quinta-feira, 23 de setembro de 2021

A Justificação pela Fé: por que os protestantes são mais afetados pela tendência contemporânea de otimismo e negação do pecado?

Continuando o estudo do livro Cuidado com o alemão..., do pastor Tiago Cavaco, agora tratando do tema maldade.

A Igreja Católica tem sempre um ar juvenil, apesar de antiguidade, está sempre na moda, mesmo sendo tradicional. É isso o que notou Chesterton há quase um século.  E, com isso, sua teologia sempre está
incomodando, em assuntos que o mundo pretende impor. Não é exagero dizer que sempre está na vanguarda quando o tema é defesa da verdade. É simplesmente impressionante.

A visão pessimista do ser humano, da natureza humana, e a consciência da maldade humana, são coisas que Lutero aprendeu enquanto era católico. Ser pecador é uma realidade que o cristão católico tem sempre diante de si, em sua consciência e em sua constante confissão: sou pecador Senhor, tende piedade de mim. Perdão, Senhor. Perdoai-nos, Senhor. Perdoai-nos as nossas ofensas. É a oração constante da Igreja.

A visão pessimista do ser humano e a verdade da graça estão sempre diante de nós. Talvez o sentido do perdão, como concebeu Lutero, enquanto era padre, foi equivocado, em certa extensão. De acordo com Tiago Cavaco, o perdão a ser alcançado pelo homem, segundo o ensino católico, é feito através das boas obras que compensem a más. Mas isso é uma coisa que não se encontra na Teologia Católica. Se tal é o conceito de Lutero, e se essa análise do pastor batista estiver correta acerca do reformador, e se essa é a forma e concepção de perdão que o pastor imagina ser ensinado pela Igreja, tal ponto deveria ser um dos principais a serem estudados, para desfazer tal equívoco.

O homem não pode por suas próprias forças deixar de pecar. Não pode oferecer obras que comprem o perdão, ou que compensem suas faltas. Então, o que fazer? Lutero pensou ter lido na Bíblia que o justo viverá somente da fé. O que isso significou para ele? Que somente a fé salva, e que a necessidade de santificação não teria a ver com salvação, embora fosse ligado a ela. Tal concepção parece a doutrina bíblica, mas não é. De fato, a Bíblia ensina que sem santidade ninguém verá a Deus, ensinando a obrigação de santificação durante da vida. O salvo viverá da fé, e das obras, mas não somente da fé. Eis a questão. A separação da justificação da santificação, ao invés de lançar os olhos para Cristo, tem o resultado de enfraquecer no homem a busca pela santidade.

Alguém dirá que quanto mais se sente livre em Cristo, quanto mais sente que suas obras não podem salvar, mas se lançam a praticar boas obras em resposta à salvação recebida. No entanto, isso não acontece. Basta ver o quão é difícil para o Protestantismo gerar santos como o catolicismo. E sabemos que o Catolicismo ensina que todas as nossas obras são dons de Deus. Mas, o sentido de pecado e de graça é tão poderoso, que os santos sabendo serem livres para amar, entregam-se tanto à graça, que não têm como suas nenhuma das boas obras, concebendo tudo como pura graça divina. O que Lutero intencionou fazer, os santos católicos heroicamente conseguem, não eles, mas a graça de Deus neles, parafraseando São Paulo.

E o próprio Lutero viveu a amargura do pecado, nos seus dramas íntimos. Isso não é restrito à sua vida de jovem, nem de membro da ordem de Santo Agostinho, nem como monge ordenado sacerdote, mas principalmente após sua saída da Igreja, quando viveu a doutrina da justificação pela fé somente. Foram anos difíceis para o reformador. Não encontrava paz na alma. Lutero via no povo menos espírito piedoso, confessando que sob o Catolicismo o povo era mais preocupado em praticar boas obras.

A vida de Jesus, nosso maior modelo, é cheio de exemplos de exercícios espirituais. Quantas vezes nosso Senhor afastava-se dos afazeres diários, da companhia dos outros, para orar a sós, na montanha, em lugar reservado. Era viver o sagrado, extraordinariamente, e não somente o profano.

Lutero confessa às vezes, por sua vez, não ter tempo para orar. Sua vida diária, que na sua teologia deveria ser a vida cristã em sua essência, sem necessidade do extraordinário, onde o comum é tudo, trazia-lhes esses momentos de sofrimento, em que via-se caído em suas fraquezas. Ao contrário, a vida dos santos mostra-os santificando cada momento, e vivendo a oração de forma profunda. Há momentos em que o extraordinário deve estar presente. Justificação e santificação são dois lados da mesma moeda. Inseparáveis.

A justificação do pecador que crê em Cristo é para Lutero algo situacional, como que mudança de lugar, e não mudança no interior da pessoa justificada. Assim, o pecador é declarado justo, e não o é em si, mas justo por imputação, tendo a justiça de Cristo sendo considerada no lugar da sua. No processo de santificação a pessoa iniciaria o processo para ser realmente santo.

