sábado, 29 de abril de 2023

Livro: A lenda da imortalidade da alma. O holismo

 Holismo

A doutrina católica baseia-se toda na Bíblia, e sabe que existe uma dualidade no ser humano, já indicada em Gênesis 2, 7, onde o homem é composto da matéria e do sopro de vida de Deus.

O mortalismo ensina que em Gn 2, 7 já está bastante claro que o homem é alma, e, portanto, não tem alma, e que morrendo a alma tudo morre no ser humano. Mas isso é tirar conclusões tamanhas de um único texto, como se o mesmo já contivesse toda a doutrina. O sopro de Deus não é a alma, mas não foi através desse sopro que o homem foi criado, passando a ter personalidade, etc? Não foi esse sopro o que fez transformar a matéria do barro em carne e os ossos, formando o corpo do homem, e animado pelo princípio de vida com consciência e personalidade? Isso indica que há uma energia vital criada no homem a partir desse sopro.

O mortalismo defende um tipo de holismo, lendo em Gênesis 2, 7, bastante literalmente, a ponto de excluir outras passagens, enfatizando a palavra “tornou-se” uma alma vivente, como se a alma fosse radicalmente a pessoa, sendo sempre material, excluindo qualquer definição espiritual.

“Eis a palavrinha que faz a diferença”, referindo-se ao “tornou-se”. Afirma que o homem não recebeu uma alma, mas que tornou-se uma alma. Conclui-se, com isso, que a alma nada mais é que o homem, ou qualquer aspecto do homem que não pode ser separado dele.

O mortalismo baseia-se no dualismo grego para construir suas críticas. Assim, é comum as objeções contra o a alma em oposição ao corpo e coisas do tipo, que não fazem parte da doutrina cristã sobre a alma.

Da mesma forma que Gênesis 2, 7 é de fácil interpretação, podemos ler Zacarias 12, 1, onde o espírito é formado dentro do homem.

Uma vez que a palavra alma possui outro sentido, o argumento acima deixa de ter valor. Se o homem é uma alma, então ele não pode ter alma, assevera o holismo.

Contudo, quando se apresenta textos onde a alma retorna ao corpo de um morto, não se pode afirmar que nesse texto a alma é o ser integral, pois o ser vivo inteiro não pode sair do corpo e depois retornar ao corpo. Deve-se entender outro sentido, como o holismo de fato entende.

Da mesma forma, ocorre com o termo espírito, que teria algo a ver apenas com a respiração. Desse modo, o corpo sem espírito é morto, o que se conclui que nesse sentido é um sinônimo de alma ou estritamente relacionado a ela, pois a respiração, a força vital, que sai do corpo deixando-o morto, é a vida, que é chamada alma também.

Nessas passagens, o homem tem alma, possui alma. Também tem espírito. Começa aí a refutação da afirmação holista.

Por último, falando da criação do homem, Zacarias 12, 1 afirma que Deus criou o espírito “que o homem tem dentro de si”. Sendo assim, não é apenas um sopro, ou respiração, ou vida, mas algo que tem a ver com a constituição individual, algo criado para constituir a alma vivente.

Portanto, o corpo modelado da terra e o sopro de Deus, criando o espírito dentro do corpo modelado, fez o homem ser alma vivente. É a isso que foi criado dentro do ser humano que a Igreja Católica chama de “alma” ou “espírito” que é o princípio vital, a forma do corpo. Portanto, ele existe.

A Igreja não está se referindo ao “sopro” insuflado nas narinas da imagem de barro, nem ao fato da alma constituir em Gn 2, 7 o ser vivo, mas àquilo que fez com que a imagem de barro se tornasse o ser vivente. Isso ocorre a partir do sopro, mas Zc 12, 1 afirma que foi “criado” o espírito dentro do homem nesse momento. A investigação bíblica se dá nesse âmbito. É uma pura exegese.

A alma vivente é o corpo que respira, diz o holismo, dentro da doutrina mortalista. Porém, o que fez o corpo respirar? O espírito soprado. Pois bem. Esse espírito criou o ser humano, antes terra molhada, depois carne, ossos, etc., consciência, vida, indivíduo. Portanto, o espírito insuflado foi criador.

Conforme Zc 12, 1 ele também “criou” o espírito dentro dessa imagem de barro que Deus havia modelado antes de soprar o espírito criador. Conclui-se que há algo que une-se à matéria e constitui o ser humano.

A linguagem bíblica não é dualista, como os críticos pensam, mas refere-se à unidade em uma dualidade desde o início.

A analogias mostradas que tentam provar que sem o fôlego de vida existe apenas a alma morta não tem em profundidade todas as passagens, mas isola Gênesis 2, 7 de outras, igualmente importantes, como Zacarias 12, 1. A palavra alma em Gn 2,7 é “pessoa”, mas em Zc 12, 1 há uma criação dentro do corpo material, dando origem ao espírito. Dessa forma, esse “espírito” não é o fôlego, mas o que constitui a personalidade.

