segunda-feira, 13 de abril de 2020

O Cristão Reformado: a eleição incondicional

Eleição Incondicional



05)  Vasos de barro

Quem não aprendeu com o Sínodo de Dort que Deus teria criado uns para salvação e outros para a perdição? Mas, você sabia que Deus quer a salvação de todos, e criou o homem livre, e não determinou que ninguém fosse condenado? Esse assunto será tratado aqui.

Em 2 Timóteo 2,14, o apóstolo Paulo introduz um assunto bastante interessante que nos ensina muito sobre a predestinação. Ele dá o conselho para evitar discussões, que “só servem para perdição dos ouvintes”, e as más conversam que “contribuem para a impiedade” (v. 16).

Ao mencionar a heresia espalhada por Himeneu e Fileto (2Tm 2,17), entende-se que a “perdição” causada por motivos de vãs discussões é a perdição eterna, já que pode se causada pela adoção de heresias. Esse transtorno da fé de alguns, como está no versículo 18. Nesse cenário nos lembra os que são fieis de Deus, citando Número 16,5: “O Senhor conhece o que são seus”.

Então, introduz a bela comparação da casa cheia de utensílios (σκεύη), uns de ouro e de prata, outros de madeira e de barro, “aqueles para ocasiões finas, estes para uso ordinário?”. (2 Tm 2,20) Ou seja, uns para honra (τιμὴν) e outros para desonra (ἀτιμίαν·).

“Quem, portanto, se conversar puro e isento dessas doutrinas, será um utensílio nobre, santificado, útil ao seu possuidor, preparado para todo uso benéfico”. (2 Tm 2,21)

Usando do livre-arbítrio envolvido pela graça, pode-se através da obediência tornar-se utensílio nobre. Fazer-se um utensílio nobre ou um utensílio de uso ordinário pela obediência a Deus, é uma verdade que aponta para a grande importância da vida de fé e boas obras, em conexão com a santificação e a salvação.

É importante ressaltar também o verso 25, visto que aprendemos que os adversários precisam do “arrependimento e o conhecimento da verdade” para libertarem-se dos “laços do demônio”. (v. 26) Ou o homem está agindo sob Deus ou debaixo das influências do demônio.

Em Romanos encontramos uma comparação semelhante, com enfoques específicos, onde a criatura olha para Deus e não há razão para contestar Sua Vontade, como se um vaso de barro reclamasse ao oleiro o motivo de fazer um vaso para uso nobre e outro para uso vulgar. (Rm 9, 20-21)

As imagens são diferentes, mas o sentido idêntico. Em Romanos o apóstolo usa vasos de barro, iguais em sua forma, diferentes no uso. Essa passagem muito debatida, o que demonstra sua dificuldade intrínseca, deve ser entendida por outras mais claras, como a de 2 Timóteo comentada.

Mas, não só essa. A própria continuidade da argumentação, Romanos 9, verso 22, é capaz de lançar luz sobre o sentido do verso anterior. São Paulo responde à questão da justiça de Deus. “Onde, então, está a injustiça?”. E a resposta é que Deus, “para mostrar a sua ira e manifestar o seu poder”, suportou com paciência os objetos da ira preparados para a perdição.

Lembrando que são vasos iguais, de mesmo material, o barro, mas de uso diferente. Em 2 Timóteo a diferença de uso está atrelada à prática das obras e à vida de fé. Isso insere diferença nos usos dos vasos.

Eles são preparados para a perdição no sentido de se prepararem assim. Da mesma forma, os que são vasos de honra são aqueles que se conservam puros e sem heresias.

O que justifica essa leitura é o próprio verso 22, que afirma que Deus tem suportado com paciência esses vasos. Na mesma casa, a casa de Deus, há vasos de honra e de desonra, onde é responsabilidade dos vasos se prepararem para o bom uso, servindo ao Senhor. Essa é a doutrina das duas passagens em consideração.