No Catolicismo, tanto a linguagem jurídica quando a real transformação são ensinadas. O pecador é declarado justo no tribunal, e a justiça de Cristo é derramada no interior do pecador, que inicia, pelo impulso da graça, como justo e santo, o processo da própria justiça e santificação.

Na perspectiva de Lutero era como se o pecador, ainda que cometendo pecado, deveria lançar o olhar para Cristo, e ver que aquele pecado não o leva à condenação. Na perspectiva bíblica e católica, o que comete pecado deve arrepender-se, confessar-se, e temer a queda, pois o que semeia na carne só colhe corrupção, que é condenação (cf. Rm 7 e 8). Não se está negando que Lutero não tenha ensinado o arrependimento e confissão, mas há o paradoxo que em Lutero o pecado parece menor em sua ação. Afaga mais o ego essa espécie de pensamento. Deixa a consciência mais adormecida.

Por isso, os santos católicos não se desesperam da salvação, e não podem cair na presunção, por crerem na graça, e crescem esplendorosamente na santidade. Tal coisa é rara em meio protestante e reformado, onde todos creem ser justos e santos igualmente, a partir da justificação, e que a santificação não contaria na salvação! Para o cristão católico ninguém é perfeito, mas devemos buscar a perfeição, e viver fé ativa, na caridade, em oração e boas obras, temendo e tremendo diante do Senhor, que nos faz justos e santos, em todo o nosso ser, corpo alma e espírito (1 Ts 5, 23).

Talvez seja por isso o pragmatismo protestante. O santo é aquele que age, que faz algo pelo mundo, que contribui para que algo aconteça, para o bem da sociedade, enquanto que para o catolicismo o santo faz tudo isso, mas é santo quando heroicamente vence em si o pecado, com auxílio da graça de Deus e iluminação do Espírito Santo. É santo o que mortifica suas paixões pecaminosas, que vence o ego decaído, e frutifica em bons frutos. E somente sobem aos altares os que tem exemplos de virtudes heróicas que ajudarão os irmãos a trilharem os santos caminhos.

Não parece exato o que o pastor explica sobre a doutrina da justificação ensinada pela Igreja Católica. Ele afirma que no batismo são expulsos os hábitos do pecado, e não sei ao certo onde se baseou para escrever isso. Talvez seja apenas uma explicação incompleta. Talvez palavras mal colocadas. Seria bom ter o esclarecimento do autor sobre isso.

Não é somente santo o que menos pecados comete, e o que se priva dos divertimentos do mundo. É verdade que o santo comete menos pecados! É verdade que o santo não se mistura com o mundo! Mas, olhando para o catolicismo, é um exemplo de como isso funciona na prática. Veja os exemplos de seminaristas que são formados durante anos nos seminários, e se divertem jogando futebol, ao passo que há pouco tempo em ambientes mais puritanos e pentecostais jogar futebol e assistir televisão era abominável!

Então, outra questão que se deve frisar nessa diferente postura de um católico e um protestante ao falar da salvação, é que o católico teme a presunção. Assim, como a Bíblia nos ensina que devemos ter cuidado ao julgar estar de pé, para não cairmos. Por outro lado, o católico se firma em Deus que é poderoso para nos salvar.

Obviamente a salvação não pode depender das obras, e isso a Igreja Católica definiu, diante das críticas protestantes, claramente no Concílio de Trento. No entanto, é preciso notar que o homem realmente pratica boas obras, (cf Ef 2, 9-10) quando é salvo, e que essas são importantes para entrar na glória. É disso que estamos falando quando o assunto é boas obras.

Se a cultura atual tem se esquecido do pecado, a fonte dessa desorientação é outra. Não se trata de encontrar uma doutrina mais doce no catolicismo, por exemplo. Não há como falar mais sobre essa realidade do que no Catolicismo, onde todos os dias nos confessamos pecadores e pedimos o perdão de Deus. Isso está em nossas orações, cânticos e liturgia.

A maldade está esquecida no mundo. Lutero pode ajudar nesse trabalho de pregação sobre o tema. Mas a Igreja Católica tem o meio mais eficaz de o fazer, como sempre tem feito. Os católicos nutrem-se do evangelho reconhecendo-se pecadores necessitados do perdão.

Os protestantes podem recuperar o evangelho se lerem o Catecismo católico. A retomada do estudo da patrística, de santo Agostinho, e mesmo de são Tomás de Aquino por pastores e teólogos protestantes tem auxiliado nessa aproximação da verdade sobre vários assuntos.

Por que será que os descendentes de Lutero perderam muito a consciência do pecado? E como o autor do livro pôde reconhecer que os cristãos medievais eram mais humildes, sem tocar na origem desse romantismo que tem crescido no Protestantismo? Em outras palavras, por que os protestantes são mais influenciados por essa nova tendência de otimismo que desconsidera o pecado? É hora oportuna de conhecer melhor a doutrina católica.

Gledson Meireles.

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