segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

A arca da aliança


Vamos agora estudar na Bíblia o valor que tinha a arca da aliança de Deus no Antigo Testamento, e aprendamos o princípio que está na Palavra de Deus para o correto uso das sagradas imagens. Tudo o que foi mostrado acima será enfatizado e ratificado quando considerarmos o sentido da arca da aliança.

É dada ao povo esta ordem: “Quando virdes a arca da aliança do Senhor, vosso Deus, ser levada pelos sacerdotes, filhos de Levi, deixareis vosso acampamento e vos poreis em marcha, seguindo-a. Haja entre vós e ela uma distância de dois mil côvados aproximadamente. Guardai-vos de vos aproximar dela. Isso para que possais conhecer o caminho por onde deveis ir, porque nunca passastes por ele”. (Josué 3,3-4)

No v. 6 mostra a ordem de tomar a arca da aliança para a procissão. O v. 11 diz: “Eis que a arca da aliança do Senhor de toda a terra vai atravessar o Jordão diante de vós”.

Essas passagens mostram a grande veneração que tinham os israelitas fieis para com a Arca da aliança de Deus. Ela era carregada por um grupo seleto, composto de sacerdotes, da tribo de Levi, responsabilizado por esse serviço sagrado. Saíam em procissão, que era a marcha do povo de Deus para a missão que deviam cumprir, onde a arca era levantada e levada diante do povo, que seguia a uma distância, para que pudessem observar o caminho.

O verso onde afirma que a arca “vai atravessar o Jordão” revela o significado da arca. Aquele artefato sagrado representava a Deus, o Seu poder, sendo uma imagem simbolizando, em certo sentido, o Senhor de toda a terra.

Muitos poderiam pensar que Deus estava na arca, mas não. Deus não habita templo feito por mãos humanas, e muito menos habitaria dentro da arca, nem na arca, ou sobre a arca, essa sagrada imagem que era carregada pelos sacerdotes. Deve ser feita a distinção entre a ideia da habitação literal de Deus na arca, que não é o que a Bíblia ensina, e o símbolo da arca que traz a presença de Deus que está no meio do povo. A arca simboliza a presença do Senhor, não traz em si mesma aquela presença literal. Deus não habita dentro da arca.

Davi falou que “a arca de Deus está alojada numa tenda!” (2 Samuel 7,2) e o Senhor afirma que Ele está alojado sob uma tenda: “tenho-me alojado sob a tenda e sob um tabernáculo improvisado”. (v. 6) Davi não disse que o Senhor morava em uma tenda, enquanto o rei residia num palácio, mas que a arca de Deus morava em tenda. Nessa acepção, o Senhor afirmou que morava em uma tenda, em um tabernáculo provisório, e que ainda não havia pedido que Lhe construíssem uma casa. (v. 7) Dessa forma, vê-se que a arca era o símbolo da presença do Senhor entre o povo. Onde estava a arca estava o Senhor, em Sua espiritual presença levada por aquela imagem. Lembre-se da distinção da natureza da habitação feita acima. Estando ela em um lugar, é como se o Senhor ali estivesse. E de fato, o Senhor vinha até ali para falar com o Povo.

Eis outra distinção a ser feita, aquela da habitação simbolizada pela arca, que era habitual como a presença física da arca, e a habitação especial que ocorria quando o Senhor descia sobre os querubins na nuvem para comunicar Sua Palavra ao povo por meio do sumo sacerdote. Essa habitação era extraordinária, e provisória.

Assim, a doutrina de que Deus não habita templo construído na terra pelo homem é uma verdade bíblica, do Antigo Testamento e Novo Testamento. Dessa forma, se alguém atrever-se a ensinar que isso é somente ensino do Novo Testamento, deverá saber que esse não é também ensino bíblico. Essa doutrina encontra-se nos dois testamentos. De fato, a Bíblia mostra que essa verdade é de ambos os testamentos, como está escrito em 1 Reis 8, 27: “Mas, será verdade que Deus habita realmente sobre a terra? Se o céu e o céu dos céus não vos podem conter quanto menos essa casa que edifiquei”.

