Refutação do item: O evangelho pregado aos mortos
A própria passagem de 1 Pedro 4, 6 mostra que os “mortos” são de fato as pessoas que morreram literalmente, fisicamente, e não espiritualmente. De fato, o texto diz que “também” ou “até” os mortos foram evangelizados.
Todos os que ouvem a pregação do evangelho são primeiramente mortos em pecados e vivem após a conversão. Assim, sempre se prega o evangelho, ordinariamente, naturalmente, logicamente, aos mortos.
Mas, agora, o texto diz que também aos mortos foi pregado o evangelho, o que só pode ser aos mortos que estão na mansão dos mortos.
O texto lembra o julgamento do pecador em 1 Coríntios 5, 5, que tem como sentido a excomunhão, que serve para a destruição da carne e a salvação do espírito no dia do Senhor.
Em 1 Pedro 4, 6, os mortos são condenados na carne, julgados de segundo os homens na carne, para que possam viver segundo Deus no espírito.
As traduções trazem o sentido de que o evangelho foi pregado “também” aos mortos, “até” aos mortos, traduzindo a conjunção kai (que significa e, até, também, segundo a Strong´s Concordance 2532). O contexto determina o sentido. Assim é que em Mateus 8, 27 a conjunção tem o sentido de até: “que até os eventos e o mar obedecem?”.
O argumento é que o texto diz que os mortos deverão prestar contas a Deus. Também afirma que isso implica em que os mortos não foram julgados ainda, porque sem julgamento não pode ter sido lançados em nenhum lugar. O problema é que os anjos estão presos em trevas eternas aguardando o juízo, o que prova que é possível ter sido lançado em um lugar antes do juízo final.
Outro argumento é que o vero kerusso seria um outra pregação ou proclamação, e que seria a vitória da cruz que Jesus foi proclamar aos anjos.
Há uma ligação do verso 5 e do verso 6. O v. 5 trata dos pecadores que terão de dar contas a Jesus, pois Jesus vai julgar vivos e mortos. Assim, quando morrerem terão de prestar contas diante do tribunal de Cristo. Jesus foi constituído juiz dos vivos e dos mortos.
O verso 4 mostra que “eles” estão vivos, cometendo muitos pecados, e que “darão conta” a Deus. São os mesmos que cobrem os cristãos de calúnia. Essa passagem não parece tratar de ímpios que já estavam mortos.
Porque por isto foi pregado o evangelho também aos mortos, para que, na verdade, fossem julgados segundo os homens na carne, mas vivessem segundo Deus em espírito.”
Diante disso, a explicação do livro mortalista não faz sentido:
“É
por isso que Pedro diz que a razão do evangelho ter sido pregado aos mortos é
porque eles terão que prestar contas a Deus no dia do juízo, já que é
justamente o fato deles terem sido evangelizados que os tornava indesculpáveis
perante Deus.”
Caso assim fosse, o evangelho não teria sido pregado
aos mortos, já que eles estariam vivos no tempo em que ouviram a mensagem da
salvação. O texto poderia ter dito que ‘por isso o evangelho foi pregado a
eles’.
Não faz sentido dizer que os pecadores que agora estão
perseguindo a Igreja deverão prestar contas as Deus pois foi por esse motivo
que o evangelho foi pregado aos mortos! Na verdade, o evangelho é pregado
sempre aos vivos. A única ocasião em que houve pregação aos mortos foi quando
Jesus desceu à mansão dos mortos.
Voltemos ao texto e vejamos que a explicação do motivo
do evangelho ter sido pregado aos mortos é que Jesus irá julgar vivos e mortos.
Assim, os mortos ouviram o evangelho enquanto mortos. Os mortos que ouviram o
evangelho para viver no espírito.
Agora, temos ocasião para duas coisas. A primeira é
mostrar que a dualidade humana explica melhor os textos bíblicos, pois mantem a
inteireza do ser, o holismo bíblico. No entanto, o holismo apregoado pelo
mortalismo, que afirma que não há separação corpo e alma, esse possui certas
falhas ao tentar explicar muitas passagens como está sendo provado no presente
estudo.
