São Jerônimo e o papado
Muitos estavam considerando
os diáconos antes dos presbíteros em sua posição hierárquica. São Jerônimo
(331-420) considera isso uma loucura. Sua pergunta retórica é incisiva: “Pois quando o apóstolo claramente ensina que os
presbíteros são os mesmos que os bispos, não deve um mero servidor de mesas e
de viúvas (Atos 6,1-2) ser insano de colocar-se a si mesmo arrogantemente sobre
homens através dos quais as orações produzem o corpo e o sangue de Cristo?.”
(Epístola 146)
Ele alude aos três graus da
hierarquia bíblica católica, de bispos, presbíteros e diáconos, e à diferença
de função dentre os bispos e presbíteros em relação aos diáconos, já que esses
não celebram a eucaristia, não fazem as “orações que produzem o corpo e o
sangue de Cristo”, uma menção ao momento da consagração.
Assim, além de mostrar a
hierarquia de bispos, presbíteros e diáconos, sendo os dois primeiros iguais em
escala e dignidade sacerdotal, e os últimos apenas servidores, ajunta-se ainda
outra característica católica, que é a virtude do sacerdote que é o único que
pode tornar os elementos do pão e do vinho em Corpo e Sangue de Cristo. De
fato, os diáconos não são ordenados para consagrar. Disso, está claro pelas
palavras de São Jerônimo, que os bispos e os presbíteros são aqueles que
possuem o caráter para que por suas orações sejam feitos o Corpo e o Sangue de
Cristo na santa missa. Essa é a significação das palavras de São Jerônimo.
São Jerônimo opinou que a
posição de um bispo sobre os demais, que embora estejam todos na mesma posição
hierárquica, foi feita para evitar o cisma: “Quando
subsequentemente um presbítero foi escolhido para presidir sobre o restante,
isso foi feito para remediar o cisma e para prevenir cada indivíduo de rasgar a
igreja de Cristo por atraí-la para si mesmo.”
Mas, assim, ele o faz para
mostrar a superioridade de bispos e presbíteros, contados como iguais pelos
apóstolos, sobre os diáconos, que formam um grupo à parte. Contudo, São
Jerônimo mostra que os presbíteros não possuem a função idêntica à dos bispos,
e não possuem igualdade funcional como proveniente dos apóstolos, mas antes há
diferença nesse quesito: “Pois que função, exceto a
ordenação, pertence a um bispo que não pertence também a um presbítero?”.
Podemos entender isso naturalmente, pois um padre é ordenado a bispo, e com
isso a mudança em sua função é que pode, a partir daí, ordenar a outros, e sua
jurisdição é estendida sobre outros.
E quanto à autoridade do
bispo, em qualquer lugar que esteja, essa autoridade é idêntica, não está
condicionada à riqueza ou à pobreza, ao lugar em que o bispo está, mesmo na
capital de Roma, como em qualquer outro lugar: “Nem
a ordem da riqueza nem a pequenez da pobreza o faz mais bispo ou menos bispo.
Todos semelhantemente são sucessores dos apóstolos.” Assim, enquanto
sucessores dos apóstolos os bispos possuem igual dignidade, e autoridade e sua
respectiva igreja.
O que viu em Roma, a
respeito dos diáconos, seria fruto de maus hábitos, que deram ocasião a abusos,
de modo que na ausência do bispo de Roma, que é o papa, os diáconos sentavam-se
entre os presbíteros e davam a benção. São Jerônimo reporta a Atos 6,2 para que
aprendam o lugar apropriado a eles, e o motivo de sua instituição.
Explica ainda os títulos de
bispos e presbíteros, aqueles indicando a idade, e o segundo o cargo. E compara
os bispos, presbíteros e diáconos às posições de Aarão, seus filhos e os
levitas no Antigo Testamento. Essa é em linhas gerais a contextualização da
epístola 146 de São Jerônimo, de data desconhecida.
