Considerações a respeito do livro O papado e o dogma de Maria.
O protestante lê o livro pensando estar lendo o resumo da teologia bíblica sobre o assunto, algo que não deve ser ultrapassado sobre a questão de Maria na vida da Igreja. Assim, pensa que não deve mais nada com respeito à mãe de Jesus, do que tê-la como cristã, co-irmã, serva, etc. E ainda pensa que ela é pecadora, que teve muitos filhos, que morreu e espera a ressurreição, que não pode interceder. Isso é tudo o que os protestantes em geral oferecem como honra a Maria. Será mesmo isso que a Bíblia ensina? Foi assim que os cristãos trataram a virgem Maria durante a história?
O que segue abaixo é uma reflexão daquilo que foi dito no livro pelo pastor reformado, com as devidas correções, para que o cristão cresça na fé em Cristo, no conhecimento dele, e no conhecimento da Palavra de Deus.
Parte 1
O pastor afirma que o culto a Maria é uma desonra, uma ocasião de pecado, e que foi introduzido na Igreja depois que levas de pessoas não-convertidas entraram no cristianismo. Em primeiro lugar, deve-se compreender que o culto a Maria é reconhecer sua grandeza como mãe de Cristo, serva de Deus, modelo para a Igreja. A Igreja que a tem, a exemplo de Cristo, como mãe.
Então, o culto a Maria
só pode honrá-la. Ainda, não é exato que com o Edito de Milão houvesse
conversão em massa, mas é certo que as mudanças que ocorreram foram aos poucos
facilitando as conversões. Contudo, não há qualquer alusão de que a mariologia
como a conhecemos hoje tenha sido gerada pelos motivos acima. A mariologia não
é fruto de multidões não convertidas, mas nasce do evangelho, e da prática dos
cristãos que creem e amam Jesus.
A respeito do título
mãe de Deus como relacionado à frase inspirada e bíblica “mãe do meu Senhor”,
tudo está muito claro quando se tem em conta que o Senhor ao qual Isabel tinha
em mente era o Deus de Israel, e que o Espírito Santo referiu-Se a Jesus como
Filho do Altíssimo, sendo também da mesma natureza do Pai.
É por isso que sendo o
Filho o mesmo Deus, Maria é de certa forma Sua mãe. E qual forma é essa? A da
natureza, através da natureza, que é o meio da humanidade de Maria em relação a
Cristo. Ela não é mãe da natureza de Cristo, mas mãe da Pessoa de Cristo
segundo a natureza humana. E sendo única a Pessoa de Cristo, que é Deus,
refuta-se o arianismo e crenças semelhantes, como também o nestorianismo, que
divide Jesus em dois, ideia contrária as Escrituras e ao bom senso.
A ideia de que a virgem
Maria é mãe de Deus de maneira alguma implica em que ela precedeu a Deus. Se
assim fosse, não seria doutrina cristã católica. O autor parece não conhecer
isso. Não houve esforço para estudar a doutrina católica.
Quanto à doutrina da
imaculada conceição, essa está de acordo com a Escritura, pois ensina que Maria
é filha de Adão, e foi preservada do pecado. Isso é o mesmo que afirmar a
salvação de Maria, e essa salvação foi efetuada pelo sangue de Jesus Cristo.
A explicação de que
Jesus é semente da mulher por si só não explica o motivo dEle não ter sido
gerado com pecado original. Por isso, a Igreja foi tomando consciência de que
Deus agiu na pessoa de Maria purificando-a totalmente para afastar qualquer
pecado da mãe do Senhor. Ela foi salva por Deus (cf. Lucas 1, 47). E ainda foi
purificada para ser mãe de Jesus.
Diz o pastor que os
apóstolos não oraram a Maira e nem falaram de Maria. Não há como afirmar isso
absolutamente. Esse “silêncio” seria uma reprovação ao culto mariano. Os
protestantes reformados evitam o culto a Maria, diferentemente de todos os
cristãos até o tempo de Calvino, que inclusive venerava a virgem Maria.
Mas, deve-se entender,
quando há silêncio significa que o assunto em questão era pacífico e não o
contrário. Nas controvérsias produzem-se muitos debates. Na concordância, não
há o que objetar, a paz reina. Muitas doutrinas que não mereceram atenção são
aquelas das quais não havia dúvida alguma. Isso porque a maior parte do Novo
Testamento foi escrita para tratar de questões controversas. O pastor não soube
lidar com essa questão.
Interessante que para
falar contra a virgindade perpétua de Maria, o pastor usa 1 Coríntios 7, 5,
como se não ter relacionamento conjugal fosse “desobediência” a um mandamento
divino, quando o texto não diz isso, pois é dito que os casais devem ter
momentos de privação do direito conjugal para oração, e não devem ficar assim
por muito tempo porque ficariam à mercê das tentações do Demônio, e não porque
Deus havia ordenado que devessem voltar a unir-se.
