sexta-feira, 10 de março de 2023

Livro: A lenda da imortalidade da alma, sobre as almas debaixo do altar

Refutação: As almas debaixo do altar 

A visão do Apocalipse 6, 9, onde as almas estão debaixo do altar, conscientes, e recebem vestes brancas, é problemática para o mortalismo, ainda que se trate de texto simbólico.

É uma passagem que demonstra a imortalidade da alma, e, caso se negue a existência da alma, deve-se fazer o maior esforço para explica-la. De certa forma, é inverter o sentido e fazer esforço para explicar algo que antes era simples.

De fato, toda a cena é uma simbologia, mas é um fato de que a visão descreve almas dos mortos que estão clamando por justiça e recebendo vestes. Isso é muito curioso, de forma a ser um texto dificílimo para o mortalismo explicar.

Mas então, para o mortalismo, o que significa a realidade espiritual concreta para essa cena do Ap 6, 9, já que essa doutrina ensina que as almas dos mortos não existem?

Um argumento seria que as almas não poderiam falar, assim como não falam os trovões e o altar (cf. Ap 10, 3; 16, 7), pois tudo é simbólico. Contudo, a hermenêutica ensina que um texto deve ser lido no seu sentido simples, a menos que o contexto exiga algo diverso. Sendo que as pessoas podem falar, suas almas logicamente também podem. Assim, não há necessidade de introduzir outro significado para o fato de que as almas estão falando.

Pelo contrário, quando se diz que o altar falou, isso deve indicar algo diverso, pois altares, que são coisas inanimadas, não falam, pois é algo patentemente claro que um altar não pode comunicar-se falando como pessoa. Então é natural que esse pormenor do texto é simbólico.  Afirma-se, no mortalismo, que os mortos salvos estão purificados, mas se não existem, porque aparecem ali, antes da ressurreição? Não se simboliza algo que não existe.

O autor fala de hermenêutica, das suas regras mais básicas. Contudo, para pensar que as almas falam e estão conscientes, não há nenhuma regra sendo quebrada. É apenas a leitura simples do texto, que harmoniza-se com a doutrina da imortalidade da alma perfeitamente. E que nega o mortalismo frontalmente.

De fato, os termos empregados no Apocalipse afirmando que os mártires estão pedindo por justiça debaixo do altar de Deus, e que receberam vestes brancas para descansarem um pouco mais até que a justiça de Deus se cumpra, era uma grande esperança para toda a Igreja que sofria perseguições naqueles dias. Sim, a justiça de Deus virá. Mas, o que os mártires já ganham no presente momento nessa história toda? Pelo ponto de vista do mortalismo, eles não recebem nada ainda, apenas há a promessa garantida. Então, toda a cena se enfraquece.

Na verdade, a visão não parece em nada como se os cristãos fossem mortalistas e não cressem em almas. Pelo contrário. O texto simbólico não requer nenhuma literalidade, mas indica que os mártires estão em paz, que seu pedido foi aceito, que estão em repouso aguardando o dia em que verão a justiça divina contra os maus. No entanto, esses símbolos não são tão difíceis assim.

De fato, isso concorda com o fato de que os mortos estão com Cristo (cf. Fl 1, 23), e que estar longe do corpo é estar com Cristo na morte (cf. 2 Cor 5, 8). Por isso, a passagem de Ap 6, 9 não está sozinha para provar a imortalidade da alma. Os mortos estão com Cristo, e a veste branca que recebem simboliza essa vitória já antecipada, algo que já consola antes da ressurreição e do juízo final.

Mesmo o texto de Ap 14, 13 significa que há algo diferente para os mortos a partir de Cristo, que morrem no Senhor, pois descansam e suas obras os acompanham.

Se os mortos não existissem, que diferença haveria nesse descanso, já que os ímpios também estariam figuradamente descansando, já que na realidade, por enquanto, os mortos nem salvos nem ímpios existiriam mais.

