Comentário:
Sola Fide
A
fé sozinha pode salvar, pois é a raiz de toda justificação, como ensina a
Igreja Católica. Isso em diversos casos, como nos batizados na infância, os que
morrem após a conversão, os que são martirizados. Essa doutrina é católica. É a fé que trará em si a caridade, uma fé sincera. A
discussão toda vem somente no caso ordinário, da vida normal da Igreja, onde as
obras sempre são mencionadas como influindo na salvação. A afirmação de Lutero
de que as palavras de São Paulo “não permitem obras” é um exagero nesse
sentido.
Comentário: Salvação pela fé no Antigo Testamento
É interessante que o pastor escreve
que Deus não perdoa “colocando o pecado embaixo do tapete”, mas pune os pecados
no Filho. Isso ele usa para frisar essa substituição. No entanto, a doutrina
protestante tradicional afirma que o pecado continua no pecador, ficando sob o
manto de Cristo, o que é uma doutrina errônea.
E, mais adiante, o pastor afirma que
o perdão não deixa escapar o pecador impune, pois isso é injustiça. Ele está
usando a razão aqui, de forma correta. Mas, os reformados aceitam que o pecado
continue no pecador quando esse é justificado, o que é um absurdo.
E a doutrina de que a salvação no
Antigo Testamento se dava por um ato futuro, a vinda e a morte do Messias
prometido, quando não sabiam que nome teria, apenas que seria o Emanuel, como
está no profeta Isaías, essa fé no Messias vindouro, ainda que não totalmente
explícita, podia salvar. Da mesma forma, como explicado antes, a fé implícita
de muitos fora do povo de Israel no Antigo Testamento, e fora do Povo de Deus,
que é a Igreja, no Novo Testamento, pode salvar.
Comentário: Salvação pela fé nos evangelhos
É verdade que a fé alcança a
salvação Cristo. Isso está em textos citados pelo pastor, como Marcos 2,4-5;
Mateus 9, 22; Mateus 15, 28; Lucas 7, 8, 17, 18; João 7, 38. A Igreja Católica
ensina essa verdade de forma magistral, como já provado neste comentário.
Comentário: Salvação pela fé na teologia de Paulo
O papa Bento XVI afirmou em
audiência geral, no ano de 2008, sobre o assunto da justificação, expresso nos
escritos inspirados do apóstolo São Paulo, que esse “põe precisamente no centro
do seu Evangelho uma irredutível oposição entre dois percursos alternativos
rumo à justiça: um construído sobre as obras da Lei, o outro fundado na graça
da fé em Cristo”.
Nessa pregação, o papa fala da
tradução utilizada por Lutero: “Justificado unicamente pela fé”, e explica o
que é a Lei e o que são as obras da Lei que não podem justificar.
Então, a Lei significava a Torá, os
cinco livros de Moisés. Isso incluía o núcleo ético e as observâncias rituais e
cultuais. E o papa afirma: “Ser justo significa simplesmente estar com Cristo e
em Cristo”. E, mais adiante, afirma: “Por isso, a expressão "sola
fide" de Lutero é verdadeira, se não se opõe a fé à caridade, ao amor.”.
O papa não está introduzindo nenhuma
novidade, não está aceitando a doutrina luterana, não está modificando a
doutrina católica, mas mostrando um ponto em que Lutero acertou, mas somente se
isso não deixa de lado as obras. Se essa fé deixa de lado o amor, ela é falsa.
Ou seja, se essa fé não revela a necessidade da obediência por amor a Deus, ela
não salva.
Desse modo, ao finalizar a pregação,
o papa fala do amor, onde no juízo final, o Cristo juiz, fará a justiça, que
decide-se na caridade, e afirma que no final do evangelho, explicado naquele
momento, pode-se dizer: “só amor, só caridade”, o que remete à sola fide, só a fé. Assim, o papa está
fazendo o entrelaçamento bíblico da fé e do amor, pois a fé age pela caridade,
como está escrito em Gálatas 5, 14, citado pelo papa. Essa fé já é informada
pelo amor antes mesmo de agir. É preciso lembrar que Lutero não viu esse
pormenor.
O papa afirma: “Mas não há
contradição entre este Evangelho e São Paulo. É a mesma visão, segundo a qual a
comunhão com Cristo, a fé em Cristo, cria a caridade” (https://www.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/audiences/2008/documents/hf_ben-xvi_aud_20081119.html).
