quarta-feira, 31 de dezembro de 2025

O que é o lago de fogo em Apocalipse 20, 10?

 Refutação: • Apocalipse 20:10 e o significado do “lago de fogo”


Tradicionalmente o “lago de fogo” é interpretado como o inferno, onde há um fogo espiritual e literal, ou seja, existe mesmo, onde sofrem as almas ímpias e depois os réprobos ressuscitados. O fogo é espiritual, já que é a punição pelo pecado, e literal, já que atinge as almas e corpos ressuscitados não glorificados.

A interpretação mortalista expressa no livro é muito curiosa. Como o lago de fogo é a segunda morte, então a doutrina aniquilacionista ensina que o castigo anterior à segunda morte não é o lago de fogo. Muito curioso. Mas, faltou explicar onde está isso na Bíblia.

Essa noção é, ao que parece, bastante nova, pois cria uma punição temporária por causa do pecado antes da entrada no lago de fogo e enxofre, conceito que não se encontra em nenhum versículo bíblico. Essa é a primeira refutação.

O autor afirma que Ap 20, 14 explica Ap 20, 10, apenas dizendo que o “tormeno eterno”, que é realizado no lago de fogo, é somente a “segunda morte”, no sentido de destruição e inexistência. O primeiro texto citado expressa o seguinte: A morte e a morada dos subterrânea foram lançadas no tanque de fogo. A segunda morte é esta: o tanque de fogo (Ap 20, 14). O segundo texto afirma: O Demônio, sedutor delas, foi lançado num lago de fogo e de enxofre, onde já estavam a Fera e o falso profeta, e onde serão atormentados, dia e noite, pelos séuclos dos séculos (Ap 20, 10).  Na doutrina mortalista o tormento seria a inexistência. Isso já pode ser considerado parte da primeria refutação. No entanto, nessa simbologia temos o Demônio, que é espírito, lançado no fogo. A imagem supõe a existência da besta e do falso profeta ainda ali. De fato, não faz muito sentido o tormento simbolizar a inexistência.

Mas, é interessante que o autor mortalista admitiu que nesse verso é mostrado o “tormento eterno dos ímpios”, embora interprete esse “tormento” como a inexistência. Como visto, é óbvio, permanecendo o fato de que a linguagem bíblica expressa claramente o tormento eterno. O restante é uma interpretação do mortalismo, e vamos ver se ela é válida. Pelo primeiro sinal de incoerência, parece que não. De fato, a Bíblia não ensina que os ímpios sofrerão proporcionalmente e depois serão destruídos. Pelo contrário, o tormento se dá no lago de fogo e não antes.

Assim, o conceito tradicional de segunda morte é que essa punição eterna vem após a punição temporal da morte física. É uma segunda punição. Ou seja, há duas punições para o pecado, a morte e o inferno. A primeria é a morte física por onde todos passam, salvos e não salvos. A segunda é o inferno, onde somente os réprobos sofrem. É preciso ver que mesmo os salvos, já perdoados e na posse da vida eterna, passam pelo salário do pecado que é a morte (cf. Rm 6, 23) e não estão mais sob o poder da segunda morte. De fato, o texto de Rm 6, 23 tem estreita relação com a segunda morte, ao dizer que a morte é o salário do pecado e afirmar que a vida eterna é o dom de Deus. Assim, se entende que São João use a expressão segunda “morte” para tratar da morte final.

Como a morte é o salário do pecado, tanto a primeira como a segunda são punições. Mas, a segunda é irreversível, pois os mortos ficam presos nas suas cadeias longe de Deus eternamente. A primeira foi uma prisão temporária, a segunda é eterna, pode-se dizer. Portanto, morte não é inexistência.

Dessa forma, não é a doutrina aniquilacionista que possui uma interpetação plausível com mais sentido. Assim, pode-se pensar que todos passam pela primeira morte, porque todos pecaram, mas somente os que rejeitarem a salvação é que sofrerão a segunda punição, a segunda morte, por rejeitarem o perdão de Deus.

Como já afirmado, a morte não é inexistência. Os ímpios sofrerão no final “no” lago de fogo, e não antes de entrarem no lago de fogo, como fica na interpretação que o livro mortalista apresenta.