A vida que se desfaz na morte, na separação do corpo com a alma, no sentido de fôlego de vida, é a vida física, que deixa de existir, fazendo morrer a pessoa, atingindo o composto inteiro da natureza humana, mas não destruindo o que é o seu núcleo, que se chama alma. Essa é a parte da pessoa que continua, e não é a pessoa completa, não podendo agir como uma pessoa viva, tendo apenas a consciência e certas habilidades que restam até que o corpo seja ressuscitado.

A ilustração do computar é bastante interessante. A parte física é o hardware, que seria o corpo humano, e as informações o software, sendo a alma, e a energia é o que liga o computador. Daí se segue que a energia faz tudo funcionar, e as informações não funcionam com o computador desligado. Assim seria a alma na pessoa morta, não teria nenhuma energia em si.

Mas o que se tem é que na criação Deus fez a parte material e criou o ser com o poder espiritual ao soprar o fôlego de vida, que fez também originar-se naquele corpo criado uma alma com consciência a personalidade. A Bíblia não define a morte como a cessação da existência, e não diz que o morto não existe mais ao perder o fôlego de vida ou espírito, mas que ele volta à terra. É o conjunto da revelação que prova que algo da pessoa permanece, o que recebe o nome de alma ou espírito e permanece consciente.

O software não se separa do computador, embora seja outra coisa. Mas a alma não pode ser descrita nem como apenas algo que subsiste somente no corpo nem como mera energia. Por isso, a Bíblia afirma que a alma sai do corpo: “estando prestes a render a alma”, o que tem o sentido de sair, de separar-se, ou até mesmo de acabar.  Mas o sentido maior é o de separar-se do corpo, de sair do corpo, pois em 1 Rs 17, 21 é dito que a alma volta ao corpo para revivê-lo.

Nesse ponto, a ilustração do computador não faria sentido ao usar a alma para o software, já que aqui a alma é o que sai, sendo o mesmo que espírito, que na ilustração é energia. Por exemplo, se o software tiver um problema, ocorrerá mal funcionamento, ou mesmo não haverá funcionamento, e se for apagado o computador poderá estar ligado e não funcionará, não terá ações virtuais, como um corpo morto em aparelho.

Dessa forma, a ilustração seria que a alma é como o software que produz nele a vida, e a energia é somente o que mantem ligado os dois, já que sem a alma não adiante haver o corpo e uma energia impessoal tentando energizar o cadáver. A alma é também princípio de vida, consciência, mente e personalidade nesse caso. Isso mostra que uma ilustração feita apenas por uma só passagem se mostra falha.

Na ilustração é como se o software não pudesse ser separado do hardware, mas a Bíblia mostra que a alma sai do corpo, tornando essa única explicação incompleta. Ainda, que o princípio de vida seria outro que não a alma, o que também não é exatamente a doutrina bíblica, que mostra o conceito de espírito e alma como sinônimos em várias passagens, mostrando que assim que a alma ou o espírito sai do corpo acontece a morte. E também, nas passagens onde o poder de Deus, também chamado espírito, como o que traz o ser humano à vida, como que ligando novamente corpo e alma, pois o espírito volta a Deus, como está em Ecl 12, 7, o que não é a alma ou espírito no sentido de parte consciente do ser, já que os mortos desciam ao sheol. Nessa caso, espírito é a energia que traz o ser humano à vida, restituindo o corpo, que foi destruído ou que caminhava para a putrefação, tornando-o perfeitamente  de novo e religando-o com a alma.

De qualquer forma são apenas analogias. O que mostra a Bíblia, porém, não é o monismo, como o autor tentou mostrar, que seria o holismo, onde não há separação de partes, mas tudo sendo apenas uma coisa só, em seus diferentes aspectos. De fato, há um composto bastante unido, um tipo de holismo, mas nunca o monismo, pois há separação na morte.

A ideia que os mortalistas têm, de que a doutrina cristã da imortalidade da alma significa que a mesma pode viver fora do corpo “de forma perfeitamente funcional” é uma ideia errônea, e portanto não conseguem entender a doutrina católica, e falham muitas vezes nos argumentos, atingindo a filosofia grega, mas não a doutrina católica.

Dessa forma, não é o dualismo que é verdadeiro, mas a dualidade da natureza humana como ensina a Bíblia.

O mortalismo crê na existências de aspectos não-físicos na natureza humana, mas como se tudo fosse produzido pelo físico, num monismo, chamado de holismo, contra o dualismo. A fé católica é de uma dualidade, contra o monismo, expresso pelo holismo  mortalista, e o dualismo grego.

Fica interessante, mas não explica tudo, como já visto. A imortalidade da alma não é o mesmo que entender que há “uma ser dentro do ser”, pois na doutrina cristã católica o ser é a natureza humana completa, corpo e alma, e uma vez separado não há natureza humana, não há pessoa, mas parte da pessoa.

Assim é que do morto se tornou tradicional dizer “corpo” do falecido e “alma” do falecido, pois o composto deixou de existir, está morto, e o corpo não funciona, mas alma sendo a parte superior, continua existindo em consciência e personalidade, mas não em seu funcionamento normal, já que lhe falta o corpo. Isso mostra que é necessária a ressurreição.

Gledson Meireles.

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