segunda-feira, 24 de abril de 2023

Livro: A lenda da imortalidade da alma. O castigo proporcional

Refutando o item sobre  o castigo proporcional

O inferno é eterno, e a pena não é idêntica a cada um, já que não é o tempo somente que define a pena, mas também o castigo que o ímpio receberá. Há uma proporção do castigo segundo a culpa do condenado. A crítica ao inferno baseada apenas no tempo não tem razão de ser, pois imagina todos no mesmo lugar, pelo mesmo tempo, recebendo o mesmo tratamento, o que não é a doutrina do inferno. Dessa forma, a crítica inicia inocuamente.

Seria como criticar o mortalismo afirmando que todos possuem a mesma sentença e castigo, já que no final todos deixam de existir no aniquilamento. O mortalista já pensaria que o criticador não conhece bem a doutrina mortalista, e passaria a explicá-la.

Agora, pense que, na sua crítica, o mortalista usou uma argumento fraco, com base na eternidade do inferno, como se fosse injusto todos serem castigados eternamente. Porém, isso se assemelha à pena de aniquilamento de todos os condenados, que deixem de existir eternamente, e portanto o argumento falha.

Essa ideia de que todos os pecados são iguais, típica da teologia protestante, o que no livro é admitido, por ser doutrina popular entre os evangélicos, é uma doutrina que merece a refutação.

No entanto, na resposta católica o mesmo não acontece, já que a teologia católica distingue os pecados pela sua gravidade. E mais uma vez se mostra superior às outras interpretações. Se a doutrina evangélica cai diante desse argumento, a doutrina católica permanece intacta e de pé.

Então, na sua doutrina, o autor reconhece que todos os pecados não arrependidos podem levar à condenação, que é a mesma para todos os ímpios impenitentes, mas são pecados em si mesmos diversos, com diferentes graus, e que são castigados com diferentes intensidades. Essa é a doutrina do inferno.

Mas o autor dirá, com base em um exemplo em Deuteronômio 25, 1-3, que o castigo tem limite. Assim, não é possível castigar eternamente, deve-se castigar de acordo com a capacidade de cada um.

Pois bem. Com base no mesmo texto de Dt 25, 1-3, deve-se ver que os açoites para tal crime eram proporcionais em número, e tinham um limite. Era um castigo que não atingia o máximo, humanamente falando, que não pode ultrapassar a morte. Vê-se que aí o argumento já enfraquece um pouco.

Ainda, novamente deve-se lembrar que essa pena não era a pena máxima, e não pode comparar-se com as penas do inferno, literalmente, já que na eternidade as almas possuem capacidades infinitas, o que não é comparável ao ser humano mortal, nem ao ser humano ressuscitado, que não morre mais.

Quando se critica os açoites até a morte, está criticamente irrefletidamente o mortalismo, que afirma que todos receberão proporcionalmente o castigo, mas que o fim de cada um, independente da intensidade do castigo, é a morte.

Deve-se saber que no inferno não há somente o castigo no máximo que a pessoa pode suportar, mas existe o proporcional ao seu pecado. Isso qualquer um entende, e é o mesmo princípio que o mortalismo utiliza.

Assim, é óbvio que não existe açoite para sempre em uma pessoa, até porque ela não dura para sempre, na presente existência, nem dar açoites até o máximo possível, pois isso é a praticamente pena de morte. Portanto, a crítica por meio dessas exemplificações não procede.

A ideia de um fogo eterno é que transmite o sofrimento eterno. Mas o evangelho, em outras passagens, mostra que a intensidade do castigo varia de acordo com as más obras praticadas (cf. Lc 12, 47-48).

O castigo proporcional, que não leva à morte, pode ser o purgatório, não como condenação, mas como purificação, sem não for para o condenado. Para os condenados todos estão mortos em pecados, e os castigos são proporcionais, como explicado, mas ali haverá choro e ranger de dentes, pois não há mudança, o que também foi mostrado na parábola do rico e Lázaro.

