leituras é possível, já que o Senhor não limita a cruz de Cristo a parte da humanidade, mas sempre a apresenta como feita em favor da humanidade inteira, judeus e gentios.

A passagem, portanto, significa os eleitos, já em plena posse da glória, usufruindo da redenção de Cristo, enquanto os que estão fora foram aqueles que não serviram ao Senhor e não entraram na aliança.

Está escrito: “Teu povo, todo constituído de justos, possuirá a terra para sempre, como um renovo de minha própria plantação, como obra das minhas mãos, para a minha glória” (Is 60, 21).

Portanto, Jerusalém é símbolo da Igreja (cf. Is 62, 1), não podendo essa profecia ser lida no sentido literal dispensacionalista, como lidando somente com Israel, pois também gentios são enxertados no único povo de Deus (cf. Rm 11), nem limitando a redenção a alguns, como faz Owen, como se o plano de salvação fosse somente a Jerusalém, ou à Igreja, o Povo Eleito, mas anunciando a salvação preparada para todos, para toda a humanidade, onde os que a receberão são simbolizados nos pobres, nos quebrantados de coração, nos cativos, nos que estão presos, nos enlutados (Is 61, 1-5).

Mais uma vez, a redenção universal alcançando a muitos e formando a Igreja, pois somente os que crerem terão os frutos da redenção aplicados em si.

Assim, a salvação e o julgamento dos povos são representados em Is 63, 7, “por tudo o que Iahweh fez por nós”, por Israel, que espiritualmente significa a Igreja, não limitando o plano de redenção à Igreja, mas mostrando o desfecho final em favor da Igreja, que aceitou a Cristo e foi purificada e salva por Ele: “Com efeito, ele disse: Sem dúvida, eles são o meu povo, filhos que não me trairão; assim ele se fez seu salvador” (v. 8).

Então, abrindo um parêntese, um emblemático verso, a saber, o de Isaías 63, 17, nos dá grande luz em muitas das nossas argumentações sobre a verdade de Deus. O texto diz: “Por que fazes com que nos desviemos dos teus caminhos? Por que endureces nossos corações para que não te temamos? Volta, por amor dos teus servos e das tribos da tua herança”. O contexto é todo dirigido a Israel.

O profeta clama a Deus, questionando por que o Senhor faz que o povo se desvie, por que endurece o coração do povo. Para o leitor reformado, esse entenderia que Deus estaria fazendo desviar o povo e endurecendo o seu coração por pura e simples vontade, segundo decreto e conselho eterno de Deus, diante do qual ninguém pode questionar.

No entanto, o contexto leva a outro entendimento, não podendo o texto ser lido fora do tema em questão. Ainda, o texto está afirmando o que está afirmando, de acordo com a teologia católica, que o lê naturalmente.

O verso 8 foi citado anteriormente. O verso 9 trata do resgate do Senhor em relação ao Seu Povo, e o verso 10 afirma: “Mas eles se rebelaram e magoaram o seu Espírito santo. Foi então que ele se transformou em seu inimigo e guerreou contra eles.

Novamente, temos Deus punindo o Povo rebelde, que antes foi tratado com amor (cf. Is 63, 8-9) e agora se havia se rebelado contra o Senhor, que por causa disso tornou-Se seu inimigo (cf. Is 63, 10). Nesse sentido, após esse pecado, o Senhor fez o povo desviar-Se dele, afastando-o, e endurecendo o seu coração, após a rebeldia, que foi o pecado de afastamento de Deus.

Ainda assim, o profeta, em nome do povo arrependido, fala com o Senhor “por que fazes com que nos desviemos”, ou seja, ele mostra que está na graça do Senhor suplicando pela graça anterior, que tinha perdido, que o povo havia negado, pedindo ao Senhor a graça da conversão.

Temos aqui um exemplo patente da bondade de Deus, da soberania do Senhor, do livre-arbítrio do homem, da graça suficiente, da graça dada sobre graça, mostrando o Senhor bom e misericordioso, aberto a todos. Podemos agora fechar o parêntese, que já serviu para iluminar a questão da redenção universal.

 

Na redenção, as causas secundárias, as ações dos homens, foram excessivamente contra suas intenções, e fizeram somente o que foi determinado fazerem, como está em Atos 4, 28. Cristo entregou Sua própria vida, conforme João 10, 17-18.

