O texto de 1 Pedro 3,18
afirma que Cristo morreu por nossos pecados para nos conduzir a Deus. E uma
parte desse verso é importante para nosso aprofundamento do que estamos
estudando: “Padeceu a morte na carne, mas foi vivificado
quando ao espírito.” Essa distinção da carne com o espírito
não são apenas de duas orientações morais do ser humano, como ficará claro
aqui.
Notemos que a passagem fala
da morte de Jesus. Dessa forma, afirma que Jesus padeceu, morrendo, “na carne”,
mas recebeu a vida no “espírito”. Nessa tradução, o termo espírito está com
letra inicial minúscula, mas se estivesse com letra maiúscula seria o mesmo,
pois trata-se do Espírito de Jesus, aquele que Ele tem enquanto Homem. Nesse
momento não está falando do Espírito Santo, mas daquilo que o Espírito Santo
fez no Espírito de Cristo.
Há quem afirme que Romanos
8,11 serve de explicação para essa passagem. Em Romanos sabemos que o Espírito
Santo que habita em nós operará a ressurreição em nossos corpos, assim como
ressuscitou a Cristo. Isso o sabemos. Mas o que está em 1 Pedro 3,18 não diz a
mesma coisa. Ali, ao contrário, há a menção da morte no corpo de Cristo,
seguido da vivificação no Espírito. Essa vivificação não é entendida apenas
como feita pelo Espírito Santo em Cristo. De fato, quando afirma que Cristo foi
morto na carne e vivificado no espírito, isso quer dizer o óbvio, ou seja, que
enquanto Nosso Senhor permaneceu morto no sepulcro, Sua alma recebeu
vivificação, e nela foi aos espíritos dos mortos antes dEle. Dessa forma, usar
Romanos 8,11 como semelhante no sentido não desfaz o que está estabelecido.
Assim, temos uma distinção
de carne e espírito, onde a carne morre e o espírito recebe vida, ou seja, não
é deixado morrer, pelo poder de Deus. Vamos continuar.
O verso 19 afirma: “É nesse mesmo espírito que ele foi pregar aos espíritos
que eram detidos no cárcere, àqueles que outrora, nos dias de Noé, tinham sido
rebeldes. (1 Pedro 3,19)
Então, o verso seguinte
afirma: “nesse mesmo espírito”, que é a alma de Cristo que ficou consciente
após a morte. Entende-se, conforme a passagem, isso refere-se à morte na carne.
Então, esse “pregar aos espíritos”, outra vez o mesmo termo, significa: o
Espírito de Jesus foi pregar a outros espíritos. E continua identificando quem
são esses espíritos, os que, “outrora nos dias de Noé, tinham sido rebeldes”.
Está claro que o texto afirma que Jesus morreu e foi pregar aos espíritos do
Antigo Testamento que viveram no tempo de Noé.
O capítulo 4 continua
falando do padecimento de Cristo na carne, como fundamento para nossa
instrução. A linguagem usada sugere a distinção corpo e alma: “a fim de que, no tempo que lhe resta para o corpo, já não
viva segundo as paixões humanas, mas segundo a vontade de Deus.” (1
Pedro 4, 2) Atenção à expressão: o tempo que resta para o corpo. O tempo de
vida no corpo é o que está referido nessa passagem, e somente a fé na
imortalidade de alma parece ser compatível com tal consideração.
Nos vv. 5-6 temos uma
revelação tremenda: “Eles darão conta àquele que está
pronto para julgar os vivos e os mortos. Pois para isso foi o Evangelho pregado
também aos mortos; para que, embora sejam condenados em sua humanidade de
carne, vivam segundo Deus, quanto ao espírito.”
Ao apresentar Jesus como
juiz dos vivos e dos mortos, temos que vivos são os que ainda estão neste
mundo, e mortos são realmente os falecidos. Dessa forma, a pregação do
Evangelho “também aos mortos” é com certeza a pregação de Jesus às almas dos
santos quando esteve na Mansão dos Mortos.
