Comentário: Sola Scriptura
Se
formos interpretar o Sola Scriptura
de acordo com a doutrina católica, podemos afirmar que tudo deve estar na
Bíblia, explicitamente ou implicitamente, e nada do que for ensinado na Igreja
pode estar contra a Bíblia. Dessa forma, tudo pode ser provado, demonstrado,
satisfatoriamente explicado, usando apenas a Escritura.
Os
protestantes, a partir do padre Martim Lutero, do padre Zwínglio, do capelão
João Calvino, e dos reformadores do século 16 em conjunto, formularam o
princípio Sola Scriptura, de modo que
tudo deve estar na Bíblia, nada fora dela, e nada contra ela. No entanto, esse
princípio teve como objetivo negar a autoridade infalível da Igreja e da
tradição. E é justamente nesse ponto que a doutrina protestante diverge da
doutrina católica.
A
Bíblia em si, a Palavra de Deus, ensina que a Igreja é coluna e sustentáculo da
verdade, e ordena a guardar as tradições apostólicas ensinadas oralmente.
Portanto, como a Bíblia é infalível, ao ensinar que a Igreja é coluna e
sustentáculo da verdade, a Igreja também é apresentada como infalível, e ao
instituir a tradição como obrigatória para a fé, tem-se também que a tradição
tem ensinos infalíveis.
Os
padres da Igreja ensinaram assim. Nenhum cristão católico pensa estar acima da
Bíblia, pois ela é a Palavra inspirada de Deus. Os padres da Igreja também eram
devotos da Escritura Sagrada.
O
cânon da Bíblia foi escolhido pela Igreja Católica Apostólica Romana. Os livros
do Novo Testamento foram sendo escritos a partir do ano 50 d. C., e sua
autoridade apostólica foi reconhecida entre as igrejas nas quais eram lidos e
conhecidos, de modo que foram circulando entre as comunidades cristãs do
primeiro século, durante a vida dos apóstolos. Outros companheiros dos
apóstolos também escreveram, como Marcos e Lucas.
Esses
escritos autoritativos foram sendo considerados pelos cristãos em geral, mas
com o passar do tempo, no meio de outras obras, alguns desses não ganharam status de inspirados por parte de
alguns. Assim, duvidaram da 2ª Epístola de São Pedro, a Espístola doe Judas, a
Epístola de Tiago, o Apocalipse, e outros, enquanto também pensavam ser
inspirados os livros de Pastor de Hermas, a 1ª Epístola de São Clemente de
Roma, e outros, de modo a surgirem muitas divergências entre os cristãos.
Obviamente,
cada texto inspirado é escrito sob a moção do Espírito Santo, já nascendo como
Palavra de Deus, de autoridade plena, digno de obediência e devoção. Desse
modo, cada escrito, dos 27 livros do Novo Testamento, surgiram com toda
autoridade, por terem sido escrito sob a inspiração do Espírito Santo.
No
entanto, muitas informações foram sendo perdidas, de modo que não era possível
ter certeza, em certos lugares, se um escrito era de origem apostólica, ou que
continha o ensino apostólico, sendo inspirado por Deus, de forma que, como
expresso acima, livros inspirados eram discutidos junto com outros não
inspirados. O mesmo ocorria com livros do Antigo Testamento, pois vários
escritos não inspirados, mas lidos com devoção, estavam junto com os livros
inspirados, de modo que causavam dúvidas entre muitos.
O
leitor está ciente que no momento em que o escritor inspirado escreve, a sua
obra é a Palavra de Deus, por sua inspiração. Mas, se em algum lugar esse
escrito é negado, aqueles cristãos estarão negando parte da revelação, que por
si mesma tem autoridade, mas que não está sendo reconhecida, por vários
motivos. E esses obstáculos, muitas vezes desculpáveis, foram retirados pela
autoridade da Igreja Católica, que com seus concílios estabeleceu os princípios
para a correta identificação dos livros santos, e definiu a lista, que é
chamada cânon, a lista dos livros sagrados, nos anos de 393 d. C., 397 d. C.
Assim, a Igreja definiu o cânon bíblico.
Por
isso, está correto que a Bíblia tem autoridade por si mesma, pois é a Palavra
de Deus, é assim está acima da Igreja, o povo de Deus, e é estudada e
interpretada pelo magistério, que é servo de Deus, servo da Palavra de Deus,
juntamente com a tradição, que contem a Palavra de Deus por meio de diversas
formas, de modo que a Igreja deve reconhecer o que é tradição apostólica.
