sábado, 18 de abril de 2020

O Cristão Reformado: sola gratia

Sola gratia

É esse ponto da doutrina protestante, e de forma particular, no ramo reformado, ensina que a totalidade da salvação é pela graça, entendendo que o homem não tem participação nenhuma quanto ao mérito, não podendo contribuir com nada, nem mesmo quanto à noção de cooperação. Ainda que na santificação haja essa sinergia, os reformados não entendem que isso tem qualquer ligação com a salvação, mas que é apenas fruto dela.

Esse entendimento leva a crer que tudo já está disponível, a eleição, a predestinação, a redenção, a santificação, os dons, apenas devendo ser entregue ao eleito, e só ao eleito, já que ninguém mais pode participar dessa realidade. Então, toda a vida cristã é resultado da graça de Deus.

Algo que se deve considerar aqui é a questão do pecado, já que também o reformado crê que não há liberdade para viver no pecado. Há, porém, muitos que inebriados com a ideia de que nada que façam pode afetar a salvação, que com frequência caem em pecados e vão perdendo a capacidade de arrependimento, já que tudo é pela graça, que não se merece nada, mas também não pode desfazer a graça de Deus, nem deve viver com a ideia de punição. Isso pode levar a um grande relaxamento espiritual. Essa segurança não raramente alimente o orgulho.

Essa é a doutrina e uma pequena contribuição crítica sobre a mesma, da forma que é ensinada pela teologia reformada.

No presente estudo, veremos o que a Igreja Católica ensina sobre a graça, utilizando de fontes protestantes para aprofundar a reflexão. Essa não é uma parte fácil de ser entendida na teologia cristã católica, e por isso tantos a entendem mal. É por esse motivo que apóstolos tiveram que várias vezes exortar os cristãos a não viverem no pecado, pois a pregação da graça parecia insinuar que a vida de pecado era algo irrelevante.

 
O cristão católico e a graça

A teologia católica ensina que a graça é o favor ou socorro gratuito que recebemos de Deus. Nós recebemos a graça para poder responder ao convite de Deus. (Catecismo da Igreja Católica, número 1996).

Ainda, ensina que a vocação para a vida eterna é “dependente integralmente da iniciativa de Deus”. Não há nada em nossa inteligência e nossa vontade que possa alcançar a Deus por si mesma. (CIC, 1998)

A graça é fonte da nossa santificação (2 Cor 5,17-18), é o motivo, o fundamento, a fonte para que nós possamos nos santificar. É correto ter a santificação como resultado da graça e do uso que dela fazemos. Quando o homem prepara-se para acolher a graça de Deus, ele já está na graça, pois essa preparação é uma obra da graça.

Então, é que entra uma noção bastante diferente entre a concepção católica e a reformada. A graça suscita e mantem nossa colaboração na justificação e na santificação. A justificação pela fé e a santificação pela caridade.

Diante disso, surge a questão do mérito. Na doutrina católica há espaço para pensar em mérito, enquanto na doutrina reformada a palavra mérito surge apenas no contexto de negação.

No entanto, a doutrina católica exclui qualquer glória humana, qualquer jactância. Basta que creiamos como nos é ensinado.

Os méritos são dons de Deus. Isso mesmo, o mérito do homem lhe foi dado pelo Senhor. O parágrafo 2007 do Catecismo ensina que diante de Deus o homem não tem mérito algum. Essa é a parte que a doutrina reformada mantem. Esquece-se da outra parte.

O mérito das obras é de Deus em primeiro lugar, e do homem em segundo. Isso acontece verdadeiramente. É um “direito por graça”, ensina a Igreja.

Ninguém pode merecer a graça. No entanto, após o recebimento da graça o homem pode merecer o que se segue a ela. A iniciativa pura de Deus agora associa o homem na obra da salvação, de forma que ele pode obter graça na graça. O catecismo ensina, citando uma santa cristã, mostrando a pura graça do mérito, e diante de Deus apareceremos de mãos vazias. Nossas obras e méritos são graça de Deus.

A santificação se dá por renúncias e combate espiritual. Com a vida de boas obras feitas sob o influxo constante da graça, como cooperação com o dom gratuito de Deus, esperamos, também da graça, dom da perseverança final. Do começo ao fim é tudo graça. O que envolve a diferença aqui em relação à doutrina reforma é a verdadeira liberdade do homem, o livre-arbítrio que coopera com a graça da salvação.

