sábado, 4 de março de 2017

Norman Geisler e Calvino contra as imagens

Norman Geisler afirma que a Bíblia proíbe “curvar-se  em veneração diante de uma criatura, mesmo [de] anjos.”

Se ele especifica “curvar-se em veneração”, fica a possibilidade de curvar-se em outro contexto, o que já seria lícito. Talvez o mesmo tenha em mente o gesto de curvar-se diante de pessoas para cumprimentar, por exemplo. Assim, afirma que os casos em que a Bíblia aprova curvar-se diante de criaturas não estão no contexto religioso, são todos do contexto social. Essa é uma ideia errada, já refutada no estudo sobre as imagens.

Afirma ainda o apologista, que é proibido fazer imagens. Norman Geisler afirma, conforme mostrou Dave Armstrong, que não há veneração de relíquias na Bíblia, nem veneração de objetos, mas há uma condenação a isso. Por isso, não se poderia fazer imagens e nem curvar-se diante delas para ter “devoção religiosa”.

Os exemplos bíblicos de curvar-se diante de alguém, exemplos que são usados pelos católicos (como Gênesis 18,2), demonstrariam uma confusão de contextos. E explica: as pessoas não estavam curvando-se diante de uma imagem, mas de uma pessoa, e era por respeito, não reverência.

Mas, então a Geisler deveria responder a isso: pode-se curvar diante de uma pessoa por respeito, não tendo, nem chegando a ter reverência por ela? Essa é uma distinção descabida.

E o Dave termina o conjunto de citação de Geisler com a de que o assunto, a ser tratado, não é orar a uma imagem, mas orar usando imagem. Geisler concede que podemos mostrar respeito por uma pessoa, mas não reverência.

Pois bem. Usando o mesmo método que o Protestantismo costuma usar, de exibir o sentido dos termos segundo o seu significado nos dicionários, o termo reverência, empregado por Geisler como ilícito de ser feito a pessoas e imagens, significa, entre outros, a “honra ou respeito sentido ou mostrado”, “adoração profunda...”, “gesto de respeito” (como curvar-se), segundo o dicionário Merriam-Webster online. O mesmo dicionário mostra que respeito é ter “um sentimento de profunda admiração por alguém ou algo...”.

É necessário saber o que o autor tem em mente quando usa “respeito” e “reverência” como duas coisas tão diferentes a ponto de uma ser aceita e a outra recusada, pois o termo reverência igualmente traz o sentido de i) respeito e de ii) gesto de respeito.

No que concerte às imagens, certamente, o maior ataque contra elas feito no Protestantismo foi sistematizado por João Calvino, nas suas Institutas, Livro I, cap. 11, onde estabelece os princípios que deverão reger a religião protestante, entendendo ser esses princípios aqueles que foram estabelecidos por Deus nas Escrituras.

O reformador afirma que a Escritura opõe Deus em particular aos ídolos. Isso introduziria uma distinção essencial entre Deus e a matéria, tornando absolutamente proibido fazer imagens de Deus, e que tal não configura uma mera lei positiva.

Falando dos ídolos, menciona os deuses que os homens fazem para si mesmos, os homens que desejando a forma visível de Deus começaram a fazer imagens. Quando uma forma é atribuída a Deus, afirma Calvino que “sua glória é corrompida por uma mentira ímpia”.

Para ele, Deus rejeita todas “as formas e figuras, e outros símbolos, pelos quais os supersticiosos imaginam poder trazê-lo mais perto deles”. Fabricar imagens seria rebelião contra Deus. (Is 40,18; 41:7, 29; 45:9; 46:5)

Afirma que a majestade de Deus é desonrada quando o que é incorpóreo é assimilado à matéria corpórea. Isso é posto como uma rebelião e um ultraje à divindade. Como um tipo de insulto à sua majestade de Deus.

Por tudo isso, seria uma evasão afirmar que “quando pretendem que os judeus foram proibidos de usá-las por causa da sua inclinação à superstição.” A proibição estaria de acordo com a essência eterna de Deus e “o uniforme curso da natureza”. Não seria restrita a uma nação somente.

Quanto às imagens do Antigo Testamento, afirma que todos os sinais empregados estavam em apto acordo com o esquema de doutrina.[1] (Dt 4,11).

Ensina que o cristão deve ficar contente com o poder e graça do Espírito. Quando Deus apareceu em forma humana foi em antecipação à encarnação. Mas, segundo o parecer de Calvino, isso não deu aos judeus pretexto de levantar símbolo de Deus sob a forma humana.