Em nenhum momento a razão do castigo dos ímpios foi a vontade de Deus, nem a implicação de que os vasos foram criados para a perdição, porque Deus fez o homem bom (cf. Ecl 7,29), mas exalta-se a justiça de Deus na Sua paciência ao suportar esses vasos.

O apóstolo poderia ter dito: Onde está a injustiça, se Deus quis criar uns para a honra e outros para a desonra e ponto!? Mas não.

Onde está a injustiça, se Deus tem suportado pacientemente esses vasos de desonra? A paciência de Deus mostra Sua justiça.

A pergunta: “Por que me fizeste assim?” (v. 20) é uma ilustração. Outra é a do v. 21, quando fala das diferenças de uso de vasos feitos da mesma massa. Como que perguntando: ‘Por que me usaste assim?’.

De fato, está falando de como o Faraó foi tratado no verso 17, passando pela explicação sobre a misericórdia e o endurecimento, no verso 18, e pela pergunta enfática da queixa e da impossibilidade de resistir à Vontade de Deus no verso 19.

Em nenhum momento é dito que um vaso foi feito bom e o outro mal, ou que Deus cria um para usá-lo para o bem e o outro para o mal. A ilustração tem a ver com a liberdade de Deus em tratar Suas criaturas, escolhendo umas e não outras, para um determinado bom propósito, e castigando a outros, como é segundo a Sua justiça. É a liberdade que leva a isso.

A primeira ilustração aplica-se bem ao caso de Jacó, a outra na questão referida cabe perfeitamente ao Faraó. Não há injustiça da parte de Deus escolher uma determinada forma para o Seu vaso. Também não há injustiça se um vaso Ele trata com honra e outro não. Todos são criaturas de Deus e Ele faz com Suas criaturas segundo Sua Vontade. Resta ver o motivo por que trata diferentemente. (2 Tm 2,20) E esse é preparado pela criatura. (v. 21)

O mesmo foi usado antes para realçar a justiça de Deus, no caso da escolha de Jacó. Dois meninos nasceram e um foi escolhido. Deus preferiu a Jacó, mas não faz injustiça a Esaú, já que não é obrigado por nada.

No entanto, sua rejeição a Esaú não é para a perdição, como já afirmado, pois Deus não age contrariamente ao Seu caráter santo.

Tudo isso está de acordo com o início de todo o assunto, nos versos 11 e 12. Deus é livre nas Suas escolhas, e antes que houvesse obras da parte de Jacó e Esaú, Ele escolheu o primeiro e rejeitou o segundo.

Não para salvação e perdição, como já visto no texto sagrado do Antigo Testamento que está sendo citado, mas para eleição de Israel como povo, e embora não haja maldição de Deus para Esaú como outra nação.

Esaú respondia pelos próprios pecados. Parte-se dos indivíduos para falar das duas nações.

O contexto de Romanos 9 é a salvação de Israel, irmãos do apóstolo segundo carne. (v. 3) Mas, para explicar a dureza de Israel, São Paulo fala da promessa, razão da filiação, e não da descendência meramente natural. (v. 8)

Ilustra a liberdade da escolha de Deus com o fato de Israel ser servido pelo irmão mais velho Esaú, como está em Gênesis 25,23, e a escolha de Jacó ao invés do primogênito Esaú, em Malaquias 1,3, antes que nascessem e tivessem feito o bem ou o mal. Tratando da posição de cada um no plano da salvação e não no sentido de salvar um e condenar o outro. Eis a Palavra de Deus.

Deus é livre em mostrar Sua misericórdia. Dois exemplos são lembrados, a palavra falada a Moisés em Êxodo 33,19, quando o profeta pede para ver a glória de Deus. Então o Senhor profere as palavras “Dou a minha graça a quem eu dou a minha graça, e uso de misericórdia com quem eu uso de misericórdia”, segundo tradução literal. Isso significa que Deus usa de misericórdia com quem Lhe agrada. De fato, tudo o que Deus faz é santo e nada pode manchar Seus desígnios.