Essa distinção é somente para mostrar que Deus habita em toda parte, é infinito, pois mesmo os céus não podem contê-Lo, e o templo também não. Portanto, a habitação do Senhor no Templo era simbólica. Assim, para que o argumento de que alguma reverência era tida em relação ao templo ou à arca (reverência essa quando reconhecida pelo objetor), pensando que tal reverência seria apenas porque Deus habitava tal lugar e que estava ali dentro, que esse saiba que tal ideia não é o que a Bíblia afirma, sendo o contrário mesmo do que ela diz. Assim, esse argumento é inválido por causa desse erro fundamental. Tanto o templo como a arca mereciam veneração pelo que representavam, e não porque continham o Todo-Poderoso Senhor, que não pode ser contido por nada.

Então, Salomão pede que os olhos de Deus estejam abertos sobre o templo, e que o Nome de Deus reside lá: “Que vossos olhos estejam dia e noite abertos sobre este templo, sobre este lugar, do qual dissestes: “O meu nome residirá ali.” Ouvi a oração que vosso servo vos faz neste lugar.” (v. 29) Ao invés de afirmar que o Senhor habita no templo, a Bíblia afirma mais especificamente que o Seu Nome reside ali, pois não há lugar que possa conter o Senhor Deus. Assim, faz-se a distinção da bênção de Deus sobre aquele lugar, onde em determinados momentos Deus vinha falar ao povo. Lembrando que no Novo Testamento Deus abençoa o fiel crente, e o lugar onde ele pedir a bênção do Senhor. Ele habita no meio de duas ou mais pessoas reunidas em seu Nome, habita na igreja, no local físico que simboliza a reunião da Igreja, o Povo de Deus, na terra.

Josué rasgou suas vestes e prostrou-se com a face por terra até a tarde diante da arca do Senhor, tanto ele como os anciãos de Israel, e cobriram de pós as suas cabeças.” (Josué 7,6)

Essa postura de Josué estava em harmonia com a fé de Israel, pois a Arca recebia veneração do povo, como já está provado, e era o lugar onde todos apresentavam-se para falar com Deus. Sendo símbolo da presença do Senhor, e o lugar da manifestação de Deus, podia receber a veneração, e assim Josué e todos os anciãos prostraram-se diante da arca para suplicar a Deus.

Essa atitude não foi criticada, não foi recusada por Deus. E nem podia ser. Quando o Senhor pergunta a Josué por que ele estava prostrado com a face por terra, no v. 10, isso não tinha a ver com a prostração, mas Deus estava mandando que ele fosse santificar o povo para afastar o interdito do meio dele, ao invés de ficar ali parado: “Então o Senhor disse a Josué: “Levanta-te! Por que estás assim prostrado com a face por terra?” (v. 10)

Assim, Deus fala somente com Josué, e não com os anciãos, que também estavam prostrados o dia inteiro com Josué. O contexto gira em torno do pecado que os israelitas tinham cometido, que é o assunto dos versos 11 e 12, para que no verso 13 seja dada a ordem: “Vai santificar o povo”. Deus apenas disse algo nesse sentido: “Por que tu estás prostrado? Levanta-te, e vai santificar o povo...”.

De fato, Deus nunca proibiu nem proibiria uma atitude de veneração para com Arca, pois essa era a representação máxima de Sua presença, e o Senhor ratificava tudo o que ela representava e o reconhecimento do povo em relação a ela.

Então, todo o povo dos israelitas subiu a Betel e ali, sentados, lamentavam-se diante do Senhor, jejuando naquele dia até a tarde e ofereceram holocaustos e sacrifícios pacíficos diante do Senhor. E consultaram-no. Naquele tempo a arca da aliança de Deus estava lá, com Fineias, filho de Eleazar, filho de Aarão, que se conservava junto dela.” (Juízes 20,26-27)

O povo deslocava-se de seu lugar para ir onde estava a arca para que pudessem falar com Deus. Ali, sentados, lamentavam-se de sua situação diante da arca, que está simbolizando o Senhor. Faziam jejuns, como fizeram esse dia até a tarde, e também ofereciam diante da arca os sacrifícios, tanto holocaustos como os sacrifícios pacíficos, e consultavam a Deus. Por isso, o v. 27 é cuidadoso em falar que “a arca da aliança de Deus estava lá” e que Fineias estava sempre “junto dela”, pois era encarregado de cuidar da arca do Senhor.