São Jerônimo e a primazia de Roma
Nessa questão, São Jerônimo
não escreveu uma palavra sequer que pudesse diminuir o poder do bispo de Roma
em comparação com outros bispos de outras localidades. Isso fica claro que há
apena silêncio, sobre o qual não pode-se construir nenhum argumento. O que
estava em questão era a hierarquia dos bispos e presbíteros e diáconos, e São
Jerônimo colocou os dois primeiros na mesma ordem, embora reconhecendo que os
bispos possuíam a função de ordenar, e não os presbíteros, e que também os
bispos foram aqueles eleitos para a jurisdição em uma região, para não dar
ocasião a cisma. A mesma doutrina atual da Igreja Católica.
A respeito da questão dos
diáconos, são Jerônimo afirma que o costume que foi colocado, quando escrevia a
respeito da situação dos diáconos de Roma, e que ele mesmo havia presenciado,
não era o costume correto, e não poderia ser a regra para toda a Igreja. A
Igreja que está no resto no mundo é maior que uma igreja local, com um costume
local que contraria o geral. É o mesmo que existe hoje na Igreja Católica.
Nessas circunstâncias,
também, São Jerônimo mostra que aquele fato dos diáconos de Roma não traduzia a
regra da igreja romana, mas abusos que surgiram ali, por motivo do número
reduzido de diáconos naquela igreja.
Além do mais, essa questão não
é diretamente uma questão doutrinal, mas um costume que foi impondo-se pelas
circunstâncias, e não por um decreto ou tradição apostólica. Assim, essa é a
crítica de São Jerônimo.
Na Epístola 15 a São Dâmaso
ele escreveu:
“Desde o Oriente, despedaçado como está pelas lutas de longa data, subsistindo entre os seus povos, está pouco a pouco rasgando em pedaços a túnica sem emenda do Senhor, tecida de alto a baixo, João 19:23, uma vez que as raposas estão destruindo o vinha de Cristo, Cântico dos Cânticos 2:15, e desde que entre as cisternas rotas, que não retêm água é difícil descobrir a fonte selada e o jardim fechado, Cântico dos Cânticos 4:12: Eu acho que o meu dever de consultar a cátedra de Pedro e se voltar para uma igreja cuja fé tem sido elogiada por Paulo”. (ênfase acrescentada)
Diante de dúvidas a respeito da fé e dos costumes, São Jerônimo, vendo as divergências que alastravam-se, por todos os lados, no Oriente, ele vê-se como que em uma circunstância difícil, e na obrigação de encontrar a verdadeira fé sobre o ponto que precisava, e percebe o seu dever de consultar o papa em Roma, “a cátedra de Pedro”, a Igreja que teve a fé elogiada por Paulo. Isso é muito claro quanto ao poder influente da sé de Roma, já que os problemas do Oriente são endereçados à capital espiritual cristã no Ocidente.
Para quem não concorda com São Jerônimo em ter que voltar-se a Roma para consultar sobre a fé em tempos de divergência, isso é compreensível, é problema pessoal de quem pensa assim, e não é o que está sendo discutido aqui. O que deve ser aceito é o que São Jerônimo entendia, da forma como expôs, e que essa era a sua posição.
O ponto importante é notar que a posição de São Jerônimo era justamente a de que Roma era a sé apostólica, a cátedra de Pedro, e que deveria ser consultada para a exatidão da fé cristã. Ele não coloca sua ligação pessoal com Roma como o motivo para tal dever, como se fosse somente uma questão de obrigação pessoal, de estar conforme a fé compartilhada em Roma, mas apresenta para isso a autoridade de Pedro e o testemunho de Paulo, o que serve para todo cristão, não limitando a isso uma questão jurídica e administrativa ligada somente a São Jerônimo), e por causa disso ele deveria voltar-se à Igreja de Roma para aprender, em termos gerais, a fé, a moral e a disciplina.
“Maus
filhos desperdiçaram seu patrimônio; somente você mantem sua herança intacta.”
“No
entanto, apesar de sua grandeza me aterrorizar, sua bondade me atrai.”
