O primeiro capítulo do livro 1 já foi estudado. Segue agora o estudo de mais três capítulos, do livro A morte da morte na morte de Cristo, do teólogo reformado puritano John Owen. Não estão sendo usados os títulos dos capítulos respectivos, que o leitor deve ler na obra original. São apenas estudos dos mesmos, com a devida resposta de acordo com a fé católica. Estudo feito totalmente com fundamento bíblico.
Capítulo 2
Sobre o objetivo
Owen demonstra que os meios são todas as coisas que são usadas para atingir o fim proposto, e são causas do fim de alguma forma. Com isso, ele trabalhará a tese para explicar a redenção.
Explica que o fim da morte de Cristo é a satisfação da justiça de Deus. E afirma que os meios não são considerados bons em si mesmos. A tese partirá desse princípio, que é estabelecer o agente em ação, os meios empregados e o fim efetuado.
Parece não haver nada a ser objetado nesse capítulo, que fica à espera do que será proposto, e somente ao longo do processo é que se irá inserindo a crítica onde os pontos em questão destoarem da revelação bíblica.
O que se diz do fim de uma ação, dos meios empregados, da natureza dos meios, servirá para corroborar a tese. No entanto, é no desenvolvimento da mesma que se pode entendê-la bem. Não são todas as coisas que necessitam de refutação.
Capítulo 3
Do Agente da Redenção, a Trindade, e a primeira coisa atribuída ao Pai
Na redenção, as causas secundárias, as ações dos homens, foram excessivamente contra suas intenções, e fizeram somente o que foi determinado fazerem, como está em Atos 4, 28. Cristo entregou Sua própria vida, conforme João 10, 17-18.
Ações do Pai: o envio do Filho, e a punição pelos nossos pecados.
De passagem, citando o texto de 1 Timóteo 4, 10, onde Deus Pai é chamado de Salvador de todos os homens, especialmente dos que creem, o autor explica a passagem afirmando que não se fala aí da redenção, efetuada por Cristo, mas da “salvação e preservação de todos” pela Providência de Deus.
Com isso, o reformado pensa ter respondido à questão referente à redenção universal, afirmando que o texto não diz respeito à cruz, mas à Providência de Deus, que é relativa a todas as coisas, as todas as pessoas, incluindo, logicamente, a Igreja.
Dessa forma, um texto que usamos para provar que Cristo morreu por todos, é interpretado pelos calvinistas como não falando desse assunto, como não constituindo prova da expiação ilimitada, e como não servindo para provar que todas as pessoas são alvo da graça da cruz.
Contudo, o autor apenas afirma que é assim, mas não fornece nenhuma prova da sua interpretação, não expõe nenhum princípio hermenêutico, não faz qualquer exegese, apenas afirma que não se trata da redenção, mas da providência. Uma afirmação que serve de autoridade para os reformados, que aceitam essa interpretação, e não podem agir de outra forma, uma vez que se aceitarem a expiação ilimitada deixam de ser calvinistas.
Outra coisa é que essa interpretação fornece uma explicação razoável para o reformado que tem que lidar com textos que mostram que Deus é Salvador de todos. É uma forma de responder a essa dificuldade.
No entanto, a leitura natural da passagem mostra que Deus é Salvador, que nos salvou pela cruz do Seu Filho, é que essa redenção é efetuada em favor do mundo inteiro.
Pergunte o leitor, se é reformado, ou não, de onde vem a autoridade para interpretar esse texto assim? Certamente da tradição reformada. Pense nisso. Quais então sãos as bases pelas quais essa interpretação se assenta? E, por fim, cada uma das razões apresentadas estão de acordo com a verdade, com o princípio bíblico de cada passagem estudada, como da mesma de 1 Tm 4, 10? Essa interpretação convence você? Por quê? Deus é o Salvador de todos apenas pela Providência? E por que tipo chama Deus de nosso salvador, falando a cristãos? Agora está apenas tratando da especialidade de Deus em tratar os eleitos, providencialmente? Não é mais comum e natural que a Bíblia fale de redenção, de salvação, de salvador, em relação à cruz? Por que nessa passagem não é referente a isso?
Não foi Deus considerado em Atos 20, 28, ter adquirido a Igreja com o Seu próprio sangue? A própria teologia reformada deve conceder que a divindade de Cristo é aludida aí, e que o sangue de Cristo é o sangue de Deus, pela união hipostática, onde a Pessoa de Jesus é divina, e Sua humanidade está unida à Sua divindade. Então, com essa acepção, temos o Senhor Deus salvador da Igreja pelo Seu sangue. Por isso, 1 Timóteo 4, 10 fala de Deus Salvador no sentido da redenção universal.
Se a obra inteira de John Owen não responder satisfatoriamente a essas questões, e não provar o motivo dessa passagem não ser lida em relação à cruz de Cristo, temos então, nesse passo, de fato, um texto que refuta a doutrina reformada.
