Continuação do estudo do livro de John Owen
Livro III
Capítulo
15
No respectivo capítulo, Owen argumenta que, ou Jesus
salvou absolutamente ou como condição para ser cumprida pelos pecadores. Se o
foi sob condição, Cristo adquiriu essa condição ou não?
Casso positivo, para ser aplicada a salvação há uma
condição ou não? A posição de Owen é que Cristo adquiriu a salvação para nós
condicionalmente, se nós crermos, mas a fé Ele adquiriu absolutamente sem
prescrever qualquer condição.
Isso significaria que Cristo morreu somente por uns,
adquirindo a fé para eles, de forma eficaz e garantida, e somente para eles. O
restante da humanidade não teria tido parte no pensamento de Deus para fins de
salvação.
Prosseguindo no raciocínio e apresentação da tese,
se a condição é a fé nas promessas, então todos podem cumpri-la “pelo poder do seu próprio livre-arbítrio”,
o que é contrário às Escrituras, como será mostrado, diz Owen.
De fato, não se ensina que todos podem pelo próprio
poder do livre-arbítrio chegar à fé, crer por si mesmos. Algo diferente deve
ser compreendido aqui. A Bíblia ensina que todos podem crer a partir do momento
em que são iluminados e chamados pela graça, com esse poder gratuito para
responder ao chamado. Então assim o pecador pode dar o assentimento pelo
livre-arbítrio energizado e libertado pelo poder da graça. Ninguém pode negar
isso pelas Escrituras.
E continua a objeção de Owen, no seguinte conceito:
quando Cristo morreu, ele teve o propósito de conferir o dom da fé a todos ou
não? Deus iria ter o propósito daquilo que nunca iria acontecer?
Outra vez Owen usa de uma ilustração para fortalecer
seu caso. Apresento aqui uma síntese de suas palavras. Para o leitor, que leia
o respectivo capítulo do livro de Owen, para conhecer melhor seus argumentos.
Pois bem. Se um homem promete dar certa quantia a um cego sob a condição que o
cego enxergue, não viria tal promessa de uma mente que ilude e zomba da
miséria?
De fato, Owen tem razão. No entanto, isso lembra a
doutrina protestante de que Deus manda cumprir os mandamentos, e afirma que
homem que não poderia nunca cumpri-los, para que o homem se certifique disso e
se volte para Deus. Parece uma brincadeira. Entretanto, tem o mesmo sentido
daquilo que Owen acabou de refutar. Em certo sentido, há uma autorrefutação,
pois como teólogo reformado ele crer que o homem não pode cumprir os
mandamentos, e que Deus exige o cumprimento sem levar em conta a capacidade de
cumprir.
No entanto, o Evangelho, pela boca de Jesus, ensina
que se quisermos entrar na vida guardemos os mandamentos, sem essas
qualificações (cf. Mateus 19, 17) O jovem rico disse ter observado sempre os
mandamentos, e Jesus não o contradiz. Antes, pede algo a mais: que o jovem dê
suas riquezas aos pobres e comece a segui-Lo. Não se apresenta uma única
palavra a respeito de o homem não possa cumprir os mandamentos. De fato, dar
uma condição a alguém que não pode cumpri-la não é correto e não testemunha em
favor do proponente. Ainda, Jesus não disse que o homem não havia cumprido os
mandamentos, mas continua a partir do que ele disse, apresentando um conselho
evangélico, para a perfeição da vida cristã: “se queres ser perfeito”, venda seus bens e me siga.
Por isso, na concepção reformada, não seria isso a
mesma coisa que obter a salvação aos homens sob a condição de que creiam sem
obter a condição para que creiam? Cristo obteria a vida eterna sob a condição
de que o pecador tenha fé, sem revelar sua mente e vontade ao pecador, nem a
condição, a muitos pecadores, que por essa razão nunca poderão crer? E afirma,
contra a expiação ilimitada, Owen questiona: “Agora, se tal vontade e propósito
como esse condiz com a sabedoria e bondade de nosso Salvador, que o leitor
julgue.”
