quinta-feira, 18 de julho de 2024

Livro: Autoridade Bíblica: Sobre a interpretação da Bíblia no Protestantismo: comentário a partir da introdução do livro Autoridade Bíblica pós-Reforma, de Kevin Vanhoozer

As divisões do protestantismo e sua unidade fundamental

O Protestantismo dilacerou a Igreja em incontáveis denominações. Fala-se de 38.000, segundo dados citados por Vanhoozer. É óbvio que tal número é criticado veementemente pelos apologistas protestantes.

Na reforma religiosa iniciada por Martinho Lutero surgiram os luteranos, mas também os calvinistas, os wesleyanos, os zwuinglianos, os menonitas e outros. O que isso tem de importante? Não são todos cristãos? Não estão todos unidos na fé comum em Cristo, nas doutrinas fundamentais? De fato não. Esse pensamento é posterior, e não o do século 16. Vanhoozer tenta resolver esse dilema.

Naqueles tempos as disputas eram acirradas por questões relativas à eucaristia, como ocorreu entre Lutero e Zwínglio, o que não é o mesmo que ocorre hoje entre luteranos e batistas, por exemplo.

No entanto, é um fato que existem hoje protestantes que não consideram luteranos como protestantes, o que é algo formidável, já que os primeiros protestantes são desconsiderados por aqueles que nasceram da reforma radical, que é posterior. Há ainda batistas que não se consideram protestantes.

A verdade é que há desacordo em pontos diversos de fé e prática, como menciona o autor acima. E podemos dizer que são pontos importantes. Mas, eis que a apologética protestante atual frisa a unidade nos pontos fundamentais. Até isso é algo novo, e bastante compreensível. De fato, há certa unidade entre os protestantes nesse âmbito, mas quanto mais se procura uma base comum, mais estamos unidos, todos os cristãos, incluindo os católicos, embora os protestantes em geral não intencionem incluir católicos romanos nessa unidade que defendem.

Por isso, devem tentar entender onde está o erro quando procuram justificar essa unidade nas doutrinas fundamentais, que na verdade não é uma unidade tão satisfatória como parece.

 


A busca da unidade verdadeira


Vanhoozer procura estabelecer o lugar para se encontrar a unidade de fato. Ele faz um estudo onde busca tirar as ideias que dariam a unidade à Igreja nos cinco solas da reforma protestante.

O protestantismo continua com a ideia de alcançou a liberdade em todos os níveis, como a acadêmica, onde a crítica especializada foi alcançada na teologia, o  que possui o antídoto contra o dogmatismo católico romano. Essa ideia é atual e também é o que o protestante procura manter.

Os protestantes certamente pensam que a apologética católica é algo fraco, pueril, sem fundamento, e que não há alguém biblicamente formado que possa dar ouvidos aos argumentos católicos.

Essa é a posição e alguém que de fato entendem o mínimo de catolicismo possível, pois é justamente o oposto: a Igreja Católica possui a doutrina eminente de toda a Cristandade. Em todos os campos, quanto mais se aprofunda em determinado assunto, mais se aproxima da verdade, e assim mais se está próximo da Igreja Católica.

 


Protestantismo luterano


Um fato, já mencionado antes, aparece no livro de Kevin Vanhoozer e pode ser de interesse de muitos.

O luteranismo, que é o protestantismo original, é considerado academicamente como segundo desabrochar do medievalismo que levou indiretamente  ao novo protestantismo.

No Brasil o pentecostalismo e o neopentecostalismo, e também batistas e presbiterianos, e outros, são os crentes conhecidos. O luteranismo passa quase despercebido. É isso apenas um sintoma dessas ideias acima relatadas.

Isso se deve ao fato de que os luteranos, por estarem na proximidade maior no tempo e na doutrina, ao catolicismo, são considerados aqueles que não levaram a reforma tão longe quanto deveriam. São muito parecidos com os católicos em sua espiritualidade.

Dessa forma, se alguém volta às fontes do protestantismo, esse estará mais próximo do luteranismo, e, por sua vez, mais perto do catolicismo. É inevitável.