Agora, passemos ao estudo do texto, para formar uma base sólida pela qual possamos analisar o livro de Owen.
Em 1 Timóteo 4, 1, o assunto é a apostasia da fé no fim do mundo (vv. 1-3). É estabelecida a doutrina para que corrija as heresias (v. 6). O verso 7 fala das fábulas, que devemos rejeitar. O verso 8 trata da piedade, que é útil para tem a promessa da vida presente e futura. Está tratando de coisas espirituais, da salvação, da graça, para a fim temporal e para a vida eterna. Trata portanto dos exercícios espirituais. E então, temos o verso 10: “Se nos afadigamos e sofremos ultrajes, é porque pusemos a nossa esperança em Deus vivo, que é o Salvador de todos os homens, sobretudo dos fieis”. Não se trata apenas da providência, como se apenas os sofrimentos do mundo, os ultrajes, fossem o assunto em questão.
Os fieis põem a esperança em Deus, e o contexto inteiro é salvífico. Não se trata da providência comum, como o autor repete em outro lugar da obra, onde Deus trata de homens e animais (Salmo 36, 6). Não se trata de esperança para a vida física, mas para tudo.
Dessa forma, a esperança em Deus Salvador inclui a redenção. Ele é o Salvador de todos, especialmente dos que creem, o que confirma a redenção universal. As fadigas e sofrimentos são postos em Deus que nos salvará, não apenas nos auxiliando, ajudando, prevenindo, preservando, protegendo, entre tantas fadigas temporais, mas nos levando para o Seu reino de glória. Ele salva a todos, pois a obra da cruz de Cristo foi por todos, mas salva somente os que creem e aceitam a obra da redenção.
Talvez um texto que deve ser rapidamente comentado é Isaías 53, 2. Tal passagem não tem a ver com a aparência humana de Cristo, mas sua aparência na cruz, após ter sofridos todos os ultrajes.
Owen trata de algumas afirmações:
1. Todos os pecados de todos os homens.
2. Todos os pecados de alguns homens.
3. Alguns pecados de todos os homens.
E afirma que, se for a terceira opção, ninguém será salvo. Se for a primeira, porque há punição pela descrença, que é pecado, e que Cristo morreu por ela. A segunda é a posição calvinista, onde só os eleitos tiveram seus pecados perdoados na cruz.
A resposta é que a primeira está correta, pois Cristo morreu por todos os homens, perdoando todos os pecados, mas só irá aplicar a redenção nos que creem por seu livre-arbítrio auxiliado pela graça.
Deus enviou Seu Filho ao mundo para que vivamos por Ele (1 João 4, 9). Esse texto pode iluminar a questão. Deus enviou Jesus “ao mundo” para que nós vivamos por Ele. Então, o mundo refere-se a todos, e nós formamos a Igreja. Cristo veio a todos, e nós que cremos já estamos vivendo por intermédio dEle a vida da graça.
A promessa do Pai ao Filho e o pedido do Filho ao Pai é dirigido ao fim particular de trazer filhos a Deus, o primeiro ato.
Devemos considerar essa comparação. Como os sacrifícios antigos eram realizados para perdoar os pecados do Povo de Israel, o Povo Eleito, agora é feito por todos os povos, tanto Israel e como as Nações, o mundo inteiro.
Assim como os sacrifícios serviam para perdoar todo e qualquer israelita, e não somente um grupo entre os israelitas naturais, mas todo o israelita e todo o que tivesse entrado no povo e praticasse a Lei, os prosélitos, assim o sacrifício de Cristo é para todo o povo eleito, e servirá eficazmente para o que aceitar a Jesus Cristo como salvador.
Capítulo 4
Sobre a obra do Filho
No capítulo quarto John Owen argumenta que Cristo é agente da redenção (como pessoa da trindade, pois o capítulo desenvolve essa doutrina) agente voluntário, e que morre por determinadas pessoas e faz por elas a intercessão.
Com isso, Jesus teria morrido pelos filhos que o Senhor lhe deu (cf. Hb 2,13), “não por causa de todo o mundo, toda a posteridade de Adão”, mas somente pelos filhos.
Em Hebreus 2, 3 está escrito: “Como, então, escaparemos nós se agora desprezarmos a mensagem da salvação, tão sublime, anunciada primeiramente pelo Senhor e depois confirmada pelos que a ouviram...”.
Essa passagem exorta os cristãos a aceitarem a mensagem, para não acontecer como os antigos, que desviaram-se do caminho reto, como está no verso 1. A mensagem antiga anunciada pelos anjos era válida, a tal ponto de ser castigado o que a transgredisse (v. 2). Agora, maior ainda é a mensagem da salvação, anunciada por Jesus Cristo.
