quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

John Owen: a respeito da oblação e da intercessão de Cristo

Continuando o estudo do livro A morte da morte na morte de Cristo de John Owen.

Capítulo 7

Sobre a oblação e a intercessão de Cristo único meio

No respectivo capítulo 7, Owen apresenta as provas para a asserção de que a oblação e a intercessão de Cristo são unidas e têm um único fim, e que são feitas pelas mesmas pessoas, e somente por elas, não mais do que isso, nem menos do que foi intencionado pela Santíssima Trindade de Deus. Esse é o argumento.

Para fundamentar sua posição, começa citando Isaías 53, 11, que uniria perpetuamente a oblação e a intercessão do Salvador. Isso seria fortalecido pelo verso 12, e depois o verso 5.

Estudemos um pouco Isaías 53, no que tange ao assunto proposto por Owen. Cristo foi ferido por nossas transgressões, sendo esse o motivo da cruz, o motivo da crucificação do Filho de Deus (cf. v. 5), os nossos pecados. O castigo de Cristo nos traz a paz, diz a Palavra de Deus, e “pelas suas pisaduras fomos sarados”. Assim, pela redenção operada na cruz nós fomos objetivamente curados. Resta ainda a aplicação naquele que crê.

Owen diria que a aplicação está garantida a todos os quais por quem Cristo morreu. Essa asserção, que é fruto de uma interpretação complicada, será avaliada durante o estudo. Cristo não efetivou a salvação de todos na cruz, mas espera pela livre aceitação, da graça, por meio da fé.

Todos nós andávamos desgarrados como ovelhas; cada um se desviava pelo seu caminho; mas o Senhor fez cair sobre ele a iniqüidade de nós todos.

Pela expressão: “Nós todos”, certamente o calvinista irá restringir aos eleitos a afirmação. Então, quando se diz que o Senhor lançou sobre o Filho a “iniquidade de nós todos”, dirá o reformado que isso é apenas em relação aos eleitos. No entanto, a Bíblia está tratando do povo que já conhece o Senhor, e por isso pode com certeza afirmar que o sacrifício da cruz foi feito em nosso favor.

E ainda, falando a partir do povo de Israel, diz que pela “transgressão do meu povo ele foi atingido”. Mas eis que algo pode alargar o entendimento, o qual está no verso 12:

Por isso lhe darei a parte de muitos, e com os poderosos repartirá ele o despojo; porquanto derramou a sua alma na morte, e foi contado com os transgressores; mas ele levou sobre si o pecado de muitos, e intercedeu pelos transgressores.”.

Cristo foi contado com os transgressores, que em sentido geral na Escritura se refere à raça humana. Ele tomou sobre a cruz o pecado de muitos, intercedeu pelos transgressores. Dificilmente isso seria dito apenas de um grupo de pessoas eleitas, mas se refere a toda a humanidade pecadora. (Isaías 53 - ACF - Almeida Corrigida Fiel - Bíblia Online) Muitos são os transgressores. De fato, são todos os homens e mulheres da terra.

Em Romanos 8 está escrito que nenhuma condenação há para os que estão em Cristo. Isso supõe que há condenação para os que não estão, e ainda que nem todos os que deverão ser salvos estão em Cristo. E esses só o Senhor conhece. É atestada uma realidade, que é a salvação certa daquele que está em Cristo (v. 1).

A justiça da lei se cumpre no cristão que não anda segundo a carne, mas que anda segundo o Espírito, em vida de santidade. Sendo o apóstolo dos gentios quem fala aqui, inspirado pelo Espírito Santo, devemos ver que a doutrina do dispensacionalismo que  nega a condenação dos que uma vez foram salvos não é correta. Ainda, o texto e contexto mostram que há uma condição, como está no livro de Hebreus, para que conservemo-nos em Cristo.

Outro dado que corrobora essa leitura, é que a inclinação da carne é inimizade contra Deus. Se alguém cair nessa inclinação não pode ser salvo, não pode continuar salvo. Portanto, há possibilidade de perder a graça (cf. vv. 7-8).

O verso 9 afirma que somos de Cristo se tivermos o Espírito Santo. Nesse contexto de condição de viver no Espírito como sinal de que o Espírito de Cristo habita em nós, um sinal experimental, visível, de que somos de Cristo, de que somos filhos de Deus, o verso 12, em meio a esse arrazoado, mostra a possibilidade da condenação para o que viver na carne.