De passagem, citando o texto de 1 Timóteo 4, 10, onde Deus Pai é chamado de Salvador de todos os homens, especialmente dos que creem, o autor explica a passagem afirmando que não se fala aí da redenção, efetuada por Cristo, mas da “salvação e preservação de todos” pela Providência de Deus.

Com isso, o reformado pensa ter respondido à questão referente à redenção universal, afirmando que o texto não diz respeito à cruz, mas à Providência de Deus, que é relativa a todas as coisas, as todas as pessoas, incluindo, logicamente, a Igreja.

Dessa forma, um texto que usamos para provar que Cristo morreu por todos, é interpretado pelos calvinistas como não tratando desse assunto, como não constituindo prova da expiação ilimitada, e como não servindo para provar que todas as pessoas são alvo da graça da cruz.

Contudo, o autor apenas afirma que é assim, mas não fornece nenhuma prova da sua interpretação, não expõe nenhum princípio hermenêutico, não faz qualquer exegese de 1 Tm 4, 10, apenas afirma que não se trata da redenção, mas da providência. Uma afirmação que serve de autoridade para os reformados, que aceitam essa interpretação, e não podem agir de outra forma, uma vez que se aceitarem a expiação ilimitada deixam de ser calvinistas, ou ao menos não são mais reformados como Owen o foi.

Outra coisa é que essa interpretação fornece uma explicação razoável para o reformado que tem que lidar com textos que mostram que Deus é Salvador de todos. É uma forma de responder a essa dificuldade.

No entanto, a leitura natural da passagem mostra que Deus é Salvador, que nos salvou pela cruz do Seu Filho, é que essa redenção é efetuada em favor do mundo inteiro.

Pergunte o leitor, se é reformado ou não, de onde vem a autoridade para interpretar esse texto assim? Certamente da tradição reformada.

Pense nisso. Quais então sãos as bases pelas quais essa interpretação se assenta? E, por fim, cada uma das razões apresentadas estão de acordo com a verdade, com o princípio bíblico de cada passagem estudada, como da mesma de 1 Tm 4, 10?

Essa interpretação convence você? Por quê? Deus é o Salvador de todos apenas pela Providência? E por que no texto Deus é chamado de nosso salvador, falando a cristãos?

Agora estaria apenas tratando da especialidade de Deus em tratar os eleitos, providencialmente? Não é mais comum e natural que a Bíblia fale de redenção, de salvação, de salvador, em relação à cruz? Por que nessa passagem não é referente a isso?

Não foi Deus considerado em Atos 20, 28, ter adquirido a Igreja com o Seu próprio sangue, na Pessoa do Filho? A própria teologia reformada deve conceder que a divindade de Cristo é aludida aí, e que o sangue de Cristo é o sangue de Deus, pela união hipostática, onde a Pessoa de Jesus é divina, e Sua humanidade está unida à Sua divindade. Então, com essa acepção, temos o Senhor Deus salvador da Igreja pelo Seu sangue. Por isso, 1 Timóteo 4, 10 fala de Deus Salvador no sentido da redenção universal.

Se a obra inteira de John Owen não responder satisfatoriamente a essas questões, e não provar o motivo dessa passagem não ser lida em relação à cruz de Cristo, temos então, nesse passo, de fato, um texto que refuta a doutrina reformada.

Agora, passemos ao estudo do texto, para formar uma base sólida pela qual possamos analisar o livro de Owen.

Em 1 Timóteo 4, 1, o assunto é a apostasia da fé no fim do mundo (vv. 1-3). É estabelecida a doutrina para que corrija as heresias (v. 6). O verso 7 fala das fábulas, que devemos rejeitar. O verso 8 trata da piedade, que é útil para tem a promessa da vida presente e futura. Está tratando de coisas espirituais, da salvação, da graça, para o fim temporal e para a vida eterna. Trata portanto dos exercícios espirituais.

E então, temos o verso 10: “Se nos afadigamos e sofremos ultrajes, é porque pusemos a nossa esperança em Deus vivo, que é o Salvador de todos os homens, sobretudo dos fieis”. Não se trata apenas da providência, como se apenas os sofrimentos do mundo, os ultrajes, fossem o assunto em questão. Os fieis põem a esperança em Deus, e o contexto inteiro é salvífico.

Não se trata da providência comum, como o autor repete em outro lugar da obra, onde Deus trata de homens e animais (Salmo 36, 6). Não se trata de esperança para a vida física, mas para tudo. Dessa forma, a esperança em Deus Salvador inclui a redenção.

