sábado, 28 de dezembro de 2024

Livro: O Cristão Reformado, sobre o Sola Fide

Comentário: Sola Fide

 

A fé sozinha pode salvar, pois é a raiz de toda justificação, como ensina a Igreja Católica. Isso em diversos casos, como nos batizados na infância, os que morrem após a conversão, os que são martirizados. Essa doutrina é católica. É a fé que trará em si a caridade, uma fé sincera. A discussão toda vem somente no caso ordinário, da vida normal da Igreja, onde as obras sempre são mencionadas como influindo na salvação. A afirmação de Lutero de que as palavras de São Paulo “não permitem obras” é um exagero nesse sentido.

 

Comentário: Salvação pela fé no Antigo Testamento

 

            É interessante que o pastor escreve que Deus não perdoa “colocando o pecado embaixo do tapete”, mas pune os pecados no Filho. Isso ele usa para frisar essa substituição. No entanto, a doutrina protestante tradicional afirma que o pecado continua no pecador, ficando sob o manto de Cristo, o que é uma doutrina errônea.

            E, mais adiante, o pastor afirma que o perdão não deixa escapar o pecador impune, pois isso é injustiça. Ele está usando a razão aqui, de forma correta. Mas, os reformados aceitam que o pecado continue no pecador quando esse é justificado, o que é um absurdo.

            E a doutrina de que a salvação no Antigo Testamento se dava por um ato futuro, a vinda e a morte do Messias prometido, quando não sabiam que nome teria, apenas que seria o Emanuel, como está no profeta Isaías, essa fé no Messias vindouro, ainda que não totalmente explícita, podia salvar. Da mesma forma, como explicado antes, a fé implícita de muitos fora do povo de Israel no Antigo Testamento, e fora do Povo de Deus, que é a Igreja, no Novo Testamento, pode salvar.

           

Comentário: Salvação pela fé nos evangelhos

 

            É verdade que a fé alcança a salvação Cristo. Isso está em textos citados pelo pastor, como Marcos 2,4-5; Mateus 9, 22; Mateus 15, 28; Lucas 7, 8, 17, 18; João 7, 38. A Igreja Católica ensina essa verdade de forma magistral, como já provado neste comentário.

 

Comentário: Salvação pela fé na teologia de Paulo

 

            O papa Bento XVI afirmou em audiência geral, no ano de 2008, sobre o assunto da justificação, expresso nos escritos inspirados do apóstolo São Paulo, que esse “põe precisamente no centro do seu Evangelho uma irredutível oposição entre dois percursos alternativos rumo à justiça: um construído sobre as obras da Lei, o outro fundado na graça da fé em Cristo”.

            Nessa pregação, o papa fala da tradução utilizada por Lutero: “Justificado unicamente pela fé”, e explica o que é a Lei e o que são as obras da Lei que não podem justificar.

            Então, a Lei significava a Torá, os cinco livros de Moisés. Isso incluía o núcleo ético e as observâncias rituais e cultuais. E o papa afirma: “Ser justo significa simplesmente estar com Cristo e em Cristo”. E, mais adiante, afirma: “Por isso, a expressão "sola fide" de Lutero é verdadeira, se não se opõe a fé à caridade, ao amor.”.

            O papa não está introduzindo nenhuma novidade, não está aceitando a doutrina luterana, não está modificando a doutrina católica, mas mostrando um ponto em que Lutero acertou, mas somente se isso não deixa de lado as obras. Se essa fé deixa de lado o amor, ela é falsa. Ou seja, se essa fé não revela a necessidade da obediência por amor a Deus, ela não salva.

            Desse modo, ao finalizar a pregação, o papa fala do amor, onde no juízo final, o Cristo juiz, fará a justiça, que decide-se na caridade, e afirma que no final do evangelho, explicado naquele momento, pode-se dizer: “só amor, só caridade”, o que remete à sola fide, só a fé. Assim, o papa está fazendo o entrelaçamento bíblico da fé e do amor, pois a fé age pela caridade, como está escrito em Gálatas 5, 14, citado pelo papa. Essa fé já é informada pelo amor antes mesmo de agir. É preciso lembrar que Lutero não viu esse pormenor.

            O papa afirma: “Mas não há contradição entre este Evangelho e São Paulo. É a mesma visão, segundo a qual a comunhão com Cristo, a fé em Cristo, cria a caridade” (https://www.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/audiences/2008/documents/hf_ben-xvi_aud_20081119.html).