Então,
como cristãos católicos, reconhecemos que a Bíblia tem autoridade sobre a
Igreja, e não a Igreja sobre a Bíblia.
Quando
se diz que o magistério, e a tradição apostólica, precede o cânon, precede a
Bíblia, isso é compreendido historicamente, pois a Igreja ensinou oralmente e
depois alguns apóstolos e outros escritos inspirados escreveram o que Deus
desejava que fosse escrito.
Assim,
é historicamente, e teologicamente certo, que a Igreja nos deu a Bíblia, pois
foi o meio usado por Deus para isso.
Sendo
assim, a Igreja não “criou” o cânon, no sentido de criar os livros inspirados a
partir de escritos que não eram inspirados, mas reconheceu o cânon, identificou
os livros inspirados, e os distinguiu dos não inspirados, escritos esses que
vieram do primeiro século, dos apóstolos e outros discípulos que estavam com os
apóstolos, e assim, a Igreja definiu o cânon, de modo que não é mais possível
acrescentar ou retirar livros dele. Assim, essa definição é infalível.
Comentário: Expectativa canônica
Interessante
a explicação sobre a expectativa do surgimento de uma nova Escritura, já que
surgiu a Nova Aliança, na tese de Köstenberger e Kruger.
Comentário: A consciência
apostólica
Os
apóstolos certamente sabiam que estavam escrevendo a Palavra de Deus, pois
escreviam o que pregavam aos povos. Também é certo que seus escritos tinham na
maioria das vezes o caráter apologético, de modo que doutrinas pacificamente
aceitas não eram escritas, enquanto os pontos discutidos ganhavam toda atenção.
Assim,
a doutrina da ressurreição, da justificação pela fé, da encarnação, da vinda de
Cristo, são abundantes no Novo Testamento, porque eram combatidas pelos
hereges. Foram escritas para o ensino da Igreja contra os erros.
O
cânon já existia desde quando foi escrito, mas não era conhecido. Isso só foi
possível no século quarto. Assim, estritamente falando, o cânon é expressão, a
definição do número de livros inspirados, que a Igreja conheceu com infalível
certeza a partir do quarto século. Antes disso, havia dúvidas, como já
explicado acima.
O
autor protestante costuma usar o termo cânon no sentido da realidade dos livros
inspirados, que são originados como Palavra de Deus, e não se tornam depois de
que foram escritos. No entanto, o cânon como é discutido na academia se trata
da lista oficial e definida pela Igreja Católica a respeito dos livros
sagrados, de modo que cânon é o reconhecimento geral dos livros bíblicos.
No
primeiro sentido o cânon bíblico já existia no primeiro século, pois assim que
o último livro foi escrito o cânon foi fechado. Mas, para o conhecimento de
todos, de maneira total e infalível, não gerando dúvidas, só foi possível a
partir do século quarto. Nesse sentido, o cânon nasceu no século quarto. Isso
não significa que os livros se tornaram inspirados naquele tempo, pois já foram
escritos de forma inspirada. Significa somente que agora é possível saber quais
livros são inspirados para toda a Igreja. O pastor protestante não refutou a doutrina
católica, mas a apresentou.
De
fato, a Igreja Católica não inventou a ideia de cânon da Escritura. Os
apóstolos sabiam de sua própria autoridade. Nesse ponto, crendo assim, o que é
verdade, pois o ensino e os escritos dos apóstolos eram inspirados, eram
canônicos, o protestante deve agir coerentemente, e crer que não há livre exame
no Novo Testamento, de modo que os cristãos não podiam legitimamente confrontar
os apóstolos em seu ensinamento, pois seriam refutados e deveria estar sob a
autoridade dos mesmos. Assim, os judeus de Bereia o fizeram por não serem
cristãos ainda, e com certeza os convertidos abaixaram a cabeça diante da
autoridade dos apóstolos de Cristo.
Já
está claro que os apóstolos e discípulos inspirados escreveram e sabiam estar
ensinando a Palavra de Deus, e isso é aceito pela Igreja Católica. Não é isso
que é o cânon, quando discute-se o assunto. O cânon é o momento em que a lista
é definida e apresentada.