Diante disso, então, o Ap 14, 13 significa que noi Antigo Testamento os mortos experimentavam outro estado na morte, pois afirma que “de agora em diante” os mortos são bem-aventurados. Eles experimentam a bem-aventurança. Só a imortalidade da alma torna isso capaz. Assim, basta verificar que Ap 6, 9 diz que os mártires gritavam, mas a cena não para aí, já que eles foram atendidos ali na recepção das vestes e na mensagem de que poderiam descansar.

Isso desfaz toda a argumentação sobre o suposto “barulho” que essas almas estariam fazendo quando se explica a realidade da imortalidade da alma. Isso não é o que o texto implica, pois o mesmo diz que eles agora descansam vestidos de branco, na glória celestial.

Para o mortalismo é que o problema fica mais sério, já que esse novo estado das almas “de agora em diante” no Novo Testamento, e o poder estar vestido de vestes brancas até o dia em que Deus irá julgar a humanidade, são coisas que para o mortalismo não poderiam ser experimentadas pelas almas, pois nessa doutrina elas não existem, estão inconscientes por não existirem, não podem ser felizes nem receber nada no período intermediário, mas somente na ressureição. Porém, o texto aponta para o período entre a morte e a ressurreição no céu, o que faz a doutrina mortalista ruir.

Aquela cena do Apocalipse significa que os mortos estão na paz de Cristo (descanso das obras, vestes brancas) e que a justiça de Deus contra os injustos está garantida.

As almas estão debaixo do altar do sacrífico, como o sangue das vítimas, sugerindo a “morte não-natural dos mártires”, como está na citação do Dr. Bacchiocchi. Mas isso encontra um obstáculo ainda na visão mortalista. Basta pensar. São João não viu sangue, mas almas conscientes que vestiram roupas. Então, viu a forma dos corpos, as pessoas mortas ali, os mártires recebendo a graça da salvação para descansarem em Cristo.

Deus não se esqueceu dos mártires e irá vingar o seu sangue. Isso pode ser concebido tanto na doutrina mortalista, quanto na doutrina tradicional imortalista. Porém, os mártires recebem vestes. O que isso faz de diferente quando se tem em mente que na morte não haveria ser, mas a extinção completa do mesmo? Portanto, essa realidade só faz sentido se as almas já experimentam a glória e a presença de Deus e de Cristo.

São João não viu o sangue dos mártires, mas suas almas. A simbologia é praticamente a mesma, mas sua visão foi plena de significado de que existe alma imortal, fora do corpo, no céu, após a morte. É essa a implicação da cena inteira, simbólica por sinal, mas que implica consciência e existência para que possam receber algo de Deus.

A interpretação que o mortalismo apresenta é interessante. A cena de Ap 6, 9 seria o clamor de Israel pelo sangue daqueles que morreram. Então, Deus estaria respondendo aos vivos como se tivesse Se dirigindo aos mortos. A cena simbólica não teria nada a ver com alma debaixo do altar como espíritos que apareceram a São João.

Contudo, a explicação para “ὑποκάτω” (debaixo) não foi satisfatória. De fato, não pode ser que esse termo signifique sempre debaixo da terra, pois a expressão é “ὑποκάτω τοῦ θυσιαστηρίου” (debaixo do altar), diferentemente de Ap 5, 13 que diz: “ὑποκάτω  τῆς γῆς” (debaixo da terra).

Ademais, Ap 6, 9 afirma que São João “viu” as almas daqueles que foram mortos. Foi uma cena vista pelo apóstolo, onde as almas estavam ali, debaixo do altar, gritando, e que ouviram uma mensagem e receberam vestes brancas. Tudo conforme a visão, e não apenas uma mensagem que simbolicamente significa que Israel clamou a Deus e Deus respondeu que fará justiça contra os que mataram Seus servos. Essa explicação não tem a cena em consideração. Deus não falou aos vivos em relação aos mortos, mas a mensagem fois dada diretamente aos mortos.

Assim como ele viu cavaleiros, espada, a morte personificada, a morada dos mortos, etc, trazendo com isso uma mensagem, assim também viu as almas ali sob o altar, o que também possui sua mensagem própria.

