De que Paraíso Jesus falava?
Na interpretação mortalista o Paraíso seria o Jardim
do Éden, o Reino, que foi levado ao céu, e lá está, a Nova Jerusalém, e será
acessível aos salvos somente na ressurreição. Assim, o ladrão da Cruz não
poderia entrar nele ainda (cf. Lucas 23, 43). Tudo faz bastante sentido, já que
o paraíso terrestre foi perdido e fechado e no Apocalipse é dito que na Nova
Jerusalém há a árvore da vida, mostrando que o reino final é o paraíso.
No entanto, não há que fechar a questão tão facilmente
a ponto de por uma passagem, que apresenta uma dificuldade, já se decidir que a
alma não é imortal, o que seria uma decisão irrefletida, já que em todas as
outras objeções mortalistas o mortalismo não resistiu à refutação católica.
Então, se Cristo e o ladrão desceram ao mundo dos
mortos, como entender que Cristo promete o paraíso, possivelmente, para aquele
dia?
Para Santo Tomás de Aquino o paraíso de Lucas 23, 43
não é o paraíso terrestre, mas o paraíso espiritual, pois todos os que estão na
glória divina estão no paraíso.
Isso quer dizer que nas palavras de Jesus na cruz, o
paraíso é a salvação, é estar com Cristo, e não o lugar imediato para onde
desceram as almas de Cristo e o bom ladrão, o ladrão arrependido e salvo.
Entretanto, na mansão dos mortos com Cristo o ladrão já experimentava o paraíso
(S. Th. 3 Part, q. 52, a. 4).
Essa explicação parece satisfazer o tema geral. Mas há
ainda algo a mais. Sabemos que a alma é imortal, Cristo desceu à mansão dos
mortos com Sua alma, enquanto Seu corpo estava no sepulcro, pregou aos
espíritos na prisão, libertou os salvos, para leva-los ao céu na ascensão.
Assim, se para o mortalismo o paraíso será futuro, é
possível ler aí a promessa futura de Jesus, para o ladrão que entrará mais
tarde no paraíso, quando for levado por Jesus na ascensão. Poder-se-ia usar o
argumento da vírgula após o “hoje”, onde o estarás comigo no paraíso ocorreu
mais tarde, no dia em que Jesus subiu ao céu. É uma possibilidade de leitura,
sem negar em nada a imortalidade da alma.
De fato, há o paraíso terrestre, e há o paraíso no
terceiro céu. Há tal distinção na literatura judaica.
No entanto, se são dois ou se são o mesmo, sendo o
paraíso terrestre transferido momentaneamente para o céu, isso não faria
diferença no argumento, já que mais tarde o ladrão subiu com Cristo para o céu,
entrando assim no paraíso.
Aliás, vale lembrar que se Enoque e Elias estão no
céu, e certamente no lugar dos salvos, eles estão no paraíso, e, conforme
muitos mortalistas, está também Moisés.
Entretanto, eles teriam alcançado a promessa antes de
muitos, uma afirmação que não se encontra na Bíblia, e o que contradiz muito da
argumentação mortalista sobre o tema de Hebreus 11, pois esses santos já estão
na glória do céu, e, portanto, é de se pensar, ainda que na doutrina
mortalista, eles já estão no paraíso.
Caso o mortalista não concorde que Moisés, Elias e
Enoque entraram no paraíso, deverão concordar, para explicar isso, que esses
santos entraram no céu, na beatitude, na glória.
Portanto, partindo daí, poder-se-ia dizer com muita
razão, na perspectiva imortalista, que as almas poderiam entrar no céu, mas
somente adentrarem a cidade santa, a nova Jerusalém, interpretada aqui como o
Paraíso, apenas no fim do mundo, sem nenhuma dificuldade para a doutrina da imortalidade da
alma, para a interpretação mortalista de Hebreus 11 sobre a promessa não
alcançada pelos heróis da fé, e sobre a identificação do paraíso.
Do contrário, negando a distinção céu e paraíso, usado
para fins de argumentação aqui, Elias não estaria no céu, refutando o próprio mortalismo,
e sem qualquer problema para o imortalismo. De fato, o imortalismo pode
explicar que Elias subiu ao céu, visivelmente na carruagem de fogo, mas que
entrou no mundo espiritual dos salvos, já que Jesus não havia aberto o céu, e
disse que ninguém subiu ao céu.
É, portanto, necessário explicar o arrebatamento de Enoque
e Elias, e essa é uma das explicações. De qualquer modo, esses santos
arrebatados, ainda que na mesma região espiritual dos salvos mortos, receberam
a graça de continuarem vivos glorificados, o que é uma vantagem em sua relação
com Deus.
Se Elias entrou no paraíso, então a promessa já foi
alcançada por alguém, e o argumento mortalista cai por terra.
Se Elias não está no paraíso, então ele está no céu,
usando a aludida distinção.
Portanto, a doutrina de que as almas estão no céu não
tem qualquer problema com a questão da promessa da entrada na nova Jerusalém quando
da criação do novo céu e da nova terra, sendo compatível com ela, e o mortalista
mais uma vez é refutado em suas próprias argumentações.
Por fim, o livro alude à suposta opinião de São Tomás
sobre a antessala do céu, o que não foi encontrado neste estudo. Talvez seja
opinião de outro comentarista, antigo ou moderno, talvez mesmo da ala
protestante, após o século 16, e não de Santo Tomás, mas de qualquer modo, é
uma interpretação que não condiz com a doutrina católica oficial.
Gledson Meireles.
Nenhum comentário:
Postar um comentário