Em outras palavras, a
Bíblia ensina que o casal deve deixar de unir-se sexualmente para ter maior
tempo de oração, quando ambos estão de comum acordo, e aconselha que isso não
demore muito, para não dar ocasião de tentação. Disso tiraram a ideia de que
não ter relações é “desobediência”, algo que vai além do que o texto sagrado
ensina.
Também, primogênito não
significa um entre outros, mas o primeiro gerado, somente isso. Caso seja filho
único, continua sendo primogênito. Dessa forma, não é necessário que nasça mais
filhos para que o primeiro seja considerado o primogênito. Por isso, não é
correto afirmar que “há provas” na Escritura da existência de filhos de Maria.
Outra questão é que a
palavra usada para primo é anepsios,
e que isso provaria que os irmãos de Jesus não eram primos. Deve-se dizer que
trata-se de uma questão inócua. Isso já foi discutido em outro artigo, que
prova que Maria não teve outros filhos.
Certamente, pelos
motivos de estreito laço de familiaridade, aqueles primos de Jesus, que podem
ter sido filhos de um irmão de José com a prima da virgem Maria, de mesmo nome,
fossem sempre chamados irmãos.
A respeito do dogma da
assunção, deve-se entender toda a questão sobre a imaculada conceição e suas
implicações, assim como as referências bíblicas a respeito de Maria, e as
afirmações históricas. Maria foi elevada ao céu.
Parte 2
A primeira observação que o pastor faz da anunciação do anjo Gabriel à virgem Maria (cf. Lucas 1, 28) é que a escolha de Maria teve origem na graça de Deus e não em mérito dela.
Essa observação não
deve causar nenhuma estranheza para o católico, já que tudo o que a Igreja
Católica ensina é justamente que Deus é a fonte de todo o bem e de toda graça,
e, portanto, a virgem Maria foi escolhida por Deus, preparada por Ele, para ser
a mãe do Salvador, e não que ela tenha tido mérito para oferecer a Deus para
isso. Isso é o que parece entender a crítica reformada, que acusa a Igreja
Católica de algo estranho à própria fé católica.
Aliás, o mérito que ela
tinha era efeito da graça, que Deus concedeu para fazê-la participante do
mistério da redenção, como mãe do Redentor.
Depois, o reverendo
chama a atenção de que a ênfase do anjo estava na criança, em Jesus, e não em
Maria. Essa constatação é tipicamente protestante, e tem como objetivo mostrar
ao católico, especialmente, que a Bíblia não oferece base para venerar Maria, e
que esse seria o ensino bíblico.
Não há o que objetar de
forma especial sobre isso, já que a mensagem do anjo era a encarnação de Jesus,
e nada mais natural que a ênfase seja Jesus em toda a passagem. O reverendo não
contribuiu com nada nesse quesito, não tendo nada que possa refutar a posição católica
sobre Maria.
No entanto, o que a
Igreja também observa, e todos os santos doutores falaram disso, é que Maria é
chamada por um nome diferente, que é traduzida do latim como cheia de graça, ou
como agraciada, como preferem as traduções protestantes e mais modernas, a
partir do texto grego. Contudo, seja cheia de graça ou agraciada, no sentido
deve ser o mesmo.
Isso mostra que esse
nome revela uma característica da virgem Maria, mostrando sua singular bênção,
recebendo já de início a plenitude da graça. Singular porque ninguém na
Escritura recebe saudação de um anjo. O anjo a saudou, como não havia feito em
outras aparições. Por causa de Cristo há veneração a Maria.
Falando sobre Lucas 1,
38 o pastor lembra que Maria escolheu o título de serva, que não quis ser uma
sócia de Deus, nem igual a Deus, mas Sua serva. Para o católico, outra vez,
tais palavras não trazem nenhuma novidade, pois cremos que Maria é a serva de
Deus por excelência, que serviu o Senhor de modo tão sublime que na Igreja é a
primeira cristã, a primeira criatura modelo de fé para os irmãos de Cristo. É
ainda a mãe da Igreja, que é espiritualmente o corpo de Jesus.
Por fim, entre outras
coisas que não estão em contraste com a doutrina católica, o pastor observa que
Maria não é bendita acima das mulheres, mas entre as mulheres. Ele quer dizer
com isso que Maria não é diferente das demais mulheres de todo o mundo. Afirma
que ela foi especial, mas pecadora como as outras, estando no máximo na mesma
estatura de todos os demais crentes. Isso não é bíblico.
Dessa forma, observe
que a Bíblia afirma que Maria é bendita e que Jesus é bendito, e ninguém dirá
que por isso Jesus é tão bem-aventurado com todos os homens e não acima de
todos os homens!
Portanto, antes de
expressar opiniões, é preciso ponderar conforme o texto sagrado. Maria é
bem-aventurada entre as mulheres, de forma especial e singular, o que a faz ser
honrada entre todas as mulheres com maior honra, porque é mãe do bem-aventurado
Filho do Altíssimo.