E o caso do endurecimento do Faraó em Êxodo 9, 16 após o Senhor ter revelado o derramamento dos flagelos, caso o faraó não libertasse o povo conforme a vontade de Deus. O verso 16 mostra o motivo de Deus não eliminar de uma vez o faraó: mostrar o Seu poder e glorificar o Seu Nome sobre a terra, “se” o faraó obstinar-se. (v. 17).

Esse é o sentido do motivo do faraó ter sido levantado para cumprir esse desígnio de Deus. “Haverá injustiça em Deus?”. A resposta é não.

De fato, o Senhor disse em Êxodo 3,19: “Eu sei, no entanto, que o rei do Egito não vos deixará ir, se não for obrigado por mão forte.”

Essa é a razão por que Deus endureceu o coração do faraó, para o obrigar a deixar o povo sair da escravidão. Deus sempre age para salvar, libertar, fazer o bem, mostrar Sua justiça. Assim, o endurecimento do faraó tinha sido previsto por Deus e foi o motivo do seu endurecimento.

Sabendo que o Faraó endureceria seu coração, Deus agiu sobre ele fazendo endurecer ainda mais, e o fixando nessa rebelião, que mesmo diante dos flagelos que viriam não deixaria o povo sair, até que fosse mostrada toda a intervenção de Deus. Trata-se de um castigo pelo pecado de desobediência do Faraó.

Michael Horton percebe isso, e no seu sistema onde somente Deus tem o livre-arbítrio e o homem a livre agência, um tipo de liberdade diferente para a criatura, ele afirma que as passagens que falam que Deus irá endurecer o coração do Faraó vêm no começo, citando Êx 4,21 e 7,3.

No entanto, a primeira profecia vem primeiro, em Êx 3,19. Deus sabe que o Faraó endurecerá o coração, e então ato de Deus é obrigar o Faraó por mão forte, a libertar o povo. Ele então endurece o coração do Faraó por cima do seu coração já endurecido.

Não é totalmente correta a explicação de Horton, que afirma que o “Faraó estava endurecendo seu próprio coração em resposta à Palavra de Deus”, e Deus estava fazendo o que disse a Moisés que iria fazer.

Na verdade, Deus antes mesmo de endurecer o coração do Faraó, revelou que o mesmo não deixaria o povo sair (Ex 3,19), e por isso endureceria seu coração.

Portanto, o Faraó já possuía um coração petrificado. Deus opera em cada coisa de acordo com sua (da coisa) própria natureza.

Se o coração do Faraó é ruim, então Deus operará nesse coração segundo ele merece. Essa noção pode ser percebida igualmente tendo em mente a livre agência, já que Deus não causa o endurecimento, mas encontra um coração duro, mas afirma que esse coração não poderia ser de outra forma.

No entanto, a passagem é totalmente explicada pelo livre-arbítrio, já que Deus prevê uma ação livre do Faraó e age por cima dela para realizar Seu plano de libertação. As nuances são semelhantes, mas o livre-arbítrio é mais eloquente. Não somente isso, ele é correto.

A liberdade de Deus usar de misericórdia e justiça sobre as pessoas é realçada em Romanos 9,20-21. Por isso, Deus pôde usar da dureza de coração do Faraó para mostrar Seu poder e anunciar o Seu Nome sobre a terra. Esse é o sentido do texto, e não o de que alguém foi criado para a condenação.

Os vasos de Rm 9,22 são preparados (κατηρτισμένα) para a perdição, enquanto que os do versículo 23 são que Ele preparou (προητοίμασεν) para a glória, usando a mesma palavra de Efésios 2,10, sobre as obras que Deus preparou para que andássemos nelas. A fraseologia é diferente quando se fala da condenação e da salvação. Para a salvação o Autor é Deus, para a condenação é o homem.

São Paulo afirma que os gentios procuravam a justiça e a encontraram pela fé, e os judeus procuravam a Lei que desse justificação e não a encontraram. (Rm 9, 30) Porque não a procuraram pela fé e “sim pelas obras”. (v. 31)

Para melhor resumir toda essa questão no texto de Romanos 9, façamos algumas indicações importantes para conhecimento do contexto dos três capítulos que versam sobre a eleição de Israel.

