sábado, 3 de fevereiro de 2018

Um pouco de história: comentário breve

O medievalista Èdouard Perroy mostra um cenário histórico da Igreja Católica bem diverso do que está sendo apresentado atualmente na apologética protestante.
 
Alguns pontos importantes para refletir:
 

. Ele apresenta a Santa Sé com uma instância que tentou, no século XIV, desenvolver a tarefa de responsável pelo poder temporal, mas que com os meios de que dispunha e grande ameaça diante do poder laico, fez que com que logo apareceram reações, e por último ficou claro de que era impotente para tamanha responsabilidade.
. Afirma, em outras palavras, que o papa Urbano V era um santo homem de Deus.
. Mostra que as críticas de Petrarca, o eram, na sua maioria, indignas de crédito, e que esse “juiz malévolo dos papas” “não tinha o intuito de depreciar a função pontifical”, e que considerava o papado a fonte de toda autoridade.
. Também mostra que o papa João XII tentava limitar os abusos que ocorriam.
. Das muitas acusações contra os papas, afirma que são mexericos aquilo que escreviam Petrarca, Milani ou Marsílio de Pádua, que nunca forneciam provas, por exemplo, e que os papas eram censurados injustamente pelos inimigos do papado.
. Ainda, é importante saber que logo nesse tempo as intenções da Santa Sé só eram seguidas se o Império tivesse o mesmo parecer, pois caso contrário prevalecia a força imperial.
. O rei arrogava-se no direito de dirigir a Igreja nacional, onde o papa seria um “guia espiritual longínquo”.
Tudo isso é mostrado detalhadamente pelo historiador.
Ao que parece, algumas da historia podem ser usadas no espírito em que está sendo empregado na apologética protestante, como seria a seguinte passagem, que está justamente entre os fatos apresentado acima, mas que pode ser lida como se o historiador afirmasse o que muitos apologistas afirmam, ou seja, como se a Igreja fosse sanguinária, violenta, enganadora, etc., e como se isso fosse história. A passagem é a seguinte:
“Ainda em 1312 Clemente V proclamava, na constituição Pastoralis cura, a plenitude do poder pontifical e João XII (constituição Si fratrum, 1316) o seu direito de mandar no céu e na terra.”
Passagens como essas são fartamente mostradas nos artigos contra a Igreja. No entanto, esse parágrafo acima não mostra os papas como a apologética anti-católica faz, e está contando fatos que não têm essa pretensão.
Na verdade, parece que os apologistas transferem o que a história apresenta mais comumente dos imperadores como se fosse dos papas.
Exemplo é que o trecho acima é seguido de: “A morte quebrou a ambição de Henrique VII, logo após a sua coroação romana (1313), mas Luís da Baviera teve a felicidade de cingir a coroa, contra a vontade do papa, na Cidade Eterna interdita (1328).”
Trecho completo:
“Ainda em 1312 Clemente V proclamava, na constituição Pastoralis cura, a plenitude do poder pontifical e João XII (constituição Si fratrum, 1316) o seu direito de mandar no céu e na terra. A morte quebrou a ambição de Henrique VII, logo após a sua coroação romana (1313), mas Luís da Baviera teve a felicidade de cingir a coroa, contra a vontade do papa, na Cidade Eterna interdita (1328).”
Fonte: PERROY, Èdouard. A Idade Média: O Período da Europa Feudal, do Islã Turco e da Ásia Mongólica. Historia Geral das Civilizações. Difusão Europeia do Livro.
Gledson Meireles.

