Refutação: • Apocalipse 20:10 e o significado do “lago de fogo”
Tradicionalmente o “lago de fogo” é interpretado como o
inferno, onde há um fogo espiritual e literal, ou seja, existe mesmo, onde
sofrem as almas ímpias e depois os réprobos ressuscitados. O fogo é espiritual,
já que é a punição pelo pecado, e literal, já que atinge as almas e corpos
ressuscitados não glorificados.
A interpretação mortalista expressa no livro é muito
curiosa. Como o lago de fogo é a segunda morte, então a doutrina
aniquilacionista ensina que o castigo anterior à segunda morte não é o lago de
fogo. Muito curioso. Mas, faltou explicar onde está isso na Bíblia.
Essa noção é, ao que parece, bastante nova, pois cria uma
punição temporária por causa do pecado antes da entrada no lago de fogo e
enxofre, conceito que não se encontra em nenhum versículo bíblico. Essa é a
primeira refutação.
O autor afirma que Ap 20, 14 explica Ap 20, 10, apenas
dizendo que o “tormeno eterno”, que é realizado no lago de fogo, é somente a
“segunda morte”, no sentido de destruição e inexistência. O primeiro texto
citado expressa o seguinte: A morte e a
morada dos subterrânea foram lançadas no tanque de fogo. A segunda morte é esta:
o tanque de fogo (Ap 20, 14). O segundo texto afirma: O Demônio, sedutor delas, foi lançado num lago de fogo e de enxofre,
onde já estavam a Fera e o falso profeta, e onde serão atormentados, dia e
noite, pelos séuclos dos séculos (Ap 20, 10). Na doutrina mortalista o tormento seria a
inexistência. Isso já pode ser considerado parte da primeria refutação. No
entanto, nessa simbologia temos o Demônio, que é espírito, lançado no fogo. A
imagem supõe a existência da besta e do falso profeta ainda ali. De fato, não
faz muito sentido o tormento simbolizar a inexistência.
Mas, é interessante que o autor mortalista admitiu que nesse
verso é mostrado o “tormento eterno dos ímpios”, embora interprete esse
“tormento” como a inexistência. Como visto, é óbvio, permanecendo o fato de que
a linguagem bíblica expressa claramente o tormento eterno. O restante é uma
interpretação do mortalismo, e vamos ver se ela é válida. Pelo primeiro sinal
de incoerência, parece que não. De fato, a Bíblia não ensina que os ímpios
sofrerão proporcionalmente e depois serão destruídos. Pelo contrário, o
tormento se dá no lago de fogo e não
antes.
Assim, o conceito tradicional de segunda morte é que essa
punição eterna vem após a punição temporal da morte física. É uma segunda
punição. Ou seja, há duas punições para o pecado, a morte e o inferno. A
primeria é a morte física por onde todos passam, salvos e não salvos. A segunda
é o inferno, onde somente os réprobos sofrem. É preciso ver que mesmo os
salvos, já perdoados e na posse da vida eterna, passam pelo salário do pecado
que é a morte (cf. Rm 6, 23) e não estão mais sob o poder da segunda morte. De
fato, o texto de Rm 6, 23 tem estreita relação com a segunda morte, ao dizer
que a morte é o salário do pecado e afirmar que a vida eterna é o dom de Deus.
Assim, se entende que São João use a expressão segunda “morte” para tratar da
morte final.
Como a morte é o salário do pecado, tanto a primeira como a
segunda são punições. Mas, a segunda é irreversível, pois os mortos ficam
presos nas suas cadeias longe de Deus eternamente. A primeira foi uma prisão
temporária, a segunda é eterna, pode-se dizer. Portanto, morte não é
inexistência.
Dessa forma, não é a doutrina aniquilacionista que possui
uma interpetação plausível com mais sentido. Assim, pode-se pensar que todos
passam pela primeira morte, porque todos pecaram, mas somente os que rejeitarem
a salvação é que sofrerão a segunda punição, a segunda morte, por rejeitarem o
perdão de Deus.
Como já afirmado, a morte não é inexistência. Os ímpios sofrerão
no final “no” lago de fogo, e não
antes de entrarem no lago de fogo, como fica na interpretação que o livro
mortalista apresenta.
Desse modo, é preciso notar que há um lugar de punição, o
tanque de fogo e enxofre, para os que serão condenados após o juízo.