Desse modo, é preciso notar que há um lugar de punição, o tanque de fogo e enxofre, para os que serão condenados após o juízo.

O argumento de que a segunda morte poderia ser a “separação da alma e do corpo” é muito bom, é franco, pode-se dizer, usando a linguagem que o autor mortalista empregou para se referir a um argumento imortalista. Faz sentido perguntar. Mas ele parte do pressuposto que o termo “morte” no versículo está sendo usado no sentido literal, explicando uma figura de linguagem, e que esse sentido seria o mesmo que inexistência.

Diante disso, pode-se responder que a linguagem do Apocalipse é simbólica, e por isso a explicação da segunda morte é necessária, e se trata de ela ser “o lago de fogo”. O autor discorda dessa interpretação, e afirma o contrário, ou melhor, afirma que o lago de fogo é que é usado como símbolo da segunda morte. Essa explicação é curiosa, e vamos testá-la. O símbolo é a segunda morte ou o lago de fogo? Certamente, o lago de fogo e, possivelmente, ambos. Os ímpios estão mortos em faltas e pecados (Ef 2, 1). O salário do pecado é a morte, como afirma a Escritura. Serão mortos aqueles que já estão mortos? Sim. Uma vez que os mortos em faltas e pecados estão mortos espiritualmente, e não literalmente, estão em condenação mas não sofrendo a condenação ainda, é perfeitamente compreensível a passagem. Assim, e o mortalismo afirma que a segunda morte é a inexistência, ela é chamada de segunda porque há uma primeira morte espiritual naqueles que irão provar a segunda. O argumento que afirma sejam zumbis os que morrerão novamente não faz sentido.

Vejamos de outra forma: há uma morte física para todos. Mas também há uma morte espiritual nos impíos. Esses morrem fisicamente, mas nem por isso estão morrendo outra vez no mesmo sentido. Assim, quando se fala da segunda morte está sendo relacionada a primeira morte física com a segunda. Estamos de acordo. No entanto, a segunda morte é o lago de fogo.

Também, ninguém pensa que os mortos são julgados, condenados e morrem novamente, mas julgados, condenados e lançados no lago de fogo e enxofre. Esse lago é o sentido da segunda morte. Não se trata de uma morte igual em natureza à primeira.

Assim, o que faz pensar que a segunda morte é diferente da primeira é essa linguagem apocalíptica que usa o termo morte em um conceito de “castigo”, como se falasse do segundo castigo.

Eis que outro argumento aniquilacionista, muito bom por sinal, entra em jogo. São João explicaria que o lago de fogo é a segunda morte por se tratar de algo simbólico, não sendo o próprio significado o conceito. Formidável.

Assim explica o livro mortalista: “Note ainda que João não diz que a segunda morte é o lago de fogo, como interpretam os imortalistas, mas precisamente o contrário: que o lago de fogo é a segunda morte.” Não. O original grego afirma que a segunda morte é o lago de fogo. De fato, o símbolo “segunda morte” é usado em Ap 2, 11: o vencedor não sofrerá dano algum da segunda morte. Assim também em Ap 20, 6: Sobre eles a segunda morte não tem poder. Então, São João explica mais adiante o que significa o tanque de fogo aonde foi lançado o Demônio e onde estavam a Fera e o falso profeta (Ap 20, 10). No versículo 14 está a explicação: A segunda morte é está: o tanque de fogo.

É justamente por isso que tradicionalmente o lago de fogo é o inferno, um lugar espiritual, que não é literalmente um “lago” comparado a um lago de água, como que mudando apenas seu conteúdo para as chamas de fogo, mas que esse “lago” simboliza o suplício eterno. Está vendo, o lago também pode ser um símbolo.

Tudo está no campo das figuras de linguagem apocalípticas. Assim, todos concordamos que o lago tipifica outra coisa, e essa coisa não é a “inexistência”, mas um castigo eterno para os réprobos ressuscitados e conscientes, um lugar espiritual de suplício. É pacífico que o castigo no lago de fogo é eterno, ou melhor, tem duração eterna, seja ele qual for.

