sábado, 25 de março de 2017

Igreja Católica Apostólica Romana e seus primórdios

Desenvolvimento e liderança no primeiro século

Nos primórdios a Igreja Católica tinha sua sede em Jerusalém. Os apóstolos formavam o corpo de liderança, conforme Jesus havia instituído, e seguiam a mesma forma de ação que foi ensinada durante os 3 anos de ministério público de Jesus, onde os 12 receberam tudo o que era necessário para anunciar a salvação, e dentre eles três eram considerados os expoentes, a saber: Tiago, Pedro e João, seu irmão.

São Paulo afirma que esses eram como “colunas da Igreja”. (Gálatas 2, 9) A sede de Jerusalém foi governada por Tiago, conhecido como irmão do Senhor, era filho de Alfeu (provavelmente, conforme os dados dos evangelhos, é o mesmo que Cleófas).

O líder máximo era o apóstolo Pedro, que foi o primeiro a proferir o sermão no dia da descida do Espírito Santo, quando era comemorado o domingo de Pentecostes em Jerusalém.

Antes disso, os apóstolos tinham sido ensinados e reconfortados durante quarenta dias pelo próprio Senhor ressuscitado (Atos 1,3), e ficaram à espera, durante nove dias de oração, do “batismo com o Espírito Santo” em Jerusalém, conforme a promessa. (cf. Atos 1,5). A Igreja era composta pelos apóstolos e mais 120 irmãos, pelo menos, conforme Atos 1,15. Certamente eram algumas centenas o total de discípulos.

Mas, nesse dia, após o inflamado sermão de São Pedro, 3.000 pessoas abraçaram a fé em Jesus e foram batizadas. (At 2,41) Eles “acolheram a palavra de Pedro e receberam o batismo”. Essa era a porta de entrada na Igreja: “E nesse dia uniram-se a eles”.

A Igreja de Jerusalém crescia, e logo a Palavra de Deus seria levada a todos os cantos do mundo, conforme At 1,8. Não havia discípulos que não fossem ensinados pelos apóstolos e discípulos. Pois a fé vem pelo ouvido (Rm 10,17), e esse era o começo da pregação da fé. Todos os outros que iriam crer em Cristo nesse tempo foram iniciados na fé em Cristo pelos apóstolos, diáconos ou outros discípulos já convertidos por sua pregação. Essa era a Igreja.

Os fieis perseveravam no ensinamento dos apóstolos, vendiam suas propriedades e entregavam aos apóstolos. Esse costume cresceu de forma que, logo a Igreja espalhava-se e possuía bens pelos quais podia manter-se em atividade missionária e auxiliar os cristãos que passavam por necessidades materiais. (At 2,42-47)

Ainda frequentavam o Templo, conforme At 2,46, e “nas casas” celebravam a ceia comum e a ceia eucarística com os apóstolos. A ceia era chamada de “fração do pão”. Não consideravam o judaísmo outra religião, mas consideravam as promessas cumpridas em Cristo e continuavam a venerar as antigas tradições judaicas.

Aos poucos, porém, certas restrições foram abandonadas, pois eram empecilho para a propagação da fé. Assim, São Pedro recebeu a revelação de que Deus não faz acepção de pessoas, e por seu ministério os pagãos foram recebidos na Igreja, em Atos 10, com a descida do Espírito Santo, e o batismo logo em seguida.

Multidões convertiam-se ao evangelho, juntavam-se aos apóstolos, “aderiam ao Senhor, pela fé”. (At 5,14) Reconheciam em Pedro o chefe da Igreja, e assim os convertidos levavam doentes para serem curados: “Chegaram ao ponto de transportar doentes para as praças, em esteiras e camas, para que Pedro, ao passar, pelo menos a sua sombra cobrisse alguns deles”. (At 5,15) Assim, veneravam os apóstolos como servos do Senhor.

Em Atos 12 Pedro teve de deixar Jerusalém por causa da perseguição, após ter sido libertado milagrosamente pelo anjo de Deus. Então, “Pedro saiu e se pôs a caminho para outro lugar”. (At 12,17) A história mostra que foi para Roma, onde havia uma numerosa colônia de judeus convertidos. O livro de Atos evitou revelar o lugar para onde Pedro se dirigiu por prudência, pois as autoridades queriam matá-lo.