O pastor tenta afastar as boas obras
quando diz que São Paulo apresenta a salvação pela fé, não a fé com alguma
coisa, não é o que crê e faz alguma coisa, como se fosse “digno segundo suas
obras”. Esse ponto mostra que a convicção protestante é a de que se as obras
entram na salvação essas seriam a dignidade humana influindo na salvação. Mas
não é bem assim.
As obras feitas na fé, no amor a
Deus, possuem a graça, são geradas na graça de Deus, e por isso são meritórias,
não causando a salvação, assim como a fé em si não causa a salvação, mas
garantem, fé e obras, que o salvo está em Cristo, que é Quem nos justifica.
Parece que agora o leitor protestante está mais apto a entender essa verdade do
evangelho, que foi ensinada por São Paulo, pois a fé age por meio do amor (Gl
5, 14).
Quando o pastor afirma que o profeta
Habacuque, em seu livro 2, versículo 4, fala da salvação pela fé, e
curiosamente afirma que esse seria o bisavô da Reforma, tendo Lutero como pai e
Paulo como avô, está afirmando algo como: essa doutrina profetizada só foi ensinada
pelos reformadores protestantes. Mas isso não é verdade. Os estudiosos
protestantes sabem que a Igreja Católica a ensinou. Muitos afirmam que há mais
ênfases diferentes para a doutrina da salvação pela fé nos santos padres, por
exemplo.
Há mesmo aqueles que admitem que o
grande Santo Tomás de Aquino falou do valor da fé na salvação. Lutero não
estudou a doutrina tomista com profundidade. Muitos outros autores, na Idade
Média, falaram da salvação pela fé, conforme a doutrina católica. E, por fim, o
concílio de Trento foi bastante claro nesse quesito.
A afirmação de que a salvação vem
somente pela fé não pode ser seguida, por exemplo, de que a salvação é
independentemente de seguir ou não a lei do evangelho. Isso pode ser verdade em
relação à Lei antiga, mas não à Lei de Cristo. Portanto, todo protestante deve
concordar que o salvo deve cumprir a nova lei, como ser batizado, comungar na
ceia no Senhor, crer nas doutrinas fundamentais ensinadas por Cristo, como na
ressurreição, na vinda de Cristo para o juízo final e etc.
Toda vez que a fé é contraposta às
obras, essas são as obras da Lei. Assim o é em Romanos 4, 6. O pastor usa essa
passagem para frisar que as obras não podem salvar, e afiram que qualquer
participação de obras na nossa salvação, essa não seria pela fé. No entanto,
esquece-se que em Romanos 8, 13 afirma que a vida segundo a carne faz morrer, e
a vida segundo o Espírito faz viver, o que mostra a importância das boas obras
na vida cristã. Para a vida do cristã as obras influem na salvação.
Ao negar radicalmente qualquer
fagulha de obra na salvação, o pastor reformado não percebe que o mesmo até
criando um erro que faz desabar até a sua própria fé reformada.
Para frisar a fé em oposição às
obras da Lei, o pastor tenta mostrar que as obras não podem fazer parte da
salvação em nenhum grau possível. Citando Romanos 3, 28, onde a justificação
vem da fé e não das obras da Lei, vemos que admite-se que o pecador exerce fé
para alcançar a justificação. Fé não é obra. Assim, o justificado pela fé pôde
apenas crer e receber a justiça.
No entanto, para aquele que nega o
livre-arbítrio, onde até a fé não seria possível para o homem, e que essa
deveria ser recebida inteiramente de Deus, para que seja instrumento para alcançar
a salvação, então mesmo as obras poderiam ser consideradas assim, já que cada
boa obra seria apenas o reflexo da graça no justificado. Isso faz com que o
autor tenha que considerar a realidade da fé do salvo, como suscitada pela
graça, mas como ato humano também, o que inclui o valor das boas obras que
surgem após a fé.
Do contrário, deve
voltar à estaca zero e desconsiderar esse grande valor da fé, por assim dizer,
ao tentar esvaziar o valor das boas obras na salvação, uma vez que se as obras
não podem entrar na salvação, se não há lugar para qualquer esforço pessoal,
esse também invalida o ato de crer, ainda que o mesmo não seja obra. Esse ponto
não nega a doutrina bíblica da justificação pela fé e não pelas obras da Lei,
mas refuta a doutrina reformada que nega a origem da fé também no ser humano que é levado à fé pela graça de Deus.
Se o pecador apenas crer, isso será
tido como justiça, sem as obras da Lei. No entanto, essa fé é sua, pois foi dom
de Deus para ele. Então, agora, poderá agir na prática das boas obras (Ef 2,
8-10), onde a fé age pela caridade (Gl 5, 14) e as obras completa a fé (Tg
2,22).
