segunda-feira, 9 de março de 2020

O Cristão Reformado (alguns tópicos sobre o livro)

Estudos do livro O Cristão Reformado: uma introdução bíblica aos pilares do protestantismo, do pastor batista Yago Martins,   2018.

O estudo da doutrina cristã é importantíssimo para os dias atuais. Sempre o foi. Hoje, talvez mais do que nunca. Tempos de ridicularização do Cristianismo, pelos de fora, e de grande indiferença por parte de muitos, talvez pelos próprios membros. Mas sempre houve, e há nos dias atuais, e sempre haverá, segundo a promessa do nosso Salvador e Senhor Jesus Cristo, os membros fieis da Igreja.

Oportunidades de apologética não faltam. É pequeno o número de interessados, isso sim. Mas não importa, pois é o Espírito Santo que converte o pecador, e não deixará faltar a graça de Cristo para que uma conversão sincera seja operada, onde quer que seja e em qualquer tempo. Deus quer que todos sejam salvos. (1 Tm 2,4) E essa é mais uma oportunidade para escrever algo sobre a fé, tendo em vista um novo estudo, lançado há pouco, representando a fé protestante de forma sucinta, profunda, clara e com pretensões bíblicas.

Aqui não será feita uma refutação, ponto por ponto, à obra aludida, mas tem a objetivo de pelos menos fornecer a interpretação católica, ainda que de forma breve, dos principais pontos abordados no livro. E o presente estudo destina-se aos protestantes. Quem sabe alguém, ávido pela verdade, tenha o interesse de confrontar o que aprendeu com aquilo que ainda não sabe, ou seja, com a doutrina da Igreja Católica Apostólica Romana. Portanto, serão feitas considerações sobre o que caracteriza a doutrina protestante, segundo o que o livro apresenta, mostrando o que a doutrina católica ensina, com fundamentação bíblica.

A leitura literal da Bíblia, eis a força da verdade. O sentido literal é o mais profundo, o verdadeiro, a base para todos os outros. Não se trata de literalismo, hiperliteralismo, e coisas afins, que tiram conclusões do que não está no texto, e conclui o que o texto não diz, mas uma leitura serena e natural do próprio texto sagrado. O restante é tudo fundamentado nesse aspecto.

Assim, veremos o que o cristão reformado tem em comum, e de diferente, com o cristão católico. Veremos que doutrina coaduna com as Escrituras, se a reformada ou a católica. E mais: veremos se o autor conhece realmente o Catolicismo, quando apresenta a defesa da fé reformada em face do que ensina o catecismo católico. É uma oportunidade de crescer na fé e de conversão.

O protestante que estiver aberto a vencer as barreiras psicológicas, como o ódio ao Catolicismo, que é uma delas, por exemplo, para conhecer o que a Igreja Católica ensina, deve tentar entrar no problema da divisão doutrinária e na busca da verdade bíblica. É certo que o protestante crê estar com a verdadeira doutrina e a correta interpretação bíblica. Mas não pode deixar de reconhecer que há divisão doutrinária entre os protestantes, e que isso tem sido algo de estudo e, certamente, preocupação entre os teólogos do Protestantismo.

Vanhoozer afirma que tal problema, o das diferenças doutrinárias, está “em evidência há algum tempo”. (p. 62) E não pense que trata-se de usos e costumes, como muitos pensam ao falar de doutrina. Não é isso, mas algo mais profundo, e afeta o modo de leitura bíblica entre protestantes. Afeta a fé de muitos reformados. Kevin Vanhoozer fez um trabalho referencial visando a resolução do problema protestante ao recuperar o sentido dos cinco solas. Dessa forma, a consideração das respostas teológicas atuais em face dessa temática é imprescindível para o entendimento das características do cristão reformado.

E é nesse terreno que a obra O Cristão Reformado, do pastor batista Yago Martins, constrói sua apresentação. E por fazê-la de forma eminentemente bíblica, ou seja, partindo da interpretação das Escrituras para fundamentar os solas da Reforma e os pontos fundamentais do Calvinismo, é que faz-se necessário considerá-la, a fim de que, de certa forma, o perfil do cristão católico seja melhor conhecido pelos protestantes.

O que o protestante certamente não sabe, é que sua posição diante do conhecimento bíblico é idêntica ao do católico. Ambos devem aproximar-se da Escritura, lê-la e aprender dela. E não é a consciência individual aqui uma autoridade. Ela age, interage, e não se torna autoridade em termos interpretativos. Sob a ótica da reforma talvez isso pareça acontecer, para quem olha de fora, e até para quem está no entrelaçamento mesmo dessa experiência. Porém, nada disso ocorre assim. Contemporaneamente é essa uma das críticas que o Protestantismo deve responder. Kevin Vanhoozer contribui nesse sentido, no seu livro Autoridade Bíblica (...).