Obviamente, se Cristo dará a salvação somente ao que
crer enquanto somente ele tem o poder de dar a fé, caso não desse o dom da fé a
alguém pelo qual morreu, isso não naturalmente não iria condizer com sua
sabedoria e bondade.
Entretanto, como visto acima, o mesmo pode ser tido
no caso de ter Jesus Cristo morrido apenas por alguns e garantido a fé a eles
somente, quando no seu chamado Ele convida a todos para que venham e promete-lhes
a vida eterna, quando na verdade isso serviria apenas para tornar a sua
condição pior do que antes, a partir do momento em que negassem a boa nova,
segundo o eterno decreto que determina não dar-lhes a fé, a sua recusa em crer
e sua reprovação. Depois, para piorar a situação, ele não provesse meios de
milhares e milhares de pecadores que seriam condenados apenas por serem parte
da massa condenada. Condiz isso com a sabedoria e bondade do nosso Salvador? Considere
o raciocínio de Owen ao criticar a posição contrária à sua. E, então,
considerando o dogma calvinista, reflita. Deixe o leitor julgar.
Se Deus quer salvar a todos através de Cristo
conquanto creiam, e não compra a fé para todos, como poderão ser salvos, visto
que os homens não podem por si mesmos crer? Devemos responder isso pensando na
graça necessária que Deus dispõe e oferece a todos, pelo qual de alguma forma
podem chegar a crer.
Em continuação ao seu argumento, Owen cita
Apocalipse 1, 5-6: “E da parte de Jesus Cristo, que é
a fiel testemunha, o primogênito dentre os mortos e o príncipe dos reis da
terra. Àquele que nos amou, e em seu sangue nos lavou dos nossos pecados, e nos fez reis e
sacerdotes para Deus e seu Pai; a ele glória e poder para todo o sempre. Amém.”.
Depois, afirma crer que a morte de Cristo não obtém
salvação sob condição que o pecador a receba, mas que ele deverá recebê-la. Ou
seja, na cruz a salvação já garantiria a sua eficácia no pecador. A aplicação
estaria plenamente certa.
No entanto, o Apocalipse está tratando dos cristãos,
que já estão justificados, que já professam a fé, e por isso diz que Cristo “nos amou”, “nos lavou”, “nos fez reis e
sacerdotes”, o que não significa que na cruz todos estão lavados do pecado
antes de terem professado a fé ou sido batizados, nem que serão de fato lavados
e feitos reis e sacerdotes.
O texto do Apocalipse não está garantindo a eficácia
da cruz a todos a quem ela é dirigida, mas reportando a situação daqueles que
já vivem dos seus benefícios. Isso está conforme a doutrina católica da
expiação ilimitada. Não há por que ver no texto uma suposição de que é
garantida a eficácia da cruz àqueles que foram objeto da sua realização. Há
simplesmente a verdade de que Cristo morreu por nós, nos santificou, nos
justificou, nos deu o seu sacerdócio como participação. Algo que a doutrina
católica ensina com firmeza.
Owen afirma que as ordens de Deus não significam sua
intenção e propósito do que deve ser feito, mas o que é dever nosso fazer,
independentemente se podemos realizar ou não. É a essa afirmação alheia à
doutrina bíblica que foi aludido acima, com a devida refutação, já que Deus não
ordena o que Ele não capacita cumprir. É correto ordenar e responsabilizar
alguém por algo sem dar o mínimo para que o mesmo seja cumprido? Ou ainda,
poder-se-ia acrescentar: é certo condenar alguém que foi determinado a cair no
pecado e rejeitar a graça, e assim ser reprovado eternamente pelo decreto
divino? Antes de responder totalmente, considere ainda maiores esclarecimentos da
Escritura.
O texto citado de Judas 1, 4, que afirma “que já antes estavam escritos para este mesmo juízo”, não
significa que eternamente seja distinto o grupo dos eleitos e dos réprobos como
resultado do decreto divino.
Judas afirma que “certos homens ímpios se introduziram furtivamente entre nós”, ou
seja, não são convertidos, entrando na Igreja sem a devida fé, dissolvendo a
graça, negando Jesus Cristo. Por isso, “os
quais desde muito tempo estão destinados para este julgamento”.
