terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

A serpente de bronze


 A serpente de bronze

Para entender o surgimento da serpente feita de bronze por Moisés e o que ela significou, e porque foi, séculos mais tarde, destruída pelo rei Ezequias, devemos ler o capítulo 21 do livro dos Números.

O povo de Israel fez uma promessa a Deus, e foi atendido: “Se entregares este povo em meu poder, consagrarei suas cidades ao anátema”. (Nm 21,2-3) Portanto, Deus aceita promessas. E agiu conforme a promessa do povo.

No entanto, no caminho pelo deserto o povo revoltou-se e falou contra Deus e contra Moisés. Esse ponto é importante, pois a reclamação é feita contra o próprio Senhor e o Seu servo, e isso é mostrado na Bíblia como algo adicional no que tange à gravidade do pecado. Assim, os murmúrios do povo de dura cerviz não eram apenas relativos a Deus, o que já seria a mais grave ofensa, nem somente contra Moisés, o que redundaria em pecado contra Deus, pois Moisés é o santo servo posto para guiar o povo. Mas, a Escritura ensina que o povo falava contra “Deus e contra Moisés” (v. 5), distinguindo o Senhor e o servo, mostrando os israelitas pecando contra ambos. Por isso, o povo afirma: “Pecamos ao falarmos contra Iahweh e contra ti”. (v. 7)

Foi assim que o povo pediu que Moisés intercedesse a Iahweh para que fossem livrados das serpentes.

Nisso, Deus manda que Moisés faça uma serpente de metal: “Faze uma serpente abrasadora e coloca-a em uma haste. Todo aquele que for mordido e a contemplar viverá”. Magnífico! Para aqueles que afirmam que ninguém orava à serpente, nem fazia orações a ela, nem prostrava-se diante dela, e etc., fica aí o texto bíblico que arranca pelas raízes a falsa objeção: “Todo aquele que for mordido e a contemplar viverá”.

Os mordidos por serpentes deviam olhar para aquela imagem de serpente para ser curado. Obviamente, um homem israelita, profundamente religioso, sofrendo com um ferimento de mordida cobra, estando prestes a morrer por causa do veneno, sabendo que o Deus Todo-Poderoso de Israel havia oferecido o perdão e a cura daquele ferimento mortífero, esse homem judeu olhava com toda a fé e devoção para aquela imagem, e por isso obtinha a cura. Era Deus quem curava, mas apenas depois que o olhar atingisse aquela imagem de metal. O argumento está, desse modo, no fato de Deus ter usado uma imagem para curar, não importando que as nações usassem diversas imagens, incluindo a de serpentes em seus cultos idolátricos.

Sabemos que os pagãos adoravam serpentes, e faziam imagens de escultura desses ídolos e ofereciam culto a eles. Mas, o Deus eterno não pensou que isso seria um perigo de idolatria para o povo, quando escolheu curá-lo por meio de uma imagem de escultura em forma de uma serpente. Poderia parecer algo pouco conveniente, mas Deus não pensou assim, pois sabe que a idolatria está no coração daquele que afasta-se de Deus e não nas meras possibilidades oferecidas pelas circunstâncias.

Uma vez que a serpente iria ser instrumento de cura, a fé em Deus seria reavivada, e a glória não iria para a serpente, mas para Deus. O culto divino seria reestabelecido após aquele pecado, e agora o povo voltava devoto ao reconhecimento de Deus e do Seu servo Moisés.

Outro fato, também muito importante nessa questão, é que a serpente continuou a existir durante várias gerações entre os israelitas, não tendo sido destruída. Certamente, todos os filhos de Israel que olhavam para aquela imagem lembravam-se do feito que lhes era contado seus pais, e glorificavam a Deus, e também faziam memória do venerável profeta Moisés. Era uma imagem que ensinava ao povo sobre o pecado e apontava para a conversão a Deus.

Em uma recapitulação, temos que a imagem da serpente foi feita com o objetivo de curar (cf. Nm 21,8) e de fato foi usada para curar: “Moisés, portanto, fez uma serpente de bronze e a colocou em uma haste; se alguém era mordido por uma serpente, contemplava a serpente de bronze e vivia”. (Nm 21,9)

Essa passagem é um prova de que Deus faz milagres por meio de imagens de escultura. Alguns poderiam afirmar que aquele foi um caso único, que aquela imagem foi ordenada por Deus, e somente ali foram realizados aqueles milagres de cura, e que após isso a serpente não mais foi utilizada para esses fins. E que as imagens não podem ter réplicas e etc.