Talvez o leitor ainda não percebeu o
ponto fulcral dessa diferença. Pense um instante: se o homem tem o
livre-arbítrio, e está preso pelo poder do pecado, ele deve ser libertado pela
graça para agir livremente e crer, para que alcance a justiça sem as obras da Lei.
Uma vez que foi justificado, pela fé, como dom de Deus, não tem do que se
gloriar, mas deverá agora ser servo de Deus, agindo com a graça na prática do
amor nas boas obras.
Por outro lado, na doutrina
reformada, o ato de fé não seria possível ao pecador, que não teria o livre arbítrio.
Assim, deveria ser regenerado antes, para que possa crer, e esse dom de Deus o
faria alcançar a justiça, e uma vez justificado agiria conforme a fé, onde as
boas obras seriam a consequência da fé recebida, não influindo na salvação.
Então, somente a fé influiria na salvação. Mas, se mesmo a fé não foi em nada
um ato humano livre, por que não o seriam as boas obras também? Se as obras não
podem influir, como influiu a fé? Diria o reformado que essa foi apenas um
instrumento. Pois bem, as obras também podem ser instrumentos da graça para
isso, e no final o salvo não poderia gloriar-se das obras e nem da fé.
Obviamente, essa é uma verdade
bíblica, pois a fé é um dom de Deus, dado ao pecador livre, e as obras são
suscitadas pela graça, onde o salvo não pode gloriar-se de nada, mas pode
afirmar que age livremente na graça de Deus, não apresentando nenhuma resistência.
Por sua vez, o reformado possui essa incoerência, mantendo a linguagem bíblica
da fé e das obras da Lei, onde somente a fé justifica, e ao mesmo tempo apresentando
essa doutrina em uma teologia que leva a anular um os elementos que a Escritura
apresenta para o processo de salvação.
Somente quando se compreende o
livre-arbítrio é que se pode entender que a fé é um dom de Deus e não dá lugar
para gloriar-se, pois essa é exercida livremente e não há obras, que poderiam
ser exercidas livremente, a serem contadas. Somente a fé. Uma vez assim libertos,
há obras para que possamos praticar e viver na obediência a Deus. Do contrário,
o apóstolo teria dito que nem a fé existia por parte do justificado, pois seria
um dom de Deus. E ele não faz isso, mas elogia a fé, mesmo que após isso revele
que a fé é um dom. Todo esse cenário só faz sentido quando se entende o
livre-arbítrio sendo guiado pela graça de Deus.
O pecador justificado não continua
igual no seu interior, mas é transformado pela graça. Justo e pecador não
significa que o pecador continua no seu pecado original enquanto é considerado
justo, mas que a justiça de Cristo é derramada no seu interior e sua própria
justiça é agora feita nessa justiça recebida, de modo que a vida na graça é
feita em liberdade e amor, por meio da fé.
Comentário: “E os textos sobre obras?”
O pastor tenta explicar Tiago 2.
Afirma que se o texto de Tiago for arremessado contra o de Paulo, isso causaria
um problema maior. De fato, o pastor está certo, pois ambos são conciliáveis,
não estão em contradição um com o outro.
Mas, logo a seguir, ele afirma: “O
que os católicos às vezes tentam fazer é conciliar Tiago e Paulo como se fossem
uma coisa só”.
E agora, perguntamos? E os dois não
estão ensinando a mesma doutrina? Obviamente sim. E como, então, o pastor faz a
conciliação de ambos os textos?:
Ele afirma que se um ensina a
justificação pela fé e outro a justificação pelas obras, não há como conciliar.
No entanto, o pastor esquece-se de um detalhe importante, que é a palavras somente. O texto de Tiago afirma: “Vedes como o homem é justificado pelas
obras e não somente pela fé?”. Ou seja, a apóstolo está ensinando que há justificação
pela fé e pelas obras: fé + obras. O pastor não entendeu esse pormenor e tenta
fazer que um não poderia ensinar a justificação pela fé e o outro pelas obras.
Por isso, São Paulo nunca escreve
que a justificação é somente pela fé,
mas que a justificação é pela fé sem as
obras da Lei. Isso indica que há outras obras, nas as da Lei, que influem na
fé. E é justamente isso que o apóstolo São Tiago está ensinando.
