terça-feira, 18 de abril de 2023

Livro: A lenda da imortalidade da alma, sobre o paraíso em Lucas 23, 43

De que Paraíso Jesus falava?

 

Na interpretação mortalista o Paraíso seria o Jardim do Éden, o Reino, que foi levado ao céu, e lá está, a Nova Jerusalém, e será acessível aos salvos somente na ressurreição. Assim, o ladrão da Cruz não poderia entrar nele ainda (cf. Lucas 23, 43). Tudo faz bastante sentido, já que o paraíso terrestre foi perdido e fechado e no Apocalipse é dito que na Nova Jerusalém há a árvore da vida, mostrando que o reino final é o paraíso.

No entanto, não há que fechar a questão tão facilmente a ponto de por uma passagem, que apresenta uma dificuldade, já se decidir que a alma não é imortal, o que seria uma decisão irrefletida, já que em todas as outras objeções mortalistas o mortalismo não resistiu à refutação católica.

Então, se Cristo e o ladrão desceram ao mundo dos mortos, como entender que Cristo promete o paraíso, possivelmente, para aquele dia?

Para Santo Tomás de Aquino o paraíso de Lucas 23, 43 não é o paraíso terrestre, mas o paraíso espiritual, pois todos os que estão na glória divina estão no paraíso.

Isso quer dizer que nas palavras de Jesus na cruz, o paraíso é a salvação, é estar com Cristo, e não o lugar imediato para onde desceram as almas de Cristo e o bom ladrão, o ladrão arrependido e salvo. Entretanto, na mansão dos mortos com Cristo o ladrão já experimentava o paraíso (S. Th. 3 Part, q. 52, a. 4).

Essa explicação parece satisfazer o tema geral. Mas há ainda algo a mais. Sabemos que a alma é imortal, Cristo desceu à mansão dos mortos com Sua alma, enquanto Seu corpo estava no sepulcro, pregou aos espíritos na prisão, libertou os salvos, para leva-los ao céu na ascensão.

Assim, se para o mortalismo o paraíso será futuro, é possível ler aí a promessa futura de Jesus, para o ladrão que entrará mais tarde no paraíso, quando for levado por Jesus na ascensão. Poder-se-ia usar o argumento da vírgula após o “hoje”, onde o estarás comigo no paraíso ocorreu mais tarde, no dia em que Jesus subiu ao céu. É uma possibilidade de leitura, sem negar em nada a imortalidade da alma.

De fato, há o paraíso terrestre, e há o paraíso no terceiro céu. Há tal distinção na literatura judaica.

No entanto, se são dois ou se são o mesmo, sendo o paraíso terrestre transferido momentaneamente para o céu, isso não faria diferença no argumento, já que mais tarde o ladrão subiu com Cristo para o céu, entrando assim no paraíso.

Aliás, vale lembrar que se Enoque e Elias estão no céu, e certamente no lugar dos salvos, eles estão no paraíso, e, conforme muitos mortalistas, está também Moisés.

Entretanto, eles teriam alcançado a promessa antes de muitos, uma afirmação que não se encontra na Bíblia, e o que contradiz muito da argumentação mortalista sobre o tema de Hebreus 11, pois esses santos já estão na glória do céu, e, portanto, é de se pensar, ainda que na doutrina mortalista, eles já estão no paraíso.

Caso o mortalista não concorde que Moisés, Elias e Enoque entraram no paraíso, deverão concordar, para explicar isso, que esses santos entraram no céu, na beatitude, na glória.

Portanto, partindo daí, poder-se-ia dizer com muita razão, na perspectiva imortalista, que as almas poderiam entrar no céu, mas somente adentrarem a cidade santa, a nova Jerusalém, interpretada aqui como o Paraíso, apenas no fim do mundo, sem nenhuma  dificuldade para a doutrina da imortalidade da alma, para a interpretação mortalista de Hebreus 11 sobre a promessa não alcançada pelos heróis da fé, e sobre a identificação do paraíso.

Do contrário, negando a distinção céu e paraíso, usado para fins de argumentação aqui, Elias não estaria no céu, refutando o próprio mortalismo, e sem qualquer problema para o imortalismo. De fato, o imortalismo pode explicar que Elias subiu ao céu, visivelmente na carruagem de fogo, mas que entrou no mundo espiritual dos salvos, já que Jesus não havia aberto o céu, e disse que ninguém subiu ao céu.

É, portanto, necessário explicar o arrebatamento de Enoque e Elias, e essa é uma das explicações. De qualquer modo, esses santos arrebatados, ainda que na mesma região espiritual dos salvos mortos, receberam a graça de continuarem vivos glorificados, o que é uma vantagem em sua relação com Deus.

Se Elias entrou no paraíso, então a promessa já foi alcançada por alguém, e o argumento mortalista cai por terra.

Se Elias não está no paraíso, então ele está no céu, usando a aludida distinção.

Portanto, a doutrina de que as almas estão no céu não tem qualquer problema com a questão da promessa da entrada na nova Jerusalém quando da criação do novo céu e da nova terra, sendo compatível com ela, e o mortalista mais uma vez é refutado em suas próprias argumentações.

Por fim, o livro alude à suposta opinião de São Tomás sobre a antessala do céu, o que não foi encontrado neste estudo. Talvez seja opinião de outro comentarista, antigo ou moderno, talvez mesmo da ala protestante, após o século 16, e não de Santo Tomás, mas de qualquer modo, é uma interpretação que não condiz com a doutrina católica oficial.

Gledson Meireles.

 

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