O povo caminhava para onde estava a arca, punha-se diante dela, chorava suas angústias, jejuava, orava, oferecia sacrifícios. E sabemos que os sacrifícios eram os atos maiores da adoração a Deus, feitos todos diante da Arca. Como são semelhantes aos cristãos católicos diante das imagens de escultura.

No tempo do profeta Samuel as comunicações de Deus não eram frequentes. (cf. 1 Sm 3,1)

E a lâmpada de Deus ainda não se apagara. Samuel repousava no Templo do Senhor, onde se encontrava a arca de Deus. O Senhor chamou Samuel, o qual respondeu: “Eis me aqui”. (1 Sm 3,3-4)

O verso novamente explicita a questão da presença da arca de Deus no templo, antes de revelar o chamado de Samuel. Isso mostra o que já foi ressaltado acima, que a arca era considerada na mais alta veneração, e Deus comunicava com o povo onde ela estava.

Além de ter mencionado que Samuel estava no Templo, a passagem especifica que a arca estava lá. Essa informação chama a atenção para a arca da aliança.

O povo voltou ao acampamento e os anciãos de Israel disseram: “Por que nos deixou o Senhor sermos batidos hoje pelos filisteus? Vamos a Silo e tomemos a arca da aliança do Senhor, para que ela esteja no meio de nós e nos livre da mão de nossos inimigos”.” (1 Sm 4,3)

Os israelitas tinham perdido a batalha, e compreenderam que Deus os tinha abandonado naquele momento. Seu pensamento era buscar a arca, para que ela os salvasse, pela sua presença física no meio do acampamento: “para que ela esteja no meio de nós e nos livre da mão de nossos inimigos”. Esse modo de pensar é incompreendido por muitos cristãos hoje. Há quem tome posições erroneamente extremas quando ao que está contido nessa passagem.

A primeira posição é relegar o que disseram os hebreus como sendo exemplo de “idolatria”. Outros já tomam essas palavras para fundamentar sua prática de construir uma réplica da arca e colocá-la na sua igreja, tratando-a como faziam os antigos israelitas. As duas extremidades estão equivocadas, e são igualmente descabidas.

Estamos acompanhando o Povo de Israel em sua veneração da Arca de Deus. Nesse momento, um dos fatos mais explícitos do entendimento do povo para com a arca mostra que ela era considerada, como objeto mesmo, uma ocasião de trazer as bênçãos de Deus. Essa foi sempre a atitude do Povo de Deus.

Isso pode ser visto em Josué 3,11, onde não é dito que o Senhor atravessaria o rio, mas a Ara do Senhor iria atravessar. No presente caso, em 1 Samuel 4,3, o povo faz novamente a distinção, afirmando que a arca deve vir para o seu meio, e salvá-lo, livrando-o das mãos dos inimigos. Não foi dito que Deus estaria no meio do povo, e que Deus expulsaria os inimigos de Israel, mas que a arca o faria.

Para muitos, esse modo de dizer e pensar seria inconcebível, seria errôneo e proibido. Mas, o que a Bíblia apresenta não deixa margem para tal conclusão. Isso fica claro no contexto inteiro, dos capítulos 4, 5, 6, 7 e 8, do livro de 1º Samuel. Não estamos falando de uma passagem isolada, nem de um contexto local extraordinário, mas de todo contexto do livro, e da Bíblia em geral.

Quando o povo pensou em buscar a arca para que fosse livrado dos inimigos na guerra, isso quer dizer que acreditava que tendo a arca Deus estaria novamente com ele. A arca seria o meio para trazer o olhar de Deus, e para abençoá-lo com a vitória novamente. Esse modo de pensar estava correto, mas havia um problema entre os israelitas que não permitia que as bênçãos de Deus fossem derramadas, mesmo com a presença da arca.

