terça-feira, 20 de novembro de 2018

Imortalidade da alma: Epístola do papa São Clemente

O papa Clemente governou a igreja de Roma entre os anos 88 a 97. De suas obras, uma só restou, a Epístola aos Coríntios. O livro “Os Pais da Igreja contra a imortalidade da alma, capítulo 5” analisa essa epístola e afirma que a mesma evidencia a tese condicionalista. Para refutar essa afirmação, seguem os comentários abaixo.

O autor do livro afirma: “o que Clemente escreve em sua única epístola já é mais que o suficiente para rejeitar a noção de que ele fosse imortalista”.

Vejamos:

A primeira citação (Clemente 14,1-4), é considerada no livro a linguagem máxima para denotar o aniquilacionismo. Contudo, ao contrário disso, ela pode ainda assim ser ambígua e lida como não aniquilacionista, sem fazer qualquer malabarismo.

Certamente, a afirmação de que “mas os pecadores serão exterminados dela” e que “e não existia mais” significam que os ímpios não estão mais na terra, ou mesmo na nova terra dos novos céus e nova terra que esperamos. Como serão banidos do reino, essa passagem pode estar se referindo a isso, e não uma aniquilação.

Nessa mesma acepção pode ser lida a passagem de Provérbios 1,26, citada em segundo lugar.

O autor do artigo refere-se a Apocalipse 20,10, que seria um texto em sentido hiperbólico, mas o texto é um dos mais claros a respeito do inferno. Está sim em um livro de profecias por meio de símbolos, mas nada no versículo ordena a ler nesse uma metáfora.

Afirma uma cena que significa um tormento e não aniquilação. O Demônio é lançado no lago de fogo, onde já estavam a Besta e o Falso Profeta, que denota existirem.

Alguém pode ainda teimar e ler nisso o tormento temporário ainda em execução, ou seja, Satanás entraria no inferno eterno antes que a Besta e o Falso Profeta deixassem de existir. No entanto, o texto não dá a mínima pista para que se pense nessa hipótese, pois continua afirmando com linguagem enfática o tormento deles “dia e noite” e ainda “pelos séculos dos séculos”, uma expressão que é usada quando se fala da vida eterna.

O terceiro texto da Epístola aos Coríntios, de São Clemente de Roma 35,1-4, afirma que a vida na imortalidade é algo preparado aos que aguardam Jesus. Esse texto está de acordo com a fé na imortalidade da alma, pois todos os cristãos que creem assim esperam o dom da imortalidade que será dado na ressurreição, e não têm a imortalidade da alma como a imortalidade do homem, que são coisas diversas, e quem já leu os demais capítulos publicados neste blog sobre a imortalidade da alma entendeu bem essa questão.

A próxima citação, de Clemente 36,2, afirma que por meio de Cristo experimentamos o “conhecimento imortal”. Essa afirmação não nega, em qualquer sentido, a imortalidade da alma. Se é interpretada, como é feito no livro, como afirmando que a imortalidade é somente obtida através de Jesus Cristo, não há o que objetar, e não há nada que pode opor-se à doutrina da imortalidade da alma.

Quando Clemente fala ressurreição (26-27), também não há nada a objetar quanto à imortalidade da alma. O mesmo acontece na citação de 35,1-4, onde “lutamos para sermos encontrados no número dos que o espera” está de acordo com a fé de todos os cristãos que creem na imortalidade da alma. Aliás, São Clemente continua falando da vida de fé e obras para alcançar a salvação, o que mostra que refere-se aos cristãos vivos à espera de Cristo, e não que os mortos O esperam.

A afirmação de que os salvos serão manifestos quando vier o Reino de Deus não é negação da imortalidade da alma. É algo que pode ser lido nesse contexto igualmente.

Não necessariamente afirma que os salvo somente entrarão no céu nesse momento, que é uma leitura formada em relação a João 14, 1-3, mas que Clemente não menciona nesse momento. E que os mortos estarão nas sepulturas até a ressurreição é outra verdade que não nega a imortalidade da alma.

Em Clemente 44,1-2, ao chamar a morte de sono, segundo a linguagem bíblica, não há qualquer indicação de que seja condicionalista. Os cristãos que creem na imortalidade da alma usam a mesma linguagem sem problemas.

Agora, a passagem que fala de São Paulo que “se foi para o lugar santo” (Clemente 5,7), que o autor afirma ser citada por muitos imortalistas, é digna de nota. Como visto acima, nenhuma passagem é claramente condicionalista, e pode ser lida de outra forma, portanto são ambíguas. Assim, essa menção ao apóstolo São Paulo, que foi para o lugar santo, é mais uma prova da imortalidade da alma do que todas as outras lidas como mortalistas, já que essa constitui o contexto sobre o tema. Aliás, no mesmo capítulo, São Clemente afirma que o apóstolo Pedro “foi para o lugar de glória”.

 Podem essas passagens ser entendidas pacificamente pelos mortalistas? Sim, segundo o autor do livro, referindo-se à passagem sobre São Paulo: “No entanto, que Paulo “deixou o mundo” (morreu) e “se foi para o lugar santo”, isso nenhum mortalista discorda.” (...) Isso de modo nenhum indica que ele já esteja lá.” É feito um malabarismo aqui.

Ou seja, os mortos já partem para algum lugar, segundo os condicionalistas, ainda que não existam mais. Essa “partida” não é senão uma força de expressão, pois eles não estão lá, ou melhor, não estão nem indo para lá, não estão em lugar nenhum, na visão mortalista.

Explica melhor o autor: “Se eu digo que uma missão espacial “partiu para Marte”, isso não significa necessariamente que eles já estejam em Marte agora, significa apenas que eles deram início a este processo.”

O problema é que os astronautas existem e estão indo para Marte, nesse exemplo. Em se tratando de uma viagem que requer certo tempo, já estimado, todos esperam, sabendo disso, a chegada dos astronautas ao seu destino e sabem quando isso deverá ocorrer. Contudo, segundo a doutrina condicionalista, os mortos não existem, e não estão indo.

Pensar que Clemente afirmou que Paulo e Pedro foram para o céu, mas não estão lá, é forçar a interpretação da passagem, introduzindo nela o conceito oriundo do mortalismo.

O autor menciona sua explicação de Filipenses 1,23 para entender o que Clemente afirma aqui. Se os leitores voltarem à explicação do mesmo texto já publicada neste blog verá que a imortalidade da alma é bastante clara nessa passagem.

No geral, pode-se afirmar, então, que São Clemente cria na imortalidade da alma, e não na rebuscada doutrina do mortalismo, que afirma que Paulo “deixou o mundo e se foi para o lugar santo”, mas lá não chegou, e não chegará até o dia da ressurreição, um conceito novo, desconhecido da Bíblia e dos padres apostólicos.

Gledson Meireles.

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