No concílio reuniram-se os apóstolos, juntamente
com o apóstolo Paulo, e o seu colaborador Barnabé, e também os presbíteros ou anciãos.
Essas autoridades trataram da questão da obrigatoriedade da circuncisão e
observação da Lei Mosaica por parte dos gentios conversos, e mesmo para todos
os cristãos, como necessária para a salvação.
Ali estavam os apóstolos, que foram os homens
chamados, escolhidos, preparados e comissionados por Jesus para levar o
Evangelho a todas as nações. Também foram eles as testemunhas de toda a vida e
da ressurreição do Senhor. Foram eles que receberam o Espírito Santo, quando
Cristo apareceu-lhes em João 20, e no dia de Pentecostes em Atos 2, que é a
abertura da Igreja para a missão na terra.
Os apóstolos e anciãos pensaram sobre a questão e
debateram sobre os motivos e sentidos que levaram àquela controvérsia.
Pautaram-se pela Palavra de Deus, escrita no Antigo Testamento, e da revelação
do Novo Testamento deixada por Jesus Cristo e guiada, desde então, pelo
Espírito Santo. Todos eles pautaram a avaliação da controvérsia nas Escrituras
e na inspiração do Espírito de Deus, pois estavam no período da revelação.
A pregação dos judaizantes não estava atrelada ao
sentido da fé cristã. Eles não foram enviados pelos apóstolos, e não tinham a
autoridade de pregar o que estavam pregando. Eles diziam que era necessário
observar a Lei de Moisés para ser salvo. (Atos 15,1)
O apóstolo Paulo e Barnabé discutiram calorosamente
com eles. Não foi uma discussão passageira e de pouca importância, mas uma
“grande discussão”, diz o texto sagrado. (At 15,2).
São Paulo era inspirado pelo Espírito Santo para
ensinar. Seu ensino estava correto, mas ainda assim não conseguiu liquidar a
dúvida e refutar a heresia por meio da pura discussão com aqueles pregadores.
Eles não o escutaram.
Foi então que, resolveram ir a Jerusalém tratar da
questão com os apóstolos. Foram Paulo, Barnabé e alguns outros cristãos.
A igreja, os apóstolos e os anciãos de Jerusalém
recebeu Paulo e Barnabé. “Chegando a Jerusalém, foram recebidos pela
comunidade, pelos apóstolos e pelos anciãos.” (Atos 15,4)
A comunidade é a ekklesia, a igreja, no texto grego. Nessa passagem enfaticamente
refere-se aos demais cristãos leigos, aqueles que não fazem parte da autoridade
docente, que era constituída pelos apóstolos e anciãos. Em sentido geral todos
formam a igreja, mas o texto precisa a posição de cada um para o entendimento
do que irá ocorrer: o concílio.
Ainda em Jerusalém alguns manifestaram o parecer de
que a circuncisão e a Lei de Moisés deveriam ser praticadas pelos pagãos
convertidos. (cf. v. 5) Então, “os apóstolos e os anciãos”, as autoridades
constituídas, reuniram-se. (v. 6) Houve muita discussão. O texto não entra nos
pormenores, nem no tempo gasto para o amadurecimento da questão. Certamente, voltaram
aos testemunhos e apresentaram os fatos, e provavelmente tornaram enfrentar os
argumentos opostos, com base nos textos sagrados usados para mostrar o sentido
que fundamentava o parecer contrário. Pensa-se, também que os judaizantes tinham
bastante testemunho escriturístico que usaram a seu favor. Era o momento
propício para discutir. E discutiram muito.
“Ao fim de grande discussão, Pedro levantou-se”.
(Atos 15,7) Esse é o momento da decisão. O apóstolo Pedro, como sempre, é
apresentado como aquele que fala diante do grupo de cristãos. Nesse momento, em
especial, estavam apóstolos e anciãos tratando do tema em apreço.
Então, Pedro lembra o fato da sua escolha por Deus
para anunciar o evangelho aos pagãos, e certamente menciona a história de
Cornélio, quando os gentios receberam o Espírito Santo.
E finalmente, brada o chefe dos apóstolos: “Por
que, pois, provocais agora a Deus, impondo aos discípulos um jugo que nem
nossos pais nem nós pudemos suportar¿”
São Pedro afirma que impor a circuncisão e a Lei é
provocar a Deus. Eis tamanha exortação aos presentes. E prossegue com a Boa
Nova da graça: “Nós cremos que pela graça do Senhor Jesus seremos salvos,
exatamente como eles.” (Atos 15,11) Essa foi a mensagem central, que resumiu e
definiu a posição do Concílio, e foi o evangelho pregado por toda a parte, em
especial e grande escala, por São Paulo: “Nós cremos que pela graça do Senhor
Jesus seremos salvos”.