Como segunda razão o
pastor afirma que na passagem a ênfase é toda sobre Jesus e não sobre Maria,
que Isabel destaca o Filho e não a mãe, que João Batista estremeceu por causa
de Jesus e não por causa de Maria, e que o personagem principal do encontro é
Jesus e não Maria.
Contudo, para o leitor
atento das Escrituras, a passagem mostra que Isabel honrou Maria logo que ficou
cheia do Espírito Santo, e mostra que João Batista estremeceu em seu ventre
assim que a saudação de Maria foi ouvida. Isso passou despercebido ao
reverendo.
O protestante
dificilmente honraria Maria dessa forma, raramente chega a tal ponto, se é que
chega. E se caso chegar, está próximo do catolicismo. Talvez a teologia
protestante previna esse nível de honra que a Bíblia apresenta sobre Maria. A
Bíblia mostra as glória de Maria, a teologia reformada não.
Ao invés de trata-la
como igual, Isabel a honra como maior. O leitor não deve deixar despercebido
que a saudação da virgem foi ocasião para que o Espírito Santo santificasse o
precursor e sua mãe Isabel. Foi nesse instante que o Espírito Santo encheu
Isabel e João Batista.
No final dessa seção,
para enfatizar algo mais católico nas observações do reverendo, é preciso notar
que ele escreveu que Maria é campeã entre as mulheres, o que indica sua maior
estatura na graça, embora não seja isso que o pastor tenha querido passar.
Ele transparece o
desejo de mostrar que o protestante honra Maria, embora pelo que foi expresso
acima, essa honra ainda não pode ser equiparada àquela que a Escritura oferece
à mãe do Senhor. É comum os protestantes hoje em dia afirmarem respeito a
Maria, o que já é um avanço. Mas ainda está aquém da honra que a mãe do Senhor
merece.
Continuando, temos que
em Lucas 1,48 a virgem Maria proclama, inspirada por Deus, que ela será
lembrada em todas as gerações. Com certeza, essa lembrança é feita pelos
cristãos católicos.
No que se refere à
teologia protestante mais moderna, pouco lugar tem sido dado à lembrança de
Maria, o que se reflete nos cultos, nas pregações, nos livros, nas conversas, e
na vida de cristãos protestantes, que lembram de falar de Maria somente quando
pregam para algum católico, lembrando ao católico que ela é uma mulher “qualquer”,
(ou como o reverendo, que escreve eu seu livro sobre ela, afirmando que “era
apenas umas mulher”), pecadora e salva por Deus, que teve filhos além de Jesus,
que dorme no pó da terra, que não tem poder, e etc.
Essa é a visão popular
criada no Protestantismo para combater o culto de veneração à virgem Maria. Por
essa via, não se cumpre a profecia de Lucas 1, 48. Lembrar de Maria não é
fazê-la igual a todos, pecadora, cheia de filhos, morta no pó da terra
esperando a ressurreição, incapaz de interceder. Essa não é a fé da Igreja.
Esse cumprimento está
na Igreja Católica, onde a virgem Maria é lembrada sempre com os maiores
louvores, por um só motivo: ser a mãe Jesus. Ele subiu aos céus por ser mãe do
Senhor, intercede pela Igreja por ser mãe do Senhor.
Na frase do pastor: “Seguir a orientação de Maria é de fato
obedecer a Jesus”, mostra que ele está seguindo, sem o saber, o espírito da
verdadeira Mariologia. Isso não é o Protestantismo ensinando sobre Maria, mas reflete algo que herdou do Catolicismo, após anos de controvérsia.
O que falta é crer na
virgindade perpétua, na imaculada conceição, na assunção aos céus, e na intercessão
dos santos. Fazendo isso de forma cristã, como ensina a santa Igreja, está
honrando a Maria biblicamente.
A respeito de Lucas 11,
27, onde as relações físicas são menores que as espirituais, deve-se responder
que certamente ninguém creu com tanta clareza em Jesus como Maria, e por isso
ela é a primeira crente, tanto em razão de sua familiaridade física com Jesus,
que era cem por cento geneticamente igual a Cristo, como em sua familiaridade
espiritual. Ela recebeu a maior das graças, para ser mãe do Senhor, creu no
Messias antes de todos. Portanto, é inevitável que, ao crer que Jesus é o Filho
de Deus alguém naturalmente venha a venerar Maria.
Maria era já repleta do
Espírito Santo desde sua concepção, com maior ênfase na encarnação de Jesus, e
foi mais agraciada com dons do Espírito no dia de pentecostes. Sua vida foi
sempre cheia do Espírito Santo, ao contrário dos demais discípulos, que foram
santificados mais tarde. E, deve-se lembrar, Maria não teve outros filhos.
Essas são as
considerações sobre o livro do reverendo Hernandes Dias Lopes, O Papado e o
Dogma de Maria à luz da Bíblia e da história. Editora Hagnos, 2005.
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