Os luteranos creem na justificação pela fé, no livre exame, nos solas etc. São eminentemente protestantes. Mas pasmem: admitem uso do crucifixo, creem na virgindade de Maria, etc. E na apologética atual os protestantes acreditam que é algo claro e simples que Maria teve outros filhos, usando o mesmo livre exame. Basta esse fato notório para mostrar que o que não há é a tal simplicidade e clareza quanto a esse assunto na Bíblia.

 


O resultado do livre exame


Os puritanos tentaram moldar uma nova espiritualidade entre os protestantes. No entanto, entre eles surgiram problemas doutrinais e práticos, não alcançado consenso interpretativo. Apareceu entre os protestantes aqueles que defenderam a heresia antinomianista, chamada de “livre graça”.

Certa mulher protestante, em 1636, interpretando a Bíblia, se opôs aos líderes da igreja. Obviamente, foi expulsa. Mas, não estão todos livre para interpretar a Bíblia? Contudo, esse método dificilmente gera unidade. E o resultado: dissensões.

Lutero fez o mesmo em relação ao clero católicos, pois cria que sua interpretação era superior. Logo apareceram outros, como o padre Zwínglio, mais radical, acreditando ter a assistência do Espírito Santo, e chegando a conclusões opostas à de Lutero em determinadas questões.

Tudo isso levou os protestantes à busca de maior preparo teológico acadêmico unido á busca da assistência do Espírito Santo, o que é louvável, razoável, correto. Mas, não é isso mesmo que a Igreja Católica sempre ensinou? Desse modo, vemos o que as controvérsias nas alas protestantes logo dão lugar ao sentimento de reforma, e essas encontram conformidade com s princípios católicos que tinham abandonado.

 


A Igreja Adventista do Sétimo Dia


O adventismo estuda diligentemente as fontes do protestantismo. É um movimento de reforma dentro da reforma. Portanto, é oriundo das alas radicais.

Seguindo o princípio de igreja sempre em reforma, os adventistas chegam a doutrinas nunca antes cridas. No entanto, isso é esperado, já que são adeptos do sola scriptura.

Nesse ponto, adventistas se aproximam mais dos históricos batistas do que dos luteranos. E assim no geral, estão mais longe do catolicismo. No entanto, por serem devotados estudiosos da Bíblia, em muitos pontos estão próximo da doutrina católica, como a questão referente aos dez mandamentos, ao dia de repouso e culto divino, na reforma da saúde, etc.

 


Crise de interpretação entre os protestantes

            É óbvio que os protestantes creem na unidade nos pontos fundamentais. Mas Vanhoozer menciona o fato de que existe proliferação de opiniões e desacordo sobre praticamente o conteúdo inteiro da Bíblia. Isso é uma tremenda desunião.

            Para resolver isso, Vanhoozer acredita que é preciso distinguir entre a pluralidade negativa de interpretações e aquilo que chama de biblicismo ingênuo, colocando em seu lugar uma pluralidade interpretativa de unidade. Isso é o máximo que um protestante consegue fazer, pois já beira à unidade católica, se os equívocos do caminho forem retirados e a via solucionada corretamente.

            Vanhoozer tenta chegar à unidade ao desenvolver corretamente, na perspectiva protestante, as premissas sola scriptura e unidade protestante.

            Lembremos que Lutero chegou, razoavelmente, a entender a necessidade dos líderes religiosos e instituições para a correta interpretação da Bíblia. Ele usou o bom senso. Contudo, não é isso o que a Igreja Católica sempre ensinou, e que foi por ele abandonado?

Então, fica a questão de McGrath citado por Kevin Vanhoozer: quem autorizou essas autoridades? O protestantismo tem esse problema para resolver.

 

De quem é a autoridade teológica?


Se todos são sacerdotes, então todos interpretam bem a Bíblia. Se um membro da Igreja Adventista do Sétimo Dia, por exemplo, já que estamos estudando o adventismo, se um membro dessa igreja encontra algo na doutrina oficial com o qual não concorda, e apresenta sua interpretação bíblica e os argumentos contrários ao ensino da igreja, e o passa ao pastor, aos líderes, às autoridades da denominação, etc., o que espera com isso? Logicamente, que sua interpretação seja acatada. É o mínimo.