O verso 17 ensina: “E, se nós somos filhos, somos logo herdeiros também, herdeiros de Deus, e co-herdeiros de Cristo: se é certo que com ele padecemos, para que também com ele sejamos glorificados.

Padecer com Cristo significa uma vida em união com Ele, até a glorificação, o que supõe a necessidade da perseverança, um dado bíblico presente em toda a parte, verdade do Evangelho que devemos crer (Rm 8, 17).

Isso mostra que todo o contexto que está atrelado com o que foi citado, Rm 8, 33-34, deve ser entendido assim. O cristão deve viver conforme a vocação a que foi chamado, à santidade, à justiça, com o Espírito habitando nele, sem que com isso tenha a ideia errônea da liberdade de viver as obras carne, de viver na carne, pois isso é sinônimo de condenação, já que a obra da carne tem como resultado a corrupção. Em todo o contexto somente o próprio fiel pode aproximar-se ou deixar a presença de Deus, de modo que nada fora dele pode determinar sua relação com Deus.

Sabendo isso, vemos que a oblação de Cristo e a intercessão estão sim ligadas em Sua obra, sendo aplicado ao salvo desde que ele viva em união com Cristo. A oblação na cruz e a intercessão do Senhor pelos salvos não pode ser usufruída por quem não está voluntariamente na comunhão com Jesus. Tudo é fruto da redenção, que pode ser aplicado ao que crê.

A justificação é fruto da intercessão, mas isso está aberto a todo o que crê. Fomos curados na cruz, mas não significa que não tenhamos que nos apropriar desse benefício pela fé. Nisso o reformado está de acordo. Da mesma forma, não está dito que é algo assegurado que todos crerão e receberão tal bênção.

Em Romanos 4, 25 está escrito: “O qual por nossos pecados foi entregue, e ressuscitou para nossa justificação”. Se Cristo foi entregue “por nossos” pecados, entende o reformado que há um grupo de pessoas que terão o perdão e a justificação como benefício da cruz, enquanto outros nunca fizeram parte do plano da salvação. Mas tal não é o ensino do contexto.

Por exemplo, a fé é imputada como justiça (v. 5), pois não é considerada uma obra. Dessa forma, ter fé não é biblicamente oferecer algo a Deus, mas apenas abrir-se à graça, sem nada fazer. Alguém que nada fez, mas apenas acreditou, ganha como se tivesse feito, como uma dívida recebida. Esse é o contexto de Romanos 4. Para o reformado, porém, em suas argumentações, o ato de crer seria oferecer algo de si a Deus, e não poderia ser conhecido de antemão para a eleição. Então, asseveram o dom da graça.

Por outro lado, a doutrina bíblica que mostra de fato que a graça é um dom, também mostra que a fé deve ser fruto do livre-arbítrio movido pela graça, e que a mesma não é uma obra humana, não é uma oferta de algo de si, apenas a aceitação. É desfeita assim, a objeção de que o eleito não pode ter sido eleito por presciência que certificou da sua fé após o recebimento da graça, pois esse cenário é puramente bíblico. Ele não poderia ter sido eleito pela fé proveniente dele, sem o auxílio da graça. De fato, por causa disso ninguém seria.

Nesse ínterim, a questão do capítulo é se a justiça da Lei vem somente sobre os judeus, ou sobre os circuncidados, ou estende-se a todos? A resposta é que a justiça vem para todos, uma vez que Abraão recebeu a justiça da fé antes de ser circuncidado, tornando-se assim o Pai dos judeus e dos gentios na fé. A herança do mundo a Abraão vem pela fé, e não pela posteridade natural.

Assim, Abraão é pai das nações, de “muitas” nações, diz Romanos 4, 16. Muitas nações aqui, entra em contraste com a única nação da Antiga Aliança, que era Israel. Agora, não somente uma, mas muitas. Por essa linguagem ninguém poderá dizer que, no mínimo que seja, há alguma nação que nunca irá ouvir o Evangelho e que não usufruirá completamente dos dons salvíficos da cruz de Cristo. Muitas então significa todas.

Entende-se que todas as nações da terra estão incluídas no sacrifício de redenção, pois não há limite para a graça da cruz, e não há limitação de alcance para a graça da fé. “Como está escrito: Por pai de muitas nações te constituí”, Romanos 4, 17, “tanto que ele tornou-se pai de muitas nações”, Romanos 4, 18.