De outra forma, estaria o autor apenas literalizando o termo “morte”, e quando se diz que a segunda morte é o lago de fogo, estaria apenas mostrando que a primeira morte é idêntica à segunda, como entendem os mortalistas, o que já está refutado, pois essa morte não é inexistência, e nem que a primeira e a segunda “morte” são os mesmos fatos em natureza. Pelo contrário, o contexto indica que são os dois castigos pelo pecado, e são diferentes. A segunda é o lago de fogo.

Se é assim, se a segunda morte é apenas inexistência, e traz o sentido somente disso, vamos interpretar o texto e ver se o conceito encaixa-se perfeitamente.  Se a alegoria do fogo é usada apenas para representar outra morte física, isso deverá fazer sentido no contexto.

Se a morte é um “sono”, com a diferença que a primeria há despertar e a segunda não, então a morte seria algo que ninguém saberia o que é, já que não se tem consciência quando não existe. E a explicação do Targum é bastante importante, mas não é maior que aquilo que o texto bíblico explicita. E certamente a segunda morte no Targum não é explicitamente a inexistência, mas a condenação, restando explicar a natureza dessa.

Voltando ao texto do Ap 20, no verso 10 o Demônio é lançado no lago de fogo e enxofre, que na interpretação mortalista signficia o fim, a inexistência. Então o Demônio deixou de existir. E o texto afirma que lá estavam a Fera e o falso profeta, ou seja, interpretado como se não existissem mais. Seria o “lá na inexistência”, onde já estavam esses seres citados.

Mas o Apocalipse afirma que eles estavam sendo “atormentados, dia e noite”. E a outra questão é que o Demônio é lançado no lago após sua derrota, sem dizer o mínimo sobre um castigo “antes” de ser lançado ali. A punição se identifica com o lago de fogo, e não com outra coisa. Isso mostra que essa inovação interpretativa não deu certo. Não existe castigo proporcional antes do lago de fogo. Parece que está refutado o argumento aniquilacionista.

Na interpretação mortalista, fundamentada no argumento do Dr. Bacchiocchi, “a segunda morte é o lago de fogo”. Assim, o autor do livro explica que o símbolo é interpretado em Ap 20, 10.14 como é feito em Ap 1, 20, onde as estrelas são os anjos e os candelabros são as igrejas.

O texto grego assim diz em Apocalipse 1, 20: “As sete estrelas os anjos das sete igrejas são, e os candelabros sete, (as) sete igrejas são”, se formos traduzir literalmente.

Aqui temos duas refutações: a primeira, é que o grego explica o simbolismo usando a estrutura “estrelas são anjos e candelabros são igrejas”. Segundo, os anjos podem também ser um símbolo, pois possivelmente se referem aos bispos das igrejas e não aos anjos literais, pois seria estranho o apóstolo João escrever cartas a anjos literais.

Dessa forma, quando o autor do livro mortalista afirma: Note ainda que João não diz que a segunda morte é o lago de fogo, como interpretam os imortalistas, mas precisamente o contrário: que o lago de fogo é a segunda morte. Se o lago de fogo da visão que João recebeu significasse um lago de fogo literal, João nem ao menos precisaria explicar do que ele se trata, já que seu significado seria o próprio conceito.”, ele não consultou o texto grego, mas usou o argumento do Dr. Bacchiochi. E a partir daquele argumento construiu mais um, como se o lago de fogo fosse o símbolo.

E o texto grego assim afirma: “οτος (este) (a) θάνατος (morte) (a) δεύτερός (segunda) στιν, (é) (o) λίμνη (lago) το (de) πυρός (fogo)”: podendo ser traduzido assim: esta a morte segunda é o lago de fogo.

Ou seja, o contrário do que o autor do livro mortalista afirmou, pois ele seguiu uma tradução em português. Novamente, em grego literal está assim: “Esta a morte segunda é o lago de fogo”. O Apocalipse está explicando a segunda morte como símbolo, e o lago de fogo como o conceito.

A tradução da King James e da Almeida Corrigida e Fiel fizeram o contrário, o que corrobora a interpretação do livro, mas que não é o que está no original grego.