A seguir, Judas mostra o tratamento de Deus, após a
libertação do povo do Egito, para com os incrédulos, e também para com os anjos
que não guardaram sua dignidade, e menciona também com Sodoma e Gomorra, e etc.
Trata-se de um julgamento sobre os que se colocam
contra Deus, e não a doutrina de um eterno conselho de Deus predeterminando os
ímpios para assim agirem. Esse é o contexto. Eles serão julgados, entre outras
coisas, por causa das obras de
impiedade, das palavras injuriosas que falam contra Deus (v. 14). Nunca se diz
que foram determinados a isso, mas que sua repentina destruição virá por esses
motivos acima revelados. Tal é o sentido de que foram, literalmente, há muito tempo designados a esta condenação,
por serem ímpios, e não por serem determinados a ser ímpios. Continuemos com
esse conceito em mente.
O mesmo que está em 2 Pedro 2, 12: “Mas estes, como animais irracionais, que seguem a natureza, feitos para
serem presos e mortos, blasfemando do que não entendem, perecerão na sua
corrupção”.
Para entender 2 Pd 2, 12, devemos antes compreender
o contexto da carta, pelo menos, até o ponto em que desejamos entender melhor a
questão desse homens designados para a condenação em Judas 4. Em 1 Pedro 1, 9
está escrito: “Porque quem não tiver
essas coisas é míope, cego: esqueceu-se da purificação dos seus antigos
pecados.”
A Palavra de Deus está mostrando a realidade de quem
não pratica a virtude, que não segue as inspirações e conselhos do evangelho, quem
não alimentam a vida da graça pelo esforço individual para unir a fé à virtude,
e assim ir da virtude à ciência, da ciência à temperança, da temperança à
paciência, da paciência à piedade, da piedade ao amor fraterno, de do amor
fraterno à caridade (ágape).
Assim, os cristãos que não vivem essas coisas são
como cegos, esquecendo-se da purificação dos seus pecados. De fato, está
tratando de verdadeiros cristãos que tiveram a justificação, mas que estão em
estado de morte espiritual.
Vivendo as virtudes cristãs em união com a fé é um
meio de assegurar a vocação e eleição, para não tropeçar, para ter as portas do
Reino abertas (cf. vv. 10-11). Por tudo isso, é verdadeiro o que está logo a
seguir, em 2 Pedro 2, 2, tratando dos falsos doutores, que “renegando o Senhor que os resgatou”, o
que é novamente prova de que se tratam de apóstatas, que foram salvos por
Cristo, e agora estão introduzindo seitas perniciosas.
Deus faz distinção dos que ouvem Sua Palavra e vivem
virtuosamente, a exemplo de Jó, que foi salvo, enquanto os habitantes de Sodoma
foram destruídos (2 Pedro 2, 9). Desses é que fala o verso 12, citado antes.
Não são de antemão designados a serem assim, mas na presciência Deus viu que
continuariam ímpios, e como animais irracionais que caminham para a destruição,
serão também condenados, “perecerão na sua corrupção”, e não como resultado do
conselho divino.
Em nenhum lugar é ensinado que o Conselho de Deus
determina que eles pereçam por seus pecados no sentido de causar essa condição
de vida pecaminosa, de determiná-la, mas ensina que serão condenados por
agirem, entre tantos pecados, contra Deus e os anjos, impiedosamente, contra a
natureza e na iniquidade, sendo por isso que perecerão por seus crimes. O
conselho divino decreta a condenação de quem assim agir, conforme o sadio
entendimento da justiça de Deus.
Owen responde a
objeção, já dada anteriormente, que os textos não dizem que Cristo morreu
“somente” pelos eleitos, e diz que isso não é de nenhum valor, pois pela
leitura simples, no sentido comum, e de acordo com o curso usual de falar, há a
distinção das duas classes de eleitos e réprobos, como se já houvesse a palavra
somente.