O povo mandou, pois, buscar em Silo a arca da aliança do Senhor dos exércitos, que se senta sobre querubins. Os dois filhos de Heli, Hofni e Fineias, acompanhavam a arca da aliança de Deus. Quando a arca do Senhor entrou no acampamento, todo o Israel rompeu num grande clamor, que fez tremer a terra. Os filisteus, ouvindo-o, disseram: “Que significa esse grande clamor no acampamento dos hebreus?”. E souberam que a arca do Senhor tinha chegado ao acampamento.”. (1 Sm 4,4-6)

Essa passagem mostra que tanto os hebreus como os pagãos criam no poder que a arca podia realizar entre o povo. Os judeus ficaram extasiados com a chegada da arca, e isso também causou temor entre os pagãos filisteus. Eles entendiam que a chegada da arca era comparada à chegada de Deus. (v. 7)

Devemos saber o que Deus realizou diante dessas circunstâncias. Apesar da fé dos hebreus com a presença da arca, que era como que a garantia da proteção do Senhor, ainda assim Israel é batido pelos filisteus, morrendo milhares no combate. (1 Sm 4,11)

O contexto mostra a grande importância da arca. O velho Heli morre ao saber que a arca foi tomada. (v. 18) Sua nora, ao saber da notícia da captura da arca, e da morte do sogro Heli, teve parto prematuro. (v. 19)

Diante disso, Deus confirmava Seu poder através do uso da arca. Entre os pagãos, Deus faz cair o ídolo diante da arca da aliança: “No dia seguinte, levantando-se pela manhã, os habitantes de Azoto viram Dagon estendido com o rosto por terra diante da arca do Senhor. Levantaram-no e repuseram-no no seu lugar.” (1 Sm 5,3) O pior aconteceu no outro dia, v. 4. Deus estava confirmando que a arca tinha seu valor espiritual entre o povo. Assim como todos os fieis prostravam-se diante dela, reconhecendo a Soberania de Deus, Deus também fez prostrar o ídolo dos filisteus, o falso deus Dagon.

Desse modo, os filisteus entenderam a ação de Deus sobre eles por causa da arca. (v. 7) Todos os pagãos sabiam que a arca era o motivo por que sofriam as pragas que estavam acontecendo. “Trouxeram-nos a arca do Deus de Israel, para nos matar como todo o povo!”. (v. 10) (...) “Que ela volte para o seu lugar e não nos faça perecer com todo o povo” (v. 11) Atribuíam à arca aquelas intervenções. Não disseram: “que o Deus de Israel não nos faça perecer”, mas antes: “que a arca não nos faça perecer”. Sabendo que a arca era o artifício que trazia a ação de Deus, isso significava o mesmo que afirmar que Deus ia fazê-los perecer. Deve-se, porém, manter as devidas distinções.

Deus continuou fazendo prodígios castigando a partir das atitudes que tinham para com a arca: “O Senhor feriu os habitantes de Bet-Sames, porque tinham olhado para dentro de sua arca: feriu setenta homens entre cinquenta mil. O povo chorou por causa desse grande golpe com que o Senhor o tinha ferido.” (1 Sm 6, 19)

Diante desses fatos, Deus ensinou duas coisas de importância capital: a arca da aliança realmente deveria ser venerada, era um objeto que trazia a marca de Deus, e Deus agia em atenção a ela. Contudo, mesmo sua presença entre os israelitas não foi possível protegê-los e garantir-lhes a vitória. A atitude dos israelitas para com a arca e, desse modo, para com o Deus da arca, estava correta, em termos de culto direto ao Senhor. No entanto, Deus não abençoou o povo com o pedido que fizeram, não deu-lhes a vitória almejada.[1]

Isso ensina uma lição: Deus aceitava a veneração para com a arca, e confirmava aquele símbolo diante de todos, hebreus e pagãos, mas não conferia a bênção apesar do clamor, do pedido, do culto que Israel oferecia, por um motivo, que é revelado em 1 Samuel 7,3.

E Samuel falou a todo o povo de Israel, dizendo: “Se voltardes de todo o vosso coração para o Senhor, tirando do meio de vós os deuses estranhos e as Astarot, se vos apegardes de todo o vosso coração ao Senhor e só a ele servirdes, então ele vos livrará das mãos dos filisteus. Os israelitas afastaram os baals e as astartes e serviram só ao Senhor”. (1 Samuel 7,3-4)

Com essa revelação do Senhor, temos que o motivo da derrota dos filhos de Israel estava em servir ao Senhor servindo igualmente aos deuses estrangeiros. Eles tinham o coração dividido entre o Deus de Israel, crendo em Sua ajuda e proteção, no Seu poder livrador de todos os inimigos, ao mesmo tempo em que escondiam consigo os ídolos. O povo de Israel venerava a arca, cria na sua importância, na ação de Deus que era experimentada em atenção à arca, mas também guardava os baals e as astartes, que eram ídolos dos pagãos, colocando no coração tanto o temor do Senhor quanto o serviço, ainda que oculto, aos deuses dos estrangeiros.