Em primeiro lugar temos que Israel possui dois sentidos no texto sagrado. Em segundo lugar, a eleição aparece com duas nuanças correlatas, ambas fundamentadas pela promessa e graça de Deus. Em último lugar, deve-se conhecer a base para a eleição e o motivo do endurecimento que Deus realiza nos corações.

Essas coisas já foram tratadas acima, mas com fins de fecharmos o argumento serão reunidas aqui no contexto de Romanos 9, 10 e 11.

São Paulo fala de Israel segundo da carne e segundo a promessa, afirmando que o verdadeiro Israel da promessa está reservado pela graça, pois a recusa de muitos não significa a rejeição do povo de Israel por parte de Deus. (Rm 11,1) Dessa forma, o contexto trata do Israel natural e do Israel da promessa. (Rm 9,8)

Também temos que a eleição é baseada na graça de Deus. Quando se diz que é pela graça, e que as obras não são causa da eleição. (Rm 9,12-13) O caso de Jacó e Esaú é apresentado para falar da liberalidade de escolha de Deus, assim como o fato do faraó egípcio ter sido endurecido tem a ver com a justiça de Deus.

Sabendo a distinção entre o Israel segundo o sangue e o Israel segundo a eleição da graça, temos a correta interpretação de todo o texto. Isso está em Rm 10, 6, onde Israel é comparado aos eleitos. Há em Israel um número eleito segundo a graça para provar que a eleição de todo o povo continua de pé. (cf. Rm 11,1)

Chegamos então ao endurecimento que Deus opera nos desobedientes. Ele o faz para salvar. Isso está em Romanos 10, 7-8.

São Paulo afirma que ainda são chamado esses que caíram por causa da incredulidade. Há em Israel os que estão endurecidos (Rm 11,7), mas não o foram para ficarem assim, mas para a salvação dos gentios. (v. 11) E estão endurecidos por que não creram.

Então, quando o tempo dos pagãos for completado, os demais serão convertidos em grande número. São Paulo fala do trabalho de pregação para levar alguns desses à salvação. (v. 13). Não está aqui falando do remanescente eleito, mas dos outros que certamente estão no endurecimento de coração.

São esses que serão enxertados na raiz santa, onde já estão os pagãos convertidos. Essa parte de Israel, em maioria, foi cortada pela incredulidade, e está endurecida, enquanto que os gentios estão firmes na fé e enxertados na oliveira santa.

Nesse contexto é revelado, mais uma vez, o livre-arbítrio dos que estão na graça, a possibilidade da perda da salvação e a eleição de Deus pela graça.

O versículo 22 fala da bondade e da severidade de Deus. Os que estão enxertados são exortados a vigiar, para que não sejam cortados.

Da mesma forma, os que estão na incredulidade possuem a esperança de serem pela fé enxertados de novo, “se não persistirem na incredulidade”.

Estamos em contexto salvacional, onde a eleição pela graça é permeada em todo texto.

Portanto, aprendemos da Bíblia, que nos leva a toda boa obra e salvação, que Deus encerrou todos na desobediência para usar de misericórdia com todos.

A eleição do remanescente e de todo o Israel está baseada na graça de Deus, pois “Quem lhe deu primeiro, para que lhe seja retribuído?”. Por tudo isso, é importante conhecer essa distinção dos dois Israel, das duas eleições, do sentido da graça, e do motivo do endurecimento, pois esse é sempre a segundo a misericórdia de Deus. A Deus toda a glória. (Rm 11,36).

04)  O problema da negação do livre-arbítrio




 

A teologia reformada ensina que o homem tem a liberdade escolher o que lhe agrada conforme suas disposições. Porém, perdeu a capacidade de escolher o bem supremo de acordo com sua natureza original.

 

Ainda assim é responsável pelas suas ações, porque sua incapacidade em fazer o bem é de origem moral, auto-imposta, feitas em Adão.

