domingo, 4 de dezembro de 2016

IMORTALIDADE DA ALMA: OS ESPÍRITOS EM PRISÃO

A pregação aos antediluvianos

O texto de 1 Pedro 3,18 afirma que Cristo morreu por nossos pecados para nos conduzir a Deus. E uma parte desse verso é importante para nosso aprofundamento do que estamos estudando: “Padeceu a morte na carne, mas foi vivificado quando ao espírito.” Essa distinção da carne com o espírito não são apenas de duas orientações morais do ser humano, como ficará claro aqui.

Notemos que a passagem fala da morte de Jesus. Dessa forma, afirma que Jesus padeceu, morrendo, “na carne”, mas recebeu a vida no “espírito”. Nessa tradução, o termo espírito está com letra inicial minúscula, mas se estivesse com letra maiúscula seria o mesmo, pois trata-se do Espírito de Jesus, aquele que Ele tem enquanto Homem. Nesse momento não está falando do Espírito Santo, mas daquilo que o Espírito Santo fez no Espírito de Cristo.

Há quem afirme que Romanos 8,11 serve de explicação para essa passagem. Em Romanos sabemos que o Espírito Santo que habita em nós operará a ressurreição em nossos corpos, assim como ressuscitou a Cristo. Isso o sabemos. Mas o que está em 1 Pedro 3,18 não diz a mesma coisa. Ali, ao contrário, há a menção da morte no corpo de Cristo, seguido da vivificação no Espírito. Essa vivificação não é entendida apenas como feita pelo Espírito Santo em Cristo. De fato, quando afirma que Cristo foi morto na carne e vivificado no espírito, isso quer dizer o óbvio, ou seja, que enquanto Nosso Senhor permaneceu morto no sepulcro, Sua alma recebeu vivificação, e nela foi aos espíritos dos mortos antes dEle. Dessa forma, usar Romanos 8,11 como semelhante no sentido não desfaz o que está estabelecido.

Assim, temos uma distinção de carne e espírito, onde a carne morre e o espírito recebe vida, ou seja, não é deixado morrer, pelo poder de Deus. Vamos continuar.

O verso 19 afirma: “É nesse mesmo espírito que ele foi pregar aos espíritos que eram detidos no cárcere, àqueles que outrora, nos dias de Noé, tinham sido rebeldes. (1 Pedro 3,19)

Então, o verso seguinte afirma: “nesse mesmo espírito”, que é a alma de Cristo que ficou consciente após a morte. Entende-se, conforme a passagem, isso refere-se à morte na carne. Então, esse “pregar aos espíritos”, outra vez o mesmo termo, significa: o Espírito de Jesus foi pregar a outros espíritos. E continua identificando quem são esses espíritos, os que, “outrora nos dias de Noé, tinham sido rebeldes”. Está claro que o texto afirma que Jesus morreu e foi pregar aos espíritos do Antigo Testamento que viveram no tempo de Noé.

O capítulo 4 continua falando do padecimento de Cristo na carne, como fundamento para nossa instrução. A linguagem usada sugere a distinção corpo e alma: “a fim de que, no tempo que lhe resta para o corpo, já não viva segundo as paixões humanas, mas segundo a vontade de Deus.” (1 Pedro 4, 2) Atenção à expressão: o tempo que resta para o corpo. O tempo de vida no corpo é o que está referido nessa passagem, e somente a fé na imortalidade de alma parece ser compatível com tal consideração.

Nos vv. 5-6 temos uma revelação tremenda: “Eles darão conta àquele que está pronto para julgar os vivos e os mortos. Pois para isso foi o Evangelho pregado também aos mortos; para que, embora sejam condenados em sua humanidade de carne, vivam segundo Deus, quanto ao espírito.”

Ao apresentar Jesus como juiz dos vivos e dos mortos, temos que vivos são os que ainda estão neste mundo, e mortos são realmente os falecidos. Dessa forma, a pregação do Evangelho “também aos mortos” é com certeza a pregação de Jesus às almas dos santos quando esteve na Mansão dos Mortos.