O altar fala em Ap 16, 4-7 porque traz o apelo dos mártires, simbolicamente. Pode-se entender que, como o altar não fala, a voz seria a dos mártires.

No entanto, a cena dos mártires sendo vistos em suas almas é o fato em si que prova a existência das almas após a morte, assim como a visão dos anjos com vestes e coroas e etc., que é claramente simbólica, mas prova categoricamente que eles existem, ainda que estejam entre visões de animais, personificação da morte, da morada dos mortos acompanhando cavaleiros, de trovões que falam, etc.

Se existem outras coisas que são personificações, que em si são inanimadas e não existem como ser, a exemplo da morte, isso não prova que os demais elementos que compõem a visão também não existam, pois os anjos estão em toda a cena e se referem à realidade da existência dos anjos. Assim como os anjos em símbolos reportam aos anjos literais, as almas dos mortos em símbolo significam literalmente as almas dos mortos. Nenhum desses casos nega que anjos existam, assim como não interfere na existência da almas imortais que aparecem nesses símbolos apocalípticos.

Afirmar que a visão de Ap 6, 9-11 não foi literal não explica o fato, já que São João viu as almas falando, assim como Ap 20, 4 ele viu as almas que voltaram a viver. Essa expressão pode também significar que as almas voltaram ao corpo, à vida física, pois em si as almas não morrem.

Se em Ap 6 as almas dos mortos falavam e recebiam ação em seu favor, enquanto estavam no estado de morte, agora elas voltam a viver, voltam ao corpo para a vida física. Tudo conforme a imortalidade da alma, e não de acordo com o mortalismo.

O argumento é que esse texto é o único em que “uma alma falecida é apresentada com vida em algum lugar”. De fato não é bem assim. Entretanto, tudo isso está conforme a teologia bíblica. Basta lembrar que a parábola do rico e Lázaro fala de ambos os mortos em seu estado espiritual, como almas, pois mostra que tudo está se passando entre a morte e a ressurreição, o que está conforme a imortalidade da alma, e de acordo com a cena de Ap 6, 9-11. Já são duas passagens estudadas que estão conforme o imortalismo.

Para liquidar totalmente com o argumento mortalista, vamos reafirmar em outras palavras a argumentação bíblica sobre a cena.

É preciso notar que todos os sinais e símbolos do Apocalipse foram vistos e ouvidos por São João. Jesus aparece como Filho do Homem, vestido de linho, com cabelos brancos, etc., uma visão essa que faz o apóstolo cair como morto (cf. Ap 1, 12-16).

Também ele viu um cordeiro como que imolado. De fato, a visão foi do animal, parecendo que estava morto, mas de pé. Esse cordeiro significa Jesus, mas a figura do cordeiro foi vista. Isso porque Jesus é o Cordeiro de Deus.

Da mesma forma, a morte foi vista, em algum símbolo, como se fosse pessoa, certamente, mas o fato é que significa o estado de morte, que é algo real, pois a morte em si não se pode ver, mas apenas os seres mortos.

Assim, quando São João vê almas dos mortos, a cena é irrefutável, e destrói o mortalismo, visto que é possível ver almas dos que morreram, mostrando que há dualidade na natureza humana, pois o apóstolo não viu os que haviam morrido como vivos e ressuscitados, mas como almas fora do corpo que estavam conscientes, falavam, ouviam e agiam e podiam ser vestidas. Isso implica que a visão fundamenta-se na dualidade corpo e alma, onde as almas apareceram na visão. E a existência da alma no ser humano não é encontrada apenas nessa cena, mas é encontrada em muitas passagens bíblicas.

Caso não existisse alma imortal, como afirma o mortalismo, que não concebe a alma separada do corpo, a cena seria impossível, ou seria estranha. Como o apóstolo entenderia e explicaria a figura de almas dos mortos se essa concepção não existisse entre os cristãos?

Mais ainda. Se a veste branca é símbolo da vitória, e mesmo da ressurreição, como está em Apocalipse 3, 5, cada uma das almas ao receber as vestes brancas teria com isso a promessa de que já participam daquela glória de andar com Cristo, antes mesmo da ressureição, pois a passagem é clara que eles devem esperar e descansar ainda. Essa esperança alimente os cristãos vivos, mas seria inócua para os mortos, se não existissem os mortos que recebem vestes.