Ainda, os açoites proporcionais e a pena de morte eram dois castigos diferentes. Nos açoites o castigado era deixado em vida. Para o mortalismo, usando isso como prefiguração do castigo proporcional seguido de morte, poderia ser feita a crítica de que assim deveriam fazer os israelitas, açoitarem um número tal de açoites e seguirem com a execução do réu. Uns foram castigados menos e morreram, e outros mais, e outros ainda até o máximo, e todos morreram. Mas não há tal exemplo.

Os exemplos usados, como de alguém que “bebe pouco” e passa o dia inteiro no bar, ainda são insuficientes, pois pode haver vários bebedores que passam o dia inteiro no bar e todos saberem que uns bebem mais e outros menos. O tempo passado no bar não define a quantidade consumida de bebida alcoólica por cada um.

O eterno não pode ser quantificado, não podendo haver diferença de açoites no inferno, mas permanece a diferença na intensidade desses “açoites”.

O hotel com infinitos hóspedes é um exemplo interessante. Alguns vão embora. Quantos restaram? Ninguém o sabe, pois o infinito não tem fim, mostra o autor. Mas, nem por isso o número de hóspedes ficou igual, ou não teve mudança alguma. O que existe é um desconhecimento do número total de hóspedes. Um hóspede foi embora, esse número é conhecido. O restante não se sabe.

A graduação é possível mesmo que o castigo seja infinito. Não pode haver poucos quartos de hotéis com infinitos quartos. Assim, não haveria poucos açoites dos infinitos açoites? Isso se se limitar à contagem dos açoites. Mas, se se diz que alguém recebe poucos açoites deve-se pensar na intensidade e não no número.

É como pensar nos quartos ocupados e não no número infinito de quartos. A morte eterna, como inexistência eterna, é a pena para todos os condenados na doutrina mortalista. Mas, o mortalista ficaria contente em afirmar que houve injustiça, porque a pena foi igual para todos?

Deveria dizer que não, pois antes de morrer cada um recebeu o castigo proporcional, na intensidade exata para o seu caso. E poderia concluir que, no que se refere ao resultado final, a pena foi igual, mas igualmente justa.

Assim, os que estão no inferno têm penas diferentes, no grau eintensidade que são executadas, enquanto que o estado eterno de prisão é o mesmo. A justiça divina que é perfeita garante a justiça em todos os casos.

O afastamento de Deus na prisão do inferno é eterna, mas o castigo é proporcional, já que o castigo não é em si finito, pois alguém pode ter por castigo a prisão perpétua, que não termina em si, mas que acaba com a morte do penitente, sem açoites. Como o inferno é eterno e os ressuscitados condenados não podem morrer, o tormento é eterno. Talvez esse exemplo seja útil para melhor entender o caso.

A morte não seria o castigo, quando se considera essa comparação feita no livro. Então, pelo mesmo prisma, o inferno não é o castigo. Há um castigo proporcional, que é o sofrimento, então há também o castigo proporcional no inferno. Não sendo o castigo algo necessariamente finito, não há problema aqui.

O texto que tradicionalmente é entendido como tratando do purgatório, é interpretado na teologia protestante como sendo a condenação do inferno. Assim, Mt 5, 23-26 estaria ensinando que ninguém sai da prisão, porque ninguém conseguirá pagar até o último centavo, o que contradiz toda a noção do ensino de Jesus, que supõe essa possibilidade.

A interpretação mortalista, por sua vez, afirma que o condenado não sairá “enquanto” não pagar o último centavo, harmonizando-se com a linguagem, mas afirmando, pela implicação de sua doutrina, que ao sair da prisão ele não existe mais, ou seja, sairá da prisão apenas com a morte, o que é bastante curioso. É quase que desnecessário dizer que não está conforme o contexto da passagem, pois de fato o condenado não saiu da prisão.

Esse “enquanto” de fato afirma que a prisão não é eterna. Boa observação. Então, quem ali entra, sofre a prisão, mas sai de lá após ter pago tudo o que devia. Isso é o que ensina o purgatório.

