domingo, 22 de novembro de 2015

Sobre um artigo a respeito do milenarismo

O apologista Lucas Banzoli, escreve um blog contra as doutrinas cristãs católicas, as quais considera heresias. O último publicado até o momento é o artigo O milenarismo dos Primeiros Pais da Igreja onde afirma haver, de forma evidente, para “qualquer um que estude com atenção os escritos destes primeiros Pais”, o “consenso unânime pelo pré-milenismo.” (ênfase no artigo original)

Começando pelo documento Didaquê (60-90), que fala da herança da terra aos santos, passando por Policarpo (69-155), que diz: “Aquele que o ressuscitou dos mortos também nos ressuscitará, se fizermos a sua vontade, se caminharmos em seus mandamentos,” (ênfase no artigo original), Santo Irineu (130-202), São Justino (100-165), Pápias (70-155), com a confirmação dessa realidade por São Jerônimo e Eusébio de Cesaréia, no século IV, o autor mostra o que encontrou em seu estudo.

Mas, como pede o seguinte favor: “Se alguém tiver um testemunho contrário que remeta a algum Pai da Igreja do século I ou II, por favor, me informe, para que eu possa incluir alguma coisa nos outros quadros. O resultado, até agora, é esmagador em favor do pré-milenismo.”, o que escrevi pode servir de ajuda. Ajuda essa não para apenas enriquecer o quadro com novas informações, mas para mudar essencialmente o que foi dito no artigo, se possível.

 O autor afirma ter estudado todos os primeiros padres da Igreja e não encontrado um único deles que não advogasse o milenarismo.

Após estudar todos os escritos dos primeiros Pais, não tive acesso a absolutamente nenhum que cresse em outra coisa que não o milenarismo, o que torna enormemente improvável que essa doutrina não tenha vindo dos apóstolos, a não ser que todos os primeiros Pais tivessem sido facilmente enganados por Papias (conforme a teoria fracassada de Eusébio), ou se entraram em conluio para corromper a doutrina apostólica (teoria igualmente fracassada).

Sendo assim, é pouco provável que eu inclua alguma novidade para o autor aqui, embora eu acredito que posso fazer isso. O autor explica a razão da mudança da visão pré-milenista para o amilenismo do seguinte modo: “Um fenômeno que ocorreu progressivamente na medida em que os Pais da Igreja do início do terceiro século foram abandonando a doutrina da mortalidade natural e adotando o ponto de vista imortalista foi a substituição do pré-milenismo pelo amilenismo, e da eternidade na terra pela eternidade no Céu.” (fonte indicada no artigo)

Pois bem. Iniciando por São Justino, esse afirma que era de opinião de que haveria um reino milenar literal com a reconstrução de Jerusalém, mas que muitos cristãos de fé pura e piedosa não pensavam assim. Essa informação não o tira do grupo dos milenaristas, mas introduz uma informação essencialmente diferente, pois mostra que opinião diversa da que advogava era mantida por cristãos de correta doutrina.[1] Veja a afirmação: “muitos que pertencem à pura e piedosa fé, e são verdadeiros cristãos, pensam de outra forma”. Ou seja, muitos cristãos verdadeiros não criam no mileranismo, e não são rejeitados por São Justino, pois essa opinião pessoal dele não era percebida como de essência herética, nem a dos demais.

Dessa forma, São Justino não demonstra uma opinião robusta, como se fosse de origem apostólica, de forma a não aceitar outros pontos de vista. Esse dado mostra que a posição de São Justino não advoga uma tradição apostólica para aquilo que ensina. Era  o que podemos afirmar que uma interpretação plausível.

Por essa razão, está errado afirmar que todos os cristãos criam da mesma forma que Justino, ou seja, no reino milenar ou milênio literal na terra: “Justino (100-165) não apenas mostra sua opinião pessoal do assunto, como também afirma que todos os cristãos de bem estavam convictos de que haveria um milênio literal na terra.>” (ênfase no artigo original) Foi uma leitura errada do que escreveu São Justino no final do capítulo 80 em seu Diálogo com Trifão.[2] Ele diz que ele e outros cristãos que estavam corretos em todos os pontos criam no milenarismo, e não que todos os cristãos corretos criam assim.

São Justino, Santo Ireneu, discípulos de São Policarpo, e tantos outros cristãos fieis, mas também os hereges, criam na fase de 1000 anos literais do reino de Cristo na Terra.

Porém, São Clemente de Roma cita a habitação dos salvos na terra, mas isso não prova que advogasse o milênio.

Hegesipo (170) também não era milenarista. Ele escreveu que Cristo viria no fim dos tempos, em glória, para julgar os vivos e os mortos e dar recompensa a todos conforme as obras.[3] Essa não é uma posição pré-milenista. De fato, ele não menciona os mil anos, e afirma que o reino começa a partir do juízo final, com a recompensa dada aos salvos. Essa é a posição da Igreja Católica.

O Pastor de Hermas foi uma obra considerada inspirada por muitos nos primeiros séculos. Por isso, é de uma autoridade inegável. Foi escrita no início do segundo século, e não há nela a doutrina do pré-milenarismo.

Além disso, alguns fatos devem nos auxiliar a pensar que o pré-milenarismo não foi a visão totalmente mantida desde a era apostólica. Por exemplo, Tertuliano foi milenarista, mas Orígenes não. Na mesma época Hipólito adotava o milenarismo, assim como consta o mesmo de São Cipriano.

Assim também parece ter sido o caso, comparando Lactâncio, milenarisa, e Eusébio, contrário a essa doutrina, ambos vivendo no mesmo período. Foi assim que, anos mais tarde, Santo Agostinho forneceu uma crítica ampla sobre o tema, explicando como original a doutrina do amilenismo. A Igreja nunca favoreceu a posição milenarista.

Gledson Meireles.


[1]  “I am not so miserable a fellow, Trypho, as to say one thing and think another. I admitted to you formerly, that I and many others are of this opinion, and [believe] that such will take place, as you assuredly are aware; but, on the other hand, I signified to you that many who belong to the pure and pious faith, and are true Christians, think otherwise.” (Dialogue with Trypho, 80)
[2] “But I and others, who are right-minded Christians on all points, are assured that there will be a resurrection of the dead, and a thousand years in Jerusalem, which will then be built, adorned, and enlarged, [as] the prophets Ezekiel and Isaiah and others declare.” (site www.newadvent.org)
[3] Being then asked concerning Christ and His kingdom, what was its nature, and when and where it was to appear, they returned answer that it was not of this world, nor of the earth, but belonging to the sphere of heaven and angels, and would make its appearance at the end of time, when He shall come in glory, and judge living and dead, and render to every one according to the course of his life.” (ênfase dada para o artigo no site pesquisado.)

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