sábado, 22 de abril de 2023

Livro: A lenda da imortalidade da alma. O corpo na ressurreição

O corpo da ressurreição não é físico?

A crítica mortalista sobre a concepção de que o corpo na ressurreição seria diferente, “fantasmagórico”, afirma que esse corpo não se parece em nada com o corpo atual, e que por isso “o que sequer poderia ser chamado de “ressurreição”, já que seria uma nova criação de algo totalmente novo”.

O autor chega a um problema filosófico, da identidade, onde o corpo diferente não poderia ser o mesmo corpo, e por isso não haveria ressurreição, mas uma “nova criação”. Portanto, seria outro corpo. Um problema filosófico real.

De fato, esse problema atinge o mortalismo em cheio. Na concepção mortalista, a morte constitui o fim da existência, onde a pessoa deixa de existir, não estando em qualquer lugar, mas deixando apenas sua matéria no pó da terra de onde veio.

Assim, Deus formaria o corpo da matéria terrestre novamente, dando ao ser nova existência. Portanto, de fato houve nova “criação”, e não realmente uma ressurreição, o que refuta radicalmente o mortalismo, sem seu próprio seio.

Ele afirma da “criação de algo totalmente novo”, como o corpo diferente da ressurreição. Isso supõe que o corpo deverá não apenas deverá ser o mesmo, mas ser “igual”, apenas voltar à vida. Isso não condiz com o que ensina 1 Coríntios 15 e toda a escritura, que mostra o corpo da ressurreição como o mesmo, mas diferente, superior, aperfeiçoado, como uma semente que cresce (mostrando a identidade), mas sendo psíquico, mais material, e depois pneumático, adquirindo qualidade espiritual. Há uma nova realidade, uma nova característica, uma nova qualidade no corpo, o que explica ser um corpo glorioso, melhorado, e não mais preso aos limites de tempo e espaço, não mais igual ao corpo atual. Tudo conforme a Bíblia e a razão.

Portanto, se no mortalismo o ser deixa de existir na morte e é recriado na ressurreição, esse é racionalmente algo novo, um novo ser que identifica-se com o anterior. É algo compreensível, não chegando a contradizer a razão, ultrapassando o conhecimento, mas que ainda causa certa problemática, pois como o ser que não existia mais voltou à existência sendo o mesmo ser? Não poderia ser outro igual? Esse é um problema.

Os mortos estão no túmulo, mas quando Cristo diz que os que estiverem no túmulo ouvirão e sairão, isso não implica que todo o seu ser tenha estado no túmulo, mas que, como explicado acima, o corpo do morto estava no túmulo. Sua alma estava no céu, no purgatório, no limbo, ou no inferno, ou seja, em uma região espiritual.

A mesma doutrina bíblica é ensinada na Igreja Católica, onde o mesmo corpo que está morto é ressuscitado na vinda de Cristo, mas em seu aspecto glorioso.

Veja que o mortalismo exige que o corpo ressuscitado seja o mesmo, e não um criado a partir do zero, mas que tenha os átomos religados, pois “nunca deixaram de existir”. Mas, ao mesmo tempo, incoerentemente, afirma que a personalidade, todos os pensamentos, vontade, sentimentos, etc., da pessoa que “deixou de existir” são recriados a partir do zero, são recriados do nada no corpo que foi refeito da mesma matéria.

Para a doutrina da imortalidade da alma, o corpo é refeito da matéria terrestre, com todos os átomos novamente religados, reestruturados, formando o mesmo corpo, e a alma que estava consciente, pois foi criada espiritual e não deixou de existir, volta a ligar-se nesse corpo incorruptível, glorioso, sendo a mesma pessoa, não havendo “recriação” em qualquer sentido, mas ressurreição de fato. Nesse ponto, o mortalismo parece receber outro golpe bastante importante.

