segunda-feira, 27 de julho de 2020

A soberania de Deus e o livre-arbítrio humano

Êxodo 1,19-20

No livro de Êxodos lemos a respeito de duas mulheres, Sefra e Fua, que eram parteiras do povo hebreu, e não fizeram o que o faraó ordenou (Ex 1,15) porque elas temiam a Deus (v. 17).

Por isso, Deus as abençoou. As parteiras desobedeceram às ordens do rei do Egito, que mandava matar todos os primogênitos do sexo masculino, e deixaram os meninos hebreus viverem.

Elas mentiram ao rei para conservarem suas vidas, mas por temor a Deus não fizeram mal àquelas criancinhas. Com isso, a Escritura afirma que Deus as beneficiou por sua obediência (v. 21).

O projeto de Deus, de fazer o povo hebreu multiplicar, foi posto em ação através daquela atitude das parteiras. Atitude livre por sinal. E por essa causa, Deus abençoou as famílias de cada uma daquelas mulheres.

Essa passagem é uma das muitíssimas que mostram a Soberania de Deus agindo através do livre-arbítrio das criaturas. A Bíblia não afirma que Deus fez as parteiras agirem daquela forma, mas afirma que por elas terem feito isso, por temor de Deus, o povo cresceu e Deus concedeu a prosperidade a cada uma daquelas parteiras por ter agido em prol do plano divino.

Em sentido metafísico, onde todos os atos humanos são conhecidos por Deus, temos de admitir que Deus sabia da atitude das parteiras, e o Seu plano era salvar Moisés, e com isso salvar dos judeus escravizados no Egito.

Que natureza tem esse conhecimento de Deus? Dirão os reformados que Deus determinou tudo isso, e por isso Ele o conhecia. No entanto, a presciência de Deus explica satisfatoriamente esse fato, e refuta a doutrina acima.

Deus que conhece toda as Suas obras, e sabendo da maldade que viria do uso do livre-arbítrio dado à humanidade, soube que o Faraó promulgaria aquela lei vil, e sabia do bom proceder daquelas mulheres parteiras, de forma a escrever Seu plano libertador levando em conta todas essas ações livres das criaturas. Por isso, a Escritura mostra o Senhor abençoando aquelas mulheres, pois agiram com livre-arbítrio por termo a Deus.

Em uma doutrina determinista extremada que destrói o livre-arbítrio humano dir-se-ia que Deus teria determinado a ação do Faraó, determinado a atitude das parteiras, e tudo ocorreu porque não podia ter ocorrido de outra forma.

Também poderia ser dito, de forma mesmo rígida, que o faraó e as parteiras foram livre agentes, sendo responsáveis por suas escolhas, mas tudo estava determinado por Deus para assim agir, por exemplo, tanto o pecado do faraó quanto a misericórdia das mulheres parteiras.

Ou diria outros que o fato do conhecimento de Deus de todas essas coisas faria de tudo isso um cenário determinado, já que não poderia ocorrer de outra forma que Deus não soubesse, o que deixaria fora o livre-arbítrio.

Essas três objeções não possuem fundamento Bíblico, com ficou claro pelo contexto, pela própria linguagem inspirada, que mostra seres humanos livremente e com motivos livres obedecendo a Deus e recebendo dEle a bênção.

Em primeiro lugar, o texto não supõe que tudo estivesse determinado. Em segundo lugar, conhecer um fato não é determiná-lo. A determinação de um fato se dá na sua realização. O avião acaba de aterrissar em Porto Alegre. É um fato. Não há como ele não ter aterrissado mais, impossível que o fato seja desfeito. No entanto, um observador que viu cinco segundos antes do avião baixar à terra soube que o avião iria aterrissar ali, por uma forte conjectura. No entanto, por melhor que fosse a conjectura ela não poderia determinar que o avião estaria em terra, mas apenas prever o fato.

Ele não podia também prever infalivelmente que o avião desceria ao chão, pois o piloto poderia retomar o vôo inesperadamente e aquilo que parecia ser uma aterrissagem não se concluiria, mas a probabilidade de isso ocorrer seria ínfima demais, a ponto de ser uma certeza na imensa maioria das vezes que a aterrissagem de fato iria ocorrer.

Mas, Deus é infinito e tem conhecimento perfeito, e não meras conjecturas. Deus vê o futuro como vê o presente, e tudo tem nEle a Sua origem, e tudo funciona segundo as leis que Ele estabeleceu, e por isso o Senhor pode conhecer mesmo casos fortuitos.

No entanto, o conhecimento de Deus não é causa das coisas, mas sabendo dos fatos que nascem da Sua criação livre, Ele os pode conhecer infalivelmente sem causá-los, de forma que a realização do fato é pré-conhecida e livre. É infalivelmente pré-conhecida. Não há possibilidade de erro. Deus soube que o avião iria aterrissar ali naquele instante porque o fato era verdadeiro e não podia nunca escapar do Seu conhecimento. Portanto, o conhecimento divino não causou a aterrissagem do avião.

Da mesma forma, o fato do Faraó pensar em legislar para exterminar o povo hebreu não foi determinado por Deus, assim também com a arriscada coragem das parteiras em poupar os meninos que ajudaram a nascer, embora tudo era conhecido por Deus de antemão. Por tudo isso, Deus julgou o Faraó e abençoou as parteiras, por agirem livremente, e serem responsáveis pelas suas atitudes.
 
Gledson Meireles.

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