Afirmando que a Escritura não ensina que Cristo
morreu por todos, menos ainda por todos e cada um, dever-se-ia dizer o mesmo
que foi dito por Owen, que toda vez que a Bíblia disser “todos” não é necessário explicar que se trata de todos e cada um, mas que pelo contexto, pela leitura simples,
pela forma de falar usual, se explica a sentença.
Mas, Owen insiste que Cristo pagou o resgate por todos,
mas não por todos os homens. Seria como se fosse a exigência da Escritura, ao
revelar as proposições gerais, de qualificá-las em cada passo, como por
exemplo, adicionando “todos e cada um”.
Mas, como sabemos que smpre que a Escritura diz
morreu “por nós”, “pela Igreja”, e etc., não se deve
entender “somente por nós”, “somente pela Igreja”, pelos motivos já provados. Contudo,
essa seria a dificuldade imposta por Owen, uma exigência de resposta para que a
teologia reformada deixe tal interpretação.
Talvez parar isso possamos iniciar com Mateus 1, 21,
lido em referência ao povo, uma menção estrita ao povo de Israel, já que o anjo
fala a José, que Jesus salvará o Seu povo
dos seus pecados. Aí não se introduz, já abertamente, uma alusão a todas as
nações, a todas as pessoas da terra, mas referencia o povo eleito, ao qual
Jesus veio primeiro.
Porém, tal verdade não é exclusiva de Israel, já que
o ministério de Cristo essencialmente é aberto a toda a terra, a todas as
nações, pois Ele veio destruir o muro de separação, através da sua carne santa,
unindo judeus e pagãos em um só povo (cf Cl 2, 15-16; João 10, 16; cf. Tito 2,
14). Portanto, a leitura literal referente a Israel não é exclui todas as
nações, que igualmente usufruem da vinda salvadora de Jesus.
Não se trata da expiação apenas pelo povo de Israel,
mas que vindo ao Povo de Israel pode-se dizer corretamente que Jesus salvará
Seu povo dos seus pecados, mas afirmar que a obra de Cristo seja somente por
ele, antes sabendo que é também por todas as nações da terra. Dessa leitura, na
doutrina bíblica geral, temos que Cristo veio salvar a todos, o Seu Povo
inteiro dos seus pecados, daquele povo que formou após a cruz. Isso indica a
expiação ilimitada.
Em João 11, 51-52 ensina que Jesus morreu pela
nação, no lugar da nação, e pelos filhos de Deus que estavam dispersos. Em
certo sentido, todos são filhos de Deus, conforme Santo Tomás, citando Ezequiel
18, 4, onde está escrito que todas as almas são minhas, pelo fato da criação.
Citando Gregório, santo Tomás explica que os filhos de Deus o eram por criação,
não ainda por adoção, que ainda não eram adotados.
Enfim, a passagem é lida sob a perspectiva da
predestinação, especialmente dos predestinados, que se encontram em todas as
nações da terra. Não se trata somente dos judeus espalhados pelo mundo, mas dos
filhos de Deus, que irão ser justificados, e serão juntados num só rebanho. Cristo
morreu pela nação, mas não somente pela nação, mas para reunir os filhos de
Deus dispersos. Entretanto, não se pode dessa passagem afirmar que a cruz foi
determinada a valer apenas para os eleitos, mas que servirá para ajuntar os
eleitos na Igreja.
De fato, não se poderia, por essa passagem apenas,
dizer que Cristo morreu somente pelos judeus, a nação judaica, e que iria
ajuntar os demais judeus da diáspora, o remanescente. Assim, na leitura geral
da Escritura, Cristo morreu por todos e cada um, conforme podemos entender, e
não somente por isso, mas para reconduzir à unidade os filhos de Deus dispersos,
o que Deus conheceu e sabe que responderão, a saber, os eleitos.
Assim, temos que a leitura de João 11, 51 possui
certas limitações, que não servem para concluir o que Owen pretendeu ao
citá-lo. Cristo não morreu apenas pela nação judaica. A morte de Cristo também
não teve como apenas trazer os judeus da diáspora de volta à nação de Israel.