 

“Há uma certa liberdade que é possessão inalienável de um agente livre, a saber, a liberdade de escolher o que lhe agrada, em pleno acordo com as disposições e tendências predominantes da sua alma”, como afirma Louis Berkhof.

“Mas o homem perdeu a sua liberdade material, isto é, o poder racional de determinar o procedimento, rumo ao bem supremo, que esteja em harmonia com a constituição moral original da sua natureza.”

 

“O homem é incapaz como resultado da escolha pervertida que fez em Adão”. (Louis Berkhof)

 

O mesmo ensina Wayne Grudem, pois afirma que das passagens da Escritura que falam da falta de bem espiritual no homem a Escritura “não está negando que os incrédulos possam fazer o bem na sociedade humana em alguns sentidos”.

Afirma que os que não têm Cristo podem fazer escolhas, mas “não têm liberdade no sentido mais importante de liberdade – que é a liberdade para fazer o que é certo, e para fazer o que é agradável a Deus”. (GRUDEM, Wayne, p. 498)

Portanto, o cristão reformado comumente entende que o livre-arbítrio é a capacidade de escolher e discernir o bem, estar voltado para o bem, poder escolher entre o bem e o mal, no sentido mais importante, entre a salvação e a perdição.

Negando isso, porque o pecado acorrentou a vontade, então nega o livre-arbítrio, pois esse não está neutro, e está inclinado ao mal. Essa inclinação o reduziria a nada, a mero nome.

O bem que o homem faz está sob a influência da graça comum. No entanto, tudo o mais, a liberdade de escolha, chamada de livre agência, é crido na teologia reformada. De forma geral, muito do que o cristão católico crê sobre o livre-arbítrio, o cristão reformado atribui à livre agência.

Mas, pode-se questionar essa liberdade de acordo com a natureza, que escolhe segundo as inclinações da mesma. Por isso, a doutrina reformada crê que a natureza deve ser trocada antes que o salvo possa escolher a Deus. A regeneração viria antes da justificação.

Pensemos no sentido da definição de liberdade dada pela doutrina reformada. O homem incrédulo é livre para agir de acordo com as disposições da sua natureza decaída. Da mesma forma, o homem salvo é livre no âmbito da sua nova natureza recebida na regeneração.

 

No primeiro caso, o homem é livre para pecar, e no segundo é livre para servir a Deus. Na escravidão do pecado não poderia passar a agir de maneira santa e agradável a Deus ou, em outras palavras, executar algo que poderia efetivar a relação com Deus.

 

Da mesma forma, o homem salvo não poderia absolutamente agir de forma a desfazer sua filiação divina, e sua comunhão com Deus, nem mesmo pela incredulidade, já que sendo eleito de fato não poderia senão agir conforme a nova natureza, e mesmo que caísse na mais crassa devassidão, ainda assim retomaria o bom caminho já que infalivelmente Deus opera nele o bem querer, e não poderia por quaisquer meios imagináveis cair da graça.

 

Esse é o traço decisivo para pensar no livre arbítrio e na questão da livre agência e sua diferença essencial.

 

Ainda deve-se recordar que nessa doutrina reconhece-se que Adão teve o livre-arbítrio, mas que o teria perdido pelo pecado.

 

Considerando esse cenário, o cristão católico pode reconhecer alguma verdade, mas deve corrigir essa visão de forma a evitar as conclusões heréticas.

 

De fato, cremos que o homem possui o livre-arbítrio, podendo agir ou não agir. Sem a graça divina, o homem é livre, no entanto pela concupiscência deixada pelo pecado original, está inclinado totalmente ao mal, de forma a encontrar prazer no pecado e não poder por si mesmo voltar-se para Deus e o escolher.

 

Do mesmo modo, o homem salvo continua sendo livre, mas sendo impulsionado pela graça, está apto a responder a Deus no uso do seu livre-arbítrio, podendo escolher o bem e evitar o mal ou mesmo rejeitar a graça de permanecer no mal.