É muito importante notar que as vestes brancas chegam aos mortos, às almas dos mortos, antes do dia final, no estado intermediário, antes da ressurreição, o que indica que de fato estão no céu. Esse ato espiritual que ocorre aos mortos no estado intermediário seria vazio se os mortos não existissem.

Assim, a visão não é de sangue, nem de mortos no cemitério com vestes brancas nos túmulos, pois para isso dever-se-ia falar da ressurreição dos mártires na visão, fazendo-os receber as vestes e voltar ao túmulo, o que é absurdo e não tem a ver com a cena em questão. Isso seria uma implicação do mortalismo para explicar a visão. Não que o mortalismo afirme isso, mas diante das suas explicações surge essa implicação errônea.

Então, vestir-se de vestes brancas, de linho finíssimo e resplandecente (cf. Ap 19, 8) é existir, pois se os mortos caem na inexistência seria impossível que os mortos recebessem qualquer boa ação de Deus, e então não experimentariam nada.

Quando Cristo afirma que os que vencerem andarão com Ele vestidos de branco (cf. Ap 3, 4-5), isso prova que as almas já podem participar dessa promessa (cf. Ap 6, 9-11). Os mortos estão puros, sendo essa sua condição espiritual.

Poderíamos usar uma exemplificação a mais para entender essa passagem contra a intepretação mortalista. De fato, cada figura que o apóstolo são João viu representa uma realidade e, na maioria das vezes, o símbolo é a própria realidade.

De fato, em Ap 6, 8 aparecem um cavalo esverdeado com um cavaleiro que “tinha por nome Morte”. Quem era então o cavaleiro? A morte. Desse modo, o símbolo visto em forma de pessoa, e que tinha por nome morte, significava o poder da morte, aquilo que representa o fim da vida do ser humano na terra, esse poder maléfico que atinge o pecador.

Ainda, foi vista “a região dos mortos”, que seguia o cavaleiro. Essa região dos mortos vista em símbolo significa de fato o lugar onde estão os mortos. Isso pode ser a região física, o cemitério, e o lugar espiritual, o sheol, que aqui é simbolizada por uma imagem que aparece como a região dos mortos. Essa região chama-se “ᾅδης” (Hades) em grego. Então, a imagem do Hades que aparece a São João significa o Hades, a região dos mortos.

 

Assim, as almas que foram vistas sob o altar simbolizam verdadeiramente as almas dos mártires, e nada mais.

Símbolo

Significado

Cavaleiro Morte

A Morte

Hades

Hades

Almas dos mártires

Almas dos mártires

 

A morte e o Hades foram figurados para indicar a realidade dessas coisas inanimadas, mas as almas não, já que a alma é a vida do ser humano, e não algo inanimado. De fato, como os anjos, que significam anjos, as almas simbolizam as almas. Muito simples.

De maneira interessante, cada coisa invisível pôde ser vista pelo apóstolo: a morte, o Hades, as almas. A morte, esse poder mortal invisível foi visualizado. Também o lugar que detém os mortos apareceu ao apóstolo. E as almas dos mortos também foram vistas, simbolizando as almas de todos os mártires.

Podemos dizer, finalmente, que tudo o que foi visto aí tem a sua existência real no mundo: o fato da morte, o lugar dos mortos, as almas dos falecidos. Não há como negar que cada símbolo está ligado à sua realidade sem que tenha que fazer qualquer esforço para entender a visão.

No entanto, o mortalismo afirma que os mortos não existem. Se assim fosse, como o mortalismo ensina, a cena perderia toda a possiblidade e o sentido também seria afetado. É preciso aceitar que a verdade espiritual ensinada na cena parte da própria cena que foi vista pelo apóstolo São João, como explicado acima, e que fundamenta a dualidade da natureza humana, demonstrando a existência das almas imortais.

Gledson Meireles.

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