De fato, a imagem da serpente teve como fim a cura daqueles que foram mordidos pelas cobras. Contudo, não há nada na Bíblia que afirme que o milagre foi usado somente naquela ocasião, e não podia mais repetir-se, ou que nenhuma outra imagem pudesse ser usada por Deus para realizar curas e prodígios. Afirmar isso é concluir algo que está além do texto bíblico. É inventar princípios.

Pelo contrário, a continuidade da serpente entre o Povo de Israel mostra que a mesma foi conservada com veneração, pois Deus não mandou destruir a serpente, e ela serviu para ensinar aquele acontecimento, não tendo sido um objeto artístico para decoração nem (1) no propósito para a sua confecção, nem (2) em seu uso e nem (3) em sua conservação pelo povo. Foi antes, uma imagem usada para curar, depois conservada como memória de um feito de Deus em favor do povo.

No entanto, no tempo do rei Ezequias foi realizada uma reforma religiosa. O povo havia se afastado dos caminhos de Deus em vários sentidos, e até a serpente de bronze havia perdido seu significado original.

Foi ele que aboliu os lugares altos, quebrou as estelas, cortou o poste sagrado, e reduziu a pedaços a serpente de bronze que Moisés havia feito, pois os israelitas até então ofereciam-lhe incenso; chamavam-na Noestã”. (2 Reis 18,4)

Ao destruir os lugares de idolatria, o rei também inclui a serpente que Moisés havia feito por ordem de Deus, não porque isso fosse necessário por si mesmo, mas “porque” os israelitas estavam adorando aquela imagem, tendo até dado um nome a ela, o que supõe terem concebido em seu espírito que ela era uma divindade. Por isso, não mais lembrava os feitos de Deus e glorificava o verdadeiro Deus, mas recebia em si mesma o incenso e adoração do povo, sendo chamada por um nome que foi dado a ela, e assim era algo já distanciado do seu sentido original. Estava agora roubando a glória de Deus.

Isso é o que vemos, pois aqueles israelitas tinham construído “lugares altos, estelas, poste sagrado”, mostrando total queda na idolatria. A serpente não foi o motivo da queda, foi, no entanto, transformado seu uso depois do pecado que havia cometido, e tornou-se não mais objeto de veneração, como antes, mas de adoração.

Esse é o momento que podemos vislumbrar qual foi a diferença introduzida. O texto revela alguns atos que mostram essa modificação.

No início, o povo somente fitava a imagem e recebia a cura. Aquilo criou na alma do povo a verdadeira conversão a Deus, pois os israelitas eram gratos a Deus e a Moisés pelo perdão que receberam. Aquela serpente ficou entre eles como imagem que lembravam seu pecado e a misericórdia de Deus. (cf. Sabedoria 16,6s)

Agora, contrariamente, dois atos são revelados, de terem surgido entre o povo caído na idolatria: “ofereciam-lhe incenso; chamavam-na Noestã.” Somente isso. Não diz o texto que eles oravam diante dela, nem que prostravam-se diante da serpente, nem que tocavam na haste onde ela estava. No entanto, tudo isso está implicado no que foi dito, já que queimavam incenso em sua honra e já a identificavam por um nome. Para eles, então, a serpente já havia tornado-se uma entidade poderosa que merecia culto. O povo acabou imitando os pagãos e adorando a serpente.

Temos assim os elementos que podemos usar para fazer a justa e correta comparação entre o uso sadio da imagem sagrada e seu uso idolátrico. Nos primeiros séculos, certamente, a serpente de bronze feita por Moisés conservou seu sentido original, e lembrava o povo da lição que devia sempre comemorar. Depois disso, a imagem tornou-se algo separado daquele acontecimento, pelo menos em essência, e tornou-se uma “deusa” de bronze, com poderes e dignidade de culto como ídolo pagão.

Por isso, houve pecado, a imagem que antes era boa tornou-se má, o que ensinava a verdade passou a ser origem da mentira. De fato, Deus não revelou que aquela serpente representasse uma divindade, ou um anjo, ou qualquer poder fora dele. Aliás, serpente é símbolo de Satanás. Assim, a serpente naquele momento não passava de representação das serpentes venenosas literais que mordiam os israelitas, e lembravam seu pecado.