 

Antes da conversão não há possibilidade de entrar no reino de Deus e ter comunhão com ele, já que morto pelo pecado está sem a graça divina, perdida pelo pecado original.

 

Após a conversão, o homem pode continuar a obedecer livremente a Deus, como pode igualmente revoltar-se em desobediência contra o Senhor. Assim, tem-se que por sua iniquidade pode cair da graça. Isso é o que está em Hebreus 6, 4-8, e que o calvinismo não pode explicar totalmente.

 

A explicação de que nessa passagem não se fala do crente verdadeiro não é convincente. Pois, como um falso crente não pode mais voltar ao arrependimento? O texto trata da apostasia da fé, e como poderia um falso crente apostatar da fé? A revelação não fala de aparências.

 

Tendo isso em mente, pode-se apontar vários pontos de contato entre as duas doutrinas. Ambos, o cristão católico e o cristão reformado crêem no livre-arbítrio de Adão.

 

Também crêem que o homem pode fazer livres escolhas, e por isso é responsável pelo seus atos.

 

Crêem igualmente que o homem não pode iniciar o processo de salvação, não pode sair do estado de pecado e passar à amizade com Deus por suas próprias forças. A graça é necessária.

Uma vez salvo, continua a agir livremente, mantendo responsabilidade por suas ações diante de Deus. Ambos crêem que Deus faz o chamado pela graça, e que o homem pecador resiste naturalmente à graça de Deus, e deve ser por ela convencido.

 

Também crêem que uma vez chamados pela graça, recebem o dom da fé, crêem em Cristo, arrependem-se dos pecados, confessam a fé em Cristo e são salvos. Em linhas gerais esses são pontos de concordância.

 

Partamos agora à consideração nos quesitos de discordância. O cristão católico crê que o homem é livre e somente pode ser convertido com o auxílio da graça de Deus.

 

Sendo chamado pela graça, responde livremente, quando as cadeias do pecado são desfeitas. Pode resistir à graça, ser convencido por ela, mantendo a possibilidade negá-la.

 

Recebe a nova natureza, agora liberta da escravidão do pecado e em amizade com Deus, para poder servi-Lo de coração. O cristão reformado nega a possibilidade de negar a graça.

 

Da regeneração entende ser o primeiro passo, antes da justificação, pois entende que o homem sai do domínio do pecado e passa para o domínio de Deus. Como do pecado não podia passar para Deus, assim uma vez servindo a Deus não pode voltar ao pecado. A livre agência manteria apenas as ações segundo as determinações de Deus.

 

Para o incrédulo, restaria apenas agir conforme as determinações para obedecer a natureza pecaminosa.

 

O livre-arbítrio, por sua vez, reconhece que o homem convertido pode agir contra a vontade de Deus a ponto de perder a graça, pois conhecendo o bem e o mal pode voltar para o lugar de onde veio. Se apostatar perde a graça totalmente. O texto de Hebreus ensina isso.

 

Assim, ele é responsável por agir livremente. É livre antes da graça, continua a ser após auxiliado pela graça. A diferença do salvo é que que agora ele pode crescer na liberdade.

 

Qual doutrina coaduna-se com a revelação bíblica? Algo que indica a correta interpretação é a facilidade que a doutrina verdadeira tem em ser provada pelas Escrituras, tanto no texto em si, como no contexto próximo, como no teor geral das Escrituras. Isso não quer dizer que algum texto não seja difícil, aparentemente obscuro ou que não haja dificuldade. Isso ocorre, mas à luz de uma leitura atenta consegue-se entender satisfatoriamente, e refutar a visão ou opiniões opostas.

 

Por outro lado, a interpretação errônea tem consigo a dificuldade que a doutrina falsa tem em fundamentar-se nos textos bíblicos, tendo que explicar muitas e muitas passagens bastante claras em si, por meio de outras, e não passagens difíceis ou que contenham alguma ambiguidade. Encontram muitas barreiras para serem aceitas. Mas conseguem.