Ele é o Salvador de todos, especialmente dos que creem, o que confirma a redenção universal. As fadigas e sofrimentos são postos em Deus que nos salvará, não apenas nos auxiliando, ajudando, prevenindo, preservando, protegendo, entre tantas fadigas temporais, mas nos levando para o Seu reino de glória. Ele é Salvador de todos, pois a obra da cruz de Cristo foi por todos, mas salva somente os que creem e aceitam a obra da redenção.

Talvez um texto que deve ser rapidamente comentado é Isaías 53, 2. Tal passagem não tem a ver com a aparência humana de Cristo, mas sua aparência na cruz, após ter sofridos todos os ultrajes. É bastante simples.

Owen, então, considera de algumas afirmações. Cristo morreu por:

1.      Todos os pecados de todos os homens.

2.      Todos os pecados de alguns homens.

3.      Alguns pecados de todos os homens.

Então, afirma que, se for a terceira opção, ninguém será salvo. Se for a primeira, porque há punição pela descrença, que é pecado, e que Cristo morreu por ela. A segunda é a posição calvinista, onde só os eleitos tiveram seus pecados perdoados na cruz.

A resposta é que a primeira está correta, pois Cristo morreu por todos os homens, perdoando todos os pecados, mas só irá aplicar a redenção nos que creem por seu livre-arbítrio auxiliado pela graça. O perdão somente será dado ao que crer.

Deus enviou Seu Filho ao mundo para que vivamos por Ele (1 João 4, 9). Esse texto pode iluminar a questão. Deus enviou Jesus “ao mundo” para que nós vivamos por Ele. Então, o mundo refere-se a todos, e nós formamos a Igreja. Cristo veio a todos, e nós que cremos já estamos vivendo a vida da graça por intermédio dEle.

A promessa do Pai ao Filho e o pedido do Filho ao Pai é dirigido ao fim particular de trazer filhos a Deus. Devemos considerar essa comparação. Como os sacrifícios antigos eram realizados para perdoar os pecados do Povo de Israel, o Povo Eleito, agora é feito por todos os povos, tanto Israel e como as Nações, o mundo inteiro.

Assim como os sacrifícios serviam para perdoar todo e qualquer israelita, e não somente um grupo entre os israelitas naturais, mas todo o israelita e todo o que tivesse entrado no povo e praticasse a Lei, os prosélitos, assim o sacrifício de Cristo é para todos os povos e servirá eficazmente para os que aceitarem a Jesus Cristo como salvador, formando a Igreja.

É possível agora responder aos questionamentos de Owen. Por que nem todos são livres da punição? Por causa da incredulidade. É a incredulidade um pecado ou não? Se não, por que deverão ser punidos por ele? Se sim, Cristo sofreu por ele ou não? Se assim, por que esse pecado dificulta mais que os outros? Se não, Ele não morreu por todos os pecados.

A resposta está correta: é por causa da incredulidade que muitos não são salvos. A incredulidade é pecado? Sim. E por isso é um pecado que pode ser perdoado, bastando crer e arrepender-se. Está refutado o arrazoado de Owen.

Aliás, o pecado contra o Espírito Santo é o único que não tem perdão, não porque Cristo não morreu por ele, pois isso seria exceção, mas porque é o pecado de recusa a aceitar a Cristo, de recusa à verdade, e de impenitência final, o que bloqueia o perdão. Apenas a conversão e o arrependimento seriam suficientes para perdoar esse pecado.

Mas, continuemos. A incredulidade impede que o pecador se configure a Cristo, que receba algo de Cristo. É uma rejeição. Assim, não há como receber a seiva para alimentar-se da graça, e continuar crescendo na graça, pois, corta-se a raiz pela qual a graça é comunicada, que é a fé.

Por isso, a incredulidade impede já de início, à diferença de outros pecados. Cristo morreu por todos os pecados de todos os homens, mas é preciso crer e arrepender-se para ser perdoado.

Gledson Meireles.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

AUTORIDADE BÍBLICA - livro: algumas observações

AUTORIDADE BÍBLICA PÓS-REFORMA: resgatando os Solas segundo a essência do Cristianismo Protestante Puro e Simples, livro de Kevin Vanhoozer, Editora Vida Nova.

 

Comentários abaixo: Gledson Meireles.