Quando o povo deu-lhe um nome, ela passou não mais a ser um sinal de um simples animal, mas tornou-se um objeto idolátrico. Dessa forma, oferecendo-lhe incenso, também prostravam-se diante dela, faziam-lhe pedidos, adoravam-na de fato. É isso que podemos inferir das duas ações de culto que são reveladas: o incenso e o nome que deram à imagem. O ídolo que nasceu no coração do povo foi materializado naquela imagem boa que Deus mandou fazer. A imagem seria neutra em si, mas a bondade dela está no que ela ensinava, e na própria natureza material que é criação de Deus.

Não fosse o pecado do povo de Israel para com a imagem, talvez fosse ela encontrada até os dias de hoje entre os judeus, e seria objeto de respeito por sua origem e simbolismo relacionado ao verdadeiro Deus.[1]

E outra consideração que deve ser feita em relação à serpente de bronze e as imagens sagradas do Novo Testamento diz respeito à veneração que recebem. A imagem da serpente era valiosa por ter sido o símbolo material usado por Deus para salvar aquela gente. No entanto, a imagem não tinha uma simbologia a mais naquele momento, não tendo motivo de receber uma veneração além da consideração da razão de sua existência. Por isso não é provável que a serpente tenha sido objeto diante do qual os hebreus ajoelhavam-se ou prostravam-se, ou que diante dela fossem feitas orações e outros gestos religiosos.

O motivo disso é que a serpente não significava nada além daquilo que foi mostrado antes, ela não tinha uma existência fora daquela simbologia, não era um sinal de algo ou de uma entidade espiritual. Se caso algo fosse dirigido a ela não havia como passar disso, ou seja, caso a veneração a mais que ela recebesse acabaria nela mesma, pois não era representação de uma realidade espiritual.

Para ficar mais simples, basta comparar as manifestações de devoção para com a arca e para com a serpente: em frente à arca eram feitos sacrifícios e orações, e diante da serpente nada disso era realizado. A arca ficava no interior na tenda e, mais tarde, do templo, enquanto que a serpente foi colocada no meio do acampamento, onde não era feito culto a Deus. Portanto, a comparação entre a serpente de bronze e as imagens atuais dá-se quanto a seu uso para o ensino religioso, e para a manifestação de algo de Deus, se esse for o desígnio divino. Não pode ser comparada quanto às expressões de veneração que são feitas às imagens cristãs, pois essas representam pessoas reais, e significam algo fatual para a fé cristã.

Assim, os santos recebem as homenagens e as honras quando suas imagens são veneradas, já que elas são sinais que apontam para a real existência dos santos. Pedir intercessão diante de uma imagem é o mesmo que dirigir a mente em pedido de intercessão à pessoa que está nela representada. Nada disso era possível com relação à serpente de bronze. Por outro lado, isso era o que ocorria com a arca, que recebia as honras divinas, não que a arca material fosse adorada, pois a adoração era dirigida a Deus que era lembrado por intermédio dela.

Não obstante a imagem da serpente ter sido destruída, sua validade simbólica continuou viva, e foi ratificada por Nosso Senhor Jesus em João 3,14-15: “Como Moisés levantou a serpente no deserto, assim é necessário que seja levantado o Filho do Homem, a fim de que todo aquele que crer tenha nele vida eterna.” Eis mais uma prova da utilidade perene daquela imagem de escultura.

Isso não quer dizer que a imagem da serpente devesse ser restaurada, pois o que importou foi seu sentido espiritual. Jesus usou daquele fato para revelar que aquela imagem apontava para a Si mesmo quando fosse levantado na cruz. Foi na cruz que Satanás foi derrotado, e o pecado destruído, e na cruz jorra a fonte do perdão aos homens. É na cruz de Cristo que o cristão encontra sua cura espiritual, que é o perdão do pecado, a salvação de Deus.

Inspirados nessa verdade, os cristãos entenderam o simbolismo grandioso e central da Cruz de Cristo, e passaram, logo nos primeiros séculos, a usar o sinal da cruz como sinal do cristão, e a usar a arte com fins religiosos para recordar o precioso mistério da salvação. Falar da cruz é o mesmo que falar de Cristo, honrar a cruz é honrar a Cristo, usar o símbolo da cruz é o sinal de estar assinalado com a salvação de Cristo.

Nasceu assim, sob a inspiração do Evangelho, o costume do uso da cruz e do crucifixo. Se voltarmos ao sentido do uso da arca da aliança, e da imagem da serpente de bronze, entenderemos a devoção das imagens sagradas no Novo Testamento. Quanto ao crucifixo, em termos de objeto de veneração, a comparação com a arca é naturalmente gloriosa. E também sua ligação para com a serpente de bronze é inevitável diante do que foi dito por Jesus.