Todas essas invectivas contra imagens de Deus também referem-se às outras imagens religiosas, como as dos santos. Seria uma obsessão “defender imagens de Deus e dos santos”.

Calvino afirma que os querubins significavam que as imagens eram inadequadas para representar os mistérios de Deus.

Nesse ponto, o reformador coloca um dos seus mais fracos argumentos, pois da presença da imagem dos querubins, da sua existência fatual, afirma que os mesmos serviram para mostrar a inutilidade das imagens em mostrar os mistérios de Deus, já que os mesmos cobriam o propiciatório, escondendo os mistérios divinos das vistas e de todo sentido humano.

Porém, quando penetramos no sentido mesmo desse argumento, vemos que não há valor intrínseco nele que ofereça qualquer dificuldade contra o uso de imagens.

De fato, o que Calvino expôs, a saber, que são inadequadas as imagens para retratar a pura essência de Deus e dos Seus mistérios, volta-se contra ele e destrói o próprio argumento, pois não é algo que recai contra as próprias imagens que são meios de transmitir lição que ele apontou.

Uma vez que as imagens dos querubins serviram para mostrar a transcendência de Deus, escondida através de suas asas de ouro sobre o propiciatório, e por elas essa ideia sublime foi mostrada ao homem, está estabelecida a importância da imagem no ensino sagrado.

Afirma ainda que os querubins pertenciam ao período da lei, “período de puerilidade”. Afirma também que todas as formas de adoração feitas por homens são detestáveis. Calvino diz que o Senhor proíbe qualquer imagem dEle, seja na forma de estátua ou figura.

De Jer 10,8 e de Habacuque o reformador infere a doutrina que “toda coisa que diz respeito a Deus que é aprendida de imagens é fútil e falso.” (V)

Temos contra essa doutrina a própria Escritura que mostra o ensino de Deus ao Povo por meio das imagens.

Por isso, ao afirmar que os profetas condenam a ideia que as imagens são substitutas dos livros, Calvino extrai uma doutrina de passagens que não tratam do assunto especificamente.

Outro ponto tratado é a ideia idolátrica de que Deus não está presente a menos que sua presença seja carnalmente exibida.

Assim, os idólatras passa a adorar a Deus como estando na imagem. Não que creiam que a imagens seja deus, mas que o poder da divindade de alguma forma habita na imagem.

E afirma: “Portanto, seja Deus ou uma criatura que é feita em imagem, o momento que você prostra-se diante dela em veneração, você está grandemente fascinado por superstição.”[2]

Cita o argumento pagão de que adoram a divindade que habita invisivelmente na imagem. Aliás, esse é outro ponto que não há nenhuma ligação com o Cristianismo, mas é recusado pela sã doutrina.

Falando dos seus dias, Calvino pergunta o motivo de prostrar-se diante das imagens. (Trata da dulia, etc. em see infra, s. 16, and chap. 12 s. 2)

Finalmente, Calvino afirma não ser tão supersticioso para pensar que todas as imagens são ilícitas. É mais um momento em que ocorre lampejos da verdade. As imagens históricas (eventos) ou pictóricas (formas e figuras)

Calvino afirma que por quinhentos anos não havia nem mesmo esse tipo de imagem. (ver prefácio see Preface, and Book 4, c. 9 s. 9)

Das lições de Calvino pode-se dizer que o uso das imagens é uma revolta contra Deus, não podem ser usadas no contexto religioso, não servem para o ensino, já que o ensino através delas é inútil, e que durante cinco séculos não havia imagens nas igrejas. Todas essas afirmações foram devidamente refutadas no estudo sobre as imagens.

Para os cristãos, desde sempre foi ensinado que as imagens de deuses falsos são proibidas, bem como a adoração das imagens, sejam quais forem. Também, as imagens de Deus não são possíveis, e por isso proibidas, exceto como símbolos de alguma qualidade divina, mas que as demais imagens sagradas podem ser usadas, podem receber reverência pelo que simbolizam, são meios de instrução, e sempre existiram no meio cristão, desde o primeiro século.

Gledson Meireles.





[1] ...but all the signs he ever employed were in apt accordance with the scheme of doctrine…. (Institutas, Livro I, cap. 11)


[2] Therefore, whether it be God or a creature that is imaged, the moment you fall prostrate before it in veneration, you are so far fascinated by superstition.”. (Institutas, Livro I, cap. 11)

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