quarta-feira, 17 de agosto de 2022

Continuando estudo do cap. 4, livro A lenda da imortalidade da alma

O espírito que volta para Deus

É digno de nota que as traduções católicas de Eclesiastes 3, 19 e 12, 7 não demonstram intenção de distinguir fôlego e espírito, que são a mesma palavra em hebraico, para preservar qualquer “concepção dualista de espírito”, como o autor interpretou ser o caso nas várias traduções pesquisadas. As traduções católicas conservaram as palavras alento e sopro, por exemplo.

Quais são os problemas lógicos, exegéticos e teológicos da interpretação imortalista de Ecl 12, 7? Vejamos se eles resistem à prova. Será mesmo que não há alma imortal, se se provar que o espírito que volta a Deus é o fôlego de vida? Você crê nisso? Pois, bem, continue a leitura a julgue os argumentos, e formule sua opinião a parte do confronto dos dois lados.

De fato, o que volta para Deus é o espírito, no sentido de energia vital, fôlego de vida, que será dado novamente na ressureição. Isso mostra que Deus tem o ser humano em consideração para dar a vida novamente, o que não é dito de outros seres, como os animais.

Dessa forma, o que está escrito em Ecl 3, 19 parece respondido em Ecl 12, 7, onde o espírito dos animais desce à terra e não retorna a Deus porque eles não serão ressuscitados, enquanto que o espírito que anima os seres humanos volta a Deus, pois os seres humanos serão ressuscitados. Nessa passagem o espírito não é a alma imortal, pois no Antigo Testamentos as almas descem ao Sheol (cf. Sl 88, 3; 86, 13; 89, 43, como citado no livro). Por essa distinção o mortalismo já é refutado uma vez.

E quanto à comparação de Gn 2, 7 com Ecl 12, 7 podemos ver que o espírito que criou a alma humana e que dá a vida humana na terra é dado na criação e retirado na morte. Isso não tem a ver diretamente com a questão da alma. Antes de existir, o ser humano não tinha logicamente nem corpo nem alma. O que acontece com o corpo na morte é dito e percebido naturalmente, mas não é revelado, nos primeiros capítulos do Gênesis, o que ocorre com a alma, o que se dá com a personalidade, a consciência humana, após a morte, que passa a existir após o pecado.

Muito bem. Se isso se refere a todos os homens, como foi provado acima, a ressurreição é para todos. Isso parece já um antecedente para refutar o aniquilacionismo, já que não é muito lógico trazer à existência seres para castigá-los e torná-los inexistentes outra vez. Outro problema mortalista.

Na doutrina católica fica preservada toda a interpretação. Os salvos no Antigo Testamento não subiam ao céu, à presença de Deus, quando morriam. Portanto, não é possível ler Ecl 12, 7, na doutrina católica, como ir ao céu. Isso é problema para a doutrina protestante reformada, por exemplo, e se há refutação nesse ponto não é para a posição católica. Não é impossível que muitos usem o texto no sentido de que a alma do salvo vai ao céu após a morte, mas está claro que no Antigo Testamento isso não acontecia.

Dessa forma, é por isso que todos os mortos descem ao sheol, entendido como lugar das almas de todos os mortos, e não um lugar metafórico onde todos os mortos estão enterrados. Se os mortos desciam e o espírito subia, deve-se entender que nesse sentido o espírito é o sopro vital.

O texto citado de Gn 37, 35, entendido sempre como a descida da alma ao sheol como lugar espiritual que recebe os mortos, é assim interpretado, pois nesse caso Jacó diz que iria encontrar-se com seu filho, que presumia ter sido devorado por uma fera, e não teve o corpo sepultado. Dessa forma, “as regiões subterrâneas da terra” é espiritual e não uma metáfora onde todos os mortos se encontram.

Quanto ao fôlego de vida em Ecl 3, 19-20, não é igualado ao dos animais, já que levanta-se a dúvida sobre a descida ou a subida do “sopro” de vida. Isso é importante, pois uma vez que o espírito dos animais desce à terra, na extinção do ser, o dos homens sobe a Deus, para que seja ressuscitado. Então, para o ser humano não cessa a existência, mas continua existindo espiritualmente.

O espírito ruach possui vários sentidos, por isso não se pode apegar-se ao mais usado, por exemplo, pois se há outro significado esse também deve ser considerado, ainda mais quando se trata de assunto tão fundamental, quanto à prova da imortalidade da alma.

A pergunta de Jó 14, 10-12 sobre onde está o homem após a morte?, tem a resposta óbvia: Em lugar nenhum. Mas isso se refere ao homem vivo, na terra, que deixou de vivar e voltou ao pó, não participando de nada no mundo. Não tem a ver com o que se dá com a alma.

De fato, o texto se refere ao corpo. O espírito é realmente o fôlego de vida, e não a alma imortal, nessas passagens, como é referido aí. Se trata de outro assunto, que não toca no tema da imortalidade da alma. Diga-se que não é uma passagem que apresenta problemas para a fé na imortalidade da alma.

Se em Jó 34, 14-15 Deus afirma que recolheria o “seu” espírito, o que, segundo o argumento, provaria que “que o espírito não é a nossa essência como pessoa”, então deve-se novamente voltar a Zc 12, 1, onde o texto claramente fala do espírito do homem, criado por Deus. O argumento é reforçado aqui, pois em Jó se trata do fôlego de vida, em Zacarias o assunto é de fato a alma imortal.

