segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Cruzada-albigenses-Inocêncio III

A heresia crescia no sul da França. O papa Inocêncio III envia um legado papal a Henrique VI, então governador da região. O mesmo faz voltar o legado com ameaças, e dias depois o legado papal é assassinado.
 
Para os que veem a Igreja no tempo da inquisição como uma instituição bárbara e sanguinária, contrária a toda a liberdade de pensamento, e que em sua própria época estava agindo de forma brutal e incorreta, diante dos costumes contemporâneos seus (que continuem assim a pensar, se quiserem, mas apenas fiquem sabendo de uma coisa, o que será mostrado a seguir), vejamos o que diz a história sobre isso.
 
Por mais estranho que pareça, é o conde de Toulouse, Raimundo V, quem primeiro sonhou em combater, militarmente, os heréticos que eram numerosos em seu domínio.” (Regine Pernoud, Idade Média: o que não nos ensinaram.)
 
Então, a história mostra que o conde cristão católico da região onde a heresia era mais expressiva, quando sentia sua mais direta e forte influência, foi o primeiro a imaginar uma coação militar para resolver esse problema, que era, também, social. Não foi a Igreja a primeira a arquitetar um plano macabro de aniquilar hereges. Foi um governante que, pensando em um modo de ver-se livre daquele incômodo religioso e social, pensou em usar as armas.
 
O que, porém, é expressivo é a opinião pessoal do governante. O conde Raimundo VI sucede a seu pai, Raimundo V. No entanto, esse pensa diferentemente de seu pai quanto à heresia, e por isso foi acusado por seus próprios súditos de ser leniente com os hereges.
 
Quando, em 1208, o Papa lhe envia um emissário, Pierre de Castelnau, ele o devolve com ameaças que encontram eco, porque o emissário é assassinado dois dias mais tarde. É, então, que o Papa Inocêncio III vai pregar a cruzada exortando aos barões de França e de outros lugares a pegar em armas contra o de Toulouse e os outros heréticos do sul.”.
 
Como sempre, havia aqueles leais ao papa e outros que a ele não se submetiam. Os hereges também eram protegidos politicamente, como aqueles os que viviam no sul da França. De fato, antes do combate bélico, para os que acham que a heresia sempre foi algo duramente combatido com a força física, sob o domínio das armas e da violência, vejamos como viviam os pobres hereges do sul francês antes da cruzada ser oficialmente aberta. Continuando o que foi dito acima:
 
Declara-se a luta, mas, contrariamente ao que, com frequência, se diz, e escreve, até esta data, tanto perfeitos como simples crentes, os heréticos vivem de modo nenhum na clandestinidade. É às claras que circulam, que pregam, que se multiplicam colóquios e encontros com aqueles que os tentam reconduzir à ortodoxia, em particular, com estes frades mendicantes a quem Domingos de Guzmán chama à prédica da santa doutrina e à prática de uma pobreza integral, e que se tornarão em 1215, os frades pregadores.”. (Pernoud, p. 127)
 
Isso significa que antes desse tempo tanto os cristãos católicos como aqueles albigenses, e outros, viviam no meio social normalmente, pregando sua doutrina, defendendo suas instituições, debatendo com os frades, sendo convidados para reuniões, participavam de discussões públicas.
 
Tudo muda, bem entendido, depois que a guerra é declarada; a mudança será mais sensível ainda quando for instaurada, uns vinte anos mais tarde, em 1231, a Inquisição pontifical”. (Pernoud, p. 127) Estamos a esse altura próximos dos meados do século 13.
 
E quanto às pretensões do papa Inocêncio III, que muitos julgam injustamente, consta o seguinte:
 

 
 
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
  
 
 
 

 
 
As cruzadas fugiram ao controle papal, de forma total, e a cultura da época demandava uma postura firme e de pena capital contra os hereges,  e os governantes seculares nem sempre estavam dispostos a seguir as posições da Igreja, as quais achavam lenientes demais.
 