Todo o contexto é de salvação para todos. A mensagem é endereçada a todos, e as admoestações para que os ouvintes não se afastem da mesma e não sejam reprovados. Não há nenhuma noção de uma obra de redenção dirigida apenas aos eleitos aqui, já que não seria possível que os eleitos se desviassem do plano salvador.
É no sentido geral que o texto está exortando. Confirmando essa bela doutrina, o versículo 9 diz: “...Assim, pela graça de Deus, a sua morte aproveita a todos os homens”. O leitor leu corretamente: a morte de Cristo aproveita a todos os homens (cf. Hb 2, 9).
Contudo, o reformado dirá que “todos os homens” são todos os eleitos, são os filhos de que fala adiante, no verso 13. Mas, deve-se lembrar que desde o início do capítulo, temos visto que a mensagem é geral, universal, e a responsabilidade de ater-se a ela é de cada um, em particular, para que não seja reprovado.
Os “numerosos filhos” do verso 10 estão entre “todos os homens” do verso 9. Jesus veio em socorro à raça de Abraão (v. 16). Dirão alguns, que somente é raça de Abraão os que creem, e somente os que creem é que tem Jesus como salvador. Mas o texto do livro sagrado de Hebreus, capítulo 2, não vem desenvolvendo essa doutrina. Pelo contrário, está aberto a todos desde o verso primeiro.
A mesma noção está em Hebreus 3, 3, que diz: “E sua casa somos nós, contanto que permaneçamos firmes, até o fim, professando intrepidamente a nossa fé e ufanos da esperança que nos pertence”. Que ninguém perca a fé a ponto de abandonar o Deus vivo, exorta o verso 12.
E nada mais claro que o verso 14 que ensina: “Porque somos incorporados a Cristo, mas sob a condição de conservarmos firme até o fim nossa fé dos primeiros dias”. Todo o capítulo é fechado com o tema da exortação contra a descrença.
Com tais asseverações, a Palavra de Deus é clara que Cristo é o salvador de todos, e que chama da todos a Si, para que usufruam da Sua graça, como Seus irmãos (v. 13), tendo, no entanto, o livre-arbítrio iluminado e fortalecido pela graça, sendo responsáveis agora a manterem-se firmes em Cristo, na fé em Cristo, incorporados a Cristo. Somente o próprio homem pode sair dessa comunhão. Ninguém pode tirá-lo. Há uma condição para manter-se incorporado a Cristo, que é a manutenção da fé, a perseverança na fé.
Então, entendemos bem que Cristo morreu por todos, e aqueles que se achegam a Ele e não O deixam, são os filhos que Deus lhe deu, contanto que permaneçam até o fim. Por isso, Cristo amou a Igreja e se entregou por ela (cf. Ef 5, 25), pois Deus amou o mundo e deu Seu Filho para que todo o que crer faça parte da Igreja.
Assim, a Igreja está contida no amor de Deus, e tem em si aplicado o amor de Deus e de Cristo, infalivelmente conhecido. Por isso, Cristo morreu pelos ímpios, pois todos são ímpios. Note que Romanos 5, 6 afirma que Cristo morreu quando todos ainda eram fracos e pecadores.
É por isso que o evangelho diz que Cristo é o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo (Jo 1, 29). Se Cristo morreu pelo mundo, certamente morreu pela Igreja. O contrário não seria possível, se tivesse morrido somente pela Igreja, determinada, não poderia ter morrido pelo mundo. Não se concebe nessa teologia da cruz que se trate por mundo a Igreja espalhada pelo mundo. A Igreja está contida no plano universal da redenção, porque a Igreja adere a Cristo pela fé e torna-se eleita.
Por isso, falando da eficácia da morte de Jesus, Hebreus 9 afirma: “Por isso, ele é mediador do novo testamento. Pela sua morte expiou os pecados cometidos no decorrer do primeiro testamento, para que os eleitos recebam a herança eterna que lhes foi prometida”. Tantos os eleitos do Antigo Testamento como os do Novo Testamento.
E no verso 28: “Assim Cristo se ofereceu uma só vez para tomar sobre si os pecados da multidão, e aparecerá uma segunda vez, não porém em razão do pecado, mas para trazer a salvação àqueles que o esperam”. Esses são os “muitos” que Cristo resgatou (cf. Mateus 20, 28)
Cristo veio ao mundo para salvar a multidão, ofereceu o sacrifício pelos pecados da multidão, da humanidade inteira, do mundo. Agora, virá segunda vez para trazer a salvação, não à multidão, mas aos que O esperam. Tem-se que a cruz de Cristo é suficiente e entregue por todos, e a salvação é para aqueles que continuam na graça, que mantiveram a fé, e que esperam em Jesus.