Diante dessa passagem há
quem queira introduzir uma noção espiritualizada, uma alegorização usada para
mudar o sentido do texto, onde vivos seriam os que estão salvos, e os mortos
seriam os que já estão condenados. Desse modo, interpreta-se a passagem como se
estivesse indicando somente as pessoas vivas, com referência apenas ao seu
estado espiritual. Jesus seria o Juiz dos santos, que já estão salvos, e dos
pecadores, aqueles que permanecem perdidos! Obviamente, essa leitura é
impossível nessa passagem, e em tantas outras, que mostra Jesus submetendo-Se à
morte para que, assim como é o Juiz dos vivos, fosse também dos mortos. E nessa
acepção, vivos e mortos são vivos literalmente, e mortos literalmente também.
Sabendo que essa é a
interpretação correta, continuemos a leitura nessa luz: “embora sejam condenados em sua humanidade de carne, vivam
segundo Deus, quanto ao espírito”.
Essa constatação é
impressionante, pois faz da morte uma condenação do corpo, pois chama os mortos
de “condenados em sua humanidade de carne”. Além do mais, continuando o
arrazoado nesse sentido de distinguir o corpo da alma, temos que esses mortos
que receberam a pregação de Cristo tiveram essa experiência para que “vivam
segundo Deus, quanto ao espírito”. Essa vida do espírito conforme a Vontade de
Deus é a vida da alma, que estava no cárcere, como foi dito em 1 Pedro 3,19.
Agora, é preciso notar o
alargamento do sentido dessa pregação de Cristo. Em 1 Pedro 3,19 temos que os
mortos que a receberam foram os rebeldes do tempo de Noé, quando Deus
pacientemente aguardou até a construção da arca. (v. 20) Mas, em 1 Pedro 4,6 o
Evangelho é pregado “aos mortos”, sem qualificação ou identificação, no sentido
geral.
Assim, a passagem está
referindo-se à mesma ocasião, sem excluir o fato de que todos os salvos ouviram
Cristo pregando no sheol. Talvez os espíritos dos que morreram nos dias de Noé foram
lembrados para ressaltar a salvação ocorrida no batismo, pois ali é feita a
comparação das águas do dilúvio com o batismo que agora salva. Assim, comparando
ambas as passagens podemos afirmar que Jesus foi até os mortos e pregou a eles
o evangelho do reino, para que vivam para Deus.
No entanto, ainda há mais
uma qualificação. Jesus não poderia ter ido ao inferno libertar os condenados,
mas apenas anunciar Sua vitória às almas santas, que morreram na amizade de
Deus, ainda que seja nos tempos de Noé. É a proclamação da vitória àqueles que viveram
na esperança do Messias.
Certamente, dos milhares ou
mesmo milhões de pessoas que vivam naqueles tempos, apenas oito foram salvas do
dilúvio, mas não sabemos quantos podem ter sido eternamente salvos por Deus
naquela catástrofe. Dessa forma, eles foram condenados na carne, mas quando
arrependeram-se ao ver a chuva torrencial e as águas inundando a terra, foram
salvos. E, portanto, Cristo foi a eles e pregou-lhe o Novo Testamento em Seu
sangue, de forma que pudessem participar, desde já, da vitória de Jesus,
enquanto esperam a ressurreição dos mortos.
Dessa forma, Jesus não foi
ao inferno dos condenados, mas à parte do mundo dos mortos onde estão os
justos, e não somente aos que viveram nos tempos de Noé, mas aos mortos salvos,
já que a morte fixa o destino eterno, e Hebreus 9,27 afirma que após a morte
vem o juízo.
Então, Cristo foi pregar o
evangelho, anunciar a boa nova, trazendo a vida nova como aos que viviam no Seu
tempo, completando assim aquilo que eles tanto almejavam, pois viveram antes de
Cristo, olhando para o dia de Cristo.
Portanto, não adianta usar
de argumento que Jesus foi aos condenados e para eles pregou, pois não faz
sentido isso, e não é decorrente da correta interpretação da passagem de 1
Pedro 3,19.
Quanto ao fato de ter sido
distinguido o grupo que viveu nos dias de Noé já foi tratado acima, e isso não
restringe a pregação da Boa Nova somente a eles, mas que eles foram usados como
exemplos, assim como as águas do dilúvio foram apresentadas como figura do
batismo. Os rebeldes da época de Noé e a paciência de Deus simbolizaram os
filhos de Deus convertidos da Antiga Aliança, e o tempo que Deus concedeu para
a salvação, enfim, os tempos da paciência de Deus. E a condenação que muitos
tiveram foi somente a do corpo, pois viveram no espírito, a eles Jesus foi para
libertá-los.