“Minhas palavras são faladas para o sucessor do pescador, para o discípulo da cruz. Como eu sigo nenhum líder a não ser a Cristo, então não me comunico com ninguém a não ser a sua bem-aventurança, que está com a cátedra de Pedro.”
“Se você acha que adequado promulgar um decreto; e então eu não hesitarei em falar de três hipóstases. Encomende um novo decreto para substituir o de Nicéia; e então, se somos arianos ou ortodoxos, uma confissão fará para todos nós.”
São Jerônimo acreditava que somente o papa havia guardado a doutrina correta; reconhecia a grandeza e a bondade do cargo papal, a ponto de afirmar que essa grandeza do papa o aterrizava e a bondade o atraía; chama o papa de sucessor do pescador, e afirma ter apenas um chefe, Jesus Cristo, e por isso mesmo comunicava-se com o papa, que ocupava o trono de Pedro. Ele não via nenhuma tensão entre a fé que tinha em Cristo como único líder, e o reconhecimento que tinha do papa como chefe da Igreja. Não obsta que alguém pense diferente de São Jerônimo e da Igreja Católica, o que importa é reconhecer sua posição.
A argumentação é patente. Enquanto um protestante hoje diria que a Igreja de Roma não seria referência para a exatidão da doutrina, e que o papa não é reconhecido como sucessor de Pedro, e que somente Cristo é o Chefe, não tendo mais a ninguém para prestar contas, o contrário disso tudo é o que afirma São Jerônimo. Não estou afirmando que o protestante, enquanto tal, deve estar em conformidade com São Jerônimo nessa questão, mas que reconheça que o mesmo não concorda com a posição que é comum nas igrejas protestantes.
Pelo contrário, São Jerônimo dirige-se ao papa em termos muitíssimos respeitosos, afirma a fé na ortodoxia de Roma, e por ter a Jesus como líder único, ele está em comunhão com aquele que assenta-se na cadeira de São Pedro. Mais claro do que isso, para mostrar a diferença da doutrina católica de São Jerônimo, em relação à doutrina protestante nesse quesito é impossível.
Nessa epístola, e na
segunda, após não haver recebido resposta, São Jerônimo suplica ao papa que o
responda, e o informe a quem ele deve comunicar-se, pois havia três bispos em
sua região, em Antioquia, e desejava ter certeza sobre qual deles era ortodoxo.
Além do mais, os três
afirmavam estar em comunhão com o papa em Roma. Essa constatação é importante,
pois não somente são Jerônimo queria uma solução de Roma, por haver ele mesmo
sido batizado ali, e ter vivido na cidade capital do império, mas ainda outros
bispos também queriam ter o favor de Roma para suas posições. Isso é
notoriamente o que podemos esperar do primado do papa. Essa doutrina não foi
nunca negada por São Jerônimo.
São Jerônimo é venerado na
Igreja, é um dos Santos Padres, portanto sua doutrina é católica, correta, em
sua visão geral. Se há pontos isolados que mereçam crítica da parte da Igreja
Católica isso não desfaz o valor da obra inteira. Seus escritos são muitos, e às vezes sua
opinião pode variar entre suas obras mais antigas e aquelas mais próximas do
fim da sua vida. É, portanto, uma das brechas que tem alguns críticos para
entrar por elas e tornar o grande santo católico em um homem com ideias
relativamente semelhantes àqueles que o Protestantismo pregou no século 16.
Seria como pegar uma obra de
Lutero, em seus primeiros anos, por volta de 1521, e provar uma opinião sua,
totalmente católica, sem levar em consideração aquilo que ele escreveu décadas
mais tarde, onde sua posição mudou drasticamente em certos pontos. Não podemos
esquecer de ter o contexto geral do autor em consideração. (Isso é o que faz o
apologista Dave Armstrong, de reputação e erudição inegável, mas que é
criticado por protestantes que comportam-se como se não o conhecesse.)
Mas, as coisas não são tão
fáceis assim, como podemos imaginar. Ainda mais quando o autor viveu no século
4º e 5º, e quando os estudiosos divergem quanto à data de composição de certas
obras.