10 comentários:

  1. Não entendi bem o propósito do artigo, seria dizer que os papas realmente não tinham nenhuma pretensão de se colocar acima dos imperadores? Talvez eu tenha entendido mal, mas se for o caso, eu recomendo a leitura da bula "Unam Sanctam", onde o papa claramente se coloca acima dos reis temporais, usando uma série de raciocínios engenhosos e analogias tortuosas. O tom é tão arrogante e prepotente que causou a reação do rei francês, a consequência você já deve conhecer. Pode ser lida nesse site católico tradicionalista, embora ele tenha cortado algumas partes e alterado um pouco a tradução (o original é mais enfático, mas ainda assim revela bastante coisa):

    http://www.montfort.org.br/bra/documentos/decretos/unamsanctam/

    Eu tenho dúzias de documentos históricos aqui dizendo basicamente as mesmas coisas, mas acho que só essa bula já é suficientemente clara. Perdoe-me se interpretei mal suas intenções no texto.

    Abs.

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    1. Lucas, mostrei o que o historiador afirmou sobre o assunto. O propósito é passar uma visão mais moderada, onde vemos as intenções dos papas, dos reis, etc.

      É verdade que o papa já quis estar acima dos imperadores com consequências no que tange ao poder temporal, mas o que vejo é que a história não mostra que todos os papas foram maus, ou que a Igreja Católica tenha um caráter maléfico, e etc. Lendo o seu último artigo, pude elencar algumas coisas:

      1) Os “papistas” ameaçando os “evangélicos”.
      2) Os protestantes escolhendo um meio pacífico e em tom cortês, na Dieta de Augsburgo, ao invés de reagir com guerras e violências.
      3) O imperador tentar persuadir um protestante, Filipe de Hesse, a deixar a sua fé.
      4) Os católicos tentaram forçar os protestantes a participar das cerimônias católicas.
      5) Protestantes aceitam proposta e participam por imposição de culto ecumênico.
      6) Que os católicos eram intolerantes e os protestantes eram moderados e tinham domínio de si.
      7) O Dr. Eck reconhecia que não podia refutar a doutrina protestante com a Bíblia e apelou aos padres da Igreja.
      8) Poucos católicos eram moderados.
      9) Filipe de Hesse ficou desapontado com negociações de Melâncton com os “papistas”.
      10) Os protestantes não tiveram um ambiente democrático para debater suas ideias,
      11) Palavras de João da Saxônia e de outros protestantes mostram que os mesmos eram de espírito pacífico.

      etc.

      Essa é uma imagem bem negativa da Igreja Católica, por exemplo, que não encontrei em Èdouard Perroy. Como entender isso?

      Às vezes publico essas notas porque acho que ajudam a entender resumidamente esses temas.

      Vou ler novamente a bula Unam Sanctam.

      Até mais.

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    2. Agora compreendo melhor o seu ponto (no texto ficou parecendo que você defendia a ideia de que em momento nenhum os papas se colocaram acima dos imperadores, ao menos foi o que eu havia entendido). Não conheço Èdouard Perroy nem consegui achar muita coisa sobre ele pesquisando na internet, mas de todo modo, incentivo-lhe a continuar pesquisando sobre esses assuntos históricos. Não que eu ache que você vá necessariamente acabar defendendo uma imagem negativa da Igreja Romana no final, mas pelo menos poderá ver que boa parte da atual apologética católica no que se refere a questões de cunho histórico está bastante defasada; são muitos os que ainda tem em mente a noção da Igreja como uma instituição totalmente bondosa e caridosa, e até mesmo tolerante e amável para com os divergentes, e, convenhamos, acho bastante difícil encaixar esse conceito nos livros de história, bem como a visão super positiva da Idade Média.

