quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

John Owen: estudo do capítulo 13, livro II

 Capítulo 13


Da aplicação e impetração

Com o respectivo capítulo Owen promete dar o golpe de misericórdia no argumento que toca a aplicação e a impetração. Ele afirma que realmente há distinção entre impetração e aplicação, o que pode ser mantido, mas não há separação, portanto, a doutrina reformada não admite tal separação.

Owen afirma que morte de Cristo não pode ser vista como um remédio em uma caixa, como disponível a todos, indiferentemente. Owen compara a um homem que obtém um ofício para alguém, e questiona se isso ficará inserto, se ele terá o ofício ou não? Seria violência ao senso comum afirmar que algo seria de um homem ou que poderia não ser dele, quando o mesmo foi obtido para ele.

No entanto, essa comparação parece não ser adequada para a verdadeira doutrina da redenção, porque Cristo adquire para nós a salvação mas nós dá verdadeira condição a ser cumprida. Esse é o ponto nevrálgico da questão que dispensa a comparação acima, já que a salvação é de fato aplicada sob a condição da fé.

Mas, ainda, Owen afirma que seria contrário à razão que a morte de Cristo, na intenção de Deus, devesse ser aplicada a quem não terá parte nos seus méritos. A opinião oposta à de Owen seria que a morte de Cristo é aplicada a todos e os seus frutos nunca são feitos conhecer à maior parte desse todos.

O autor está tratando da questão dos réprobos, que morrem na condenação, mas que tiveram oportunidade de serem salvos, porque Cristo morreu por eles, mas que eles nunca experimentaram os frutos da salvação.

No entanto, essa problemática não afeta a doutrina da redenção, que é eficaz, suficiente a todos, poderosa em si mesma, mas que a aplicação está condicionada, e os que não cumprem o exigido pela sabedoria amorosa de Deus, não podem tomar parte naquilo que se recusaram a experimentar.

A suposição de que a morte de Cristo deve ser feita conhecida a todos, ao ponto de dizer que alguém que morre, no Novo Testamento, após Cristo, e não conheceu nada sobre Ele e Seu sacrifício, irá ser certamente condenado não é uma suposição bíblica.

De fato, no Antigo Testamento não eram salvos somente membros do povo judeu, quando todas as nações estavam na condenação. De fato, Romanos 1 deixa claro que é era possível que os gentios alcançassem a graça pelo conhecimento de Deus e obedecendo à lei natural, o que é bastante difícil e incomum, tratando-se apenas dessa possibilidade.

Ainda, no Novo Testamento a graça foi manifestada por Cristo e a sua superabundância garante ainda mais o necessário para que todos sejam salvos segundo a vontade de Deus. Assim, ainda que alguém não conheça o evangelho é possível que seja salvo por Cristo. Deus quer a salvação de todos, Cristo morreu por todos, a Igreja intercede em favor de todos, e dessa forma é possível que alguém abrace a graça de Deus e seja salvo por Cristo, segundo a misericórdia e o incomparável amor de Deus.

Em continuação, Owen afirma que seria contrário à razão que o resgate fosse pago para os cativos, para sua libertação, e ainda assim os cativos não fossem libertados e deixados ir embora. Cita, logo a seguir, Mateus 20, 28, que diz que Cristo deu a vida em resgate de muitos. Sim, mas o resgate está condicionado, e não é dado absolutamente e imediatamente.

Entretanto, na cruz o pagamento perpetrado por Cristo só é dado àquele que estiver na aliança com Cristo por meio da fé. Essa condição é necessária, e não apenas o pagamento, o que torna a distinção e separação da impetração e aplicação absolutamente necessária.

Ainda, Owen diz que seria contrário à Escritura. Owen considera o argumento de que Cristo comprou por Sua morte todas as coisas não absolutamente, mas, sob condição. A condição seria, de acordo com os argumentos propostos, a “não resistência da redenção oferecida”, “uma rendição ao convite do evangelho”, “a fé”.

Assim, Owen afirma reconhecendo que essa condição de fato deve ser apresentada a todos. A todos, pelos quais Jesus morreu, deve haver um meio para saber disso, para conhecer Cristo e o Seu sacrifício, e está somente no poder de Jesus dar a eles esses meios. Nessa ocasião, Owen faz uma comparação, que pode ser resumida no caso de um médico que pode curar tal doença, podendo curar todos que fossem a ele, e enviasse alguém para anunciar isso, o único representante, e essa pessoa não anunciasse a todos. Isso revelaria que tal pessoa não deseja a cura de todos.

Essa comparação é feita na suposição de que o evangelho deve ser absolutamente pregado a todo o que deverá ser salvo. Caso contrário, todos os que nunca ouviram o evangelho serão condenados. Essa objeção já está respondida, visto que Deus quer a salvação de todos, enviou Cristo para salvar o mundo, e deseja que todos sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade.

A razão usada por Owen para argumentar dessa forma, pode ser empregada contra a doutrina reformada que contraria a revelação de que Deus deseja salvar a todos, quando apela para o sentido metafísico e afirma que na verdade Deus não quer que todos sejam salvos, visto que envia o Filho para salvar, como único meio de salvação, sob a condição da fé, que é adquirida pelo mesmo Filho a todos pelos quais morreu, onde muitos serão deixados na ignorância do Nome de Cristo, e muitos serão deixados na incredulidade, não havendo graça alguma pela qual pudessem chegar à fé, o que contraria a revelação.