Fica fácil nesse cenário
afirmar uma opinião antiga do autor como se fosse sua última palavra sobre um
assunto, ou tomar as conclusões definitivas do autor sobre uma questão e
reputá-las como afirmações impensadas de sua fase juvenil. Eis o que podemos
ter nas questões que versam sobre São Jerônimo.
“From
his work against Jovinian, and the other from a letter to Evangelus (or
Evagrius)”
Isso ficamos sabemos ser o
ocorrido na obra do Dr. Littledale, que foi refutada pelo Dr. Ryder, mas mesmo
assim fatos foram repetidos pelo Dr. Littledale como se a refutação nunca
houvesse existido.
Temos então esse outro
problema também, que é repetir certa opinião apesar dessa ter sido realmente
refutada, não considerando a refutação, e passando como se a mesma opinião
refutada como se fosse a posição definitiva.
Pois bem, talvez uma análise
de algumas afirmações de São Jerônimo sejam conclusivas nesse assunto, e possam
ajudar a muitos que pensam entender sobre o mesmo, mas possuem opinião alheia e
ele.
São Jerônimo menciona o fato
de que Pedro foi a fundação da Igreja (o protestante deve não concordar), e que
os demais apóstolos igualmente receberam essa prerrogativa (esse ponto é
aludido pelos protestantes de forma positiva), mas que ao ser eleito um deles,
ou seja, o apóstolo Pedro, todo o cisma foi removido (esse último o protestante
rejeita).
Em outras palavras, na
eleição de um dos apóstolos como o cabeça do grupo, a ocasião para reputar
outro como chefe foi desfeita, e o cisma não ter oportunidade de encontrar
lugar legítimo de existir.
Nesse ponto, São Jerônimo
cita a preferência de Pedro ao invés de São João, que era virgem e celibatário,
por causa da idade, pois Pedro sendo mais velho e João um jovem, assim não
daria lugar a que um líder jovem fosse preferido entre os homens.
Em outra citação fornecida
por Dom Chapman, São Jerônimo admoesta contra a opinião de muitos a preferir os
diáconos ao invés dos sacerdotes, e explica que os presbíteros e os bispos são
aqueles que possuem o poder de sua oração tornar (a mesma noção de transformar
a essência do pão e do vinho em) o Corpo e o Sangue de Cristo. Essa distinção é
outra distinção da doutrina católica, onde somente os padres e bispos consagram
o pão e o vinho, e os diáconos são responsáveis pela pregação do Evangelho e
das obras de caridade. São Jerônimo deixa essa questão bastante elucidada.
De igual modo, menciona que
os bispos podem ordenar, e os sacerdotes não, e nisso está a diferença entre
ambos.
“Nem
é a Igreja da cidade de Roma um coisa, e a Igreja de todo o resto do mundo
outra. Gaul e Britânia, e África, e Pérsia, e Índia, e todas as nações
bárbaras, adoram um Cristo e observam uma regra de caridade. Se autoridade é
procurada, o mundo é maior do que a cidade.”
“Mas você vai dizer: como, então,
que em Roma um presbítero é ordenado apenas na recomendação de
um diácono? Ao qual eu respondo como se segue. Por que você apresenta um costume
que existe em uma única cidade? Por que você se opõe às leis
da Igreja uma exceção insignificante que deu origem à arrogância e orgulho?”
(Jerônimo, Letter 146, To
Evangelus, Cap.2) Ver também Carta 88, o mais abençoado papa Teófilo,
resolvendo questão até para Roma.)
Dom Chapman escreve, sobre o
que ensinou são Jerônimo a respeito da autoridade dos costumes locais da Igreja
de Roma em relação ao restante do mundo:
“Os costumes locais de Roma não são uma lei
para o mundo inteiro.”