E, terminando o capítulo, afirma o texto sagrado, que não só por causa de Abraão está escrito isso, “mas também por nós”. Nesse contexto, sabemos que nós, que pode ser sentido por alguém como parte de qualquer nação que seja, podemos tomar para si a promessa feita a Abraão.

Dessa forma, ao dizer “por nós” não se está restringindo a cruz, a oblação e a intercessão, a um grupo, como se somente aos eleitos, mas se está declarando aberta a todas as pessoas individualmente, membros de todas as nações da terra.

Então, uma vez crendo em Cristo, entramos para o número dos filhos de Deus. Sabemos que todas as coisas serão eficazes para os eleitos, mas ninguém sabe com certeza absoluta ser do número dos eleitos, a menos que por revelação.

Deus nos conheceu, não no sentido que não conheceu mais ninguém, mas que antes de nos criar e nos predestinar Ele conheceu cada um de nós. Não significa que Deus predestina todos os que conhece, mas que não poderia predestinar sem antes conhecer, como está em Jeremias 1, 5: “Antes que te formasse no ventre te conheci, e antes que saísses da madre, te santifiquei; às nações te dei por profeta.”, como ensina Santo Tomás de Aquino. Deus tem um plano antes de criar o homem, Deus conhece tudo antes que faça. Perguntará alguém, a diferença que isso tem em relação à eleição no sentido calvinista? Há uma: o livre-arbítrio.

Deus cria com o dom do livre-arbítrio, e na eternidade conheceu os eleitos, e após conhecer decretou criar, e chamou, justificou, santificou e glorificou. Isso é relativo aos eleitos. E as outras pessoas? Deus na Sua presciência viu quem pelo livre-arbítrio rejeitaria a graça suficiente, após o chamado, ou após a justificação, negando a graça até o fim, e por isso não receberam a graça eficaz. Portanto, somente os eleitos experimentam a graça eficaz. No tempo, vemos isso ocorrer, e a Escritura está repleta de exemplos.

Santo Tomás de Aquino ensina que a predestinação é implica pré-ordenamento mental das coisas que se intenciona fazer. Pelo pré-conhecimento se conhece as coisas futuras. Pela predestinação implica a causalidade em relação às coisas futuras. O pré-conhecimento não causa nada, mas a predestinação implica a causa.

Na predestinação calvinista Deus conhece porque causa o que vai acontecer, tendo conhecimento do próprio plano. Na predestinação católica Deus conhece antes de predestinar. A presciência é distinta da predestinação.

O chamado de Deus a todos só é eficaz nos eleitos, não porque Deus não quis que os demais fossem salvos, mas porque somente os eleitos O aceitam. Na eternidade Deus soube quem aceitaria ou não, e não era possível que um mundo criado com criaturas dotadas de livre-arbítrio fosse de outro jeito, e ainda assim decidiu criar, na Sua bondade, dando o suficiente para cada um ir ao céu, na Sua infinita misericórdia e justiça.

Na concepção calvinista Deus quis mostrar Sua glória criando pessoas para a salvação e para a condenação. O problema é que tal não é o cenário bíblico. Vemos Deus conhecendo e predestinando. É um erro afirmar que conhecer já é uma causa para predestinar. Na verdade, trata-se do fundamento de Deus ao fazer a predestinação, e o fez por Sua pura sabedoria e bondade. Deus quis assim fazer.

A prova maior para a oblação e intercessão serem dirigidas às mesmas pessoas e mais ninguém, estaria em Romanos 8, 33-34. As pessoas a respeito de que fala um lugar seriam as mesmas da outra. Owen afirma que se Cristo morreu por todos e intercede por alguns isso pode ser dificilmente conciliado com esse texto, especialmente com o fundamento de tudo, verso 32. Contudo, a morte de Cristo e a intercessão dele valerão para o salvo enquanto este se mantem com Cristo. É sabido que nem todos perseveram, enquanto outros vão até o fim. Esses últimos são os eleitos.

No texto de Romanos 5, 6.9, Owen lê o mesmo entre a oblação e a intercessão de Cristo, com seus frutos e efeitos, sendo intimados em muitos outros lugares.

De fato, em Romanos se fala do “amor de Deus por nós’, que “Cristo morreu por nós”. Trata-se da morte em seu valor objetivo na cruz, antes de ser aplicado o mérito no homem. Por isso, quando ainda pecadores Cristo morreu pelos ímpios, e agora já justificados nos salvará pelo poder de Sua vida após a ressurreição. Na cruz houve a reconciliação, e no momento da conversão há a reconciliação efetuada no homem.