            O pastor tenta afastar as boas obras quando diz que São Paulo apresenta a salvação pela fé, não a fé com alguma coisa, não é o que crê e faz alguma coisa, como se fosse “digno segundo suas obras”. Esse ponto mostra que a convicção protestante é a de que se as obras entram na salvação essas seriam a dignidade humana influindo na salvação. Mas não é bem assim.

            As obras feitas na fé, no amor a Deus, possuem a graça, são geradas na graça de Deus, e por isso são meritórias, não causando a salvação, assim como a fé em si não causa a salvação, mas garantem, fé e obras, que o salvo está em Cristo, que é Quem nos justifica. Parece que agora o leitor protestante está mais apto a entender essa verdade do evangelho, que foi ensinada por São Paulo, pois a fé age por meio do amor (Gl 5, 14).

            Quando o pastor afirma que o profeta Habacuque, em seu livro 2, versículo 4, fala da salvação pela fé, e curiosamente afirma que esse seria o bisavô da Reforma, tendo Lutero como pai e Paulo como avô, está afirmando algo como: essa doutrina profetizada só foi ensinada pelos reformadores protestantes. Mas isso não é verdade. Os estudiosos protestantes sabem que a Igreja Católica a ensinou. Muitos afirmam que há mais ênfases diferentes para a doutrina da salvação pela fé nos santos padres, por exemplo.

            Há mesmo aqueles que admitem que o grande Santo Tomás de Aquino falou do valor da fé na salvação. Lutero não estudou a doutrina tomista com profundidade. Muitos outros autores, na Idade Média, falaram da salvação pela fé, conforme a doutrina católica. E, por fim, o concílio de Trento foi bastante claro nesse quesito.

            A afirmação de que a salvação vem somente pela fé não pode ser seguida, por exemplo, de que a salvação é independentemente de seguir ou não a lei do evangelho. Isso pode ser verdade em relação à Lei antiga, mas não à Lei de Cristo. Portanto, todo protestante deve concordar que o salvo deve cumprir a nova lei, como ser batizado, comungar na ceia no Senhor, crer nas doutrinas fundamentais ensinadas por Cristo, como na ressurreição, na vinda de Cristo para o juízo final e etc.

            Toda vez que a fé é contraposta às obras, essas são as obras da Lei. Assim o é em Romanos 4, 6. O pastor usa essa passagem para frisar que as obras não podem salvar, e afiram que qualquer participação de obras na nossa salvação, essa não seria pela fé. No entanto, esquece-se que em Romanos 8, 13 afirma que a vida segundo a carne faz morrer, e a vida segundo o Espírito faz viver, o que mostra a importância das boas obras na vida cristã. Para a vida do cristã as obras influem na salvação.

            Ao negar radicalmente qualquer fagulha de obra na salvação, o pastor reformado não percebe que o mesmo até criando um erro que faz desabar até a sua própria fé reformada.

            Para frisar a fé em oposição às obras da Lei, o pastor tenta mostrar que as obras não podem fazer parte da salvação em nenhum grau possível. Citando Romanos 3, 28, onde a justificação vem da fé e não das obras da Lei, vemos que admite-se que o pecador exerce fé para alcançar a justificação. Fé não é obra. Assim, o justificado pela fé pôde apenas crer e receber a justiça.

            No entanto, para aquele que nega o livre-arbítrio, onde até a fé não seria possível para o homem, e que essa deveria ser recebida inteiramente de Deus, para que seja instrumento para alcançar a salvação, então mesmo as obras poderiam ser consideradas assim, já que cada boa obra seria apenas o reflexo da graça no justificado. Isso faz com que o autor tenha que considerar a realidade da fé do salvo, como suscitada pela graça, mas como ato humano também, o que inclui o valor das boas obras que surgem após a fé.

Do contrário, deve voltar à estaca zero e desconsiderar esse grande valor da fé, por assim dizer, ao tentar esvaziar o valor das boas obras na salvação, uma vez que se as obras não podem entrar na salvação, se não há lugar para qualquer esforço pessoal, esse também invalida o ato de crer, ainda que o mesmo não seja obra. Esse ponto não nega a doutrina bíblica da justificação pela fé e não pelas obras da Lei, mas refuta a doutrina reformada que nega a origem da fé também no ser humano que é levado à fé pela graça de Deus.

            Se o pecador apenas crer, isso será tido como justiça, sem as obras da Lei. No entanto, essa fé é sua, pois foi dom de Deus para ele. Então, agora, poderá agir na prática das boas obras (Ef 2, 8-10), onde a fé age pela caridade (Gl 5, 14) e as obras completa a fé (Tg 2,22).