O problema que estava
havendo, e que em Roma parecia mais peculiar, por sua posição de autoridade,
era que alguns tinham os diáconos em maior consideração que os presbíteros. São
Jerônimo elabora o argumento de que os apóstolos deram a mesma honra aos bispos
e presbíteros, diferenciando-os dos diáconos, como visto, e que nesse ponto
específico o costume que se dava em Roma, era na verdade um abuso. Ele escreve:
“até na Igreja de Roma os sacerdotes sentam-se, e
os diáconos ficam de pé.” Os referir-se “até” nessa Igreja, mostra que
chegava-se ao cúmulo da questão, pois até mesmo em Roma, a sede da Igreja, às
vezes ocorria, como conta, que diáconos sentavam-se entre os bispos. Essa era a
característica de abusos que estavam ocorrendo.
Na elaboração de São
Jerônimo temos que os apóstolos eram iguais, todos no mesmo patamar, na mesma
hierarquia, sendo todos fundamentos da Igreja, mas que entre eles o apóstolo
São Pedro foi escolhido, como chefe, de modo a por fim a ocasiões de cisma.
Afirma Dom Chapman: “São Pedro recebe sobre e acima do apostolado a cabeça do
primado, para prevenir o cisma.” Não se trata apenas de honra, de uma primazia
honrosa somente, mas de jurisdição, de uma autoridade potencial, que deveria
ser usada quando fosse necessário, e que naquele posto alguém estava investido,
e esse era o apóstolo Pedro.
Na epístola de Tito, são
Jerônimo explica que o sacerdote e o bispo são o mesmo, para evitar que a
divisão seja insinuada na Igreja, como foi em Corinto, onde cristãos criavam
partidos com os nomes dos apóstolos e de Cristo, e por isso quando “as Igrejas
eram governadas por um concílio comum de presbíteros”, houve a necessidade de
colocar o bispo sobre todos os outros, de forma a destruir tal divisão.
São Jerônimo usou de toda
sua força para empregar claramente a distinção entre os bispos e os diáconos.
Para isso, usou de comparação entre bispos e presbíteros, que são iguais em
ordem, tendo apenas a diferença de que o bispo pode ordenar, e abençoar o óleo
do crisma, e também quanto à jurisdição, e os sacerdotes não podem fazê-lo, e não
possuem. Isso fez para mostrar que os diáconos estão em outra ordem na
hierarquia, e investe contra o que achou ser abuso ocorrido em Roma, quando viu
um diácono sentado entre presbíteros.
Epístola 88
Na sua epístola 88, ao bispo
Teófilo, São Jerônimo o saúda como o “mais
bem-aventurado papa Teófilo”. Devemos saber que o título papa era usado
em geral para os bispos. Se essa saudação mostrasse que havia um papa somente,
em toda a Igreja, com autoridade singular, esse deveria ser Teófilo. Mas, se
não havia nenhum com essas prerrogativas, então a saudação não possui tal
valor. De qualquer modo, a própria saudação não é nenhum indício contra a
existência do papa em Roma, como aquele que possui o primado.
Se há o papa em Roma, São
Jerônimo deveria ter endereçado somente a ele essa saudação, que está no
superlativo. Isso significa que, na possibilidade de que não havia papa naquela
época, a saudação tem apenas um sentido floreado, e não quer dizer nada mais
que uma extrema simpatia de São Jerônimo pelo bispo Teófilo.
Para muitos, se São Jerônimo
escreveu tão grande saudação a um bispo, isso somente poderia significar que,
para ele, nunca houve um bispo acima de todos residindo em Roma, pois do
contrário a saudação seria para ele, e para nenhum outro. Estamos aqui detidos
no sentido que a saudação a Teófilo implica.
De fato, na carta 88, São
Jerônimo afirma que as cartas de Teófilo libertaram Roma da heresia. E o chama
novamente de “o mais amoroso e o mais
bem-aventurado papa”. Assim, mesmo em Roma a heresia foi combatida pelas
palavras de outro bispo, que não o romano. Para muitos, essa é uma prova de que
para São Jerônimo não havia papa.
Antes de responder a essa
objeção, bem considerada, devemos ler o que está escrito na carta 63 ao bispo
Teófilo, e que trata mais de perto o que estamos a analisar.