      Talvez possa parecer pelos meus textos que eu vejo a Igreja medieval de uma forma 100% negativa, mas não é assim, tudo tem a ver com a intenção e o público para quem se está produzindo o material, que no meu caso se direciona a católicos tridentinos que distorcem fatos históricos para atacar a Reforma, praticar revisionismo da Inquisição e cruzadas ou glorificar a Igreja Católica por coisas que ela não merece, então faz-se necessário citar os "papas maus" que você disse, os documentos dos concílios, assembleias, bulas e etc. Isso não tem a intenção de dizer que tudo o que a Igreja fez no passado foi ruim, mas apenas de dar um "balde de água fria" em quem pensa que foi tudo bom, ou que pelo menos as coisas eram melhores do que são hoje. A confrontação é necessária para isso. Mas se fosse alguém do outro extremo com um discurso totalmente oposto dizendo que não houve nada de bom, aí eu contestaria essa pessoa da mesma maneira (ou seja, mostrando as coisas boas, como fiz no meu livro "Deus é um Delírio?", em que refuto algumas acusações dos neo-ateus, inclusive de que a Igreja “proibia” a ciência, ou que nada foi produzido por mil anos).

      De todo modo não é minha intenção iniciar um debate aqui, eu só queria mesmo um esclarecimento do seu ponto de vista e me dei por satisfeito.

      Abs!

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    3. Quem bom, e que possamos mais e mais conhecer a verdade, que é a vontade de Nosso Senhor Jesus. De vez em quando posto algumas linhas que ajudam a ver, dentro desse assunto complexo, a natureza da Igreja Católica, que mostra-se sempre essencialmente positiva.

      Gledson.

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    4. É neste ponto que reside a nossa divergência: para você, a Igreja Romana é "sempre essencialmente positiva", embora com alguns erros. Para mim, na maior parte do tempo da Idade Média e Moderna é essencialmente negativa, embora com alguns acertos. Essa também é a diferença teológica entre o católico e o protestante: para o católico, a Igreja sempre foi "Católica Apostólica Romana", e qualquer mudança vista ao longo destes dois mil anos é apenas “desenvolvimento de doutrina”, enquanto para o protestante esse “desenvolvimento de doutrina” tem por nome apostasia, sincretismo pagão ou acréscimos doutrinários, e nosso padrão deve ser “voltar às raízes” do século I, em vez de “progredir” para um caminho desconhecido e perigoso. Toda apologética que se faça de um lado ou do outro servirá apenas para tentar fortalecer este ou aquele conceito que se tenha de Igreja.

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    5. Ou para colocar a situação de uma outra forma: o católico vê as mudanças como sendo um desenvolvimento correto e sadio, e as tentativas de “regresso à Igreja primitiva” como “heresia”, “seita”, “cisma” e tudo mais, enquanto o protestante pensa exatamente da forma oposta: a “heresia” é o “desenvolvimento” para uma forma que se distancie do padrão imutável da doutrina apostólica primitiva, e não as tentativas de se restaurar este padrão.

      Abs.

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    6. É justamente isso, motivo que os dois lados não entendem-se facilmente. Entendo perfeitamente assim.

      É um assunto complicado, e só com o entendimento espiritual, com oração, com o auxílio Soberano de Deus é que podemos cada vez melhor distinguir a verdade e o erro.

      Gostaria de saber como você entende o que escrevi nos artigos "Identificando a Igreja...". Podemos dialogar um pouco partindo dos fatos que aponto nesses textos.

      Até mais.

      Gledson

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  2. "As palavras do Evangenho nos ensinam: esta potência comporta duas espadas, todas as duas estão em poder da Igreja: a espada espiritual e a espada temporal. Mas esta última deve ser usada para a Igreja enquanto que a primeira deve ser usada pela Igreja."

    Entendo que o texto está afirmando que o poder temporal deve servir à Igreja, defendendo-a e sendo usado conforme os interesses dos cristãos e não contra eles.

    Pensando isso, escrevi acima: É verdade que o papa já quis estar acima dos imperadores com consequências no que tange ao poder temporal...

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  3. Artigo 1: http://heresiasrefutadas.blogspot.com.br/2016/08/identificando-igreja-de-jesus-cristo.html.

    No final desse artigo há links dos demais: https://heresiasrefutadas.blogspot.com.br/2017/06/identificando-igreja-em-coritno-na-2.html.

    Boa leitura.

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