Diante dessa passagem há quem queira introduzir uma noção espiritualizada, uma alegorização usada para mudar o sentido do texto, onde vivos seriam os que estão salvos, e os mortos seriam os que já estão condenados. Desse modo, interpreta-se a passagem como se estivesse indicando somente as pessoas vivas, com referência apenas ao seu estado espiritual. Jesus seria o Juiz dos santos, que já estão salvos, e dos pecadores, aqueles que permanecem perdidos! Obviamente, essa leitura é impossível nessa passagem, e em tantas outras, que mostra Jesus submetendo-Se à morte para que, assim como é o Juiz dos vivos, fosse também dos mortos. E nessa acepção, vivos e mortos são vivos literalmente, e mortos literalmente também.

Sabendo que essa é a interpretação correta, continuemos a leitura nessa luz: “embora sejam condenados em sua humanidade de carne, vivam segundo Deus, quanto ao espírito”.

Essa constatação é impressionante, pois faz da morte uma condenação do corpo, pois chama os mortos de “condenados em sua humanidade de carne”. Além do mais, continuando o arrazoado nesse sentido de distinguir o corpo da alma, temos que esses mortos que receberam a pregação de Cristo tiveram essa experiência para que “vivam segundo Deus, quanto ao espírito”. Essa vida do espírito conforme a Vontade de Deus é a vida da alma, que estava no cárcere, como foi dito em 1 Pedro 3,19.

Agora, é preciso notar o alargamento do sentido dessa pregação de Cristo. Em 1 Pedro 3,19 temos que os mortos que a receberam foram os rebeldes do tempo de Noé, quando Deus pacientemente aguardou até a construção da arca. (v. 20) Mas, em 1 Pedro 4,6 o Evangelho é pregado “aos mortos”, sem qualificação ou identificação, no sentido geral.

Assim, a passagem está referindo-se à mesma ocasião, sem excluir o fato de que todos os salvos ouviram Cristo pregando no sheol. Talvez os espíritos dos que morreram nos dias de Noé foram lembrados para ressaltar a salvação ocorrida no batismo, pois ali é feita a comparação das águas do dilúvio com o batismo que agora salva. Assim, comparando ambas as passagens podemos afirmar que Jesus foi até os mortos e pregou a eles o evangelho do reino, para que vivam para Deus.

No entanto, ainda há mais uma qualificação. Jesus não poderia ter ido ao inferno libertar os condenados, mas apenas anunciar Sua vitória às almas santas, que morreram na amizade de Deus, ainda que seja nos tempos de Noé. É a proclamação da vitória àqueles que viveram na esperança do Messias.

Certamente, dos milhares ou mesmo milhões de pessoas que vivam naqueles tempos, apenas oito foram salvas do dilúvio, mas não sabemos quantos podem ter sido eternamente salvos por Deus naquela catástrofe. Dessa forma, eles foram condenados na carne, mas quando arrependeram-se ao ver a chuva torrencial e as águas inundando a terra, foram salvos. E, portanto, Cristo foi a eles e pregou-lhe o Novo Testamento em Seu sangue, de forma que pudessem participar, desde já, da vitória de Jesus, enquanto esperam a ressurreição dos mortos.

Dessa forma, Jesus não foi ao inferno dos condenados, mas à parte do mundo dos mortos onde estão os justos, e não somente aos que viveram nos tempos de Noé, mas aos mortos salvos, já que a morte fixa o destino eterno, e Hebreus 9,27 afirma que após a morte vem o juízo.

Então, Cristo foi pregar o evangelho, anunciar a boa nova, trazendo a vida nova como aos que viviam no Seu tempo, completando assim aquilo que eles tanto almejavam, pois viveram antes de Cristo, olhando para o dia de Cristo.

Portanto, não adianta usar de argumento que Jesus foi aos condenados e para eles pregou, pois não faz sentido isso, e não é decorrente da correta interpretação da passagem de 1 Pedro 3,19.

Quanto ao fato de ter sido distinguido o grupo que viveu nos dias de Noé já foi tratado acima, e isso não restringe a pregação da Boa Nova somente a eles, mas que eles foram usados como exemplos, assim como as águas do dilúvio foram apresentadas como figura do batismo. Os rebeldes da época de Noé e a paciência de Deus simbolizaram os filhos de Deus convertidos da Antiga Aliança, e o tempo que Deus concedeu para a salvação, enfim, os tempos da paciência de Deus. E a condenação que muitos tiveram foi somente a do corpo, pois viveram no espírito, a eles Jesus foi para libertá-los.