Epístola 63
Sabemos que não foi a
primeira vez que São Jerônimo usou a saudação “ao
mais abençoado papa Teófilo”, que é a mesma na epístola 63.
Mas, temos nesse documento
algo mais direto ao assunto relativo ao papa em Roma. São Jerônimo assim
escreve: “Eu agradeço por sua lembrança concernente
aos cânones da Igreja. Verdadeiramente, aquele que o Senhor ama ele castiga, e flagela
todo filho a quem recebe. Hebreus 12,6. Ainda eu asseguraria você que nada é
mais meu objetivo que manter os direitos de Cristo, de conservar as linhas
deixadas pelos padres, e sempre lembrar da fé de Roma; que a fé a qual é
elogiada pelos lábios de um apóstolo, Romanos 1,8 e da qual a igreja
alexandrina orgulha-se de ser participante.” (Epistle 63,1.2)
O bispo Teófilo (1) lembrou a São Jerônimo os cânons da Igreja, ou seja, as leis da Igreja comuns a todos, e fala da (2) conservação da doutrina deixada pelos Padres da Igreja, e (3) da fé de Roma, que deve ser lembrada, aquela fé que foi elogiada pelo apóstolo São Paulo.
Na carta 88 São Jerônimo dirá que do “fortalecimento com a autoridade de tão grande prelado”, que é uma consideração comum a um bispo. E pelas suas palavras a ação do bispo Teófilo foi específica, não constituindo regra.
No entanto, quanto à fé de Roma suas palavras mostram o que é o contexto de toda essa discussão. Roma é a sede da fé, a mesma fé que foi elogiada por Paulo.
Ele cita três coisas fundamentais para esse entendimento, que são os cânons da Igreja, a tradição dos padres, e a fé de Roma. Nenhum protestante hoje expressaria isso em uma discussão teológica. Não há afirmação aqui de que isso é pretensão protestante, ou seja, a de que São Jerônimo teria ensinado o mesmo que o protestantismo, mas que o protestante deve entender que São Jerônimo ensina o mesmo que a Igreja Católica hoje. São Jerônimo era assim um cristão católico romano. Mantinha a fé de Roma.
Quando às expressões de elogio ao bispo Teófilo, essas são entendidas nesse contexto, em que o mesmo foi importante naquela questão, seu trabalho dissipou a heresia, e que ele tinha a fé de Roma. Ele defendeu o que era a doutrina defendida em Roma. Foi uma atividade que fez bem à Igreja em seu tempo.
De fato, é isso o que ele escreve em Contra Rufino: “O leitor latino, diz ele, vai encontrar aqui nada discordante da nossa fé. Que fé é essa, que ele chama sua? É a fé pela qual a Igreja Romana é diferenciada? Ou é a fé que está contida nas obras de Orígenes? Se ele responde: a Romana, então nós somos católicos, uma vez que adotamos nenhum dos erros de Orígenes em nossas traduções. Mas se a blasfêmia de Orígenes é sua fé, então, embora ele tente fixar em mim a acusação de inconsistência, ele prova ser um herege.” (com auxílio do google tradutor) (Livro I, 4) Se o cristão professa a fé da Igreja de Roma, então ele é católico, não um herege. Assim, o católico é romano no sentido de ter a fé cristã conservada em Roma.
O herege afirmava que São Jerônimo estava do seu lado, e que a doutrina que pregava era a mesma, em completa união. Então, São Jerônimo propõe a prova, e que a fé para ser verdadeira deve ser idêntica à fé de Roma. A doutrina que fosse apresentada deveria ser aquela que distinguisse a Igreja de Roma. Se esse for o caso, quem professa essa fé é católico. Por outro lado, se a doutrina em questão é aquela que está na obra de Orígenes, então constitui heresia. A fé verdadeira é a romana, e somente assim somos católicos. Eis o que ensina São Jerônimo. Essa obra foi escrita no ano 402. Portanto, para São Jerônimo o papa era aquele que conservava a fé cristã original.
Gledson Meireles.
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