domingo, 26 de março de 2023

Interpretação de Mt 10, 28 e Lc 12, 4-5 pelo mortalismo

O mortalismo e Mateus 10, 28

A doutrina mortalista está convencida de que não existe alma espiritual imortal. A alma seria apenas um aspecto do corpo, e sendo material como o corpo perece na morte pois não é separável da máteria.

Tentativas de explicar passagens bíblicas que contrariam essa versão são muitas. O Dr. Samuele Bacchiocchi fez esforço imenso para adequar o sentido de alma, como concebe a doutrina mortalista, em textos como Mateus 10, 28 e Lucas 12, 4-5.

Em seu estudo sobre o termo alma, o mesmo afirma que o sentido de alma foi ampliado, e passou a significar também a “vida eterna”, a vida de obediência, enquanto que, contrastando com isso, o corpo seria a vida de desobediência.

Entretanto, se o texto afirma que Deus pode destruir a alma e o corpo no inferno, a alma seria mortal. Em sua concepção a alma teria agora o sentido de “vida eterna recebida por aqueles que estão dispostos a assumir um compromisso sacrifical com Ele”. Com isso, ele tenta introduzir esse sentido em Mateus 10, 28.

O problema é que, ao fazer isso, o texto ensinaria que Deus pode destruir corpo e vida eterna. O corpo seria a existência terrena e a alma a vida eterna. Antes, segundo o autor, o corpo teria o sentido de vida de desobediência e alma o de vida eterna.

Mas ao ler o pretendido novo sentido de alma no texto, os significados se misturam, onde corpo mantem o sentido mortalista, ontológico, e a alma o novo sentido que o autor indicou.

Ainda, na segunda parte do texto o mesmo teria o sentido de “ser integral”, quando na primeira parte do versículo teria adotado outro sentido. Vê-se assim que o significado sugerido não explicou o texto e causou confusão.

 

O mortalismo e Lucas 12, 4-5

Os homens podem infligir a morte, mas Deus pode ressuscitar. Esse seria o sentido para o mortalismo. A citação de Fudge afirma que Deus pode matar corpo e alma, aqui e no além.

Isso é interessante, mas uma vez que a morte seria inexistência, não havendo ressurreição, os mortos não existiriam. A mesma morte que Deus poderia fazer. Essa noção já contraria o texto.

Depois, o dr. Bacchiocchi refere-se à não menção de alma no texto de Lucas, afirmando que o mesmo fala da destruição do ser integral no inferno. Mas o texto afirma que “depois de matar” é que Deus lança no inferno.

Essa referência ao ato de matar é para indicar que o que Deus pode fazer ultrapassa o que os homens podem. Os homens matam e nada mais, Deus pode, além de matar, lançar no inferno.

Lendo essa passagem com Mt 10, 28 essa ação seria a mesma que destruir alma e corpo no inferno. Dessa forma, a alma que não pode ser atingida pelo homem, mas pode agora, com o corpo, ser atingida no inferno. Assim, a alma é parte do ser humano, e não vida eterna ou obediência.

Na morte física não sobre nada, segundo o mortalismo, e na destruição divina, com diz o autor, “nada sobrevive”, o que é o mesmo. Esse problema não condiz com as passagens estudadas. É uma incoerência interna, visto que a morte física e extinção do ser até a nova criação da ressurreição, e a segunda morte é a extinção do ser novamente, sem promessa de ressurreição. Em ambos os casos a morte é idêntica.

A citação de Lucas 9, 25 corrobora que alma é a pessoa, é o ser. Uma vez que perder a alma é perder-se. Não há, de qualquer forma, nada contra a doutrina da imortalidade da alma.

Eis que o autor, para diferenciar uma morte da outra, a primeira seria “pôr uma pessoa a dormir”, e a segunda seria a destruição final. Essa seria o inferno.

Outra vez, não há resolução do problema, a menos que o autor ensinasse que a alma continua existindo, que há dualidade corpo e alma, que a alma se separa do corpo, e que a mesma dorme, inconsciente, e que, segundo o mortalismo, só irá desaparecer na segunda morte. Não sendo assim, é apenas uma metáfora que não resolve o problema. As duas mortes, no pensamento mortalista, são iguais.

Com isso, a leitura seria que os mortos não estão mortos, mas dormindo, visto que serão ressuscitados.

Contudo, a exegese confusa, por causa da doutrina mortalista, procura utilizar os mesmos termos. O autor fala da morte eterna como destruição eterna do corpo e da alma, o que não faz sentido, visto que os desobedientes não possuem vida eterna, que seria o sentido que o autor sugeriu para o termo.

Sendo assim, a destruição deveria ser apenas do corpo, como pessoa integral, ou como vida de desobediência, como explicou. Essa leitura não é admitida no texto bíblico.

O autor tentou ir além, mostrando que o sentido expandido de alma teria a ver com “o caráter e personalidade de um crente”. A alma teria o sentido de vida eterna, o que relaciona-se com esse caráter do salvo.

Assim, na leitura do texto bíblico introduzindo tal sentido, os homens podem matar o corpo, que seria a pessoa inteira, mas não podem matar seu caráter ou personalidade. O problema é que a ameaça divina, para serve para os ímpios, Deus destruirá alma e corpo, o que seria destruir a vida eterna, o caráter ou personalidade, que seria somente dos crentes. Essa leitura por isso não é suportada pela passagem bíblica.

Diante disso, a alma é de fato parte da natureza humana nessas passagens, e nenhuma tentativa mortalista conseguiu explicá-la convincentemente, gerando vários problemas.    

Quando Cristo afirmou que Ele é a ressurreição e a vida, mostrando que o que nEle crê não morrerá jamais, isso estava no contexto em que a ressurreição dos mortos no último dia foi mencionada. Assim, a fé em Cristo já garante a vida antes da ressurreição, o que é possível relacionar-se com a imortalidade da alma.

Em Lucas 9, 24-25 a vida é a vida física, que se for perdida por Cristo garante sua retomada para viver para sempre. Não há na passagem psiquê no sentido de vida eterna, nem de alma imortal. De fato, não se fala de psique eterna, para parafrasear o argumento mortalista que diz não encontrar alma imortal na Bíblia.

Gledson Meireles.

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