 

Sobre o Prefácio

No livro Autoridade Bíblica (...), Vanhoozer tenta lidar com o tema das várias interpretações conflitantes, das autoridades e das comunidades interpretativas do Protestantismo em meio ao problema das acusações de que o Sola Scriptura implicou em caos hermenêutico, em caos doutrinário. O autor considera as evidências empíricas a favor desse resultado, mas procura mostrar que o mesmo não é necessário. Disso tem o intuito de resgatar elementos de um Protestantismo normativo.

Certamente uma das melhores obras sobre o tema, referência para estudo e não apenas uma leitura desatenta. De fato, não consegue dirimir a questão, mas aproxima-se muito perto da resolução, chegando mesmo a concordar com muitas verdades católicas.

De fato, a Igreja Católica com a Sagrada Escritura, a Sagrada Tradição e o Magistério é verdadeiramente a Igreja que realmente segue o Sola Scriptura. É algo impressionante, mas é possível ver que o que pareceria impossível é o que verdadeiramente ocorre, e não poderia ser diferente.

Mesmo as afirmações de que a Igreja formou a Bíblia e não a Bíblia formou a Igreja, podem ser entendidas por outra perspectiva, totalmente católica. Entretanto, podemos perceber que a Palavra de Deus forma a Igreja, e a Bíblia é a Palavra de Deus escrita, e assim ela tem autoridade sobre a Igreja. Algo bastante simples e compreensível.

 

Sobre a Introdução

Certamente, das várias denominações, aqueles que mais possuem vitalidade são as que se assemelham ao Catolicismo, pela força da tradição, mas disciplina, pela liturgia, pela preocupação doutrinal, pelo evangelismo, pelas ações em várias áreas da cultura humana. E esses ramos são os que Vanhoozer irá elencar como aqueles que estão com os elementos normativos do Protestantismo.

Ao querer propor uma defesa do Protestantismo e não da teologia reformada em particular, a coisa toma uma dificuldade maior. Mas, é o que o autor procura fazer. Chesterton contribui para o pensamento dessa tarefa. É algo árduo mesmo.

Mas, será que os protestantes históricos discordam apenas em doutrinas de segundo nível? São elas irrelevantes para caracterizar ou não a unidade? Isso está no centro do debate.

A Reforma do tempo do Rei Josias, em 2 Rs 22, 8-23, 3 e 2 Cr 34, 8-33 comparada à Reforma Protestante, possui pontos fundamentais de discordância. Mas é oportuno para a reflexão. E a ideia perigosa do cristianismo, de McGrath, será que é ou não é assim?

A leitura de Ernst Troeltsch, de H. Richard Niebuhr, os exemplos de Vanhoozer, as buscas puritanas pela unidade, as leituras baseada em Atos 17, 11, são coisas que fornecem muito material para discussão. A análise de McGrath é oportuna. Vanhoozer tenta recuperar o Sola Scriptura.

O Protestantismo tem hermenêutica capaz de manter a unidade e tem uma tradição segura? Certamente isso é o que Vanhoozer toca ao desenvolver sua tese. Ele tenta responder críticas importantes.

Interessante a afirmação de Vanhoozer de que os protestantes não eram cismáticos. As palavras de C. S. Lewis de que Roma poderia ser comparada a qualquer denominação protestante é incrivelmente exagerada. Não há como substanciá-la. Ao fazer isso, descobriríamos onde estão os erros de Lewis ao dizer isso.

E sendo esse espírito o da tese de Vanhoozer, ele é importantíssimo para dissecar os pontos importantes da mesma, e entender o que o autor está afirmando, revelando as razões de suas afirmações. O protestante católico, que muitos querem ser hoje, é algo profundo e não são todos que o compreendem.

O quando compreenderem, espera-se que não fique nele, pois aponta para a verdadeira catolicidade, que C. S. Lewis e Vanhoozer não viram. Nesse ponto, Vanhoozer deveria ler mais G. K. Chesterton.

O que é sola Scriptura e qual o conceito de unidade protestante, são questionamentos que podem ajudar quando se trata do sola Scriptura como algo próprio do Catolicismo.

O Sola Scriptura precisa de uma qualificação. Certo. O conceito de unidade também precisa ser explicado. Correto. Então, o Protestantismo tem a unidade mínima e exigida em termos bíblicos? A unidade Protestante é idêntica à do Catolicismo nesse quesito?