Essa prisão não pode ser o inferno, porque afirmar que se pode sair  quando pagar toda a dívida indica que há como quitar a dívida, e há possibilidade de sair. Dessa última característica da passagem refuta-se o mortalismo, porque ninguém ficará feliz ao saber que poderá estar em uma prisão temporária, e que deverá pagar tudo o que deve para sair, mas que a saída será a morte.

 Ao tratar da condenação de um israelita à prisão, lembrando mesmo do jubileu, para realçar que a prisão não é perpétua, que há um limite para o castigo, e que o israelita tem essa ideia da finitude da prisão, o autor não se viu no problema apontado, de que a prisão descrita na interpretação mortalista é para sempre, ninguém de lá sai, pois a suposta saída é a morte, vista como inexistência. Trata-se da ideia que o autor tentou refutar, ou seja, “sobre ser condenado a um lugar de onde nunca poderia sair”.

Para os imortalistas protestantes que não creem no purgatório, a interpretação dessas passagens faz a prisão se tornar eterna, ainda que o contexto afirme que não é. Para os protestantes mortalistas, a mesma tem o aspecto de temporária, de que o condenado não sofre nela para sempre, mas que permanece nela e nunca mais retorna, pois o seu fim é a morte. As duas interpretações não tem respaldo contextual, como já mostrado acima.

O próprio texto de Isaías 24, 21-23, citado para defender a prisão temporária seguida de morte, não diz isso.

De fato, a prisão temporária mortalista significa o tempo de castigo, que é proporcional, de intensidade adaptada a cada caso, até que chegue ao fim. A duração da prisão inteira é tida como o tempo do castigo, até o aniquilamento do último condenado.

Mas o texto de Isaías supõe a prisão antes do castigo, ou seja, para depois de muitos dias vir o castigo, pois os prisioneiros ficam na prisão e são castigados depois. Seria esse castigo a inexistência, o aniquilamento?

Ainda assim seria uma interpretação forçada, contradizendo mesmo o teor mortalista que afirma que o castigo é finito, com já comentado antes. E se assim o for, se o mortalismo admite que a prisão descrita é um castigo, mas que o termo paqad se refere a outro castigo, terá de admitir que essa noção é muito bem explicada na doutrina do inferno.

Para quem crê na doutrina do inferno, sabe que a prisão já ocorre para as almas, sendo ela o próprio castigo, pois que já é um sofrimento, e já possui penas proporcionais, mas o juízo final, na ressurreição, é o momento do castigo aludido em Isaías 24, o castigo final, após o tempo em que os prisioneiros condenados já estão na prisão. Portanto, em Mt 5, 25-26 a referência é a uma prisão temporária de fato, de onde se pode sair, mas esse texto do profeta Isaías realmente se refere ao inferno.

O interessante é que o sumário cronológico mortalista apresenta a prisão, o quarto passo da condenação, seguida da morte na geena. Assim, pelo exposto, a prisão é um lugar, e a geena é outro.

Mas, nos arrazoados do livro, a geena deveria ser o lugar de castigo até a extinção, o aniquilamento, segundo o mortalismo, já que para essa doutrina a prisão não é ainda sofrimento algum, como fica claro quando criticam a noção que se tem do tártaro. Portanto, há mais esse problema para o mortalismo solucionar.

O lugar de aniquilamento seria a prisão. Porém, pelo apresentado acima, a prisão é outro lugar. Deve-se melhor apresentar essa doutrina mortalista. Tradicionalmente o hades é o mundo dos mortos, mas é também usado para falar do inferno, como lugar de tormento. O mesmo com o tártaro, e também com a geena, termos que significam o inferno.

E por fim, a doutrina mortalista vê nas palavras de Santo Inácio uma confirmação, mas certamente santo Inácio apenas usou de uma figura de linguagem, exagerando, e não expressando a doutrina aniquilacionista.

Gledson Meireles.

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