Entendendo o Sola Gratia

O teólogo batista Franklin Ferreira cita o santo Concílio de Trento como aquele que negou totalmente “a doutrina bíblica e reformatória da justificação somente pela fé...”. Pelo contrário, o Concílio de Trento definiu a doutrina bíblica, e isso pode ser provado ao estudar a Bíblia.

Afirma mais, que na declaração conjunta de 1998 a doutrina católica não cedeu em nada e continua em divergência com a doutrina protestante. Em relação a isso, é verdade, pois a Igreja Católica não pode negar sua fé, mas houve grande acordo com os protestantes luteranos que subscrevam a declaração.

O que deve ser entendido, e o foi naquele documento, é que a fé que justifica não vem sozinha. Ela precisa da resposta livre à graça, do arrependimento. É necessária a disposição do homem. Ficou claro isso. Entre outros pontos.

O ensino do concílio tridentino sobre a justificação, pode ser resumido em atenção aos pontos aqui discutidos, em relação ao Sola Gratia, como a condenação da doutrina da salvação pelas obras, tanto as feitas pelas forças naturais do homem, ou aquelas que provêm da Lei. Esse ensino está definido no cânone primeiro.
Também foi condenada a negação do livre-arbítrio, de que o ímpio peca em tudo o que faz, a ideia de que o salvo não pode perder a graça, e outras.
É também condenada a concepção de que a graça é apenas um meio auxiliar, que de outro modo poderia ser descartada, servindo apenas como facilitadora. Essa doutrina ensina que a graça é absolutamente necessária.

(Concílio de Trento, cânones sobre a justificação, Seção VII.)

Em Romanos 8, 26 está escrito que o Espírito Santo ajuda nossa fraqueza. Essa é a graça de Deus auxiliando o livre-arbítrio do homem, que é fraco, para praticar o que deve praticar.

A constante ajuda da graça para a salvação, pois não podemos ter um pensamento bom com sendo de nós mesmos. (2 Cor 3,5) Devemos permanecer unidos à verdadeira videira (Jo 15,4).

Franklin Ferreira, no intuito de realçar a graça, a justiça de Cristo imputada ao que crê, afirma que somente Jesus foi salvo pelas obras, por ter sido o único a obedecer por toda a vida.

Para isso, cita o texto de Hebreus 5,7-10. Quando o cristão recorre às Escrituras para ensinar, temos uma base sólida e suficiente para examinarmos o ensino.

Por isso, devemos prestar atenção na afirmação e no que o texto bíblico ensina, para certificarmo-nos de que está correto.

Está escrito:

“Nos dias de sua vida mortal, dirigiu preces e súplicas, entre clamores e lágrimas, àquele que o podia salvar da morte, e foi atendido pela sua piedade. Embora fosse Filho de Deus, aprendeu a obediência por meio dos sofrimentos que teve. E uma vez chegado ao seu termo, tornou-se autor da salvação eterna para todos os que lhe obedecem, porque Deus o proclamou sacerdote segundo a ordem de Melquisedec.”

O teólogo ressaltou a obediência para afirmar a salvação pelas obras, pois o texto afirma: “aprendeu a obediência por meio dos sofrimentos.”

No entanto, não percebeu o que o texto ensina sobre nós cristãos, e que poderia tê-lo ensinado muito, e, assim, abalado a estrutura do seu sistema reformado.

De fato, o texto afirma que Jesus “tornou-se autor da salvação eterna”, e continua com a parte que devemos igualmente firmemente considerar, que diz: “para todos os que lhe obedecem”.

A obediência de Cristo ao Pai, e a nossa salvação por Cristo, desde que obedeçamos a Ele. Esse é o ensino bíblico. Conhecendo as outras passagens já estudadas, fortalece-se o ensino de que as obras têm efeito salvífico quando feitas em obediência ao evangelho.

O reformado poderia retrucar, e é esperado que o faça, afirmando que o cristão obedece porque é salvo, e não é salvo porque obedece.

Não muda nada essa objeção, pois o texto afirma que Jesus salva os que Lhe obedecem, não tendo espaço para que seja salvo só pela fé.

A questão da imputação da justiça

A ideia de imputação é verdadeira, mas não pode parar aí. Eis o problema. A justiça de Cristo é infusa em nós na justificação, de forma a nos tornar justos, e não apenas nos considerar justos.
 
Gledson Meireles.

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