O argumento de que a segunda morte poderia ser a “separação
da alma e do corpo” é muito bom, é franco, pode-se dizer, usando a linguagem
que o autor mortalista empregou para se referir a um argumento imortalista. Faz
sentido perguntar. Mas ele parte do pressuposto que o termo “morte” no
versículo está sendo usado no sentido literal, explicando uma figura de
linguagem, e que esse sentido seria o mesmo que inexistência.
Diante disso, pode-se responder que a linguagem do
Apocalipse é simbólica, e por isso a explicação da segunda morte é necessária,
e se trata de ela ser “o lago de fogo”. O autor discorda dessa interpretação, e
afirma o contrário, ou melhor, afirma que o lago de fogo é que é usado como
símbolo da segunda morte. Essa explicação é curiosa, e vamos testá-la. O
símbolo é a segunda morte ou o lago de fogo? Certamente, o lago de fogo e,
possivelmente, ambos. Os ímpios estão mortos em faltas e pecados (Ef 2, 1). O
salário do pecado é a morte, como afirma a Escritura. Serão mortos aqueles que
já estão mortos? Sim. Uma vez que os mortos em faltas e pecados estão mortos
espiritualmente, e não literalmente, estão em condenação mas não sofrendo a
condenação ainda, é perfeitamente compreensível a passagem. Assim, e o
mortalismo afirma que a segunda morte é a inexistência, ela é chamada de
segunda porque há uma primeira morte espiritual naqueles que irão provar a
segunda. O argumento que afirma sejam zumbis os que morrerão novamente não faz
sentido.
Vejamos de outra forma: há uma morte física para todos. Mas
também há uma morte espiritual nos impíos. Esses morrem fisicamente, mas nem
por isso estão morrendo outra vez no mesmo sentido. Assim, quando se fala da
segunda morte está sendo relacionada a primeira morte física com a segunda.
Estamos de acordo. No entanto, a segunda morte é o lago de fogo.
Também, ninguém pensa que os mortos são julgados, condenados
e morrem novamente, mas julgados, condenados e lançados no lago de fogo e
enxofre. Esse lago é o sentido da segunda morte. Não se trata de uma morte igual
em natureza à primeira.
Assim, o que faz pensar que a segunda morte é diferente da
primeira é essa linguagem apocalíptica que usa o termo morte em um conceito de “castigo”,
como se falasse do segundo castigo.
Eis que outro argumento aniquilacionista, muito bom por
sinal, entra em jogo. São João explicaria que o lago de fogo é a segunda morte
por se tratar de algo simbólico, não sendo o próprio significado o conceito.
Formidável.
Assim explica o livro mortalista: “Note ainda que João não diz que a
segunda morte é o lago de fogo, como interpretam os imortalistas, mas
precisamente o contrário: que o lago de fogo é a segunda morte.”
Não. O original grego afirma que a segunda morte é o lago de fogo. De fato, o
símbolo “segunda morte” é usado em Ap 2, 11: o vencedor não sofrerá dano algum da segunda morte. Assim também em
Ap 20, 6: Sobre eles a segunda morte não
tem poder. Então, São João explica mais adiante o que significa o tanque de
fogo aonde foi lançado o Demônio e onde estavam a Fera e o falso profeta (Ap 20,
10). No versículo 14 está a explicação: A
segunda morte é está: o tanque de fogo.
É justamente por isso que tradicionalmente o lago de fogo é
o inferno, um lugar espiritual, que não é literalmente um “lago” comparado a um
lago de água, como que mudando apenas seu conteúdo para as chamas de fogo, mas
que esse “lago” simboliza o suplício eterno. Está vendo, o lago também pode ser
um símbolo.
Tudo está no campo das figuras de linguagem apocalípticas.
Assim, todos concordamos que o lago tipifica outra coisa, e essa coisa não é a
“inexistência”, mas um castigo eterno para os réprobos ressuscitados e
conscientes, um lugar espiritual de suplício. É pacífico que o castigo no lago
de fogo é eterno, ou melhor, tem duração eterna, seja ele qual for.
De outra forma, estaria o autor apenas literalizando o termo
“morte”, e quando se diz que a segunda morte é o lago de fogo, estaria apenas
mostrando que a primeira morte é idêntica à segunda, como entendem os
mortalistas, o que já está refutado, pois essa morte não é inexistência, e nem
que a primeira e a segunda “morte” são os mesmos fatos em natureza. Pelo
contrário, o contexto indica que são os dois castigos pelo pecado, e são
diferentes. A segunda é o lago de fogo.