Assim, o texto de Romanos 8, 10 afirma: “Ora, se Cristo está em vós, o corpo, em
verdade, está morto pelo pecado, mas o Espírito vive pela justificação”. O
corpo material, que sofre com a morte a degradação total, já está morto através
do pecado. Essa parte material do ser humano é afetada pelo pecado, pela
fraqueza da concupiscência, de forma mais brutal que o espírito, pois o verso
11 afirma que o Espírito Santo dará vida aos “corpos mortais”. Isso o
mortalismo faz questão de negar, quando critica a ressurreição como sendo
apenas a vida do corpo que volta.
Mas, na linguagem de Romanos 8, 11, temos que Deus
dará vida aos corpos mortais. O texto afirma que no homem vivo o corpo está
morto por causa do pecado e o espírito está vivo por causa da justificação. Na
ressurreição, então, o corpo receberá a vida. Isso mostra a dualidade do ser
humano, corpo e alma distintos.
Se o mortalismo afirma que não há separação, como explicar
que o homem está morto no corpo, que ainda não recebeu redenção, mas vivo no
espírito? Se o corpo só receberá a vida, pela glorificação, na ressurreição, e
o espírito já está vivo, isso já explica o motivo dos mortos serem julgados na
carne mas poderem viver no espírito segundo Deus, como está em 1 Pedro 4, 6.
“Se o Espírito
daquele que ressuscitou Jesus dos mortos habita em vós, ele, que ressuscitou
Jesus Cristo dos mortos, também dará a vida aos vossos corpos mortais, pelo seu
Espirito que habita em vós”.
O mortalismo explica que a antítese carne-espírito e
carne-alma é apenas ética e não ontológica. Teríamos então que o corpo está
eticamente morto e o espírito eticamente vivo. O mesmo ser está morto e vivo,
morto quanto ao pecado e vivo quanto à justificação. É compreensível, e
bastante plausível.
O que fica mais interessante, porém, é que o contexto
todo trata da morte física, afirmando que Jesus ressurgiu dos mortos e que a vida será dada aos corpos mortais. Se
isso é apenas ético, então a vida será dada a vós inteiramente, já o corpo está
morto pelo pecado e perecerá na morte física. E, então, o Espírito Santo irá
ressuscitar o corpo, que é a pessoa inteira.
No entanto, se temos que o corpo está morto e o
espírito está vivo, e que o Espírito Santo habita no salvo, então se vê que o
Espírito Santo está no espírito do homem, na alma imortal, e não no corpo.
Assim, através da habitação do Espírito na alma, haverá também a ressurreição
do corpo que não possuía a vida, por causa do pecado, em primeiro lugar, e por
causa da morte.
O espírito humano, por sua vez, na justificação, já
recebe a vida, e portanto na morte continua com a vida da graça. Isso parece
fazer maior sentido, quando se tem corpo e espírito como partes ontológicas.
É claro que o mortalismo reconhece que o espírito não
é apenas o princípio de vida, mas também a fonte da vida psíquica e racional,
como explica o dr. Samuele Bacchiocchi.
Mas, então, o Espírito Santo estaria vivificando o
homem em sua mente e razão, enquanto que o corpo e suas moções estariam mortas.
O homem, sendo indivisível, estaria tendo em si algo mortificado e algo
vivificado. Essa mortificação então deveria atingi-lo todo, e a vivificação
igualmente, o que tornaria algo contraditório.
Na morte, o que foi mortificado perece, e o ser é
extinto. Para que serviu o espírito que estava vivo pela justificação? Para o
mortalismo tudo desaparece na morte e volta na ressurreição. Então, os mortos
não viveriam no espírito segundo Deus, já que não existiriam. Isso torna sem
sentido a explicação clara da vida no espírito usufruída pelos mortos.
Se o corpo que ressuscitará é a pessoa inteira, já que
não havia nada que sobrou na morte, se é apenas aspecto da pessoal total, então
por que se diz que será dada a vida aos corpos na mesma passagem que contrasta
o corpo morto em pecado e o espírito vivo em justificação? Se a pessoa inteira
receberá a vida, todos os aspectos seriam vivificados. Porém, a passagem de
Romanos 8, 11 afirma que o Espírito Santo que habita na pessoa regenerada faz o
espírito viver, não o corpo, que receberá vida na ressurreição.