Toda a discussão cessou. Houve silêncio agora. A
inteira assembleia calou. Pode, então, Paulo e Barnabé contar o que tentaram no
início, no caminho, e quando chegaram a Jerusalém, (vv. 3-4) mas que não foram
aceitos no sentido de reconhecimento da liberdade dos pagãos em relação à Lei.
Agora sim. A proclamação de Pedro, depois que todos
falaram e discutiram e apresentaram seus pareceres, fez ouvir a autoridade da
Palavra de Deus, para não provocar o Senhor.
Temos as seguintes falas no concílio:
(1)
A
grande discussão
(2)
Pedro
levantou-se e disse-lhes
(3)
Ouviram
Paulo e Barnabé
(4)
Tiago
tomou a palavra
O texto original afirma que Tiago respondeu (ἀπεκρίθη
Ἰάκωβος - apekrithe
Iakobos). Ele refere-se às palavras de Pedro: “Simão narrou como Deus começou a
olhar para as nações...”. (v. 13) E mostrou que o que Pedro disse está em
concordância com as Escrituras: “com isto concordam as palavras dos profetas”.
(v. 15), terminando suas palavras com a concordância referente ao que Pedro
falou (v. 19) e as sugestões, de abster-se das carnes oferecidas aos ídolos, da
impureza, das carnes sufocadas e do sangue (v. 20), e seu motivo, que é a
autoridade de Moisés em cada cidade. (v. 21). Todos concordaram, o Espírito
Santo estava guiando ali todo o entendimento da Palavra de Deus.
“Então, pareceu bem aos apóstolos e aos anciãos com
toda a comunidade”. (v. 22) e no verso 28: “Com efeito, pareceu bem ao Espírito
Santo e a nós não vos impor outro peso além do seguinte...”, e volta a repetir
o importante parecer do verso 19.
Assim, desautorizaram os pregadores de outrora, de
base judaizante, (cf. 24), definindo não
ser mais necessárias aos pagãos a circuncisão e a observância da Lei. Essa
foi a decisão conciliar.
Dessa forma, vê-se que em um concílio as
experiências, a pregação, e outros elementos que surgirem, certamente, são
postos à luz da Palavra de Deus, como feito nesse caso. Pedro mostrou o que
Deus havia revelado a ele. Contou a consequência daquela revelação na vida dos
pagãos. Admoestou a todos para não provocarem a Deus, tornando a questão
resolvida. A paz na Igreja voltou a reinar.
O apóstolo Tiago corroborou o que São Pedro havia
dito, e propôs medidas importantes e fundamentais para aquela questão, que
estava de acordo com o sentimento de toda a Igreja, e portanto foram aceitas,
pois expressavam a essência da fé judaica em torno da prática da Lei em relação
aos demais povos, orientando todos ao Senhor.
A questão central, porém, já estava promulgada:
Cremos que pela graça de Jesus seremos salvos, e não pela circuncisão e prática
da Lei de Moisés. (Atos 15, 11) Pedro havia falado, como porta-voz de Deus, o
silêncio tomou conta da assembleia, a discussão acabou e depois todos puderam
falar. E falaram conforme a revelação dada por São Pedro. Resolvida estava a
questão.
A primeira
controvérsia e a questão do concílio
A primeira controvérsia girou em torno da pregação
do evangelho aos pagãos, pois muitos pensavam ser privilégio apenas judaico. O
segundo momento, ainda naturalmente ligado a esse, desdobra-se na questão da
continuidade da obrigação da circuncisão e da Lei para os pagãos convertidos.
Quando Pedro recebeu os pagãos na Igreja, foi
repreendido pelos cristãos judeus (lit.: começaram a discutir com ele), após
retornar a Jerusalém, por ter entrado na casa de pagãos e tomado a refeição com
eles. (At 11,3)
Então, Pedro explicou-lhes o que havia acontecido.
O resultado foi que todos se calaram e glorificaram a Deus pelo que tinha feito
com os gentios. (At 11,18)
Nesse momento, a palavra de São Pedro apenas pode
por fim à comoção dos cristãos da circuncisão. O mesmo não ocorreu quando São
Paulo contendeu com esses cristãos. (cf. 15,2)
Eles não aceitaram a explicação de Paulo, nem deram
ouvidos aos exemplos que certamente lhe foram mostrados. Esses judeus não eram
autorizados a ensinar o que ensinavam, e por isso mostraram-se endurecidos
naquele momento, não aceitando a autoridade do grande apóstolo.
