Para quem não está acostumado com
os debates e controvérsias teológicas, há probabilidade de ficar constrangido
quando souber que um dos maiores teólogos cristãos que já existiram negou
peremptoriamente a imaculada conceição de Maria. Esse foi Santo Tomás de
Aquino.
“Os católicos, infelizmente, não podem
buscar a verdade por si próprios. Eles precisam aceitar de antemão e sem
qualquer senso crítico o que a igreja romana determina como dogma” (pode ser lido aqui. Não
sei por que tanta discussão então, e com visões diferentes a respeito do tema.
Será que esses homens não são católicos?
Um apologista protestante afirma:
“Um dos maiores constrangimentos para o dogma da imaculada conceição é
sua negação pelos maiores doutores da igreja romana”. Uma vez negado,
pronto: um doutor católico negou um dogma católico.
Ao que parece, não há total
certeza de que Santo Tomás tenha negado absoluta e radicalmente a doutrina da
imaculada conceição “depois” que publicou a Summa
Theologica. Na Summa ele negou a doutrina peremptoriamente, como afirmado
acima, mas por razões que ele esclarece na tese, e que estão de acordo em
essência com a doutrina que cremos hoje. O que difere é esse fato em si: a
concepção livre do pecado original.
De qualquer forma, temos que
admitir que em primeiro lugar Santo Tomás acreditou nessa doutrina, tendo
depois escrito algo contrário a ela na Summa.
É portanto um fato “também” que o grande teólogo aceitou o dogma. Pode, então
ter depois voltado à sua fé anterior, como indicam alguns estudiosos. Hipótese,
no mínimo.
O fato de ter sido opositor da doutrina em
determinada fase da vida não o coloca contra a Igreja, nem contra a infalibilidade
da mesma, visto que nessa época a questão não havia sido oficialmente definida.
Só para ficar mais claro. Se o aquinate seria favorável ou não à definição em
1854, se tivesse vivido nesse tempo, não sabemos, mas há indicações, pela sua
submissão à Igreja, de que podemos acreditar que sim. Quem quiser acreditar que
não, não deixará de ser católico por isso.
O texto em que aparece uma
afirmação inequívoca de sua fé na imaculada conceição no momento final da sua
vida não é incontroverso, já que há manuscritos que contém a afirmação completa
e outros não, pelo que consta em um dos artigos citados.
O texto: “"Não há ninguém que faça o bem, nem um sequer" (Sl. 13:3); "Um homem entre mil que eu encontrei" (ou
seja, Cristo, que foi sem qualquer pecado), "uma mulher entre todos
elas eu não encontrei", que fosse totalmente imune de todo pecado, pelo
menos original ou venial ( Ecl. 7:29).”, é um texto que não
significa negação da imaculada conceição, já que Santo Tomás é claro em afirmar
que a virgem Maria não cometeu pecado algum na vida. Isso é pacífico.
Portanto, o texto não tem a ver
com a virgem. Não tem a ver com o assunto da sua impecabilidade, pois do
contrário estaria negando isso ao dizer que não encontrou nenhuma mulher sem
pecado original ou venial.
Afirmar: “E ainda
afirma que nenhuma mulher foi encontrada sem pecado. Não há nenhuma referência
à Maria no texto” fica sem sentido, já que se fôssemos levar à conclusão
a citação acima, deveríamos afirmar que São Tomás negou que Maria permaneceu
imune do pecado durante a vida. Isso não é correto.
E tal fato de que Santo Tomás
negou a imaculada conceição não é negado pela erudição apologética católica. Tenhamos
em mente que essa negação foi total e durou por toda a vida a partir disso. O
que podemos concluir dessa questão será desenvolvido abaixo.
E isso é necessário frisar porque
para Santo Tomás não havia explicação que pudesse harmonizar a redenção com a
purificação de Maria no momento da concepção. Verifica-se que em suas
tentativas não foi vista a medida preventiva. Tudo o mais permanece intacto na
doutrina, e continua na teologia católica. Obviamente não está conforme a
teologia protestante, pretendam a isso os protestantes ou não. Não estou
afirmando que os protestantes afirmam que Santo Tomás pensava como eles, mas
apenas mostrando que mesmo no caso em que Santo Tomás negou a imaculada
conceição o seu pensamento é essencialmente católico.
Assim, há algo a considerar:
Santo Tomás tem a opinião sobre a santidade de Maria que é idêntica à opinião
da Igreja inteira mesmo após a definição do dogma. Ainda: o dogma somente foi
definido porque a Igreja encontrou um meio de harmonizar a questão da redenção,
que inclui a virgem Maria necessariamente, absolutamente, sem dúvidas, e de
forma que é impossível pensar o contrário, e que esse foi o ponto que Santo
Tomás não tinha resolvido, fazendo-o manter a convicção de que o pecado
original infectou a virgem.
De fato, para isso era
necessário, pois do contrário não teria sido redimida pelo Senhor Jesus Cristo.
A quetão toca o núcleo da doutrina, mas tem acepções acidentais. Dessa forma,
pode-se fazer analogia com a discussão sobre a Trindade.