Em Romanos 5, 15 temos maior luz para entender o que se diz desde o início do capítulo: “Mas, com o dom gratuito, não se dá o mesmo que com a falta. Pois se a falta de um só causou a morte de todos os outros, com muito mais razão o dom de Deus e o benefício da graça obtida por um só homem, Jesus Cristo, foram concedidos copiosamente a todos.” Impossível que todos aqui não signifique todos os homem da terra de todos os tempos.

O texto explica que o pecado de Adão causou a morte de todos, ou seja, a morte física, não imediatamente, mas como resultado do pecado, onde todos nascem sujeitos à morte, e também a morte espiritual, já que todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus (cf. Rm 3, 23), não tendo amizade com Deus e não podendo entrar no céu. Assim, o pecado de um resultou na morte, de fato, de todos. Não há exceção.

Então, o dom de Deus e o benefício da graça obtida por Jesus foram concedidos copiosamente, ou seja, em abundância a todos. Da mesma forma, todos aqui sem exceção.

Para entender o caso aqui é necessário maiores esclarecimento ainda, diante da tese de Owen. O pecado de Adão faz todos nascerem sem a graça, no pecado e inimizade de Deus, sem o direito ao céu. Por isso, de imediato Deus proveu o plano de salvação em Cristo. De fato, Sua bondade de justiça não deixaria que pelo pecado dos pais, todos fossem condenados. Entendemos melhor o problema agora.

Dessa forma, através de um dom que ultrapasse em muito os efeitos do pecado, Deus concede pela graça a salvação a todos. Olhando para o efeito do pecado, tem-se a extensão do remédio preparado. O pecado não deixou um só ser humano fora de seu efeito, e a graça está preparada igualmente, e em maior grau, a todo e qualquer homem que viva sobre a terra.

A falta de um só causou a condenação (v. 16), depois de muitas faltas o dom da graça traz justificação. Essas faltas são de todos, citados antes, e, portanto, a graça é para todos.

Então, no ver 17 é feita a comparação do reinado da morte pelo pecado de um só homem, agora pela abundância da graça e o dom da justiça reinarão os justificados para a vida. Faz-se a comparação entre o reinado da morte e o reinado dos salvos. A força da morte é ultrapassada pela força da graça que os salvos experimentarão e exercerão. A figura aqui mostra que a graça suficiente a todos é eficaz nos salvos. Uma vez que a cruz abre a graça a todos, essa graça opera nos que são justificados.

Por um pecado a condenação veio a todos, por um ato de justiça a todos vem a justificação da vida. Isso significa que automaticamente todos estão salvos e justificados da mesma forma que todos são pecadores em Adão? De fato, todo o evangelho mostra que é necessário crer voluntariamente para receber os benefícios acima mostrados. Pelo pecado todos perderam a graça, e agora todos devem ativamente aceitar a graça para receber a justiça. E o livre-arbítrio explica porque nem todos aceitam.

Fazendo o contraste entre um e muitos, em Romanos 5, 19, onde pela desobediência de um homem muitos foram feitos pecadores, pela obediência de um só muitos serão feitos justos, no mesmo sentido universal, o contraste mostra que muitos tem sentido de todos, já que pelo pecado muitos foram feitos pecadores, no sentido de todos foram feitos pecados. Assim, pela obediência de Cristo todos serão justificados, a partir do momento que crerem. Dessa forma, como muitas nações significa todas, muitos pecadores quer dizer todos os pecadores.

Outra comparação, em termos diferentes, é feita no verso 21. O pecado reinou na morte. Agora é o pecado que reina para a morte. Assim, a graça reinaria, (βασιλεύσῃ) ou deve reinar, através da justiça para a vida. Temos então o pecado para a morte e a graça para a vida. O meio para o reinado do pecado é a morte, e o meio da graça é a justiça para a vida eterna, através de Jesus.

O pecado reinou e a graça deve reinar. E isso agora está sujeito, pelo plano de Deus, à aceitação da graça. Todos podem aceitá-la, pois a morte de Cristo ofereceu a graça sem fronteiras a toda e qualquer pessoa em exceção. Eis o argumento.

Entrando nesse reino da graça, temos o sacerdote Jesus, que ofereceu o sacrifício e pode agora interceder por quem está nEle. A intercessão é fundada no sacrifício, e flui do mesmo, mas é tornada eficaz a partir da união com Cristo.