Assim, ambos ensina igualmente: a fé
age por meio do amor (Gl 5, 14). A fé estabelece a Lei, dando-lhe toda a força
(Rm 3,31), os que fazem o bem serão salvos (Rm 2, 7). Se essa Lei ganha a força
da fé, então ela deve ser cumprida. Trata-se dos Dez Mandamentos da Lei de
Deus, de toda moral cristã, que continua de pé, como ensina São Tiago, e que a
fé coopera com as boas obras e as obras completam a fé. Essas duas ações que
são ensinadas na Bíblia faltam na teologia de Lutero.
O pastor explica que São Paulo e São
Tiago estão tratando de duas coisas diferentes. Isso está correto.
Mas, logo ele afirma que um fala da
salvação e outro da fé. São Paulo
estaria tratando de como encontrar a salvação e São Tiago trataria de como encontrar
a fé. Isso não é bem assim. De fato, a salvação vem ao pecador através da fé,
mas a fé não vem ao pecador através das obras. Desse modo, a própria explicação
está refutada.
Ainda, o próprio texto de São Tiago
trata de salvação, pois afiram que sem a fé sem as obras é morta, e, portanto, não
pode salvar (Tg 2, 15-16).
Depois, para explicar o texto onde é
dito que a fé sem obras é morta, o mesmo afirma que a fé morta não existe, mas
é um meio de falar da ausência de fé. Dessa forma, assim como o corpo sem
espírito é morto, a fé sem obras é morta. Aqui, São Tiago compara duas coisas,
em quatro elementos: corpo e espírito e fé e obras. O corpo seria a fé, o espírito
estaria para as obras. Faltando o espírito, o corpo morre. Faltando as obras, a
fé morre. É simples.
No entanto, na explicação do pastor:
“A fé morta é ausência de fé”. Isso porque na doutrina reformada aquele que
recebe a fé salvífica é eleito, deve gerar fruto, praticar boas obras. O não
eleito não receberia nunca a fé. Para estar de acordo com a doutrina
calvinista, o pastor explica que a fé morta não é fé. Isso já foi refutado acima,
na comparação feita por São Tiago.
Mas, ainda, o apóstolo afirma que
pode existir verdadeira fé e não gerar salvação, porque não há obras: “De que aproveitará, irmãos, a alguém dizer
que tem fé, se não tiver obras? Acaso essa fé poderá salvá-lo?” (Tiago 2,
14). Ele afirma que há fé que não salva.
Em outro texto, escreve: “Crês que há um só Deus. Fazes bem. Também os
demônios creem e tremem.” (Tiago 2, 19). Nesse texto, igualmente, São Tiago
afirma que pode haver fé e não haver obras, e essa fé não pode salvar. O motivo
é que ela é uma fé “morta em si mesma”
(Tiago 2, 17).
O pastor afirma que São Tiago
estaria ensinando fé que opera em obras, o que está correto, mas diz que as
obras estão contidas dentro da fé, contra a adição fé + obras. Esse ponto não
está correto, pois a Bíblia ensina que a fé age por meio do amor, que são duas
virtudes distintas. O amor é expresso pela obediência, pelas obras, pois quem
ama a Jesus guarda os mandamentos (João 14, 21). Assim sendo, a fé é uma
virtude que opera por meio do amor, sendo então que a fé coopera com as obras e
as obras completam a fé, como ensina São Tiago. A doutrina reformada está
equivocada nessa doutrina.
Por tudo isso, Lutero não tinham
apreço pela santa epístola de Tiago, por ela ser tão clara no ensino das obras,
assim como não gostava da doutrina católica.
Por isso também o texto de
Apocalipse 2, 12-13 ensina que no julgamento haverá a exigência das obras.
E, no fim, o autor protestante
concorda na prática que a fé mais obras é preciso existir para mostrar a
importância das obras na vida do salvo, e admite que Deus irá exigir obras,
como prova da fé, no dia do juízo, o que faz com que, em termos práticos, os
protestantes aceitem a verdade da doutrina cristã católica.
Comentário: Conclusões e aplicações
Não há nada que o pecador possa fazer para ser salvo, mas uma vez salvo deve andar nas boas obras. Há pessoas que podem deixar a fé morrer se não obedecem. Deus nos trata como filhos amados, em Cristo. As obras não compram o relacionamento com Deus, mas são exigidas nesse relacionamento. A fé é o começo da justificação, da salvação, e mesmo fé pequena salva. Essa doutrina é também doutrina católica. Santo Agostinho afirma que Deus coroa em nós os Seus próprios dons, e isso está no Catecismo da Igreja Católica. Dessa forma, o protestante pode constatar a verdade da doutrina cristã católica.
Gledson Meireles.
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