Comentário: A Igreja não
construiu, mas recebeu o cânon
Os
sinais de apostolicidade, a leitura comum na Igreja, A Igreja esforçou-se por
encontrar os textos apostólicos. O pastor afirma que isso não significa que a
igreja os definiu. Obviamente está se referindo ao fato de que o texto é
inspirado mesmo antes que alguém o conheça. É claro. Mas a definição que
estamos falando é o momento em que o catálogo completo e indubitável é feito,
de modo que a Igreja pode afirmar que são esses os livros e não outros. Isso é
definição.
Assim,
é verdade que a Igreja recebeu o cânon, mas o caminho para isso foi árduo. No
tempo de Santo Irineu, por exemplo, o cânon não era conhecido. Os livros
inspirados já existiam, estavam todos escritos, circulavam pelas igrejas, mas
ao lado de outros, que também eram reputados como sagrados, trazia um problema
impossível de ser resolvido naquele momento, ou seja, de definir o cânon. O
pastor estuda a palavra apodexometha,
que significa receber, para explicar que a Igreja não criou o cânon mas o
recebeu, o que é a própria explicação católica de toda essa história. Assim,
não há nada de novo, apenas o fato de que os protestantes não conhecem esse
ponto da doutrina católica.
A
ideia de que a Igreja deu caráter sagrado aos livros, que escolheu arbitrariamente
os livros, que foi um processo “de cima para baixo” da Igreja, que entregou os
livros para a comunidade, é uma ideia errada, combatida pelo pastor, mas que
também é combatida pela Igreja Católica. Assim, o autor está refutando uma
ideia que não é a doutrina católica.
Pois
bem. A Igreja Católica Apostólica Romana definiu o cânon. Esse cânon, conhecido
por Deus, foi dado à Igreja. A santa Igreja o recebeu. Assim, com o consenso da
Igreja, expresso em seus muitos concílios, Deus entregou o cânon à Igreja e
essa o definiu infalivelmente.
Comentário: O único registro
fiel da tradição
Quando
a Bíblia ordena a guardar as tradições, essas foram ensinadas pelos apóstolos,
oralmente, e não escritas naquele momento. Assim, esses ensinos foram sendo
transmitidos, pelos bispos, naquelas igrejas antigas, à posteridade, de modo
que a autoridade da Igreja distingue a tradição apostólica em meio a muitas
tradições.
Entre
os escritos patrísticos, os sínodos, concílios, documentos papais, há a
tradição apostólica, Nem tudo o que é escrito reflete a tradição apostólica,
embora seja tradição geral da Igreja Católica.
Assim,
quando a Bíblia manda seguir as tradições, como em 1 Coríntios 11, 2 e 2 Tessalonicenses
2, 15, essas tradições não foram escritas, pois do contrário o apóstolo não as
teria mencionado por nome, mas as identificado uma por uma. Então, há tradições
que não foram escritas, mas que os cristãos, seguindo a Bíblia, como os textos
acima, guardaram. Isso pode ser acessado por meio do ensino da Igreja oficial,
nos seus concílios. Assim, o cânon que foi definido em Cartago, em 397 d. C., é
o mesmo de hoje, pois foi o que os apóstolos deixaram.
Então,
como acessar o cânon bíblico? Pela leitura da Bíblia? Não diretamente, pois não
há a lista dos livros inspirados escrita na Bíblia. Mas, uma vez que a Bíblia
manda ouvir a Igreja, descobrimos o cânon ouvindo a Igreja, em seus concílios,
e acessamos o cânon bíblico inteiro. Por tudo isso, o Sola Scriptura, da forma em que ensinado no Protestantismo, está refutado.
Comentário: O livre-exame da
Escritura
Então,
precisamos mais do que temos na Bíblia? Não, se isso significa que há algo que
esteja falando na Palavra de Deus. Mas, sim, de alguma forma, como foi ensinado
acima: o cânon da Bíblia não foi escrito infalivelmente na Bíblia, mas essa
instrui a ouvir a Igreja, que é infalível, e uma vez que a Igreja ensina o
cânon, temos certeza do mesmo.
O
mesmo ocorre com todas as doutrinas que são discutidas e definidas em
concílios. A Bíblia aponta a autoridade da tradição, e da Igreja, em seu
magistério.
O
texto bíblico possui um significado próprio, e esse é ensinado pela Igreja, nos
pontos discutidos, aqueles que geram dúvidas, que não são claros a todos. Isso ficou
claro acima.
O
mesmo problema é posto pelo pastor aqui. Ele tenta refutar a ideia de que a
Igreja confere autoridade ao texto, o que não é verdade. A Igreja interpreta a
Bíblia para descobrir o seu sentido. Ela está à serviço da Palavra de Deus.