            Talvez o leitor ainda não percebeu o ponto fulcral dessa diferença. Pense um instante: se o homem tem o livre-arbítrio, e está preso pelo poder do pecado, ele deve ser libertado pela graça para agir livremente e crer, para que alcance a justiça sem as obras da Lei. Uma vez que foi justificado, pela fé, como dom de Deus, não tem do que se gloriar, mas deverá agora ser servo de Deus, agindo com a graça na prática do amor nas boas obras.

            Por outro lado, na doutrina reformada, o ato de fé não seria possível ao pecador, que não teria o livre arbítrio. Assim, deveria ser regenerado antes, para que possa crer, e esse dom de Deus o faria alcançar a justiça, e uma vez justificado agiria conforme a fé, onde as boas obras seriam a consequência da fé recebida, não influindo na salvação. Então, somente a fé influiria na salvação. Mas, se mesmo a fé não foi em nada um ato humano livre, por que não o seriam as boas obras também? Se as obras não podem influir, como influiu a fé? Diria o reformado que essa foi apenas um instrumento. Pois bem, as obras também podem ser instrumentos da graça para isso, e no final o salvo não poderia gloriar-se das obras e nem da fé.

            Obviamente, essa é uma verdade bíblica, pois a fé é um dom de Deus, dado ao pecador livre, e as obras são suscitadas pela graça, onde o salvo não pode gloriar-se de nada, mas pode afirmar que age livremente na graça de Deus, não apresentando nenhuma resistência. Por sua vez, o reformado possui essa incoerência, mantendo a linguagem bíblica da fé e das obras da Lei, onde somente a fé justifica, e ao mesmo tempo apresentando essa doutrina em uma teologia que leva a anular um os elementos que a Escritura apresenta para o processo de salvação.

            Somente quando se compreende o livre-arbítrio é que se pode entender que a fé é um dom de Deus e não dá lugar para gloriar-se, pois essa é exercida livremente e não há obras, que poderiam ser exercidas livremente, a serem contadas. Somente a fé. Uma vez assim libertos, há obras para que possamos praticar e viver na obediência a Deus. Do contrário, o apóstolo teria dito que nem a fé existia por parte do justificado, pois seria um dom de Deus. E ele não faz isso, mas elogia a fé, mesmo que após isso revele que a fé é um dom. Todo esse cenário só faz sentido quando se entende o livre-arbítrio sendo guiado pela graça de Deus.

            O pecador justificado não continua igual no seu interior, mas é transformado pela graça. Justo e pecador não significa que o pecador continua no seu pecado original enquanto é considerado justo, mas que a justiça de Cristo é derramada no seu interior e sua própria justiça é agora feita nessa justiça recebida, de modo que a vida na graça é feita em liberdade e amor, por meio da fé.

 

Comentário: “E os textos sobre obras?”

 

            O pastor tenta explicar Tiago 2. Afirma que se o texto de Tiago for arremessado contra o de Paulo, isso causaria um problema maior. De fato, o pastor está certo, pois ambos são conciliáveis, não estão em contradição um com o outro.

            Mas, logo a seguir, ele afirma: “O que os católicos às vezes tentam fazer é conciliar Tiago e Paulo como se fossem uma coisa só”.

            E agora, perguntamos? E os dois não estão ensinando a mesma doutrina? Obviamente sim. E como, então, o pastor faz a conciliação de ambos os textos?:

            Ele afirma que se um ensina a justificação pela fé e outro a justificação pelas obras, não há como conciliar. No entanto, o pastor esquece-se de um detalhe importante, que é a palavras somente. O texto de Tiago afirma: “Vedes como o homem é justificado pelas obras e não somente pela fé?”. Ou seja, a apóstolo está ensinando que há justificação pela fé e pelas obras: fé + obras. O pastor não entendeu esse pormenor e tenta fazer que um não poderia ensinar a justificação pela fé e o outro pelas obras.

            Por isso, São Paulo nunca escreve que a justificação é somente pela fé, mas que a justificação é pela fé sem as obras da Lei. Isso indica que há outras obras, nas as da Lei, que influem na fé. E é justamente isso que o apóstolo São Tiago está ensinando.