Se se entende que o os cristãos espirituais (Gl 6, 1) são aqueles que vivem de acordo com a vontade do espírito, mostrando que isso não quer dizer que sejam desprovidos se matéria, mas apenas que seguem as orientações do espírito, e, nessa mesma acepção, entender que o espírito está preparado, enquanto a carne é fraca, e que o espírito segue a Lei de Deus, enquanto há outra lei na nos membros, na carne, deve-se entender então que há um dualismo, que luta na pessoa.

O mortalismo entende tudo isso como o que se dá nos aspectos da pessoa. O problema é que se o espírito já está salvo, preparado, e pode estar com Deus, e o corpo ainda necessita de redenção, isso mostra que não é o ser inteiro que está preparado e que está escravo do pecado ao mesmo tempo, mas que essas duas orientações pode estar em duas partes da natureza humana. A parte espiritual pode estar preparada, mas a pessoa pode sofrer ainda em sua parte material, por esta estar sujeita à lei do pecado.

Não haveria necessidade de um aspecto do ser estar preparado se o ser inteiro, em seu aspecto de fraqueza, que é o corpo, ainda não terá redenção antes do dia final. Parece que na dualidade se entende melhor essa luta que a concupiscência introduz no pecador.

A doutrina da ressureição, onde o mesmo corpo volta à vida, mas agora em glória, pode fazer entender melhor essa questão da imortalidade da alma. De fato, o corpo necessita do espírito para sobreviver, para ser um ser vivo, como está em Gênesis 2,7, onde o homem tornou-se “alma vivente”, e precisa também do espírito de vida para ser vivificado na ressurreição.

Se esse espírito é o que Deus fará retornar para fazer os átomos espalhados no universo formar o mesmo corpo e vivificá-lo, sendo a energia criadora e vivificado de Deus, é óbvio que não é apenas a formação do corpo que entra em questão na ressurreição, para trazer o “mesmo” corpo de volta, mas entra em ação a religação da alma da pessoa que morreu ao seu corpo, para que constituía a mesma pessoa novamente.

Para o mortalismo, isso também é necessário, já que o espírito criador e vivificador não apenas deverá vivificar um corpo, reestruturando-o, mas deverá trazer de volta a personalidade que, segundo o mortalismo, não existia mais em outro lugar, devendo ser “recriada” para esse corpo que existia, apenas tendo voltado para o pó da terra. Essa noção da “recriação” da personalidade, que é o que igualmente importante, já que não poderá haverá criação de outra personalidade no mesmo corpo, um absurdo, nem a recriação total a partir de outra matéria, sendo outro corpo, nem a recriação de outra personalidade, ainda que seja igual. A mesma pessoa deverá voltar. Essa dificuldade encontra-se no mortalismo nos próprios termos que aparecem na sua apresentação da ressurreição da carne.

Da mesma forma que o corpo que recebeu o espírito neshamah tornou corpo almático, na ressurreição, pode-se dizer, que o neshamah fará o copo pneumático, o que nada tem que contradiz a imortalidade da alma, já que a discussão gira entorno do que será o corpo. A personalidade e consciência que está na alma já é assumida como retornando ao corpo espiritual. Resta agora julgar qual das explicações estão coerentes, se a que está de acordo com a alma imortal, ou a do mortalismo acima apresentadas.

O texto de Lucas 24, 39 citado por Santo Inácio de Antioquia, traz ainda mais uma interpretação plausível que implica na imortalidade da alma.

De fato, em Lucas 24, 37 os discípulos ficaram perturbados e espantados pensando que Jesus era um espírito. Se de fato estavam reconhecendo Jesus por Sua aparência, pensavam que Ele estava em Sua alma apenas. Isso demonstra que os discípulos criam na imortalidade da alma, pois do contrário pensariam que estavam vendo outra pessoa, não reconhecendo Jesus.

Absurdo seria afirmar que eles pensavam que Jesus teria se tornado anjo, um outro ser, quando viram Jesus. Pelo verso seguinte, o 38, temos que os discípulos estavam com “dúvidas”. Mais uma vez, isso está de acordo com a doutrina da imortalidade da alma, já que eles pensavam que Jesus poderia estar aparecendo sem corpo.