Caso não aconteça, e o mesmo não fique satisfeito com a argumentação oficial, certamente isso causará descontentamento e, possivelmente, futuro desligamento desse membro.

No entanto, o que foi que serviu de autoridade teológica? A Bíblia, diria o leitor crente inconformado. Mas, eis que em última análise foi sua própria autoridade que prevaleceu, a sua leitura individual foi preferida, e a autoridade da denominação, com sua história, tradição e líderes bem preparados, que reunidos em consenso escreveram as doutrinas para apresentá-las aos membros, essa autoridade foi rechaçada. Esse problema é previsto no protestantismo.


A unidade eclesial

Quem detém a interpretação válida? O que torna a interpretação de uma pessoa ou de uma igreja mais autoritativa do que a de outra?

Essas questões que Vanhoozer coloca em seu livro são importantes. Cada igreja tem sua autoridade, e cuida da doutrina e da prática dos seus membros, para que haja unidade.

No entanto, cada uma pensa estar em posição melhor do que a outra. De fato, quem pensaria estar em posição pior e ainda continuaria a defender a doutrina que defende? O luterano pensa estar correto onde diverge do presbiteriano. O batista crê que o seu batismo é o verdadeiro, e não o luterano e presbiteriano. O pentecostal acredita que aquele que nega a continuidade dos dons está em erro. O calvinista crê que não existe o livre-arbítrio, a não ser o livre-arbítrio determinado, é claro. E isso o faz crendo que está correto, e que o arminiano está em erro. O advenstista crer que o sábado é o dia que deve ser observado, e que Ellen White é profetisa, e que há um juízo pré-advento, e que as almas não existem, e que os ímpios serão aniquilados, e nisso acredita que está correto, e que os demais protestantes que creem na imortalidade da alma, no inferno, e etc., estão errados. Qual a interpretação válida? Todas? Não pode ser.

E a tradição

Certamente é isso que no momento preocupa. Vanhoozer tenta olhar para trás para repetir, a fim de reformar. Isso é de certo modo reconsiderar o papel da tradição, que o Protestantismo admite.

Mas, será que ainda assim a tradição protestante garante a unidade e é o correto entendimento em toda a questão da autoridade e intepretação bíblica?

Vanhoozer acredita que a interpretação bíblica no Protestantismo não é anárquica. Olhar para trás para revitalizar a interpretação bíblica. Não seria isso voltar á tradição como Palavra de Deus, infalível, como está na Igreja Católica? De fato, o Protestantismo possui um lugar de estima para a tradição, mas essa é sempre crida como falível, em submissão à Bíblia, que por sua vez será interpretada pelos leitores crentes.

Pode-se vislumbrar aí o problema que Kevin Vanhoozer tem para resolver, ao recolocar a tradição como autoridade nesse sistema de autoridade e interpretação da Bíblia.

Como protestante, o teólogo Vanhoozer buscará a unidade fundamental e tentará justificar as discordâncias secundárias e terciárias. Não seria o mesmo problema de antes, onde a questão: quem define o que é ou não é primário, secundário, terciário? E o problema é difícil para o protestante resolver.

 

Sacerdócio real dos crentes

E os cristãos católicos, não são eles considerados pelos protestantes como também parte do sacerdócio real dos crentes? Sendo assim, a Igreja Católica é, na perspectiva de Vanhoozer, o local onde Cristo atua, governa e concede dons para a construção do Seu Corpo místico? Ou isso é negado pelo teólogo? Se não, então o problema do Protestantismo sobre a autoridade e interpretação da Bíblia continua bastante difícil de resolver.

O protestante está atualmente se inclinando a estudar e entender melhor a catolicidade da Igreja. Deseja ser protestante católico, por assim dizer. Isso também é sinal de maior compreensão bíblica, e assim maior proximidade da Igreja Católica.

 

Importância do Protestantismo

Como Protestantismo a Igreja Católica foi forçada a definir sua doutrina em muitos pontos, a formar melhor o clero, a reconsiderar muitas práticas, a reavivar o espírito do evangelho nos cristãos católicos de então.

Que os protestantes aprendam com as denominações do Protestantismo e conheçam a fé católica da qual todo o Protestantismo brotou.


Gledson Meireles.

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