Paulo e Barnabé “contaram a todos os irmãos a
conversão dos gentios”, “contaram tudo o que Deus tinha feito com eles” (vv.
3-4). Mas, ainda os cristãos judeus não aceitaram seus testemunhos, mesmo já
iniciado o concílio. A questão era muito acirrada.
Quando Pedro falou, “a assembleia ouviu
silenciosamente”. (v. 12)
Antes, em reunião com os cristãos de Jerusalém,
quando da primeira controvérsia, Pedro “fez-lhes uma exposição de tudo o que
acontecera” e todos fizeram silêncio e louvaram a Deus. (At 11,4)
Agora, em concílio, Pedro levanta-se, fala, e todos
fazem silêncio. O seu testemunho convence mais uma vez. Acima já foi tratada da
questão como desenvolvida na reunião conciliar, dessa vez, acentua-se a posição
de Pedro nessas controvérsias.
O concílio e o sola
Scriptura
Sabemos dos acontecimentos narrados acima pelas
Sagradas Escrituras. Naquele momento, porém, tinham já o Antigo Testamento,
mais ou menos organizado, não totalmente definido, e ainda era escrito o Novo
Testamento.
Tendo a liderança dos apóstolos, as boas novas do
Evangelho deviam ainda ser esclarecidas por eles, já que Cristo os havia
enviado, e o Espírito inspirava-os nessa missão. Tem-se assim que não havia
lugar para uma análise solitária das Escrituras para descobrir o que fazer com
relação ao problema que surgia. Ninguém estava livre par estabelecer por si
mesmo, por sua própria análise do Antigo Testamento, o que deveria ser feito.
Nem os protestantes podem fazer as coisas assim. É o que ensina Vanhoozer.
Quanto ao Novo Testamento, pelos idos do ano 50,
muito estava para ser escrito, e a resolução daquela questão estava revelada no
Evangelho, sendo efetivada a partir de Atos 10.
Por esse motivo, mesmo alguns solascripturistas são de parecer que não cabia ainda o livre exame
naquele momento, já que as Escrituras estavam sendo terminadas. O problema é
que não há indicação nenhuma que isso devesse ocorrer depois. Além do mais, o
que está exposto leva à posição de que não há realmente lugar para esse modelo
de interpretação.
Para referir-se a essa questão em um entendimento
mais pormenorizado, deve-se considerar o que Kevin J. Vanhoozer afirma desse
concílio. E, acredite, o mesmo introduziu o principio sola Scriptura nesse momento. É importante ler o seu livro.
Para ele, esse concílio é um exemplo da prática do sola scriptura, e cita Darell Bock, que
considera o evento como uma reunião de “consulta” (em nota, ênfase do autor) e
não um concílio. Infelizmente, essa parece não ser uma abordagem plausível, e
revela a carga de uma mentalidade anacrônica.
Mas, será que no caso desse exemplo ser a prática
da doutrina sola Scriptura, essa é
mostrada como o foi acima¿ Não exatamente. OO modelo é outro. Leia o livro! Bem,
o que Vanhoozer escreve sobre o concílio, lembrando as palavras de Paulo e a
intervenção de Tiago, a que chama de “decisiva”, e esquecendo do papel de
autoridade de Pedro, mostra que não. Não foi essa a prática. Por isso, a
interpretação de Vanhoozer é, obviamente e tipicamente protestante, mas
frisa-se isso aqui por sua fidelidade à doutrina da Reforma e ao seu
inescapável condicionamento, o que prova ser a leitura bíblica enormemente
resultado da tradição onde é feita.
Assim, o autor não toca minimamente no nome de São
Pedro ao tecer sua análise de Atos 15, corroborando o dito anterior, e nesse
exame exalta tacitamente a natureza local da igreja, ao referir-se à autonomia
de Antioquia, ainda que o texto de Atos 15 não tenha a mínima indicação a esse
respeito, como não há em nenhum do Novo Testamento.
Portanto, a Palavra de Deus foi sim o fundamento da
decisão conciliar, mas lida por iluminação e orientação do Espírito Santo, pela
autoridade da Igreja, em primeiro lugar aos apóstolos, e em conjunto com eles, aos
anciãos por eles ordenados, chegando a um consenso após a averiguação da
questão, entendendo mais precisamente a revelação direta de Deus feita ao
apóstolo São Pedro. O sola Scriptura
aqui é bastante diverso do que aparece na tentativa aludida. As Escrituras
foram interpretadas na Igreja, pela
autoridade eclesiástica, no Espírito
Santo à luz da mensagem dada aos apóstolos. Esse modelo serve para todos os
tempos.
Gledson Meireles.
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