A passagem refere-se a espíritos em prisão, que são os mesmos que estavam cativos, como afirma Ef 4,8s, e isso é suficiente para entender tudo o que foi dito acima. Assim, a aludida interpretação de que isso significaria somente a “prisão do pecado” já foi destruída nos argumentos anteriores.

A exigência de que teria de haver a menção do hades ou do inferno para entender o significado de prisão é uma exigência inócua. Não tem sentido. O simples indicar que os espíritos estão aprisionados já supõe o hades. E se Jesus foi para esse lugar, só poderia ser o mesmo que é conhecido como o seio de Abraão.

O tempo da salvação é aqui na terra, e, portanto, os mortos que ouviram o evangelho de Jesus já estavam salvos. (cf. 2 Cor 6,1-2) E o texto de Colossenses 1,23 apenas afirma a pregação do Evangelho que está em curso, a todos na terra, e não é alusivo ao fato de Cristo ter pregado na mansão dos mortos, pois aquela foi uma ocasião única, que foi uma vez por todas realizada.

Assim como também o foi a pregação que Cristo fez na terra, e não está fazendo mais. Esse ministério é agora da Igreja, e no Novo Testamento é a Igreja que anuncia o Evangelho. Jesus o anunciou aos santos do Antigo Testamento, e isso não é mais necessário. Portanto, supor que a pregação aos mortos esteja ocorrendo sempre, a todo momento, e mostrar Cl 1,23 para esse fim, com vistas a argumentar contra o fato, como prova contrária, é uma falha no entendimento do artigo do credo apostólico que reza que Cristo desceu à mansão dos mortos.

A doutrina da descida de Jesus aos mortos com Seu evangelho nunca foi definida como uma concessão de chance para a salvação após a morte, como já explicado. Isso está de acordo com Hebreus 9,27, e assim não há qualquer obstáculo para acatar essa doutrina.

Portanto, os maiores santos e teólogos da história da Igreja pregaram essa verdade. O fato de eruditos protestantes, ou quaisquer que sejam, que neguem atualmente esse ponto doutrinal não é prova de que o mesmo seja ridículo, contrário ao bom senso, e etc., mas apenas mostra a falha desses comentadores modernos em entender o verdadeiro sentido da doutrina. É antes, uma prova da heresia desses. Se há doutrina de demônios nesse meio, a negação da imortalidade da alma é uma delas.

Interpretar a prisão como sendo apenas espiritual é uma fuga do contexto imediato e uma apelação para outras partes das Escrituras, numa aplicação de textos que não são necessários para o entendimento do texto em questão, como provado antes. Assim, as amarras do pecado não são a prisão mencionada por Pedro, pois essa é o mundo dos mortos, o sheol, como já mostrado antes.

Quando Leandro Quadros interpreta as cadeias como sendo espirituais,  sendo as amarras do pecado, fica ainda a explicar por que razão Cristo pregou no Espírito Santo aos rebelados dos dias de Noé, e não em outras épocas. A mesma questão colocada para esclarecer o motivo de Cristo ter descido ao hades, e pregado a esse público, permanece aberta quando é colocado que o sentido era de uma pregação em vida, ocorrida no tempo de Noé. Certamente, ao ser resolvida essa questão, está também solucionada a outra, a de que foi realmente durante os três dias no túmulo que Jesus realizou o que está na passagem analisada.

Quanto ao termo espírito, na Bíblia ele não é usado para expressar uma pessoa inteira. O uso em 1 Pd 3,19 tem o mesmo sentido de alma espiritual. Na verdade, o termo alma pode ser empregado como pessoa, mas não a palavra espírito. Quando São Paulo afirma que trouxeram refrigério a seu espírito, no sentido de que esse alívio foi a si mesmo, isso não prova que o termo refira-se a pessoas, da forma que está usado em 1 Pedro 3,19. São Paulo diz: “o meu espírito”, como em Gálatas também é dito “com o vosso espírito”, referindo-se a uma parte do ser, e não ao ser inteiro.

Isso significa que o desejo é que a graça e a paz de Jesus esteja com o espírito de cada um, e estando no íntimo do ser, estará com a pessoa, e isso é uma consequência lógica. Não podemos afirmar que o termo esteja empregado da mesma forma como São Pedro o fez no verso que estamos estudando. A mesma coisa é vista em Gn 7,15, onde é mencionada a carne e o espírito de vida que há nelas, referindo-se aos animais. Não está o versículo afirmando que os animais são espíritos, mas que possuem espíritos, e por isso cita carne e espírito, no sentido de vida. Esse significado é claro pelo contexto, pois a ordem é que seja colocada na arca toda carne que vive, e é sobre isso que está falando o verso, mostrando o acontecimento dos animais sendo acomodados na arca.