A passagem refere-se a
espíritos em prisão, que são os mesmos que estavam cativos, como afirma Ef
4,8s, e isso é suficiente para entender tudo o que foi dito acima. Assim, a
aludida interpretação de que isso significaria somente a “prisão do pecado” já
foi destruída nos argumentos anteriores.
A exigência de que teria de
haver a menção do hades ou do inferno
para entender o significado de prisão é uma exigência inócua. Não tem sentido.
O simples indicar que os espíritos estão aprisionados já supõe o hades. E se
Jesus foi para esse lugar, só poderia ser o mesmo que é conhecido como o seio
de Abraão.
O tempo da salvação é aqui
na terra, e, portanto, os mortos que ouviram o evangelho de Jesus já estavam
salvos. (cf. 2 Cor 6,1-2) E o texto de Colossenses 1,23 apenas afirma a
pregação do Evangelho que está em curso, a todos na terra, e não é alusivo ao
fato de Cristo ter pregado na mansão dos mortos, pois aquela foi uma ocasião única,
que foi uma vez por todas realizada.
Assim como também o foi a
pregação que Cristo fez na terra, e não está fazendo mais. Esse ministério é
agora da Igreja, e no Novo Testamento é a Igreja que anuncia o Evangelho. Jesus
o anunciou aos santos do Antigo Testamento, e isso não é mais necessário.
Portanto, supor que a pregação aos mortos esteja ocorrendo sempre, a todo
momento, e mostrar Cl 1,23 para esse fim, com vistas a argumentar contra o
fato, como prova contrária, é uma falha no entendimento do artigo do credo
apostólico que reza que Cristo desceu à mansão dos mortos.
A doutrina da descida de
Jesus aos mortos com Seu evangelho nunca foi definida como uma concessão de
chance para a salvação após a morte, como já explicado. Isso está de acordo com
Hebreus 9,27, e assim não há qualquer obstáculo para acatar essa doutrina.
Portanto, os maiores santos
e teólogos da história da Igreja pregaram essa verdade. O fato de eruditos
protestantes, ou quaisquer que sejam, que neguem atualmente esse ponto
doutrinal não é prova de que o mesmo seja ridículo, contrário ao bom senso, e
etc., mas apenas mostra a falha desses comentadores modernos em entender o
verdadeiro sentido da doutrina. É antes, uma prova da heresia desses. Se há
doutrina de demônios nesse meio, a negação da imortalidade da alma é uma delas.
Interpretar a prisão como
sendo apenas espiritual é uma fuga do contexto imediato e uma apelação para
outras partes das Escrituras, numa aplicação de textos que não são necessários
para o entendimento do texto em questão, como provado antes. Assim, as amarras
do pecado não são a prisão mencionada por Pedro, pois essa é o mundo dos
mortos, o sheol, como já mostrado antes.
Quando Leandro Quadros
interpreta as cadeias como sendo espirituais, sendo as amarras do pecado, fica ainda a explicar
por que razão Cristo pregou no Espírito Santo aos rebelados dos dias de Noé, e
não em outras épocas. A mesma questão colocada para esclarecer o motivo de
Cristo ter descido ao hades, e pregado a esse público, permanece aberta quando
é colocado que o sentido era de uma pregação em vida, ocorrida no tempo de Noé.
Certamente, ao ser resolvida essa questão, está também solucionada a outra, a
de que foi realmente durante os três dias no túmulo que Jesus realizou o que
está na passagem analisada.
Quanto ao termo espírito, na
Bíblia ele não é usado para expressar uma pessoa inteira. O uso em 1 Pd 3,19
tem o mesmo sentido de alma espiritual. Na verdade, o termo alma pode ser empregado
como pessoa, mas não a palavra espírito. Quando São Paulo afirma que trouxeram
refrigério a seu espírito, no sentido de que esse alívio foi a si mesmo, isso
não prova que o termo refira-se a pessoas, da forma que está usado em 1 Pedro
3,19. São Paulo diz: “o meu espírito”, como em Gálatas também é dito “com o vosso
espírito”, referindo-se a uma parte do ser, e não ao ser inteiro.
Isso significa que o desejo
é que a graça e a paz de Jesus esteja com o espírito de cada um, e estando no
íntimo do ser, estará com a pessoa, e isso é uma consequência lógica. Não
podemos afirmar que o termo esteja empregado da mesma forma como São Pedro o
fez no verso que estamos estudando. A mesma coisa é vista em Gn 7,15, onde é
mencionada a carne e o espírito de vida que há nelas, referindo-se aos animais.