Caso seja sim a resposta a essas questões, uma coisa cessa imediatamente: legitimidade da crítica de protestantes contra “divisões” católicas. Se os protestantes e católicos são divididos igualmente, e isso não fere a unidade, a crítica é anulada protestante é anulada no seu nascedouro.

Mas, é esse o caso? O Protestantismo possui unidade de fato? E o que a doutrina da Igreja Católica tem a dizer para essa posição resgatada por Vanhoozer?

Como o autor irá resolver o problema de que os princípios protestantes Sola Scriptura e sacerdócio universal dos crentes, como entendido no Protestantismo, não impliquem em que cada um é autoridade final?

Vanhoozer critica o que chama de egoísmo interpretativo. Ele também propõe-se a defender o Protestantismo de ter uma interpretação bíblica anárquica.

Particularmente as observações feitas aqui não têm nada a ver com a acusação de anarquismo interpretativo do Protestantismo, e, portanto, as intervenções de Vanhoozer nesse sentido não lidam diretamente com a posição que se faz aqui. O que já foi feito, em alguns artigos que trataram dessa obra de Vanhoozer, foi apresentar alguns pareceres feitos a partir da doutrina católica sobre a forma adequada de se chegar à unidade doutrinal e à interpretação legítima.

De fato, o Protestantismo não ensina a autoridade individual, e não faz exegese de qualquer forma. Antes, possui um arcabouço de métodos e base interpretativa bastante abrangente, e diversificada segundo as várias denominações, com pontos comuns, que caracterizam o Protestantismo. Assim, os autores que tratam do caos hermenêutico, embora com provas empíricas incontestáveis, podem não convencer por não irem a fundo nas questões de ordem teológica. E são dessa última natureza as abordagens feitas aqui, que consideram a própria teologia da Reforma e as proposições de Vanhoozer no que tange à interpretação bíblica.

O que será possível fazer, para resolver o problema da interpretação bíblica, com a recuperação dos princípios material e formal da Reforma, e se o modelo proposto atinge o que realmente deveria ser atingido, é o que se deve questionar ao estudar essa obra.

Os solas são guias para a teologia protestante pura e simples. Muito bem. E como funciona na prática? É isso que a obra pretende apresentar.

E a unidade nos fundamentos, juntamente com as divergências em doutrinas secundárias e terciárias?

Interessante a acusação de subjetivismo a Roma, e o cristianismo protestante puro e simples de Vanhoozer.

Diferentes tradições, diversidade, parte de um todo maior? Isso funciona?

O encorajamento a unir-se ao evangelho e uns aos outros, com funciona? É isso o ecumenismo. Mas, como as denominações protestantes que querem recuperar os solas ê o sacerdócio universal dos crentes devem fazer isso?

Deve-se parar e continuar nas divisões denominacionais, aqueles que forem progredindo na fé a partir dessa nova realidade, ou devem continuar num espírito ecumênico que não efetua mudança real? É assim que se deve estudar o livro de Vanhoozer, segundo perspectiva católica.

Gledson Meireles.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Cuidado com o alemão: música - considerações sobre algumas afirmações do pr. Tiago Cavaco

O pastor Tiago Cavaco faz um comentário da doutrina protestante da justificação, e da salvação em geral, poderíamos dizer, ao aplica-la ao campo da música, aludindo a uma dádiva de uma humanidade melhorada, como se somente o Protestantismo pudesse dar algo que o homem não tem, algo a mais, a saber, a expiação dos pecados em Cristo, a nova relação com Deus, e por que não lembrar, aquela posição melhorada que a justificação Protestante ensina, a mudança de posição sem mudança no pecador. Aqui é que o paradoxo Protestante começa.

É justamente aqui que o catolicismo faz mal ao pecado.

Ao não apresentar algo positivo da natureza humana a dar ao homem pecador, mas acreditando no negativo, e lançando ênfase enorme sobre a maldade humana, como faz o reformado, essa nova relação com Cristo, por onde o Protestantismo acredita que fará as pessoas melhores, isso mesmo, mas com uma linguagem e intenção diversa, por uma ótica diferente, ao fazer “pessoas novas” através de Cristo, o melhor modelo, o Protestantismo engendra uma realidade contraditória.

É verdade que a santidade tem caído onde o Protestantismo tem maior influência (Lutero já havia notado), em todos os níveis, passando por todos os estágios do conhecimento de um membro de uma igreja protestante, ou seja, não há diferença enorme quanto a isso, quando comparado ao que é comum no Catolicismo.