Na mente de Caifás tratava-se da nação dos judeus
apenas, mas suas palavras estavam sendo usadas por Deus para revelar a morte de
Jesus por todos, por cada membro da nação, inclusive pelos judeus membros de
outras nações, mas ainda mais: toda a humanidade, já que Jesus Cristo veio ao
mundo, morreu pelo mundo, pela nação universal e para conduzir os eleitos a uma
só fé e uma só Igreja. Morreu para salvar a todos e formar a Igreja, podemos
concluir dessa passagem. Portanto, Cristo morreu pela Igreja.
Outra observação que deve ser feita, e que não pode partir
do texto, é a afirmação de que Cristo morreu pelos filhos de Deus, pois o texto
não o diz. Isso para fins de argumentação. É claro que Jesus morreu pelos
filhos de Deus, mas aqui, para fins de maiores esclarecimentos, leiamos
cuidadosamente o que a passagem ensina.
Ela afirma que Jesus iria morrer “pela nação” e também para “reconduzir os filhos de Deus...”.
Portanto, a morte é geral, e a recondução se dá pela graça da fé aceita pelos
predestinados, que se tornarão filhos de Deus. Temos então a graça suficiente e
geral para todos, e a graça especial que atrairá os eleitos.
Owen baseia-se nas Escrituras que dizem que Jesus deu
Sua vida pelo resgate de todos, e afirma: “mas
em nenhum lugar por todos os homens”. Então, a Bíblia não diria que Cristo
deu Sua vida em resgate por todos os homens. Trata-se então de uma fraseologia,
pode-se dizer aqui, exigida pelas regras reformadas expostas por Owen. Porém,
tal exigência não é bíblica.
De fato, em Tito 2, 11-12 está escrito: “Porque a graça salvadora de Deus se há manifestado a todos os homens, ensinando-nos que,
renunciando à impiedade e às concupiscências mundanas, vivamos neste presente
século sóbria, e justa, e piamente.”
A versão Almeida Corrigida Fiel online traz para o verso 11: “Porque a graça salvadora de Deus
se há manifestado a todos os homens”, e a King James Version, em inglês diz: “For the grace of God that bringeth salvation hath appeared to all men”.
Por sua vez, a versão da Bíblia
Ave-Maria assim traduz: “Manifestou-se,
com efeito, a graça de Deus, fonte de salvação para todos os homens (pasin anthropoi)”.
O original grego confirma que Jesus veio “trazendo a salvação para todos os homens”.
É verdade que a partir do verso 12 o apóstolo, exortando a Igreja, usa “nós”, “se entregou por nós”, “nos
resgatar”, etc., o que é compreensível, já que Cristo morreu por todos,
especialmente por nós que cremos, e estamos usufruindo de Sua obra, assim o uso
da linguagem, toda endereçada à Igreja.
No entanto, não deve ser deixada de lado a
proposição que veio versículos antes, onde a graça de Deus é revelada como dada
a todos, para salvação de todos os homens. Em continuação, trata dos cristãos,
que já entraram pela fé na aliança, sendo formados pela fé manifestada por
Deus, que é fonte de salvação para todos os homens.
Dessa forma, a Escritura mais uma vez revela a graça
de Deus para salvar a todos, significando a graça suficiente para todos. E,
ainda, responde à exigência de Owen, no quesito “todos”, incluindo “os homens”,
para fortalecer a afirmação: todos os homens.
Não se poderia afirmar a graça de Deus manifestada
para trazer a salvação a todos os homens e ao mesmo tempo ensinar que Cristo
não deu sua vida em resgate por todos os homens. Isso seria sem sentido, já que
a cruz de Cristo é a realização dessa graça de salvação para todos.
Portanto, a Bíblia ensina que o resgate foi feito
por todos os homens. Cristo veio nos constituir Seu povo (cf. Tt 2, 14). De
todos os homens, o povo será formado pelos que creem e perseverarem.
No juízo final, Jesus voltará com “todos” (pantes) os anjos. Entendemos que são
todos os anjos do céu, todo e qualquer anjo que está no céu, sem excluir
nenhum. Ele reunirá todas (panta) as
nações da terra, entendendo com isso, toda a qualquer nação que existir na
terra, onde nenhuma faltará.