Por isso, o problema é que a Escritura não diz que aquele que não ouvir algo do evangelho estará irremediavelmente perdido, já que Hebreus 11, 6 afirma que a fé em Deus e em Seu poder de retribuir a quem o serve é o fundamento para agradar a Deus. Ainda, é doutrina bíblica que os que não conhecem a Lei podem seguir a Deus através da Lei natural. Todos os que forem salvos dessa maneira são salvos por Cristo. No entanto, é um meio extraordinário, que somente Deus sabe como funciona, o que exclui a missão ordinária da Igreja de anunciar a salvação, ensinar e batizar a todos. Isso não é afirmar a salvação de todos os que não ouvem o evangelho, mas reconhecer a possibilidade da graça de Deus em Cristo chegar a eles de alguma forma.

Mas Owen questiona se a condição está no poder de todos cumpri-la ou não. Se a resposta for positiva, todos podem crer, o que seria falso. Se a resposta é negativa, então o Senhor irá conceder a graça de crer ou não? Se irá conceder, por que nem todos creem e são salvos? Se não irá conceder, então a impetração, a obtenção da salvação e redenção, seria que Deus intenciona que Cristo morrerá por todos, mas eles não terão o bem se eles não cumprirem o que Deus sabe que eles não são capazes de forma alguma de cumprir, e que somente Deus pode capacitá-los a realizar a condição, e em relação à maior parte deles Deus não irá fazer.

Owen pergunta, então, se essa é a intenção de Cristo de morrer para o bem deles? Ou Cristo morreu por eles para expô-los à vergonha e à miséria? Seria como prometer algo a um cego sob a condição de que ele veja.

A exigência de Owen na qual fundamenta essa ilustração é que uma vez que a fé é o meio pelo qual se chega à salvação, e que a mesma é dom de Deus, Cristo deveria dar a todos a fé se de fato tiver morrido por todos.

No entanto, a questão que dificulta o entendimento de Owen e dos reformados é que uma vez que não creem na liberdade, no livre-arbítrio do homem, não podem compreender que a fé é um dom divino, mas que ainda há uma cooperação humana que exerce livremente o ato de crer, de modo a receber livremente a graça. Assim, Cristo morreu por todos, concede a graça necessária a todos, e muitos não creem por pura resistência diante da graça. Há muitos exemplos no evangelho, onde Cristo claramente revela Sua identidade, e muitos não creem, e são advertidos por Cristo por recusarem-se a crer. Continuemos com o estudo dos argumentos apresentados.

Então, Owen resolve a questão afirmando que a condição da fé é adquirida para nós pela morte de Cristo ou não é. Se não, isso é injurioso e contra a Escritura. Se sim, por que não é conferida a todos, se Cristo morreu por todos? Não se pode inventar outra condição para que a fé seja dada. Se, então, os que não recusam ou resistem os meios da graça, todos esses receberão os frutos da morte de Cristo? Se for assim os infiéis, os pagãos, as crianças mortas sem ouvirem o evangelho serão salvos.

Outra incompreensão da doutrina da redenção universal, a partir da concepção de que a morte de Cristo tem a impetração e a aplicação unidas, de modo a fazer necessária a aplicação dos frutos a todos, incluindo os meios pelos quais serão aplicados, o que não é a doutrina bíblica. Também não é exato que todos os que não recusam a graça, ou resistem ao seu influxo, estão salvos, porque é necessário crer, ao que possuem o uso da razão, ou não oferecer resistência em caso daqueles que não chegaram ao uso da razão, mas que foram incluídos na Nova Aliança belo batismo. Os que morrem sem o batismo são entregues à misericórdia de Deus.

Na verdade, Cristo morreu por todos e cada um, cada homem e mulher, sem exceção, e adquiriu o dom da fé, a única condição pela qual o pecador que conhece o evangelho pode ser salvo, mas não há nenhuma parte da Escritura que exija que a fé seja dada a todos pelos quais Cristo morreu.

Mas, Owen afirma que, assim, Cristo, seria um mediador pela metade, adquirindo o fim e não os meios. E, enfim, afirma o seguinte: “Cristo não morreu por ninguém sob condição, se eles crerem, mas Ele morreu por todos os eleitos de Deus, para que eles creiam, e crendo tenham vida eterna”.

E, continua, afirmando que não é ensinado que se cremos então Cristo morreu por nós, como se a fé realizasse isso, o ato criando o objeto, mas o contrário, Cristo morreu para que possamos crer. A salvação seria dada condicionalmente, mas a fé, que é a condição, seria adquirida absolutamente.

Essa conclusão, de que a salvação de fato é adquirida pela impetração e aplicação dos frutos e benefícios da morte de Jesus Cristo no pecador, está correta. A distinção mencionada é reconhecida, e é outra correção da doutrina. A condição da fé para que a aplicação da salvação seja feita, também está correta. A fé como dom de Deus, efeito da graça, também está correto. A fé é o meio pelo qual o pecador recebe em si o dom da salvação dada por Cristo.

O problema é que não há na Escritura lugar algum que ensina que a fé é absolutamente adquirida e dada a todos aqueles pelos quais Cristo morreu. Pelo contrário, inúmeros lugares mostram que há resistência final da fé, recusa da graça, perda da fé, pecados que anulam a fé, mostrando que Cristo morreu por todos, que a salvação é condicionada à fé, que a fé é um dom da graça, que o homem tem livre-arbítrio, que pode receber ou recusar a fé. Não há ensino na Bíblia de que a fé é dada absolutamente a todos pelos quais Jesus morreu.

Gledson Meireles.

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