Toda essa exposição mostra que essa doutrina católica está enraizada na Bíblia, e que as dificuldades foram todas respondidas. Assim, pode-se responder ao quadro proposto no livro A Lenda da Imortalidade da Alma assim:

1
Essa explicação mostra que Jesus não desceu ao inferno dos ímpios.
2
Confirma que a alma deixa o corpo e desce ao sheol.
3
A pregação de Jesus foi feita no Seu Espírito enquanto esteve no sepulcro.
4
A prisão é alusão ao sheol ou hades, e não à prisão do pecado.
5
Essa pregação não foi segunda chance de salvação.
6
Jesus é juiz dos vivos e dos mortos (At 10,42), e por isso a pregação foi feita realmente aos mortos naquele tempo da morte de Cristo.
7
A argumentação sobre o motivo de que foram escolhidos os que viveram no tempo de Noé fica de pé. Por enquanto não foi respondido pelos mortalistas o motivo porque esse exemplo foi usado por Pedro. Adiantando que a resposta servirá para provar o contrário do que eles almejam.
8
Afirmar que essa pregação foi feita nos dias de Noé não é o que está em toda a passagem, e o v. 21 não afirma nada disso.
9
A punição dos ímpios depois do juízo é a verdade bíblica ensinada na Bíblia por Pedro, sendo ensinado pela Igreja Católica, pois refere-se à condenação após a ressurreição.
10
A pregação de Noé no seu tempo poderia até mesmo ser entendida como a “pregação do Espírito Santo por meio de Noé”, mas não é isso que 1 Pd 3,18-21 afirma. Essa passagem afirma que Jesus foi o pregador. Daí já vemos que a interpretação foi forçada para parecer o que não é.

 

Ainda, a citação de John Piper sobre a passagem mostra que a mesma refere-se aos espíritos dos que viveram nos tempos de Noé, e que agora estão em prisão: “O outro texto é 1 Pedro 3:18-20, onde é dito que Cristo foi pregar aos espíritos que agora estão em prisão.[1]. Essa explicação destrói a interpretação de Leandro Quadros ao tentar afirmar que a prisão é espiritual, e não um lugar que aqueles espíritos estavam. Sabemos que eles não estão mais na prisão, pela revelação feita alguns versos depois desses, em 1 Pedro 4,6, como já mostrado de forma clara. Se a pregação era coisa passada, realizada por Noé, devem os mortalistas explicar como isso não foi expresso no texto, e ainda desfazer a contradição dessa explicação com o próprio texto, que afirma que os que a ouviram, apesar de terem sido castigados na carne, o evangelho os fez viver no espírito. Isso mostra a fraqueza dessas interpretações modernas.

Outro fato que revela a grande dificuldade para um mortalista manter a sua posição, após a devida escrutinização do texto, é que a passagem de 1 Pedro 4,6, que esclarece o fato presente, não foi mencionada na obra, não foi tratada de perto, mas aparece apenas na citação na nota de rodapé sobre a interpretação que traz a nota de rodapé correspondente a essa passagem na Bíblia NVI, segundo a obra mencionada. E isso é usado para explicar 1 Pedro 3,18-21. Não foi feita a correta aproximação das duas passagens, como apresentado no presente estudo.[2]

De qualquer maneira, o que foi colocado aqui tem a força de desfazer todos os argumentos que foram usados para explicar a passagem de uma forma não conhecida pelo seu contexto imediato. Foi provado que essa opção é inválida, uma interpretação que não resistiu, e foi devidamente refutada pela força da Palavra de Deus.
 
Gledson Meireles.



[1] BANZOLI, Lucas. A lenda da mortalidade da alma, p. 294.
[2] A alternativa de interpretação onde os espíritos em prisão seriam os demônios que estão no tártaro ou no abismo, não fornece solução, e, pela refutação acima essa tese está excluída e refutada também.

Um comentário:

  1. Segundo os mortalista Hades é apenas uma palavra para englobar todos os mortos no sepulcro e não o lugar onde se encontrava as almas dos que morreram.

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