Somente na ressurreição se tem a “redenção do nosso
corpo”, o que é mais uma frase que indica o sentido ontológico que o ético
apenas.
Nessa concepção mortalista, onde o corpo é
figuradamente mostrado como submisso à influência do pecado ou ao pode do
Espírito, no sentido de que toda a pessoa está sendo referida, fica difícil
entender que o corpo está morto, denotando a pessoa total estando morta, e o
espírito está vivo, denotando a pessoa total estando viva. Parece não caber
perfeitamente esse emprego figurado nessa passagem.
O corpo é corpo de pecado, corpo desta morte, em
Romanos 6, 6, e 7, 24. Não parece ser somente no sentido de quando se torna
instrumento do pecado. De fato, o corpo está sempre presente na vida humana, e
o texto afirma que deve ser mortificado e que a redenção é esperada (cf. Rm 8,
23). O corpo é para o Senhor e o Senhor para o corpo, e Ele ressuscitará “a nós
pelo seu poder”.
O dr. Bacchiochi afirma que o corpo deve ser renovado
neste mundo, sendo isso a pessoa inteira, pois é templo do Espírito Santo, e
ressuscitado no mundo por vir, sendo também a pessoa inteira (Imortalidade ou
Ressurreição, p. 100).
No entanto, ainda não fica claro que a redenção em
Romanos 8 é esperada para o corpo, já que o espírito já está vivo. Isso sugere
que o monismo mortalista possui essas limitações.
O mortalismo ensina que
o corpo é a pessoa inteira. As passagens que falam de corpo e espírito ou corpo
e alma seriam apenas expressões de aspectos da pessoa. O imortalismo entende
bem essas verdades, e os mortalistas precisam reconhecer que não há aí nenhuma
prova contra a imortalidade da alma.
Quando Jesus afirma que
o espírito está preparado e a carne é fraca, e São Paulo afirma que serve a
Deus no espírito e ao pecado nos membros, essa noção é bem explicada pela
perspectiva ética, visto que a dualidade humana também não separa drasticamente
corpo e alma, pois o que atinge o corpo chega também à alma e vice versa.
Assim, os exemplos
apresentados de corpo como pessoa integral, para defender um sentido ético do
contraste corpo e alma, não difere do que é usado nos dias de hoje.
Desse modo, como o
português há não muito tempo ainda utilizava almas para falar de pessoas, o
corpo é citado hoje com o sentido de eu. O corpo como aparece em 1 Coríntios
13, 3 não apresenta diferença essencial do que temos como conceito. Alguém que afirme cuidar do seu corpo está
dizendo que cuida de si mesmo, como um todo.
O que a doutrina da
dualidade da natureza humana explica melhor, sendo superior nesses casos,
porém, sãos as passagens em que é possível ter experiências sem o corpo, como
quando São Paulo teve a visão do céu e afirma que não sabe se estava no corpo
ou fora dele.
Também quando é
possível servir a Deus despido, ou seja, sem o corpo, ou quando os mortos vivem
segundo Deus no espírito, quando na carne foram julgados pela morte.
Ainda, quando o
apóstolo afirma que deseja partir e estar com Cristo, não é somente o “anseio
de ver um fim para a sua angustiada existência e estar com Cristo”, pois o
mesmo diz que o morrer é lucro, o que torna claro que na morte há encontro com
Cristo, pois que no corpo ele está longe do Senhor, o que mostra que há
separação corpo e alma, onde longe do corpo na morte é possível ter melhor
união com Cristo.
Ainda que o mortalismo
veja essa linguagem como poética de fé, e não de lógica da ciência, ela implica
que de alguma forma há encontro com Cristo na morte. A perspectiva monista não
explica tais coisas.
Para o mortalismo é
impossível ter uma visão sem o corpo, como é impossível sair do corpo e estar
com Cristo, como é impossível viver no espírito estando morto, pois a extinção
do corpo extinguiria o espírito igualmente. Portanto, o mortalismo é uma visão
limitada. De
qualquer forma, o texto é claro de que o evangelho foi pregado aos mortos.
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