sexta-feira, 30 de novembro de 2018

Imortalidade da alma: Santo Irineu

Santo Irineu foi bispo de Lyon. É considerado o maior dos padres dessa época, sendo uma ligação entre os padres apostólicos e as escolas teológicas que vieram mais tarde (cf. Lopes, 2014).
 
Portanto, sua autoridade como homem apostólico é tamanha. É tradicionalmente sabido que Santo Irineu ensinou a imortalidade da alma, ou seja, a mesma doutrina das Escrituras, e que os demais padres ensinaram o mesmo. É suficientemente clara sua posição a esse respeito.
 

No entanto, o livro Os Pais da Igreja contra a imortalidade da alma, no capítulo 17, afirma que apenas o primeiro livro da obra Contra as Heresias é encontrado em grego, e que os demais são traduções latinas, e por isso afirma que essas traduções podem ter sido corrompidas.
O motivo disso é que as traduções foram feitas mais tarde, onde supostamente teria ocorrido mudança doutrinal, e a Igreja já estaria ensinando por toda parte a imortalidade da alma, fazendo com que certas passagens da obra de Irineu parecesse ensinar que a alma é imortal.
Essa suspeita leva o leitor a desconfiar dos 4 livros de tradução latina!, como se os mesmos pudessem ter sido pelo menos “sutilmente corrompidos intencionalmente”, ficando apenas o primeiro livro, que, na opinião do autor, talvez não o tenha sido. Não há qualquer indicação de que tenha havido falsificação, erro de tradução, e qualquer coisa do tipo. Ou seja, não há qualquer indício de erro de tradução nas obras, nem muito menos de falsificação, mas ainda assim é deixada uma dúvida no ar.
Então, passa a defender a tese de que Santo Irineu ensinou mais o aniquilacionismo do que da doutrina do estado intermediário, sendo esse último o que equivale a crer na imortalidade da alma. Mas, isso seria uma contradição patente em toda a obra.
Embora o autor afirme que muitas vezes o “aniquilacionismo” está “evidente” nas “entrelinhas”, ficando difícil para um tradutor corromper o texto, fazendo com que o mesmo escape da fraude, ele cita tantas passagens, que teria esse sentido, que é praticamente impossível tê-las na conta de entrelinhas. Elas são abundantes, formam uma clareza considerável, e só precisam ser interpretadas corretamente. A pergunta é: essas passagens ensinam ou não o aniquilacionismo?
Aos que amam a Deus é conferida a comunhão com Deus, e aos que se separaram de Deus é feita a separação, que eles mesmos escolheram. E Santo Irineu explica que “separação de Deus é morte” (Livro 5, 27, 2)
A linguagem de Santo Irineu: “Ele (Cristo) habitou no lugar onde os mortos estavam”. Cita Mt 12, 40 e Ef 4, 9. Ele critica a opinião dos que dizem que “as partes mais baixas” se referem a este mundo, para onde iria o corpo, e a parte mais íntima iria para o céu. Então, menciona o lugar “onde as almas dos mortos estavam”. Assim, afirma que a alma vai para o lugar invisível.
Essa e outras passagens que serão mostradas a seguir formam a prova de que Santo Irineu ensinou a imortalidade da alma como os demais padres da Igreja.
No livro IV, 39, 4 ele fala dos réprobos que já estão em lugares de trevas preparados para eles, já que eles mesmos o escolheram.
As indicações de que Santo Irineu ensinava o condicionalismo começam com uma grande citação de Irineu, do livro II, 34, 3. A interpretação é feita no sentido de que o texto afirma a aniquilação do ser inteiro, e não a imortalidade da alma, pois afirma que “não irão receber o comprimento de dias”, e que os maus “privam-se da continuidade para todo o sempre”. Santo Irineu estaria afirmando que os jutos irão receber a vida eterna e os ímpios não.
De fato, lendo essas passagens, ainda mais como feitas acima, parece que a ideia é mesmo de um fim da existência dos ímpios. Mesmo o parágrafo inteiro, com essas ênfases, como é feita no livro, dá a entender que se trata mesmo disso. O autor então está certo de que não há dúvida quanto a isso. Mas, vejamos a interpretação do texto inteiro, e seu devido contexto.
Santo Irineu está tratando de duas doutrinas opostas. Uma afirma que as almas são eternas, ou seja, não têm princípio e nem fim, e por isso existirão para sempre. A outra linha afirma que se as almas possuem princípio, elas devem cessar de existir com o corpo. Não podem viver para sempre.
Então, o grande apologista afirma que somente Deus não tem princípio, e somente Ele dá a vida. Entretanto, Deus deu a vida à alma, e elas continuam a existir, não passando de corpo para corpo, mas vivendo após a morte do corpo, com memória e forma pela qual podem ser reconhecidas. Assim, cita o rico e Lázaro, no texto do Evangelho de Lucas, capítulo 16, versículo 9. Por isso, não se trata de má tradução, de corrupção de texto, mas é um entendimento profundo, com citações adequadas e arrazoados sérios e lógicos, afirmando a imortalidade da alma. Esse é o ensino dos primeiros versos do livro II, 34.