O
processo de interpretação, que é possível a todos, é entregue de forma oficial
por Jesus à Igreja: Quem vos ouve, a mim ouve. Essas palavras possuem sentido desde
os dias dos apóstolos até a parusia.
A
exegese do grego, a oração ao Espírito Santo para que nos revele a verdade, a
comparação com as histórias interpretativas da tradição, que qualquer um pode
fazer, com a formação necessária, é claro, não está com a promessa de Jesus à
Igreja inteira, por meio do seu magistério. De fato, os apóstolos foram os
únicos que receberam a autoridade para ensinar e batizar, e assim o passaram
aos sucessores.
A
Igreja docente é que possui a promessa de ser coluna e sustentáculo da verdade,
e assim, quando há dúvidas, é necessário recorrer à tradição, ao magistério, e
não se ater à própria interpretação nem a qualquer interpretação nova que surja
por alguém em contraposição à autoridade legítima.
O
pastor fala da perspicuidade da Escritura. O homem comum dotado de mínima
habilidade de leitura pode entender as doutrinas da Escritura, e as doutrinas mais
difíceis são poucos.
Portanto,
em primeiro lugar, os protestantes devem reconhecer que para a salvação os
cristãos católicos já possuem o conhecimento da Palavra de Deus.
O
autor protestante, citando Chesterton, afirma de passagem: “que ironicamente
era católico”. Não se trata de ironia, mas Chesterton conseguiu compreender a
verdade católica, e todos os que a compreendem se convertem à fé cristã
católica.
O
pastor fala de “cristãos da cidade de Bereia”, citando Atos 17, 11. No entanto,
eles ainda eram judeus não cristãos. Os judeus de Bereia tinham as Escrituras,
mas a revelação a respeito de Cristo veio dos apóstolos. Após a pregação
apostólica, eles examinaram as Escrituras e se converteram.
Nenhum
cristão podia discordar da interpretação dos apóstolos, já que eles eram
inspirados, tinham consciência de sua autoridade, e estavam certos daquilo que
ensinavam. Os de fora, judeus e pagãos, podiam discutir com os apóstolos, e uma
vez convertidos se colocavam sob a sua autoridade, que era conferida pelo
próprio Jesus Cristo.
Não
aceitando isso, o pastor contraria sua própria compreensão da inspiração dos
apóstolos, que o mesmo expõe em seu texto.
Comentário: A suficiência da
Escritura
A
respeito da suficiência da Escritura, ao citar 2 Timóteo 3, 14-4,5, em si mesma
a Bíblia é suficiente. Mas, e para o leitor? Se for mal compreendida, pode ser motivo
de perdição, porque aqueles que são ignorantes das coisas de Deus distorcem as
Escrituras para sua própria ruína (cf. 1 Pedro 3, 16).
Desse
modo, é preciso ter o sentido correto da doutrina bíblica. Assim, o texto de
Efésios 4, 11-16 ensina a suficiência da Igreja, o que está conforme já
explicado acima. E ainda assim, os que não ouvem a Igreja estão fora do rebanho
de Cristo. A Bíblia aponta para a Igreja Católica, e a Igreja Católica ensina o
que está na Bíblia.
Comentário: Conclusões e aplicações
O
cânon foi definido em concílio. Antes disso, havia dúvidas. Dessa forma, a
Igreja reconheceu e recebeu o cânon. As tradições são poucas que estão fora da
Bíblia, mas são importantes, por serem Palavra de Deus e serem ordenadas na
própria Escritura. Assim, algumas doutrinas, a forma de batizar, o sinal da
cruz, o modo essencial de celebrar a liturgia, certas festas litúrgicas, e etc,
que são todas bíblicas, estão mais claras na tradição, são de origem
apostólica. É preciso obedecer a Bíblia, e assim devemos crer na tradição e na
Igreja.
Comentário: Para concluir, cinco
aplicações para a vida:
Os
cristãos católicos têm a Bíblia na mais alta conta. Pelo exposto acima se vê
como é que devemos entender o Sola
Scriptura segundo a doutrina católica. Os pronunciamos infalíveis da Igreja
ensinam as verdades bíblicas. A Palavra de Deus é a norma. Tudo o que a Igreja
Católica ensina está conforme a Bíblia.
Esse
estudo foi feito a partir do capítulo um do livro O Cristão Reformado, do
pastor Yago Martins.
Gledson Meireles.
Nenhum comentário:
Postar um comentário