A separação de cabritos e ovelhas acontecerá. As ovelhas
são aqueles que triunfaram com a graça na prática do amor, da caridade,
enquanto que os cabritos são aqueles que se negaram a viver a vida da caridade
(cf. Mateus 25).
As ovelhas têm o Reino, que “vos foi preparado desde a criação do mundo” (v. 34), enquanto que os
cabritos irão para o reino que não lhes foi preparado, mas para o “fogo eterno destinado ao demônio e aos seus
anjos” (v. 41). Isso significa que teriam o Reino se tivessem crido em
Cristo, mas pela recusa foram para o fogo que era exclusivo do Demônio e seus
anjos. O castigo eterno (v. 46) é o mesmo que o fogo eterno (41), e a vida
eterna (v. 46) significa o Reino (v. 34).
A Escritura não afirma que o inferno foi preparado
para os condenados, e nem que os condenados foram de antemão, antes da sua
iniquidade, condenados para o inferno. Os que foram preparados para a perdição
(cf. Rm 9, 22) são aqueles que por culpa própria, não pelo decreto divino, se
mostraram contra a graça endurecendo-se até o fim.
Foram preparados pela sua condição para a perdição,
para o fogo que não foi preparado para eles. Se o inferno não foi criado para
receber os réprobos, como disse Jesus, o motivo era que nenhum foi predestinado
a ir para o inferno. Isso ocorreu por puro desvio dos pecadores incrédulos, que
decidiram-se contra Cristo. Por isso, a teologia reformada reconhece que não há
predestinação positiva ao inferno.
Os ímpios foram incluídos no decreto de reprovação,
após sua conduta ser conhecida. O fogo não foi criado para eles, mostrando o
amor de Deus, que os mandará para o fogo segundo a vida de pecado que
escolheram.
Em Mateus 7 temos um cenário interessante. Jesus
afirma que a todo o que pedir, será dado (v. 7). Trata-se de uma proposição
indefinida, indicando qualquer pessoa. Não se pode ler aí que somente os
eleitos são pensados, que somente os predestinados serão atendidos, que todo
eleito que pedir encontrará aceitação do seu pedido. O verso 11 repete o mesmo
conceito, pois o Pai dará coisas boas aos
que lhe pedirem. Significa uma abertura a todos sem distinção e exceção.
Jesus ensina que o caminho da perdição é largo,
enquanto que o da vida é estreito. Muitos procuram a via do mal, e é raro os
que encontram o caminho do bem (vv. 13-14).
O verso 22 é emblemático. Trata da vida de cristãos,
que pregam o evangelho, que expulsam demônios e fazem milagres em Nome de
Jesus. Portanto, são cristãos de fato, pois ninguém fala em Nome de Cristo a
não ser os cristãos. Supõe-se que fizeram profissão de fé, que foram batizados.
São membros da Igreja visível.
No entanto, uma coisa lhes falta: a obediência. O
verso 21 esclarece: não é suficiente dizer Senhor, mas entrará no Reino somente
aquele que faz a vontade de Deus.
Deve-se questionar: a fé desses homens era viva ou
morta? Certamente morta, pois o fiel que está na graça está vivo em Cristo. Esses
homem estavam em Cristo ou fora de Cristo? Em Cristo, certamente, pois agiam em
Seu Nome e podiam pregar, exorcizar e curar, possuindo dons, que receberam pelo
Espírito Santo, que no evangelho não são ditos serem demoníacos. Assim, eram
ramos da videira que serão cortados, como está em João 15, e não ramos
aparentemente unidos à videira. Não se pode cortar ramos que não estejam
unidos.
Dessa forma, esses homens de Mateus 7, 21-24, são
cristãos que não vivem o evangelho, mas apenas falam em Nome de Jesus. O
dispensacionalismo lê tal passagem com olhos atentos, vendo que ela requer a
vida de santidade, de obediência, e, portanto, de boas obras. Assim, sabendo
que o evangelho de Mateus foi escrito originalmente para evangelizar os judeus
cristãos, afirmam que essas passagens se referem a outra dispensação, e é
direcionada aos judeus, que viverão no fim, e serão salvos pelas obras, já que
na dispensação atual somos salvos pela fé.