Muitas vezes o exército que o papa convocou do norte francês era brutal com os hereges. Mas, afirma o historiador:
 
A maior parte da Cruzada estava inteiramente fora das mãos do papa, no entanto, e as matanças ilustram a contínua vontade por parte dos leigos a tomar os mais severos passos contra a heresia sem muita preocupação pela conversão e salvação dos hereges”. (Edward Peters) E o historiador Franco Hilário afirma que a Igreja combatia as heresias segundo o grau de perigo que elas apresentavam. (Quão diferente é esse cenário daquele que mostra o papa “inventando” pretextos pra matar! Historiadores como Franco Hilário, Edward Peters e Regine Pernoud mostrando esses fatos.)
 
O historiador afirma que o papa não tinha todo o controle da cruzada, e que os exércitos ultrapassam em medida durante seus ataques, e o povo estava ávido por punir os hereges com severidade, sem que a conversão e a salvação estivessem em seu interesse. Essas medidas eram, por parte da Igreja, antes de tudo, para conter a heresia e converter os hereges. Portanto, muito do que estava ocorrendo não era da alçada do papa, mas são verdadeiros abusos no exercício do dever.
 
 
Quanto a isso, está explícito o espírito de reforma do papa Inocêncio. Esse desejava por meios que tornaram-se necessários, na época, a conversão dos heréticos. 
 
O que Inocêncio queria, antes de tudo era reforma – tanto do clero quanto dos leigos – não perseguição ou condenação, e certamente não as consequências devastadores da cruzada Albigense”. (Edward Peters)
 
A inquisição papal começou em 1233, com o papa Gregório IX. Os dominicanos e outros frades menores. Esses, mais tarde, foram os responsáveis pela inquisição.
 
Exemplo: Etienne de Saint Thibéry, massacrado em 1242, junto com Guillaume Arnaud. (cf. p. 128)
 
Populações arrasadas, no século XIII, sob a inquisição: as do sul da França, na Borgonha e Champanha. No norte da França também, com Robert Le Bougre. Esse governante foi terrível, e manda para a fogueira dezenas, e centenas de pessoas, e, contrariamente ao que pode-se pensar, de que estava fazendo um bom trabalho, logo foi suspenso pelo papa em 1234, mas volta no ano de 1235, e comete atrocidades. Foi suspenso definitivamente em 1241, e talvez condenado à prisão perpétua. (cf. Regine Pernoud, p. 129)
 
(Se ele estivesse fazendo a vontade do papa não teria sido suspenso uma única vez. Alguns podem não se dar por satisfeitos e acharem que a suspensão e possível prisão perpétua não foram suficientes pelos males que fazia! Isso porque não há o que possa convencer os objetores. O fato permanece, que um inquisidor que tão duramente massacrou hereges foi afastado do seu ofício justamente pelos seus excessos)
 
Foi dura a inquisição em Carcasonne, com Ferrier, em 1237 a 1244. Duzentos hereges queimados em Montségur, em 1244. E na fogueira de Berlaigues, essa mais bem conhecida, Raimundo VII queimou certa de 80 hereges.
 
É inútil insistirmos aqui sobre os exageros a propósito da Inquisição nas obras de escritores imaginativos, mas pouco respeitadores das fontes documentais. As penas aplicadas, em geral, são o emparedamento, isto é, a prisão (distingue-se o “muro estreito”, que é a prisão propriamente dita, e o “muro largo”, a prisão domiciliar), ou, com mais frequência ainda, a condenação a peregrinações ou ao uso de uma cruz de fazenda pregada na roupa.” (Regine Pernoud, p. 130)
 
Quando alguém apresenta esse argumento, vemos logo, ao serem confrontados, aqueles que gostam dos números, e os multiplicam até atingir os “milhões” de vítimas da inquisição. Quando ouvem esse fato histórico, voltam a retrucar com argumentação totalmente diferente, reclamando a respeito da liceidade e moralidade da prática de condenação à morte e perseguição aos indivíduos de outros credos, e, então, para isso, uma única morte já qualifica o réu, com toda a severidade que é figurada a Igreja Católica nas penas desses escritores cheios de imaginação e pouco respeitosos da História.
 