Para ficar mais claro: a Igreja
não afirma que Maria foi exceção na obra redentora de Cristo, nunca afirmou
isso, não pode afirmar, pois isso é contrário à revelação, e dizer isso seria
heresia terrível. Santo Tomás também afirmou que Maria foi redimida por Cristo,
e se não tivesse sido atingida pelo pecado tal fato não poderia ser realizado.
Ele não enfrentou a tese de Duns Scotus, certamente não a conhecia, e não
sabemos como responderia a ela.
No entanto, São Tomás não tendo
outra alternativa para expressar a doutrina da Igreja, afirmou a maculada
conceição, ou seja, a concepção com mácula do pecado original, mas foi
detalhado em mostrar que houve a purificação, a santificação de Maria antes do
nascimento. O núcleo da questão está de certa forma presente: a santidade
singular de Maria por sua maternidade.
Por sua vez, a Igreja entendeu
que a explicação de Dun Scotus era perfeita para o entendimento da imaculada
conceição, pois incluía a virgem Maria na redenção operada por Jesus, e definiu
que Maria foi concebida sem pecado. Em termos gerais, Santo Tomás está de
acordo, conforme o que delineou sem sua Summa
Teologica. Deixemos de lado, por agora, hipótese se ele adotaria ou não a
doutrina após a definição, pela impossibilidade de termos alguma certeza disso.
Se alguns padres da Igreja
afirmaram que Maria cometeu falhas ou pecados pessoais, esse fato também está
ligado à questão da redenção. Como se fosse uma necessidade de pelo menos um
pecado venial ter sido cometido, como a pressa em obter um milagre de Cristo em
Caná da Galileia, interpretada como pecado, para que Maria estivesse no rol dos
redimidos pela cruz. Essa é uma ilustração, pois é mais ou menos o sentido do
que apresenta os padres da Igreja que falam nesse sentido.
Portanto, a dificuldade número 2
do artigo do “Respostas cristãs” está resolvida: “Esse argumento
implica que não havia problema em negar a divindade de Cristo antes do concílio
de Niceia. Alguém em sã consciência acredita que a crença na divindade de
Cristo só se tornou obrigatória após a definição do concílio. Quem o fizesse
antes, não poderia ser considerado herege?”
Para que o caso fosse idêntico
Santo Tomás deveria ter negado algo da importância da trindade, da divindade de
Cristo. Ele tinha em mente duas verdades: somente há salvação em Cristo e todos
pecaram. Para crer que alguém seja sem pecado é necessário afirmar que não
necessita de Salvador, e isso a doutrina cristã não permite. Santo Tomás estava
correto em sua doutrina. Alguns padres da Igreja erraram na explicação da
trindade, afirmando o subordinacionismo, mas ainda assim não negaram o
essencial, já que viam em sua explicação alguma harmonia com coma doutrina da Trindade. A comparação com o caso de Santo Tomás é diversa, mas é possível ver alguma linha de contato.
“A igreja
romana reivindica ter um carisma especial que permite guiar os fiéis na crença
correta. Como isso pode ser possível se apenas 17 séculos depois o magistério
finalmente afirmou “infalivelmente” a crença correta? Como o Espírito Santo pode
permitir que gerações e gerações de cristãos mantivessem a doutrina errada?
Como não acreditamos que o Espírito Santo é ineficiente, rejeitamos a
reivindicação romanista.”
Abro a questão indicando a
definição da salvação pela fé somente, o caráter forense da mesma, da imputação
da justiça de Cristo, que nenhum dos padres da Igreja conheceu e expressou
dessa maneira, e que foi definido pelo Protestantismo no século 16, algo que
nunca tinha sido expresso antes. Como isso poderia ser possível se apenas no
século 16 o Protestantismo afirmou a doutrina da salvação pela fé como a crença
correta?" É algo similar. Se caso alguém não concorde, tudo bem, mas
deixe a razão da sua discordância, quais os motivos dela.
A publicação de textos críticos
que omitem a passagem que afirmaria a imaculada conceição no fim da vida de
Santo Tomás, ou seja, que poderia contribuir para a opinião de que Santo Tomás
voltou a crer na imaculada conceição não é decisiva. Mas a existência da
afirmação é também um fato, como mostra o apologista Taylor Marshall.
O que podemos notar é que a Summa Theologica contém em essência a
doutrina da imaculada conceição, uma doutrina em conformidade com a doutrina
oficial da Igreja Católica, e não com aquilo que o Protestantismo apresenta
hoje. Sua negação não é tão importante quanto à hipótese de algum padre negar a
divindade de Cristo antes do Concílio de Niceia, por exemplo.
Obviamente nenhum apologista
protestante afirma que está em concordância com os escritos de Santo Tomás, mas
já que apresentam-no negando a imaculada conceição, é importante mostrar que
sua doutrina delineia em traços muito vívidos a doutrina católica de sempre, e
ele teve seus motivos para naquele momento negar a conclusão que muitos
esposavam.
Só um comentário!!!!
Leia: artigo na página dos apologistascatolicos.
Gledson Meireles.
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