A busca por boas obras, o que é bastante atacado desde sempre nos arraiais reformados, é por onde começa a frutificação da santidade, notável entre católicos, e bastante menos detectável entre os protestantes, historicamente falando, onde a luz do mundo, o “vós sois a luz do mundo” brilha no Catolicismo conforme o padrão do evangelho.

É nesse momento em que, para o protestante, aquilo que parece ser “mau”, ou seja, a vida de santidade, obediência, boas obras, é justamente aquilo que faz revolução, aquilo me “mete medo”, aquilo que a natureza humana teme, e a todo custo procura afastar, pois busca prestígio, leveza, comodidade, elogios, honra e glória diante dos homens, prosperidade e altivez, nunca sobriedade e humildade, liberação das paixões, pelos moldes aceitáveis, é claro, mas nunca castidade e continência.

Aquilo que mais fere a maldade humana está com força total no Catolicismo, ao passo que o que mais acaricia o ego corrompido está aqui e ali no Protestantismo, ainda que o autor tenha afirmado o contrário quando escreveu “enxota primeiro para abraçar depois”, o que mais parece um longo e apertado abraço seguido do carregamento no colo, ainda que com o estilo luterano queira-se atirar para longe. É um paradoxo protestante, mas dizer o mínimo. Se não, é pura contradição.

Os exemplos do evangelho nunca estiveram tão explícitos na vida católica, que mostra a força na fraqueza. A cruz é a força de Deus, o evangelho que salva. É uma prodigiosa doutrina católica.

A promessa de santidade por um meio bastante diverso, tem se mostrado, em comparação com o cristianismo católico, apostólico romano uma força bem menor.

Gledson Meireles.

domingo, 6 de fevereiro de 2022

A assunção da virgem Maria e 1 Cor 15, 22-23

Em 1 Coríntios 15, 22-23 temos revelações escatológicas, quanto à ressurreição. Está escrito: “Assim como em Adão todos morrem, assim em Cristo todos reviverão. Cada qual, porém, em sua ordem: como primícias, Cristo; em seguida, o que forem de Cristo, na ocasião de sua vinda.

O texto trata da ressurreição de Cristo, já ocorrida, e dos que forem de Cristo quando Ele voltar à terra. Na passagem não é referida a ressurreição dos réprobos.

E quanto à ressurreição da virgem Maria, que já ocorreu também, não contradiria essa passagem? A mesma estaria dizendo que Cristo ressuscitou e que somente haverá a ressurreição dos santos na Sua vinda, não podendo ocorrer nenhuma antes? De forma alguma.

A passagem não está afirmando que ninguém mais possa ressuscitar antes do fim do mundo, não está estabelecendo que Cristo ressuscitou e somente haverá ressurreição quando Ele voltar.

Muitas ressurreições ocorreram após Cristo morrer na cruz e ressuscitar. No dia da crucificação, houve ressurreições, e não sabemos se foram temporárias ou gloriosas, pois a Escritura não define essa questão. Houve ressurreições feitas pelos apóstolos, todas temporárias, o que é evidente pelo contexto. Na história da Igreja houve muitas ressurreições.

Quando à ressurreição gloriosa, de fato, lemos em símbolos a ressurreição das duas testemunhas, em Apocalipse 11, com evidente qualidade de ressurreição gloriosa, pois fala-se também do arrebatamento. Portanto, a noção, a ideia, a doutrina de ressurreição para a vida eterna, com corpo glorificado, antes da vinda de Cristo, é uma realidade bíblica. Portanto, não existe pelo padrão da Escritura nenhuma passagem que estabeleça a impossibilidade de alguém ressurgir glorificado antes da parusia.

Dessa forma, a virgem Maria foi glorificada e levada ao céu antes do dia final. Se ela morreu e foi ressuscitada, ou se foi glorificada e subiu ao céu, sem passar pela morte, são ambas possibilidades amparadas pela doutrina bíblica, mas não há uma palavra definitiva, pois nem a Escritura nem a tradição da Igreja trazem essa informação. A única certeza é que a virgem Maria foi assunta ao céu de corpo e alma.

Cada passagem, portanto, não trata de todos os assuntos, e dessa forma 1 Cor 15, 22-23, por exemplo, não refere-se à ressurreição da virgem Maria, não menciona a ressurreição das duas testemunhas e não trata da ressurreição geral. E sabemos que todas essas coisas estão contidas da Palavra de Deus.

Gledson Meireles.