Se é assim, se a segunda morte é apenas inexistência, e traz
o sentido somente disso, vamos interpretar o texto e ver se o conceito
encaixa-se perfeitamente. Se a alegoria
do fogo é usada apenas para representar outra morte física, isso deverá fazer
sentido no contexto.
Se a morte é um “sono”, com a diferença que a primeria há
despertar e a segunda não, então a morte seria algo que ninguém saberia o que
é, já que não se tem consciência quando não existe. E a explicação do Targum é
bastante importante, mas não é maior que aquilo que o texto bíblico explicita.
E certamente a segunda morte no Targum não é explicitamente a inexistência, mas
a condenação, restando explicar a natureza dessa.
Voltando ao texto do Ap 20, no verso 10 o Demônio é lançado
no lago de fogo e enxofre, que na interpretação mortalista signficia o fim, a
inexistência. Então o Demônio deixou de existir. E o texto afirma que lá
estavam a Fera e o falso profeta, ou seja, interpretado como se não existissem
mais. Seria o “lá na inexistência”, onde já estavam esses seres citados.
Mas o Apocalipse afirma que eles estavam sendo
“atormentados, dia e noite”. E a outra questão é que o Demônio é lançado no
lago após sua derrota, sem dizer o mínimo sobre um castigo “antes” de ser
lançado ali. A punição se identifica com o lago de fogo, e não com outra coisa.
Isso mostra que essa inovação interpretativa não deu certo. Não existe castigo
proporcional antes do lago de fogo. Parece que está refutado o argumento
aniquilacionista.
Na interpretação mortalista, fundamentada no argumento do
Dr. Bacchiocchi, “a segunda morte é o lago de fogo”. Assim, o autor do livro
explica que o símbolo é interpretado em Ap 20, 10.14 como é feito em Ap 1, 20,
onde as estrelas são os anjos e os candelabros são as igrejas.
O texto grego assim diz em Apocalipse 1, 20: “As sete estrelas os anjos das sete igrejas
são, e os candelabros sete, (as) sete igrejas são”, se formos traduzir
literalmente.
Aqui temos duas refutações: a primeira, é que o grego
explica o simbolismo usando a estrutura “estrelas são anjos e candelabros são
igrejas”. Segundo, os anjos podem também ser um símbolo, pois possivelmente se
referem aos bispos das igrejas e não aos anjos literais, pois seria estranho o
apóstolo João escrever cartas a anjos literais.
Dessa forma, quando o autor do livro mortalista afirma: “Note
ainda que João não diz que a segunda morte é o lago de fogo, como interpretam
os imortalistas, mas precisamente o contrário: que o lago de fogo é a segunda
morte. Se o lago de fogo da visão que
João recebeu significasse um lago de fogo literal, João nem ao menos precisaria
explicar do que ele se trata, já que seu significado seria o próprio conceito.”,
ele não consultou o texto grego, mas usou o argumento do Dr. Bacchiochi. E a
partir daquele argumento construiu mais um, como se o lago de fogo fosse o
símbolo.
E o texto grego
assim afirma: “οὗτος
(este) ὁ (a) θάνατος (morte) ὁ (a) δεύτερός (segunda) ἐστιν, (é) ἡ (o) λίμνη (lago) τοῦ (de) πυρός (fogo)”: podendo ser traduzido assim: esta a morte segunda é o lago de fogo.
Ou seja, o contrário
do que o autor do livro mortalista afirmou, pois ele seguiu uma tradução em
português. Novamente, em grego literal está assim: “Esta a morte segunda é o lago de fogo”. O Apocalipse está
explicando a segunda morte como símbolo, e o lago de fogo como o conceito.
A tradução da King
James e da Almeida Corrigida e Fiel fizeram o contrário, o que corrobora a
interpretação do livro, mas que não é o que está no original grego.
A versão da Ave
Maria assim traduz: “A segunda morte é
esta: o tanque de fogo”. Em outras palavras, o tanque de fogo é o conceito
de segunda morte, para usar o raciocínio do autor mortlaista, ao mesmo tempo
que refutando sua interpretação.