O problema dessa interpretação, que tem o intuito de
ser literal, é que ela perde, não raras vezes, o sentido do próprio texto lido.
Jesus está falando de homens que pregam e realizam prodígios em Seu Nome, mas
que não fazem a vontade de Deus. Eis o problema. Em toda a Escritura é ensinado
esse princípio, da fé e das boas obras, daquele que ama a Deus somente se Lhe
obedece, e não há noção alguma para esperar outra dispensação, após a do Novo
Testamento, que é novo e eterno.
Temos assim que o dispensacionalismo é falho em
muitos pontos. Voltando à doutrina reformada, Owen alude ao versículo 23, onde
Jesus diz aos falsos profetas: “nunca vos
conheci”. O sentido é patente, pois mostra homens que não estavam de acordo
com a vontade do Pai. Eles realmente foram “operários
maus”.
Eram operários de Deus, mas agindo de forma
contrária à vontade de Deus. Por isso, no verso 24 Jesus explica quem é o
operário prudente, aquele que ouve a Palavra e a põe em prática. Os outros eram
imprudentes. Não conhecer significa não aprovar sua conduta, e não tem o mínimo
sentido de ter o eterno decreto de reprovação, como causa do pecado deles.
Certamente, desde o início, esses falsos profetas e
outros desobedientes, foram cristãos de fato, mas não ouviam a Palavra do Pai, por
isso Cristo nunca os conheceu. Compara-se à árvore que não dá bons frutos.
Pelos inúmeros pecados, pela desobediência, pela falta de boas obras, esses
serão cortados como a árvore que produz maus frutos.
No entanto, em nenhum momento se diz que Cristo não
morreu por eles. Aliás, é o contrário, já que estão na Igreja, creem em Cristo,
e são disciplinados e julgados por Cristo pelos motivos estabelecidos.
Pela condição de João 6, 37, eles não foram a Cristo,
no sentido espiritual, mas profundo, o Pai não os deu a Cristo, porque eles não
fizeram a vontade de Deus. A condição é ouvir a Palavra do Pai, e assim
aprender do Pai para ir a Cristo. Caso contrário, não há o chamado interno. Há
uma estreita ligação entre esses dois chamados. Para os cristãos de Mateus 7,
parece faltar-lhes a conversão. Esses homens foram culpados por sua própria
condenação, e não resultado do conselho eterno de Deus que os teria deixado
fora da salvação. Não há tal noção em toda a apresentação do Evangelho, em todo
o contexto.
Somos filhos da promessa (Gl 4, 28), mas tal não
significa que todos já estejam no número dos eleitos, pois versículos adiante,
em Gálatas 5, 1, há a exortação, aos cristãos libertados, a não submeter outra
vez ao jugo da escravidão, uma vez que isso tornará a união com Cristo sem valor, contrairá a dívida que deverá
ser paga cumprindo a lei, e será a queda da graça (cf. Gl 5, 1-4). O contexto
inteiro ensina a mensagem da salvação, da promessa de Deus, da libertação do
pecado, e da possibilidade do crente voltar atrás com suas consequências.
Em Colossenses 1, 24, o contexto é idêntico em essência
ao que foi acima explicado. Por tudo isso, a teologia reformada não pode exigir
uma explicação adicional, além do contexto, das passagens que se referem ao
amor de Deus e da graça salvífica de Deus pelo mundo, por todos, por todos os
homens. Elas são afirmações claras em si mesmas.
Ainda, não pode a cruz de Cristo ser restrita aos
eleitos nos lugares em que é expressamente afirmado que Cristo morreu pelo Seu
povo, por suas ovelhas, pela Igreja, pelos eleitos, pelos seus filhos, uma vez
que morreu por todos, e aplica suas bênçãos a todos os que vão a Ele, em
especial nos eleitos, que são aqueles que creem, ouvem e perseveram no
evangelho.
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