Então, com a conversão do povo, Samuel intercede a Deus por ele, oferece sacrifícios, e Deus os livra do domínio dos filisteus. (1 Sm 7,8-9)

Com isso aprendemos que o povo tinha seus objetos de culto, e a arca da aliança era o maior deles. Não foi o fato do povo crer na força da presença da arca que motivou sua derrota, pois quando criam nisso Deus confirmava Sua bênção entre todos, por meio da arca. O que os fazia afastar-se de Deus era seu culto para as divindades estrangeiras. Era, portanto, sua idolatria.

Vemos que em nenhum momento Deus proibiu qualquer culto para com a arca. Pelo contrário, vendo o povo crer em Sua mão poderosa agindo onde a arca estava, Deus continuava a exercer Sua força nos lugares em que a arca era colocada, tanto diante dos israelitas como diante dos filisteus. Não sabiam, porém, que os ídolos que estavam entre eles era a causa da ruína de Israel.

Com tudo isso, temos que o Povo de Deus tinha suas imagens, e essas não eram proibidas. Essas imagens, como a arca, a mais importante delas, eram usadas religiosamente. A arca era visitada por todos os que queriam estar na presença de Deus. No meio dos querubins Deus fazia ouvir Sua voz aos sacerdotes e profetas.

A arca era levada em marcha, numa verdadeira procissão, diante do povo, à testa do povo, guiando-o em sua caminhada. A arca era considerada a presença de Deus entre os filhos de Israel, e diante dela eles expressavam seu culto a Deus: orações, prostrações, permanência diante dela, lamentações, jejuns, e tantas outras expressões. E quando não podiam estar próximo da arca, ao seu alcance visível, eles faziam isso em direção ao local onde ela estava. Os sacerdotes e reis ofereciam seus sacrifícios a Deus diante da arca.

Quando Salomão despertou, deu-se conta de que tinha sido um sonho. Voltando a Jerusalém, apresentou-se diante da arca da aliança do Senhor e ofereceu holocaustos e sacrifícios pacíficos; e deu um banquete a todos os seus servos”. (1 Reis 3,15)

Salomão apresenta-se diante da arca da aliança. O texto não diz o que ele fez quando ali chegou, qual foi seu gesto de reverência, mas pelo que já sabemos, provavelmente ele prostrou-se diante da arca de Deus. Isso é uma indicação forte, pois essa apresentação foi a intenção do rei, que voltou a Jerusalém para oferecer holocaustos e sacrifícios pacíficos diante da arca. Sendo os sacrifícios os maiores atos de adoração, é óbvio que outras expressões, principalmente a prostração, eram feitas diante da arca cotidianamente. Foi isso o que fez Salomão.

A veneração da arca era tão magnífica, que as palavras são poucas para expressar, como vemos no momento da transferência da arca. “O rei Salomão e toda a assembleia de Israel reunida junto dele conservavam-se diante da arca. Sacrificavam tão grande quantidade de ovelhas e bois que não se podia contar.” (1 Reis 8,5) Assim, vemos Salomão pôr-se diante do altar e estender a mão para o céu em oração a Deus, que é entendido como lugar físico e também espiritual, da presença de Deus, em sua significação. (1 Reis 8,22)

Essas atitudes são referentes às coisas e, também, às pessoas de Deus. Assim, vemos em 2 Reis 4,37: “Então, ela veio e lançou-se aos pés de Eliseu, prostrando-se por terra. Em seguida, tomou o filho e saiu.” A mulher sunamita não estava cumprimentando Eliseu, mas venerando-o pelo que ele fez, ressuscitando seu filho.

Para os pagãos, os ídolos eram a habitação dos deuses. Eles consideravam as imagens como poderosas em si mesmas, pois eram habitadas pelas divindades. Alguém poderia confundir essa errônea concepção é compará-la à veneração israelita pela Arca da Aliança.