 

O texto de Hebreus 6, 4-8 é um exemplo, pois facilmente é entendido em considerando o livre-arbítrio. Mais sobre essa questão será tratado em outros subtítulos.
 
 
03) A fé que salva é um dom


Agora vejamos se Deus dá o dom da fé a todos ou nega o dom da fé a alguém. João 1,12 afirma que a todos os que receberam Jesus, Ele deu o poder de tornarem-se filhos de Deus. Eles primeiros creram, quando tantos não creram, como está no verso 11. Não é hora de explicar o motivo por que não creram, apenas o fato.

Mas, tenhamos a passagem de Mateus 16, 17, onde é revelado a Pedro a identidade de Jesus como o Cristo Filho de Deus. Essa revelação não partiu da natureza humana, mas foi dada por Deus. Assim, São Pedro acreditou.

Em Mateus 11, 25 também temos a revelação de que Deus esconde coisas aos sábios e entendidos, e as revela aos pequeninos, para que creiam. Antes de lhes serem revelados não creriam.

O mesmo encontra-se em Gálatas 1,15, quando o apóstolo fala da sua eleição para o ministério apostólico, desde o seio da sua mãe, que o chamou pela graça. Nessa ação de Deus encontra-se o dom da fé, que é dado ao homem para que creia.

O fato de muitos não crerem está na sua liberdade e responsabilidade. Por isso, em 2 Coríntios 2,4 fala da cegueira espiritual causada pelo Demônio naqueles que se perdem.

Portanto, como ensina a Bíblia, o Catecismo da Igreja Católica transmite essa verdade de que a fé é um dom de Deus. A graça de Deus vem ao coração do homem, e o Espírito de Deus move o coração e o converte a Deus. (Catecismo da Igreja Católica, n. 153)

No entanto, também ensina que a resposta do homem a Deus também é fé, que é nascida do homem, livremente, como ato humano. A graça abre os olhos do coração (cf. Ef 1,18, Catecismo n. 158) e o homem recebe a fé respondendo com a sua fé agora na graça de Deus. Nesse particular a doutrina reformada mantem a verdade católica.

Então, Cristo atrai o homem a Si. Todo aquele que o Pai Lhe deu. Assim, Deus Pai entrega a Jesus os que devem ir a Ele para serem salvos, e Cristo tem a incumbência de não deixá-los perder. Essa verdade será explicada adiante.

2)  Embora os reformados neguem o livre-arbítrio, eles crêem que o homem é livre, possuindo livre agência, responsável pelas suas escolhas, e que todos indistintamente estão em rebelião contra Deus. Essa explicação não tem, aparentemente, diferença da doutrina católica. No entanto, afirma que somente os eleitos serão convertidos no meio dessa massa caída, por terem sido alvos da salvação na eternidade. E a liberdade que possuem segue sua natureza, caída ou regenerada, o que introduz problemas sérios quando analisada detalhadamente, pois não é o mesmo que livre-arbítrio.

Para entender melhor, é afirmado que o decreto de Deus visaria salvar muitos dentre os perdidos, deixando os demais seguirem o próprio caminho, não os impelindo para tal e nem impedindo que venham a se converter. No entanto, essa explicação encontra lugar no coração de muitos porque ela tem aparência de verdade e usa linguagem que transmite um conceito verdadeiro.

É verdade que Deus não impele ninguém ao mal, nem que impeça de ouvir e aceitar o Evangelho. Mas, sabemos que os que não aceitam a salvação são livres para assim agirem. Eles recebem o apelo do Evangelho, são alcançados pela graça do chamado e, já postos pela graça em condição de responder a Deus, são capazes de aceitar ou recusar a graça. É igualmente verdadeiro que Deus não impede que o homem salvo escolha o mal ou que force o ímpio a vir a Cristo.

Para a teologia reformada as coisas não são bem assim. Os ímpios deixados segundo as inclinações de sua própria natureza agem contra Deus livremente porque não estão no decreto divino de salvação, e não recebem a graça da salvação porque Cristo não teria morrido por eles, e a fé nunca estaria disponível para eles.