Afirmar que Deus “nos emprestou” não é uma resposta satisfatória diante de tudo o que foi explicado. Ou o leitor mortalista se contenta com a explicação, de que quando se diz do espírito do homem é apenas porque o espírito foi dado por “empréstimo”? Se assim o é, tente responder mais claramente aos argumentos que foram dados aqui é que desmontam tal asserção.

Afirmar que o espírito do ser humano é idêntico ao dos animais só é possível se o termo é entendido como fôlego de vida. Não há o que discutir. Quando se diz que o mesmo é a essência do homem, a questão é outra. Ainda, se em Ecl 12, 7 é dito que o espírito volta a Deus, não se pode afirmar que o texto bíblico esteja afirmando que o espírito dos animais volta a Deus, nesse sentido já esclarecido antes.

Quando se diz que o homem volta ao pó, se diz do corpo. É claro que nem toda a passagem bíblica possui um sentido técnico totalmente desenvolvido de forma que não seja passível de interpretação. O homem que volta ao pó não é a natureza humana inteira, no entender de que a alma também é extinta. Isso já foi esclarecido antes também.

Por que o Salmo 146 afirma que os pensamentos perecem na morte? Porque de fato perecem, e o corpo morto não pensa mais. Isso não tem a ver com a alma. É a alma no corpo que está sendo referida, de modo indireto, já que se trata do homem morto. Os pensamentos, que através do cérebro vêm da alma, cessam na morte. Isso não é atribuir extinção à alma, mas apenas mostrar que planos e pensamentos dos mortos não continuam a existir após a morte em referência a este mundo.

Essa clareza indisputável do texto se refere a isso explicado acima, e não à extinção do espírito, no sentido de alma imortal que “morreria” com o corpo. Então, ainda que a tradução “única” fosse “pensamento”, para evitar o “preconceito teológico”, isso não mudaria a questão.

Então, o espírito produz os pensamentos, na visão holista, e uma vez que o espírito sai e retorna a Deus, como fonte da energia, os pensamentos deixariam de existir, a personalidade cairia na inexistência e o ser não se encontraria mais e lugar algum. Mas, isso é ir longe demais, já que o autor apenas se refere à inexistência da pessoa na terra.

O texto de Estêvão 7, 59-60 onde a entrega do espírito é a entrega da sua vida a Deus, pode também significar a sua entrada no céu após a morte, por outro ângulo, entendendo que a visão que teve do céu já em vida se concretizou na sua partida para lá em espírito. É como afirmar que não teria tanto sentido ter uma visão da realidade celeste e cair na inexistência após isso.

Ele adormeceu na carne, entenda-se, já que não era possível que o espírito dormisse. Por que teria a visão de Jesus se na morte isso não mais importaria? Se ele caindo em inexistência acordaria ressurreto como se a morte não tivesse existido, e aquela visão tivesse acontecido segundos antes da parusia? O mortalismo cria esses problemas.

É mais natural entender que a visão preparou Estêvão para que após morrer fosse recebido no céu. Na verdade, a visão foi um testemunho contra os apedrejadores, mas serviu de consolo ao mártir.

Também, a entrega do espírito de Cristo, identificada como a última respiração, está conforme a doutrina católica, pois Cristo sobe ao céu somente 40 dias após a ressurreição, e não no momento da morte na cruz.

Portanto, não é necessário refutar questões do espírito subindo ao Pai, como a fumaça dos sacrifícios e etc. Está resolvido na doutrina católica.

Muito boa a citação do Eclo 35, 21, como livro histórico apenas, para os protestantes, e inspirado para os católicos. Que Deus ajude que todos os cristãos reconheçam a inspiração desse livro também.

Reconhecendo que o espírito subindo a Deus é a certeza de que Deus não se esquece dos mortos, e que os ressuscitará, está confirmando que o espírito dos animais, nesse sentido, não sobe ao céu, não volta a Deus, mas desce à terra. Ótimo reconhecimento, lembrando novamente Ecl 3, 21.

O problema é que para o holismo o ruach é apenas a energia da vida. No livro do Eclesiastes não significa apenas isso. Ele aponta para algo mais. Por esse motivo, a indagação, a dúvida, a reflexão, sobre se havia diferença entre os espíritos de homens e animais. Caso tudo fosse apenas uma energia, fôlego de vida, isso não parece concordar em tudo com o contexto. Guardando o espírito dos homens, isso mostra que, pelo menos, algo deles permaneceu. É algo que aponta para a imortalidade da alma, assim como aponta para a ressurreição.

Ao invés de Deus ter as personalidades de todos os mortos em Sua memória, como um download de software no Hardware divino, as almas criadas imortais esperam em lugares espirituais. Essa comparação do software, interessante, não explica tanto do holismo, já que o mesmo “software” na visão holista não existe sem o hardware.

Deus preserva as memórias e personalidade comparativamente a um software que é transferido para outro hardware, quando na doutrina holista de fato o software deixa de existir, não sai para lugar nenhum. São problemas para os mortalistas resolverem.

De fato, na doutrina imortalista, os softwares são as almas que estão no céu, no purgatório ou no inferno, transferidas do corpo para um lugar espiritual, “um corpo” celeste, como morada, lugar, espaço, estado, seja como for chamado, com memórias e personalidade, garantidas por Deus, que as criou para existirem mesmo sem o corpo, até que sejam de novo transferidas para o corpo ressurreto.

Gledson Meireles.

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