Cristo morreu por mim (cf. Gálatas 2, 20), pode dizer o cristão. Pois não é pela Lei, mas pela graça através da fé, uma vez que todos podem ter fé, se não opuserem obstáculo à graça.
Assim como o Sumo Sacerdote entrava no santo dos santos para oferecer o sacrifício anual por todo o povo, Cristo veio oferecer uma só vez o sacrifício por todos, judeus e gentios, a humanidade inteira, e entrou nos céus (cf. Hebreus 9, 7).
Dirão alguns: o sacrifício propiciatório é o fundamento para a intercessão. Cristo intercede por aqueles que Ele morreu. Então, se intercede por todos, todos serão salvos?
Essa dificuldade já está desfeita acima, mas é necessário maiores esclarecimentos. A Bíblia ensina que é necessário permanecer unido a Cristo (cf. Jo 15, 1-5; Hebreus 3, 14). Assim, a intercessão de Cristo é por aqueles que estão nEle. Por isso, está escrito: “É por isso que lhe é possível levar a termo a salvação daqueles que por ele vão a Deus” (Hebreus 7, 25).
Somente os que vão a Deus por meio de Cristo é que entram no rol dos que recebem o benefício da intercessão, o que pode levar a termo a salvação. É um processo. Na eternidade, tudo é conhecido, tudo é resolvido, tudo está consumado, objetivamente.
No tempo, tudo acontece conforme o plano de Deus, com o livre-arbítrio e a graça em comunhão. Não se trata apenas de uma diferença de perspectiva ou de ênfase, com se um sistema, o reformado, fosse criado a partir do olhar para o que se passa na eternidade e a posição católica estivesse preocupada com a realidade temporal. Não é isso.
Há uma diferença do que ocorre, já que na teologia reformada somente um grupo é amado com amor salvífico, e é eleito para que o Filho venha a morrer por ele, enquanto que a teologia católica ensina que desde a eternidade o plano de Deus para a salvação do mundo em Cristo oferece a graça indistintamente a toda e qualquer pessoa e levará eficazmente à salvação os que abraçarem e perseverarem na fé. Cristo alcançou para nós uma salvação eterna, basta que a acolhamos.
Resta então saber por que Cristo não orou pelo mundo, por que se recusou a orar pelo mundo, como diz John Owen?
O contexto da oração de João 17 mostra que o mundo ali representado significa aqueles que rejeitam o plano de Deus, e por isso não tiveram a intercessão de Cristo. Trata-se do sistema maligno, cujas obras são más, e que estão contrárias ao plano de salvação. Por outro lado, Cristo ora por todos os que irão crer, o que não indica que estejam determinados e sejam um grupo que tem o benefício da cruz, mas que livremente, pelo livre-arbítrio, podem usufruir da graça da cruz, e são já objetos do amor de Deus, da oração de Cristo, para que creiam e sejam salvos.
Salvos se perseverar incorporados a Cristo, recebendo todas as graças salvíficas Rm 8, 33-34, recebendo a perfeição alcançada por Jesus na cruz: “Por uma só oblação ele realizou a perfeição definitiva daqueles que recebem a santificação” (cf. Hebreus 10, 14), mas não esquecendo, como está no mesmo capítulo de Hebreus 10, versículo 26: “Depois de termos recebido e conhecido a verdade, se a abandonarmos voluntariamente, já não haverá sacrifício para expiar este pecado.”
Se os crentes Hebreus cressem na impossibilidade da queda da graça, na "imperdibilidade" da salvação, da eterna preservação dos santos, não teriam motivo de crer e esperar na graça para que fossem preservados da queda. Teriam no máximo a dúvida de não ser do número dos eleitos, o que poderia dar fundamento ao temor da heresia e apostasia.
Cristo levará para o céu aqueles que o Pai lhe deu, que são os que ouvem a Palavra de Deus, que vão a Cristo (cf. João 17, 24). Portanto, nada pode separar os fieis do amor Deus (cf. Rom 8, 33-34), a não ser o próprio fiel por própria força de vontade.
Para a fé católica, que aceita toda essa teologia, da propiciação de Cristo, completa, definitiva, objetiva na cruz, e na aplicação sob a condição da fé, e salvação sob a condição da perseverança, pode crer e pedir a Deus que nos mantenha na graça, e pode temer, com real temor, na possibilidade do abandono voluntário da verdade (cf. Hb 10, 26) e na condenação (Hb 10, 27), confiando na misericórdia de Deus que pode nos preservar infalivelmente. Uma vez que vamos a Deus por meio de Cristo, Ele pode nos salvar (Hb 7, 25; Rom 8, 33-34).
A tese de que Cristo morreu pelos eleitos e faz sua intercessão somente por eles não pode ser provada, já que Cristo morreu por todos e intercede por aqueles que vão a Deus por meio dele.
Gledson Meireles.
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