Eles têm natural rebelião contra Deus por viveram na natureza pecaminosa, mas não lhes seria oferecido nada que os pudesse tirar desse estado, já que não existiria meio disponível, pois a morte de Cristo não teria comprado nada para essa parte da humanidade.

Quando lemos as Escrituras não há esse cenário. Encontramos ensinada a doutrina cristã católica, por todas as Escrituras, mas nada que soe de acordo com essas terríveis afirmações acima. Calvino afirmava que Deus predestina para a condenação pelo seu próprio prazer, pela Sua Vontade. É o que continua a ser afirmado pelos reformados desde os cânones de Dort.

Muitos pensavam que não importava a vida que levassem, se fossem do número dos eleitos seriam salvos, se dos reprovados seriam condenados. Não há muitos que creem totalmente nessa afirmação, já que logo afirmaram que é necessária uma vida de boas obras também. Isso já foi tratado em outra postagem. Para os que creem, esses não encontram apoio nem no meio reformado histórico.

1) Esse ponto é também patrimônio da doutrina cristã católica. Não há o que objetar ao se afirmar que Deus salva por pura misericórdia por meio da sua graça, sem quaisquer obras e méritos da parte do homem. Essa é doutrina católica desde sempre, pois está na Escritura Sagrada. Santo Tomás de Aquino a explicou extensamente.

O que envolve esse ponto em discussão tem a ver com as afirmações calvinistas desde o século 16, principalmente quando a questão foi resolvida no século 17 no Sínodo de Dort, realizado na cidade de Dortrecht, em 1618-1619, pois quando já separados da Igreja Católica os protestantes reuniam-se para tratar da suas questões internas. Esse sínodo cristaliza a tradição reformada, em aspectos importantes e fundamentais para a vida desse ramo protestante.

Na Holanda a Igreja Reformada possuía a Confissão de Fé Belga e o Catecismo de Heidelberg, como dois documentos de orientação doutrinal, de persuasão calvinista. A partir das discussões introduzidas pelo também calvinista Jacó Armínio (1560-1609), surgiram então questões que levaram, como era seu desejo, mas que só aconteceu após sua morte, à realização de um sínodo, que atingiu esfera internacional, mencionado antes. Ali nasceram os cânones sinodais, o que ficou conhecido como os cinco pontos calvinistas, em contraposição aos pontos formulados pelos seguidores de Armínio em 1610, como uma representação, a Remonstrance, nomeando seus defensores de remonstrantes. São os atuais arminianos.

Portanto, nos cânones estabelecidos ficou a doutrina reformada de acordo com a interpretação dada por João Calvino e condenada aquela de Jacob Arminius. De fato, a Institutas da Religião Cristã escrita por Calvino é expressão reconhecida de autoridade da teologia reformada, como afirma  Earle E. Cairns.

Tendo já essa introdução, trataremos o ponto sobre a eleição incondicional que é um dos cânones reformados, mas não teria nada a objetar se a afirmação fosse apenas que as obras não são causa da eleição. No entanto, esse cânone ensina que Deus dá o dom da fé aos que foram eleitos e predestinados desde a eternidade pelo decreto divino, mas não dá esse dom aos que foram deixados para a perdição. Alguns receberão a verdadeira fé e outros não. Uns poderão até apresentar um tipo de fé momentânea ou por algum tempo, mas logo apostatarão, porque são do número dos perdidos que não receberão nunca o dom da fé.

Esse particular está em contradição com a doutrina católica que ensina que todos recebem a graça suficiente para serem salvos. De fato, a fé é oferecida a todos, mas por causa da recusa de muitos, esses não exercem fé e recebem a dura condenação. Esse é um caso de divergência séria.
 
(CONTINUA NESTA MESMA PÁGINA)
 
Gledson Meireles.

Um comentário:

  1. Em "por eles ter sido alvos" o correto seria por eles terem sido, não?

    Acontece...


    Aprendi bastante com essa publicação!

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