Não está o versículo afirmando que os animais são espíritos, mas que possuem
espíritos, e por isso cita carne e espírito, no sentido de vida. Esse significado
é claro pelo contexto, pois a ordem é que seja colocada na arca toda carne que
vive, e é sobre isso que está falando o verso, mostrando o acontecimento dos
animais sendo acomodados na arca.
Toda essa exposição mostra
que essa doutrina católica está enraizada na Bíblia, e que as dificuldades
foram todas respondidas. Assim, pode-se responder ao quadro proposto no livro A
Lenda da Imortalidade da Alma assim:
1
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Essa
explicação mostra que Jesus não desceu ao inferno dos ímpios.
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2
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Confirma
que a alma deixa o corpo e desce ao sheol.
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3
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A
pregação de Jesus foi feita no Seu Espírito enquanto esteve no sepulcro.
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4
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A
prisão é alusão ao sheol ou hades, e não à prisão do pecado.
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5
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Essa
pregação não foi segunda chance de salvação.
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6
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Jesus
é juiz dos vivos e dos mortos (At 10,42), e por isso a pregação foi feita
realmente aos mortos naquele tempo da morte de Cristo.
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7
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A
argumentação sobre o motivo de que foram escolhidos os que viveram no tempo
de Noé fica de pé. Por enquanto não foi respondido pelos mortalistas o motivo
porque esse exemplo foi usado por Pedro. Adiantando que a resposta servirá
para provar o contrário do que eles almejam.
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8
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Afirmar
que essa pregação foi feita nos dias de Noé não é o que está em toda a
passagem, e o v. 21 não afirma nada disso.
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9
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A
punição dos ímpios depois do juízo é a verdade bíblica ensinada na Bíblia por
Pedro, sendo ensinado pela Igreja Católica, pois refere-se à condenação após
a ressurreição.
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10
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A
pregação de Noé no seu tempo poderia até mesmo ser entendida como a “pregação
do Espírito Santo por meio de Noé”, mas não é isso que 1 Pd 3,18-21 afirma. Essa
passagem afirma que Jesus foi o pregador. Daí já vemos que a interpretação
foi forçada para parecer o que não é.
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Ainda, a citação de John
Piper sobre a passagem mostra que a mesma refere-se aos espíritos dos que
viveram nos tempos de Noé, e que agora estão em prisão: “O outro texto é 1 Pedro 3:18-20, onde é dito que Cristo
foi pregar aos espíritos que agora estão em prisão.”[1]. Essa explicação destrói a
interpretação de Leandro Quadros ao tentar afirmar que a prisão é espiritual, e
não um lugar que aqueles espíritos estavam. Sabemos que eles não estão mais na
prisão, pela revelação feita alguns versos depois desses, em 1 Pedro 4,6, como
já mostrado de forma clara. Se a pregação era coisa passada, realizada por Noé,
devem os mortalistas explicar como isso não foi expresso no texto, e ainda
desfazer a contradição dessa explicação com o próprio texto, que afirma que os
que a ouviram, apesar de terem sido castigados na carne, o evangelho os fez
viver no espírito. Isso mostra a fraqueza dessas interpretações modernas.
Outro fato que revela a
grande dificuldade para um mortalista manter a sua posição, após a devida
escrutinização do texto, é que a passagem de 1 Pedro 4,6, que esclarece o fato
presente, não foi mencionada na obra, não foi tratada de perto, mas aparece apenas
na citação na nota de rodapé sobre a interpretação que traz a nota de rodapé
correspondente a essa passagem na Bíblia NVI, segundo a obra mencionada. E isso
é usado para explicar 1 Pedro 3,18-21. Não foi feita a correta aproximação das
duas passagens, como apresentado no presente estudo.[2]
De qualquer maneira, o que
foi colocado aqui tem a força de desfazer todos os argumentos que foram usados
para explicar a passagem de uma forma não conhecida pelo seu contexto imediato.
Foi provado que essa opção é inválida, uma interpretação que não resistiu, e
foi devidamente refutada pela força da Palavra de Deus.
Gledson Meireles.
Segundo os mortalista Hades é apenas uma palavra para englobar todos os mortos no sepulcro e não o lugar onde se encontrava as almas dos que morreram.
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