Mas, diferente disso, Regine Pernoud afirma:
 
De fato, para o crente – como a imensa maioria acreditava, durante a Idade Média – a Igreja está perfeitamente em seu direito quando exerce o poder de jurisdição: enquanto guardiã da fé, esse direito lhe foi sempre reconhecido pelos que, pelo batismo, pertenciam à Igreja. 
 
Foi uma mudança radical quando a inquisição foi estabelecida. Era a entrega ao “braço secular” para tratar das questões religiosas com penas físicas. A historiadora comenta a impaciência dos papas, mas reconhece que seu zelo ditava regras para uma solução rápida, pouco refletida, certamente, e com consequências não previsíveis.
 
A respeito da liberdade de espírito, no ano de 1231, ano do estabelecimento da Inquisição:
 
Quanto a Gregório IX, não seria exagerado ver nele um verdadeiro campeão da liberdade de espírito: o ano de 1231, que é o da instituição da Inquisição, é, também, o da bula Parens scientiarum, pela qual ele confirma e formula os privilégios da Universidade de Paris e assegura sua independência junto ao rei e, também, aos bispos ou seu chanceleres; em resumo, ele define e reconhece a liberdade de pesquisa filosófica e científica”. (Regine Pernoud, p. 133)
 
A Inquisição substituía “a acusação pelo inquérito” e introduz a justiça regular.
 
Alguns fatos e sua natureza na época:
 
Pedro Abelardo tinha feito a experiência, pois ele mesmo, em Soissons, em 1121, foi acolhido com pedradas por uma multidão indignada. Alguns anos antes, hereges, que o bispo da mesma cidade tinha condenado à prisão, dela foram retirados e conduzidos à fogueira por amotinados que reprovavam no bispo “sua franqueza sacerdotal””. (ibid., p. 134)
 
Filipe Augusto queima 08 cátaros em Troyes em 1200.
 
Quando em 1215, nos cânones do IV Concílio de Latrão, vê-se a exigência da perseguição aos hereges, obrigando os governantes a aplicar a lei, sob pena de serem excomungados, e de em seu lugar outros vierem a substituí-los para que façam valer a lei, alguém pensa no poder absoluto do papa sobre os reis.
 
Ou seja: ou os reis obedeciam às ordens papais e perseguiam os hereges ou eles mesmos eram excomungados, depostos e exilados, etc. Mas, as coisas não funcionavam bem assim.
 
Quanto a isso devemos saber o seguinte:
 
Ora, todo este aparelhamento de legislação contra a heresia não demoraria em ser dirigido pelo próprio poder temporal contra o poder espiritual do Papa”. (ibid.)
 
Quando os dois poderes (temporal e espiritual) confundem-se, antes que alguém pense o contrário, a história mostra que o poder temporal subjugava o espiritual, e o rei era favorecido pelo princípio de que ele era o responsável pela perseguição dos hereges. O papa perdia nesse cenário inteiro.
 
Fernando III, rei da Espanha, recusou a inquisição, e proclamou-se rei das três religiões. Esse rei foi canonizado. Um rei mais pacífico, que agiu com outros ideais, evitando uma instituição eclesiástica tão importante em sua época, esse mesmo rei é canonizado, posto como exemplo diante dos fieis.
 
Seu primo, Luís IX.
 
Os judeus e os cristãos. Afirma-se, nessa obra, que os judeus viviam na Europa cristã, de cultura permeada de Cristianismo em todos os seus pontos, e assim os judeus eram estrangeiros. Contudo, sua sorte era diferente, de acordo com os lugares, e bispos e príncipes os protegiam.
 

O que ocorreu na Primeira Cruzada nem os bispos nem o papa podiam controlar. Antes os papas e bispos, e governantes seculares, protegiam os judeus. Nas cruzadas a sorte dos judeus começou a mudar. Havia quem estivesse a favor da perseguição aos judeus, e quem se posicionasse contra. Não era a opinião da Igreja.
 
Tudo isso contradiz a apologética protestante que mostra apenas maldades do papado, do clero, da Igreja Católica, etc., no que diz respeito à inquisição, às cruzadas. Não se vê esses pormenores fatos da história, que contextualizam o assunto.
 
Gledson Meireles.

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