E o verso 39 é muito claro nesse contexto: “Vede minhas mãos e meus pés, sou eu mesmo; apalpai e vede: um espírito não tem carne nem ossos, como vedes que tenho”. Portanto, Jesus estava ali com Sua aparência da mesma forma como os discípulos O conheciam, com os sinais da paixão, mostrando a Eles que havia ressuscitado, e diante do espanto deles, Jesus manda que eles o “apalpem” para certificar-se de que não era um espírito, que não tem carne e ossos.

Jesus não estava dizendo que não era um anjo, ou que não era outra pessoa, mas apenas mostrando que Ele estava ali em corpo ressuscitado.

Diante disso, é muitíssimo claro que os discípulos poderiam ter visto Jesus e ainda assim não crerem na Sua ressurreição, pois os mortos podem aparecer nem terem ressuscitados.

O verso 41 afirma que os discípulos ainda vacilavam, mas já estavam “transportados de alegria” confirmando o mesmo já demonstrado. Isso mostra que estavam alegres por verem Jesus, ao mesmo tempo em que tinham dificuldade em crer que estava vivo.

Para refutar isso, o mortalismo deve apresentar outra explicação, mostrando o motivo dos discípulos oferecem peixe assado para que Jesus comesse.

Seria por que não reconheciam Jesus por Sua aparência, como se ali Ele estivesse em outra forma, ainda que mostrando todos os sinais da Sua crucificação e explicando que tinha corpo? Isso não faz sentido, pois Jesus não queria confundi-los, mas estava mostrando Sua ressurreição.

De fato, os discípulos de Emaús estavam com os olhos “como que vendados e não o reconheciam” (Lucas 24, 16). Jesus também havia aparecido a Maria Madalena, mas ela vendo Jesus em pé pensou ser o jardineiro (cf. João 20, 15). Mas quando os discípulos tiveram os olhos abertos quando Jesus partiu o pão, o reconheceram. Ali parece que Jesus estava em outra aparência, e também desapareceu diante deles, como um espírito.

No entanto, após isso, os discípulos já haviam escutado os relatos sobre essa aparição de Jesus. Assim, deve-se pensar no motivo de oferecerem algo para que comesse. Não seria para certificarem-se de que Jesus tinha mesmo corpo material, já que as almas não podem comer? Jesus falou-lhes e eles pensavam estar vendo um espírito. Eles ficaram alegres, mas ainda ofereceram algo para Jesus comer.

Então, é menos provável que pensassem estar sendo enganados por um anjo. Os anjos também poderiam materializar-se. Parece que seu pensamento primeiro foi estarem vendo a alma de Jesus. É o que mostra todo o contexto. Assim, a implicação dessa passagem para mostrar a imortalidade da alma é muito forte.

O mortalismo interpreta a ressurreição explicada em 1 Coríntios 15 como a recriação de todo o ser, de toda a natureza humana. Faz isso para refutar a ideia grega da alma imortal que burla a morte. Mas, como já muitas vezes demonstrado, isso não é o que o cristianismo ensina sobre a imortalidade da alma, e dispensa maiores explanações.

Por outro lado, a morte é menos trágica no mortalismo. A Bíblia mostra o horror da morte, onde os mortos estão em trevas. No mortalismo a morte é inexistência, comparada a um sono sem sonhos para a natureza humana inteira, o que faz com que o morto não sinta absolutamente nada na morte, e quando ressuscitar é como se passasse de um instante para outro sem perceber.

Por fim, parece oportuno frisar que a Bíblia não diz que o corpo da ressurreição é igual ao de Adão antes do pecado, mas parece mostrar que é superior, pois primeiro veio o que é natural e depois o que é espiritual, diz a Escritura. Adão foi criado natural, ainda que pudesse não morrer. O corpo glorioso é espiritual, imortal de fato.

Gledson Meireles.

 

 

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