Contudo, com a arca não era assim. Em nenhum lugar afirma-se que Deus habitava na arca. Aliás, a Bíblia faz distinção da honra a Deus e da honra à arca, como símbolo de Deus e da Sua presença. Pode-se afirmar que há a honra direta e espiritual a Deus, e a honra à arca como objeto consagrado e simbólico da aliança de Deus.

Por isso, em uma mesma passagem podemos vislumbrar a referência ao Senhor Deus e à Sua arca:

Ouvimos dizer que a arca estava em Éfrata, nós a encontramos nas campinas de Jaar. Entremos em sua morada, prostremo-nos diante do escabelo de seus pés. Levantai-vos, Senhor, para vir ao vosso repouso, vós e a arca de vossa majestade”. (Salmo 132,8)

Vemos que a arca tem morada, que o texto inspirado convida a entrar onde está a arca e prostrar-se diante dela. Depois disso, refere-se ao Senhor e a arca da majestade do Senhor.

Foi isso que aconteceu durante séculos entre o Povo de Deus. A constatação de que a Palavra de Deus distingue entre Deus e a Sua Arca é muito importante. A Igreja Católica faz uso dessa linguagem ao referir-se às imagens.[2]

Dessa forma, o Salmo 132,8 é uma prova de que a Arca como objeto religioso conservava imensa importância. O texto sagrado dirige-se a Deus e refere-se à arca.

Para muitos, que não veem essa dicotomia, poderia valer a objeção de que já estando em espírito diante de Deus, não haveria necessidade do objeto material da arca, pois ela era símbolo dessa presença. Contudo, o texto chama a presença (1) de Deus e (2) da arca de vossa majestade. Essa passagem destrói, no mínimo, aquela heresia de que Deus habitava na arca, e que é usada por muitos quando querem objetar contra as demais imagens. Deus não habita em lugares feitos pelos homens, e a arca apenas era o símbolo máximo do Deus verdadeiro. Ela recebia veneração, o que podemos afirmar como uma adoração relativa, não ao objeto em si, mas ao que ele representa, que é o próprio Deus, em Sua presença entre o povo. A arca caminhava diante de Israel para o guiar. Portanto, prostrar-se diante da arca, que é uma imagem, é prostrar diante de Deus, não deixando de veneração a própria arca. Adorar diante da arca é o mesmo que adorar diante de Deus. É notório o modo de Deus ensinar usando imagens. Quando os cristãos usam as imagens com esse mesmo sentido, não estão praticando idolatria, mas agindo conforme os princípios estabelecidos na santa e infalível Palavra de Deus, que é a Bíblia Sagrada.
 
Gledson Meireles.



[1] Tendo isso em consideração, entende-se nesse contexto o uso da arca como um sacramental, já que os sacramentais auxiliam a fé, e a ação de Deus suscitada pela devoção dos fieis através do uso dos sacramentais só é possível a partir da mesma fé.
[2] [http://www.catequisar.com.br/texto/materia/celebracoes/padroeira/02.htm] De fato, a Igreja conserva um modo de agir e falar bíblico, de muitos séculos, e é comum que uma imagem seja referida como o foi a arca. Isso é o que vemos na consagração a Nossa Senhora Aparecida: “Ó Maria Santíssima, que em vossa querida imagem de Aparecida espalhais inúmeros benefícios sobre todo o Brasil, eu, cheio (a) do desejo de participar dos benefícios de vossa misericórdia, prostrado (a) a vossos pés consagro-vos meu entendimento, para que sempre pense no amor que mereceis.” Nessa passagem, fala-se com a virgem Maria, dirigindo-se a ela, e sobre a sua imagem, específica, que foi encontrada no rio Paraíba do Sul em 1717, um objeto de valor histórico e devocional pelo seu simbolismo herdado daquele acontecimento. Por isso, afirma-se dos benefícios espalhados “em vossa querida imagem”. Aquela imagem é honrada com esse sentido especial, como uma relíquia histórica, e não por ter poder ou por estar habitada por qualquer força. Essa concepção é proibida pela Igreja, que ensina ser as imagens apenas símbolos.

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