O crucifixo aponta para a cruz de Cristo, ensina a verdade do Evangelho, que é o poder de Deus para a salvação daquele que crê. (Rom 1,6) Assim como a serpente de bronze foi interpretada por Jesus como a figura da Sua elevação ao alto da cruz, hoje ao usarmos a cruz estamos anunciando o ponto fulcral do Evangelho, que foi a consumação da salvação por Jesus Cristo na Sua morte na cruz.

Desse modo, enquanto as imagens no Antigo Testamento foram ensinando os mistérios vindouros, para os tempos da graça de Cristo, apontando para Jesus, por seu lado as imagens que a Igreja Católica emprega no Novo Testamento são instrumentos que sinalizam as verdades cumpridas por Nosso Senhor Jesus Cristo, e voltam a nossa atenção para os mistérios da salvação, para avivar a fé em Jesus o Salvador, e passam a apontar para o Reino Celestial. Esse uso das imagens está, pois, radicado no sentido e doutrina da Bíblia. É o que está conforme a nova Lei, a Lei da Graça, em que a adoração é feita em espírito e em verdade.



[1] Assim é que os arqueólogos encontraram diversas serpentes feitas de bronze, usadas pelos pagãos, certamente para serem protegidos contra as cobras venenosas, assim como foi a serpente de Moisés. “Acharam-se em Meneiyeh (hoje, Timna) diversas pequenas serpentes de cobre que, sem dúvida, eram utilizadas, como a de Moisés, para se proteger contra as serpentes venenosas.” Nota da Bíblia de Jerusalém em Números 21,4.

11 comentários:

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    1. Caramba, tu não leu nada do que o cara escreveu? Hein, seu papagaio de pastor?

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  2. E fez o que era reto aos olhos do Senhor, conforme tudo o que fizera Davi, seu pai.
    Ele tirou os altos, quebrou as estátuas, deitou abaixo os bosques, e fez em pedaços a serpente de metal que Moisés fizera; porquanto até àquele dia os filhos de Israel lhe queimavam incenso, e lhe chamaram Neustã.
    No Senhor Deus de Israel confiou, de maneira que depois dele não houve quem lhe fosse semelhante entre todos os reis de Judá, nem entre os que foram antes dele.

    2 Reis 18:3-5 verdadeemfoco.com.br

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  3. Graça e paz a todos.

    Nem vou entrar em discussão, queridão tire esse post do ar, seu blog perdeu total sentido. Você diz q refuta heresia e posta uma, como isso, me explica?

    De uma pequena lida em Salmos 115 por favor.

    Abç

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  4. Eles se esquecem que Deus n divide a honra e a gloria dEle c ninguém.

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    1. –“Eu lhes dei a glória que me deste” (Jo 17,22);


      –“Deus concede graça e glória” (Salmo 84,11) ou (Salmo 83,12);


      –“O que… Deus preparou para nossa glória” (1Cor 2,7);


      –“Os que chamou, também os justificou, e os que justificou, também os glorificou” (Rm 8,30);


      – “Vi outro Anjo descendo do céu, tinha um grande poder e a terra ficou iluminada com a sua glória” (Apc 18,1);


      –“Glória, honra e paz para todo aquele que pratica o bem.” (Rm 2,10);


      - “O Senhor agradou-se dessa oração, e disse a Salomão: Pois que me fizeste esse pedido, e não pediste nem longa vida, nem riqueza, nem a morte de teus inimigos, mas sim inteligência para praticar a justiça, vou satisfazer o teu desejo; dou-te um coração tão sábio e inteligente, como nunca houve outro igual antes de ti e nem haverá depois de ti. Dou-te, além disso, o que não me pediste: riquezas e glória, de tal modo que não haverá quem te seja semelhante entre os reis durante toda a tua vida. (1Rs 3,10-13).



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    2. Ele não está dividindo a glória Dele, Ele está dando glória para os outros que não é a glória Dele, é a glória dos outros. Ele está dando glórias e não está dividindo a glória Dele ! A glória de Deus é uma coisa, a glória dos outros é outra coisa !

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  5. Muito bom o seu texto só não concordo com o fazer o sinal da cruz e usar o crucifixo mas com todo respeito, mas é só uma questão de interpretação parabéns amigo

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    1. Muito obrigado, Denis.
      Ao irmos aprofundando o conhecimento vamos entendendo mais sobre essas coisas, como os gestos e símbolos. Aos poucos.

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