Para entender o pensando do apologista, deve-se ainda ler com mais atenção. Ele afirma que as almas lembram-se dos feitos no corpo, quando ainda no estado de existência. Ou seja, está falando que agora não mais existem como pessoas vivas, sendo esse o sentido da “existência” aqui. Quem leu a reflexão de Gêneses 2,7, está preparado para entender o que Santo Irineu fala aqui.
Terminando o capítulo, Santo Irineu explica que o corpo não é a alma. Assim, ele desfaz a tese mortalista. Continuando, afirma que a alma não é a vida. E aqui muitos mortalistas entram em choque, se pensarem bem. Porque uma vez que é a alma que dá vida ao corpo, o apologista afirma que ela não é a vida. Como entender¿ O fato é que ele está afirmando que somente Deus é a fonte da vida, e a vida foi comunicada à alma. Desse modo, a alma foi criada por Deus, não existia antes, e continuará existindo segundo a vontade de Deus, já que Ele pôs vida nela. Termina, assim, explicando a criação e a continuidade de duração da alma.
Resta ainda, para refutar totalmente a leitura condicionalista dessa passagem, provar mais diretamente que os ímpios não serão destruídos. Para isso, basta voltar à citação do Livro IV, 20, 6, e apontar que a vida à qual Santo Irineu se refere-se é a vida espiritual, no verso 5, dada pela graça, e que por isso afirma que Deus vivifica quem o recebe pela fé, e que aquele que o vê recebe a imortalidade, citando Deuteronômio 5, 24 para fundamentar sua exposição. Não trata, portanto, da extinção dos réprobos. O dom da imortalidade é a vida eterna em felicidade com Deus. Não significa que os demais serão aniquilados, tirados da existência. Por isso, é necessária boa interpretação, pois não é inadequada a linguagem de Santo Irineu.
As citações do Livro III, 19, 1 e 7, 1 sobre a incorruptibilidade e a imortalidade dos salvos, e a falta desses dons aos ímpios, não significa a privação da existência desses. Talvez, o livro IV, 39,2, citado como explicação “Contra aqueles que pensavam que os ímpios também existiriam para sempre” (p. 122), na nota 174, seja o contexto para toda a questão, pois fala diretamente dos ímpios. É o momento oportuno para responder a isso.
O livro começa com a explicação sobre o conhecimento do bem e do mal Não obedecer a Deus é o mau, a morte. Obedecê-Lo é a preservação da vida, entendendo ser o estado de graça, a vida espiritual.
Após isso, fala sobre a liberdade do homem em obedecer, a que Deus não impõe Sua Vontade a ninguém e que o homem tem o poder de escolha. Assim, passa a explicar que Deus preparou moradas para ambos os tipos de pessoas. Isso significa que há duas habitações. Novamente, não é problema de tradução, como alguém poderia insinuar, mas uma argumentação bem detalhada que leva a uma conclusão certa e clara.
Aí, das habitações afirma que uma é da luz, para aqueles que buscam a luz de Deus, e a outra é das trevas, aos que escolheram fugir da luz, habitando em um lugar privado de coisas boas.
Dessa forma, o texto que seria uma explicação aos que pensavam na eternidade dos ímpios: “Novamente, como pode ser imortal, quem em sua natureza mortal não obedece ao seu Criador?” De fato, Santo Irineu está claramente mostrando as habitações dos salvos e dos condenados, o que equivale a dizer o céu o e o inferno, e não dá indicações de que os réprobos deixarão de existir. Portanto, essa interpretação revela não ter o entendimento da teologia de Santo Irineu.
Se Irineu fosse um condicionalista, sua doutrina seria oposta a de Tertuliano, que viveu em seu tempo, e de Santo Agostinho, no final do 4º século. Mas não. A doutrina é idêntica. Apenas a linguagem é outra.
Há uma citação de Constable, o qual acredita ser a doutrina de Irineu oposta a de Tertuliano, pois do contrário aquele teria usado linguagem semelhante. Com certeza o autor está errado.
As comparações de punição com aquelas de Nadab e Abiú, Coré, Datan e Abiram, e da família de Jeroboão são feitas no sentido metafórico, e não podem negar o que foi dito acima, de que há um lugar para os condenados, e não se fala de extinção do ser. Assim, quando diz que no inferno ou hades estarão os condenados assim como foram tragados Coré, Datan e Abiram, a imagem sugestiva do inferno é clara.
No final, o autor afirma que os livros de tradução duvidosa podem dar a impressão da crença no estado intermediário, mas não podem ser usados honestamente para fundamentar a doutrina da alma imortal, por entender as citações como ensinando a aniquilação dos não-salvos.
No entanto, foi provado que o ensino está de acordo com a fé na imortalidade da alma, e não introduz o condicionalismo, nem mesmo com as citações apontadas.
Gledson Meireles.

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