A versão da Ave Maria assim traduz: “A segunda morte é esta: o tanque de fogo”. Em outras palavras, o tanque de fogo é o conceito de segunda morte, para usar o raciocínio do autor mortlaista, ao mesmo tempo que refutando sua interpretação.

Ao invés de pensar que os ímpios morreriam outra vez, e seus corpos voltariam à corrupção, por assim dizer, a morte é explicada de outra forma: ela não é como a primeira, mas é o lago de fogo. Dessa maneira, há razão, causa, motivo e circunstância para interpretar o que é a segunda morte.

Desse modo, temos:

Ap 1, 20

As sete estrelas são os anjos

Ap 1, 20

Os sete candelabros, as sete igrejas

Ap 20, 14

A segunda morte é esta: o tanque de fogo

 

O grego literal está aproximadamente assim: “as sete estrelas, anjos das sete igrejas são e os candelabros sete, sete igrejas são”: “ο πτ στέρες γγελοι τν πτ κκλησιν εσίν κα α λυχνίαι α πτ  πτ κκλησίαι κκλησίαι”.

A estrutura usada em Ap 20, 14, onde o símbolo é explicado, mostra que aquilo que está no lugar do símbolo é a “segunda morte”.

Então, essa versão que o livro mortalista trouxe, e serviu para o seu argumento inteiro, não traduziu conforme o original em relação à estrutura: “Então a morte e o Hades foram lançados no lago de fogo. O lago de fogo é a segunda morte.” Aqui o lago de fogo está no lugar do símbolo, mas no original não. Assim, essa é de fato mais uma refutação.

Quando São João explica que a segunda morte é o lago de fogo, os judeus entenderam que se tratava do hades igual a inferno, como na parábola do rico e Lázaro.

Jesus afirma que na Sua vinda os ímpios serão consumidos, como nos dias de Sodoma. Ainda, a explicação mortalista da figura do fogo e enxofre caindo do céu como aquilo que aniquilará os ímpios, criando um lago de fogo e enxofre onde eles estão, torna toda a cena literal, o que contradiz o que o autor mortalista quis explicar acima. Ainda, contradiz aquela noção de que haverá castigo proporcional antes do lago de fogo.

Em outras palavras, se o fogo que cairá do céu é literal, criando um lago de fogo, então não haverá um castigo instantâneo, e assim o lago de fogo é o lugar do tormento proporcional, o que contraria a explicação anterior. Se o fogo que cai do céu aniquila os ímpios, e a figura do lago de fogo é apenas um símbolo para mostrar o que aconteceu aos condenados, então não houve castigo proporcional, contrariando a doutrina aniquilacionista proposta no livro. Das duas formas não há como harmonizar com a doutrina bíblica. E também houve incoerência na própria interpretação mortalista apresentada.

Se o lago de fogo não pode ter um fogo literal, já que a morte e o hades são nele lançados, também a forma de “aniquilar” os ímpios também deverá ser sem fogo. Ou haverá fogo? O aniquilacionista decide.

E a explicação de que o lago de fogo causa tormeno apenas no sentido simbólico é plausível, mas não se sustenta diante do que já foi exposto acima. E falta ainda ficar claro como será a completa aniquilação, como ensina o aniquilacionismo, se é pelo fogo e enxofre que cairá do céu instantaneamente, como falam as imagens proféticas, ou se realmente esse fogo formará um lago onde por um período temporário individual cada um irá ser consumido por séculos talvez, no tempo proporcional às suas faltas. É isso que dá introduzir outras interpretações das figuras bíblicas.

Se o fogo devorador cai do céu e elimina em um só instante a todos os ímpios, não há graus de castigo. Se o lago de fogo é apenas uma forma de mostrar o que aconteceu com os que morreram no fogo que caiu do céu na vinda de Jesus, de fato a explicação parece negar que haja castigo proporcional. De fato, não há como morrer instantaneamente e ao mesmo tempo ter um castigo proporcional às culpas. Por essa incoerência, surge mais uma refutação.

Portanto, a explicação de que o tormento diário para sempre é apenas parte do sentido simbólico foi bastante plausível no contexto da apresentação da doutrina aniquilacionista. Bom argumento. No entanto, em geral foram mostrados muitos problemas que invalidam a interpretação.

Gledson Meireles.

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