A oblação e intercessão objetiva na cruz só passa ter seus efeitos a partir da aceitação do pecador. Cristo entrou no céu e adquiriu uma redenção eterna Hb 9, 11-12, mas essa não pode aplicar a vida naquele que rejeita a graça. A salvação eterna não aplicada não tira seu valor intrínseco. A perda é somente do pecador que a rejeita. Continua a obra de Cristo realizando a redenção eterna.

Jesus é o sacerdote eterno, porque seu sacerdócio não tem fim, continua para sempre, Hebreus 7, 24, mas só os que se aproximam de Deus por meio de Cristo é que usufruem desse benefício, como ensina Hebreus 7, 25. Ele sempre intercede por aqueles que por Ele vão a Deus. Na cruz a intercessão é feita, e agora resta o pecador aproximar-se de Deus em Cristo.

É por isso que Hebreus 10, 29 exorta: “Quanto pior castigo julgais que merece quem calcar aos pés o Filho de Deus, profanar o sangue da aliança, em que foi santificado, e ultrajar o Espírito Santo, autor da graça.

Depois de mostrar que temos confiança de poder entrar no santuário, por meio de Cristo, e de mostrar que devemos achegar a Deus com coração puro, na fé, e conservando a esperança, olhando uns pelos outros, não abandonando a Igreja, pois depois de ter conhecido a verdade, se a abandonar, o pecador não terá sacrifício, fora o de Cristo, para encontrar salvação (Hb 10, 26-27). Portanto, o castigo é pior ao que nega a Jesus após tê-lo conhecido, profanando o sangue da aliança em que foi santificado. Isso mesmo, o sangue no qual ele foi santificado.

Isso só é possível na doutrina católica, que ensina a redenção universal. De fato, como ensina Owen, não há porque dizer que alguém possa cair da graça, negar a fé, e ser castigado por ter profanado o sangue que o santificou, uma vez que no calvinismo não há santificação possível a não ser a dos eleitos. Os demais teriam uma graça transitória, de externamente mostrar sinais de conversão sem real santificação. Mas o texto bíblico afirma que é possível aquele que foi santificado voltar atrás.

Uma vez que o sacrifício está completo, e Jesus está sempre intercedendo, não se pode dizer que já interceda individualmente por quem ainda não está convertido. Ainda que o eleito terá sua conversão certa, a aplicação  dos benefício se dá após a fé. Aos que negam a fé, a intercessão cessará. E isso já era conhecido de Deus, que sabia da recusa do pecador. Não haveria condição para permanecer em Cristo, nem possibilidade de negar a graça, se a morte de Cristo valesse apenas para os eleitos. A intercessão que Cristo faz por todos, é aplicada apenas ao que vem a Ele.

O que Hebreus 10, 19-22 ensina é que devemos nos aproximar de Deus de forma que possamos usufruir da graça do sacerdócio de Jesus. Não quer dizer que o sacerdócio de Cristo foi feito somente pelo grupo eleito. Se Cristo intercede por um por quem Ele morreu, então intercede por todos. De fato, Cristo pode interceder por todos, mas só o fará por aquele que se aproxima dele, a partir desse momento. E na eternidade, Deus sabia que alguém não iria aproximar-se por voluntária recusa? Sim, mas isso não interfere na entrega que fez na cruz por essa pessoa, ficando o preço da culpa por conta de quem rejeitou a graça. Todo o ensinamento de Hebreus está nesse sentido.

Como ensina a Bíblia, a cruz foi suficiente para todos, e eficaz para os eleitos. Por isso, essa questão não faz de Cristo um “sacerdote pela metade”, como também poderia ser objetado que se não morresse pelo mundo inteiro seria um sacrifício pela “metade” ou coisa do tipo. Ainda, Rm 8, 27 afirma que o Espírito Santo intercede pelos santos, segundo Deus. É óbvio que não intercede por quem não está em Cristo. Isso não é objeção de que o Espírito não possa interceder porque outros que não estão no plano de salvação, mas porque outros ainda não estão no redil de Jesus. O Pai sempre ouve o Filho, e atenderá aquele que estiver no Filho, conquanto peça segundo o coração de Deus (cf. Jo 11, 42).