O Protestantismo possui no seu seio variedade interpretativa, mas os teólogos procuram fornecer os meios de identificar qual a essência da mensagem da Reforma, de modo a abarcar toda a realidade protestante, a representar toda a doutrina reformada. Fazendo isso pode-se considerar o resultado dessa busca, sendo possível fazer certas contraposições e comparações com a doutrina católica. E com isso o protestante poderá entender melhor a mensagem anunciada pela Igreja Católica Apostólica Romana.

São cinco séculos se separação. No meio católico não é comum ouvir sermões ou ler estudos sobre os solas, nem os cinco pontos do calvinismo. São coisas do protestantismo, e do calvinismo em particular. Mas, há na doutrina católica a apreciação sobre tudo isso, obviamente de forma diluída em outra estrutura. Aliás, foi partindo da doutrina cristã católica que, de certa forma, os solas foram extraídos para, negativamente, contrapor à doutrina católica.

E a doutrina católica é eminentemente bíblica. As outras instâncias da tradição e do magistério estão entrelaçadas harmonicamente e constituem Palavra de Deus. Mas é a Escritura a fonte suprema, direta, exclusivamente deixada e entrega à Igreja Católica para levá-la ao céu. Por isso, um livro que trata da Bíblia e defende uma doutrina diferente daquela ensinada no catecismo da Igreja, é uma obra a ser considerada com grande atenção, pois usa do fundamento mesmo da sua doutrina. Eis o motivo de estudar o livro O Cristão Reformado. E uma vez mergulhando no estudo da fé protestante conhecer a fé católica. Quem sabe quantas conversões poderão vir dessa exposição.

Aos leitores do livro citado. Não serão feitas grandes citações do texto, mas apenas o exercício com o conceito apresentado no texto. O que esse traz poderá ser conhecido, naturalmente, apenas por inferência, por aqueles que porventura não o leram. Melhor seria adquirir o livro para estudo.

Nesses artigos não será possível uma profunda matéria sobre a doutrina cristã católica. No entanto, deixará o convite para melhor conhecê-la. É para o cristão reformado que deseja conhecer o cristão católico.

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Em primeiro lugar o cristão reformado deve entender que a Igreja Católica está sujeita à Palavra de Deus, assim o ensina, assim o crê, assim de fato é. Para ser católico deverá crer dessa forma.

O que diferencia da crença reformada é que nessa pensa-se que a Igreja Católica ensina ser ela superior à Bíblia. No entanto, tal ensino não existe. Tal coisa não tem lugar no Catolicismo.

Afirmar que a Igreja escreveu o Novo Testamento da Bíblia, que formou o cânon bíblico, que a Igreja foi responsável por conservar a Bíblia, durante os séculos da era cristã, em ambos os testamentos, significa explicar o modus operandi de Deus, o modo histórico como Deus nos deu a Sua Palavra, e não por pensar que a Igreja, por esse motivo, acredite ser superior à Escritura. Até imaginar isso revela o desconhecimento desse ponto do ensino cristão católico. E são muitos que acreditam que esse seja o ensino católico.

Sendo assim, e sabendo que tal não é o ensino bíblico (o de ser a Igreja superior à Escritura), e que também não é o ensino católico, não tornam-se cristãos católicos. Não se tornam católicos por não conhecerem bem o catolicismo. Por pensar que assim é, e conhecendo que a Bíblia não ensina isso, muitos são afastados do catolicismo.

Aqueles que aventuram-se mais a desvendar a doutrina da Igreja, aproximam-se dela. Por que a verdade atrai.

Então, para fins de conhecimento, saiba que o cristão católico crê conforme a doutrina oficial da Igreja, explicada no catecismo, e esse ensina que (1) Deus confiou as Sagradas Escrituras (Bíblia) à Igreja, que (2) Deus manifestou-Se pelas palavras dos autores bíblicos (inspiração), que a (3) Escritura deve ser interpretada no “Espírito em que foi escrita”, ou seja, pelo Espírito Santo, (4) que a Igreja “discerniu” o cânon bíblico, ou seja, que descobriu os livros sagrados no meio de tantos outros não sagrados. Foi Deus quem guiou todo o processo. A Bíblia não é Palavra de Deus porque a Igreja assim o diz, mas por ser a Palavra de Deus a Igreja a serve.

O cristão católico venera a Sagrada Escritura. Tem-na como ela é: a Santa Palavra de Deus. Ela é Cristo. Entendamos bem o sentido desse conceito. E faz da palavra de São Jerônimo a palavra da Igreja: “...ignorar as Escrituras é ignorar Cristo”. Tudo isso está no Catecismo da Igreja Católica, parágrafos 105, 111, 120, 123, 133. Portanto, supor que a Igreja acredita que é superior à Bíblia é desconhecer a fé católica.
Gledson Meireles.

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