            Assim, ambos ensina igualmente: a fé age por meio do amor (Gl 5, 14). A fé estabelece a Lei, dando-lhe toda a força (Rm 3,31), os que fazem o bem serão salvos (Rm 2, 7). Se essa Lei ganha a força da fé, então ela deve ser cumprida. Trata-se dos Dez Mandamentos da Lei de Deus, de toda moral cristã, que continua de pé, como ensina São Tiago, e que a fé coopera com as boas obras e as obras completam a fé. Essas duas ações que são ensinadas na Bíblia faltam na teologia de Lutero.

            O pastor explica que São Paulo e São Tiago estão tratando de duas coisas diferentes. Isso está correto.

            Mas, logo ele afirma que um fala da salvação e outro da fé.  São Paulo estaria tratando de como encontrar a salvação e São Tiago trataria de como encontrar a fé. Isso não é bem assim. De fato, a salvação vem ao pecador através da fé, mas a fé não vem ao pecador através das obras. Desse modo, a própria explicação está refutada.

            Ainda, o próprio texto de São Tiago trata de salvação, pois afiram que sem a fé sem as obras é morta, e, portanto, não pode salvar (Tg 2, 15-16).

            Depois, para explicar o texto onde é dito que a fé sem obras é morta, o mesmo afirma que a fé morta não existe, mas é um meio de falar da ausência de fé. Dessa forma, assim como o corpo sem espírito é morto, a fé sem obras é morta. Aqui, São Tiago compara duas coisas, em quatro elementos: corpo e espírito e fé e obras. O corpo seria a fé, o espírito estaria para as obras. Faltando o espírito, o corpo morre. Faltando as obras, a fé morre. É simples.

            No entanto, na explicação do pastor: “A fé morta é ausência de fé”. Isso porque na doutrina reformada aquele que recebe a fé salvífica é eleito, deve gerar fruto, praticar boas obras. O não eleito não receberia nunca a fé. Para estar de acordo com a doutrina calvinista, o pastor explica que a fé morta não é fé. Isso já foi refutado acima, na comparação feita por São Tiago.

            Mas, ainda, o apóstolo afirma que pode existir verdadeira fé e não gerar salvação, porque não há obras: “De que aproveitará, irmãos, a alguém dizer que tem fé, se não tiver obras? Acaso essa fé poderá salvá-lo?” (Tiago 2, 14). Ele afirma que há fé que não salva.

            Em outro texto, escreve: “Crês que há um só Deus. Fazes bem. Também os demônios creem e tremem.” (Tiago 2, 19). Nesse texto, igualmente, São Tiago afirma que pode haver fé e não haver obras, e essa fé não pode salvar. O motivo é que ela é uma fé “morta em si mesma” (Tiago 2, 17).

            O pastor afirma que São Tiago estaria ensinando fé que opera em obras, o que está correto, mas diz que as obras estão contidas dentro da fé, contra a adição fé + obras. Esse ponto não está correto, pois a Bíblia ensina que a fé age por meio do amor, que são duas virtudes distintas. O amor é expresso pela obediência, pelas obras, pois quem ama a Jesus guarda os mandamentos (João 14, 21). Assim sendo, a fé é uma virtude que opera por meio do amor, sendo então que a fé coopera com as obras e as obras completam a fé, como ensina São Tiago. A doutrina reformada está equivocada nessa doutrina.

            Por tudo isso, Lutero não tinham apreço pela santa epístola de Tiago, por ela ser tão clara no ensino das obras, assim como não gostava da doutrina católica.

            Por isso também o texto de Apocalipse 2, 12-13 ensina que no julgamento haverá a exigência das obras.

            E, no fim, o autor protestante concorda na prática que a fé mais obras é preciso existir para mostrar a importância das obras na vida do salvo, e admite que Deus irá exigir obras, como prova da fé, no dia do juízo, o que faz com que, em termos práticos, os protestantes aceitem a verdade da doutrina cristã católica.

 

Comentário: Conclusões e aplicações

 

            Não há nada que o pecador possa fazer para ser salvo, mas uma vez salvo deve andar nas boas obras. Há pessoas que podem deixar a fé morrer se não obedecem. Deus nos trata como filhos amados, em Cristo. As obras não compram o relacionamento com Deus, mas são exigidas nesse relacionamento. A fé é o começo da justificação, da salvação, e mesmo fé pequena salva. Essa doutrina é também doutrina católica. Santo Agostinho afirma que Deus coroa em nós os Seus próprios dons, e isso está no Catecismo da Igreja Católica. Dessa forma, o protestante pode constatar a verdade da doutrina cristã católica. 

Gledson Meireles.

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