O número de pessoas por quem Cristo morreu é maior que o número por quem Ele intercede, porque nem todos pedem Sua intercessão. Jesus não intercede por todos por quem Ele morreu por esse justo motivo. Suas súplicas podem ser ouvidas segundo a vontade do Pai. Afasta de mim este cálice, mas conforme a Vossa vontade, ó Pai, é o conteúdo da oração de Jesus no Getsêmani. É como Jesus utiliza Sua oração. Portanto, Cristo pode pedir ao Pai a salvação de todos na cruz, conforme a Vontade do Pai, que deu a cada um o livre-arbítrio para ir ou não a Cristo, ouvir ou não a Palavra do chamado, ser ou não convertido pela graça, e assim ser ou não entregue a Cristo.

Os apóstolos são alvo da intercessão de Jesus em João 17, 9. O contexto mostra que todos os que foram dados a Jesus guardaram a Palavra, referindo-se aos apóstolos e não a todos os seres humanos eleitos. No entanto, o que o contexto geral afirma tem a ver com os eleitos, e não pode ser usado para restringir o alcance do sacrifício do calvário, mas apenas explicar a graça eficaz agindo nos eleitos.

Separar a morte e intercessão de Cristo assim, pelos que ele morreu e pelos que vão até Ele, tira “toda consolação”? Alguém que crê em Cristo se sentiria desconsolado por não saber se Cristo está intercedendo por ele? O que crê em Cristo deve ter plena certeza de que Cristo morreu por ele? Em outras palavras, deve saber plenamente ser do número dos eleitos?

O cristão deve crer e confiar em Deus, que é maior que tudo, perdoador de todo pecado, e esperar na salvação, não confiando em si. Esse é o ensino bíblico. Aquele que não crer não alcançará a salvação. Como pode alguém esperar ter a certeza de ser dos eleitos para não sofrer o desconsolo na alma? A graça não será eficaz somente naquele que a rejeitar. Não há necessidade de saber ser do número dos eleitos, mas apenas crer e perseverar.

Crer que Cristo morreu por todos não pode causar desconsolo, mas consolo. Se a crença de que somente uns têm a graça da salvação eternamente garantida poderia causar a dúvida sobre a pertença ao rol dos predestinados. O caso então é o contrário do que Owen entende e prevê. Por isso, a identidade do objeto da oblação e intercessão de Cristo envolve todas as pessoas, e é eficaz nas que se aproximam e permanecem nEle.

Não há um lugar em que se diga que Cristo morreu somente pelos eleitos. Obviamente morreu por todos, e por isso morreu pelos eleitos, morreu por mim e por você. Morreu por todos nós, morreu pela Igreja, morreu pelo mundo.

Quando se entende isso, pode-se compreender cada momento em que Cristo é apresentado como salvador de alguém em particular. O contrário é problemático. Se Cristo tivesse morre por um grupo, não se poderia chamar esse grupo de mundo, ou entende-los contidos no conceito de mundo. Cristo morreu por todos, é uma afirmação que não se entende onde todos seriam alguns de todos os lugares, ou alguns entre todos. Essa linguagem já é problemática e encontra sérias barreiras bíblicas, como está sendo mostrado.

O pregador calvinista deve usar a linguagem católica ao pregar. Deve ensinar que Cristo morreu pelos pecadores e agora convida os pecadores a irem livremente a Ele, e que Deus ordena a todos que convertam-se e creiam, e promete vida e paz a todos que assim fizerem. E explica que esses convites são graciosos, e os homens rejeitam-nos, são indignos deles, e mesmo assim Cristo os faz.

No entanto, ele crê que somente os eleitos irão ouvir, ou algum não-eleito irá por um tempo aceitar a palavra para depois rejeitá-la. Ele não pode crer que Deus faz o convite a todos de forma que todos sejam salvos, mas para salvar os eleitos e piorar a condenação dos não-eleitos. Essa concepção é tirada de um cenário que não é o bíblico.

Ninguém em sã consciência poderia crer que Deus convida a todos a arrepender-se crer para quem tenham vida e paz, uma vez que sabe que não é uma mensagem para todos. Usa-se a linguagem bíblica com pressupostos errôneos que não condizem com o conteúdo que a linguagem está passando.

Assim, o pregador cristão católico sabe que Cristo morreu por todos e pode anunciar o evangelho mostrando que cada um pode nisso crer, e anuncia as promessas de salvação que Jesus ordenou, ao ensinar a todas as gentes (cf. Mt 28, 19, Mc 16, 15-16).

Gledson Meireles.

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