Ao invés de pensar
que os ímpios morreriam outra vez, e seus corpos voltariam à corrupção, por
assim dizer, a morte é explicada de outra forma: ela não é como a primeira, mas
é o lago de fogo. Dessa maneira, há razão, causa, motivo e circunstância para
interpretar o que é a segunda morte.
Desse modo, temos:
|
Ap
1, 20 |
As sete estrelas são
os anjos |
|
Ap
1, 20 |
Os sete candelabros,
as sete igrejas |
|
Ap
20, 14 |
A segunda morte é esta:
o tanque de fogo |
O grego literal está aproximadamente
assim: “as sete estrelas, anjos das sete igrejas são e os candelabros sete,
sete igrejas são”: “οἱ
ἑπτὰ ἀστέρες ἄγγελοι τῶν ἑπτὰ ἐκκλησιῶν εἰσίν καὶ αἱ λυχνίαι αἱ ἑπτὰ
ἑπτὰ ἐκκλησίαι ἐκκλησίαι”.
A estrutura usada em Ap 20, 14, onde o
símbolo é explicado, mostra que aquilo que está no lugar do símbolo é a
“segunda morte”.
Então, essa versão que o livro
mortalista trouxe, e serviu para o seu argumento inteiro, não traduziu conforme
o original em relação à estrutura: “Então
a morte e o Hades foram lançados no lago de fogo. O lago de fogo é a segunda
morte.” Aqui o lago de fogo está no lugar do símbolo, mas no original não.
Assim, essa é de fato mais uma refutação.
Quando São João explica que a segunda
morte é o lago de fogo, os judeus entenderam que se tratava do hades igual a inferno, como na parábola
do rico e Lázaro.
Jesus afirma que na Sua vinda os ímpios
serão consumidos, como nos dias de Sodoma. Ainda, a explicação mortalista da
figura do fogo e enxofre caindo do céu como aquilo que aniquilará os ímpios, criando
um lago de fogo e enxofre onde eles estão, torna toda a cena literal, o que
contradiz o que o autor mortalista quis explicar acima. Ainda, contradiz aquela
noção de que haverá castigo proporcional antes do lago de fogo.
Em outras palavras, se o fogo que cairá
do céu é literal, criando um lago de fogo, então não haverá um castigo
instantâneo, e assim o lago de fogo é o lugar do tormento proporcional, o que
contraria a explicação anterior. Se o fogo que cai do céu aniquila os ímpios, e
a figura do lago de fogo é apenas um símbolo para mostrar o que aconteceu aos
condenados, então não houve castigo proporcional, contrariando a doutrina
aniquilacionista proposta no livro. Das duas formas não há como harmonizar com
a doutrina bíblica. E também houve incoerência na própria interpretação mortalista
apresentada.
Se o lago de fogo não pode ter um fogo
literal, já que a morte e o hades são nele lançados, também a forma de
“aniquilar” os ímpios também deverá ser sem fogo. Ou haverá fogo? O aniquilacionista
decide.
E a explicação de que o lago de fogo
causa tormeno apenas no sentido simbólico é plausível, mas não se sustenta
diante do que já foi exposto acima. E falta ainda ficar claro como será a
completa aniquilação, como ensina o aniquilacionismo, se é pelo fogo e enxofre
que cairá do céu instantaneamente, como falam as imagens proféticas, ou se
realmente esse fogo formará um lago onde por um período temporário individual
cada um irá ser consumido por séculos talvez, no tempo proporcional às suas
faltas. É isso que dá introduzir outras interpretações das figuras bíblicas.
Se o fogo devorador cai do céu e
elimina em um só instante a todos os ímpios, não há graus de castigo. Se o lago
de fogo é apenas uma forma de mostrar o que aconteceu com os que morreram no
fogo que caiu do céu na vinda de Jesus, de fato a explicação parece negar que
haja castigo proporcional. De fato, não há como morrer instantaneamente e ao
mesmo tempo ter um castigo proporcional às culpas. Por essa incoerência, surge
mais uma refutação.
Portanto, a explicação de que o
tormento diário para sempre é apenas parte do sentido simbólico foi bastante
plausível no contexto da apresentação da doutrina aniquilacionista. Bom
argumento. No entanto, em geral foram mostrados muitos problemas que invalidam
a interpretação.
Gledson Meireles.
Nenhum comentário:
Postar um comentário