O judeu fariseu Saulo de Tarso perseguia a Igreja, até que o Senhor o converteu a caminho de Damasco, e ele tornou-se o décimo terceiro apóstolo. (cf. Atos 9)

Em suas quatro viagens missionárias, relatadas em Atos 13, 14, 15, 18 e 21, disseminou o Cristianismo em muitas localidades. Todas as igrejas locais estavam sob o governo de um apóstolo ou de bispos (epíscopos) e presbíteros por eles ordenados: “Os apóstolos designaram anciãos para cada comunidade; rezavam jejuavam e os confiavam ao Senhor, no qual haviam acreditado” (At 14,23), mantendo a comunhão com a sede da Igreja em Jerusalém.

Ao final do seu ministério apostólico, São Paulo, que havia testemunhado de Cristo em Jerusalém, vai a Roma, por vontade de Jesus: “Tenha confiança. Assim como você deu testemunho de mim em Jerusalém, é preciso que também dê testemunho em Roma.

A Igreja era chamada durante esse tempo de “Caminho”, e muitos a consideravam uma “seita”. (Atos 24,14.22) Havia quem pensasse que os discípulos formavam apenas mais uma seita judaica.


Doutrina

A doutrina ensinada por Jesus foi anunciada pelos apóstolos, e desenvolveu-se segundo as exigências de cada situação que surgia. Dentre as doutrinas, estão: a ceia (Atos 2,42), o arrependimento, o batismo, a fé, e as boas obras (cf. At 2,38; 3,19; Atos 26, 20, Rm 3,28; Tg 2,22-24), a unção dos enfermos (Tg 5,16), a crisma (Atos 8,14), a ordem (2 Tm 4,24), o matrimônio e o celibato (Mt 19; 1 Cor 7), a ressurreição (At 24,21), o juízo (Mt 25), o novo céu e a nova terra (2 Pd 3; Ap 21-22) e etc., que compõem o corpo de doutrina que rege a vida cristã.

 

Heresias

Nas primeiras pregações apostólicas o número de cristãos alcançou mais de 8.000 convertidos, com crescimento rápido e constante. (At 3; 4)

Para tomadas de decisões, os apóstolos reuniam-se com os demais discípulos. Assim foi em Atos 2, quando 120 irmãos estavam reunidos, e Pedro falou da necessidade de escolher um substituto para o apóstolo Judas Iscariotes, e quando convocaram assembleia geral (At 6, 2), onde foram instituídos os diáconos.

Do mesmo modo, mas de forma mais ampla, apóstolos e anciãos reuniram-se em concílio, por volta de 49 e 50 d. C., para enfrentar a primeira heresia que perturbou a Igreja Católica. (cf. Atos 15)

Essa consistia de que era exigida a circuncisão para a salvação: “Se não forem circuncidados, como ordena a Lei de Moisés, vocês não poderão salvar-se”. (At 15,2)

O Concílio foi composto pelos apóstolos e anciãos em Jerusalém, embora a disseminação da heresia tinha sido feita em Antioquia, causando a primeira perturbação por questões de doutrina na Igreja.

Eram homens da Judeia que pregavam a necessidade da circuncisão para a salvação, conforme Atos 15,1. O Monselhor Cristiani, em sua Breve História das Heresias, afirma que a heresia judaizante negava o dogma da catolicidade da Igreja. Queriam limitar a todos os cristãos provenientes do gentilismo às observâncias próprias da Antiga Aliança.

São Paulo e São Barnabé discutiram com esses cristãos judaizantes, e decidiram ir a Jerusalém para resolver a questão. Essa é mais uma evidência escriturística de que a Igreja era única.

Como em Atos 14, os apóstolos sabendo da conversão da Samaria, enviaram os apóstolos Pedro e João para lá, que impuseram as mãos para que recebessem o Espírito Santo todos os que haviam sido batizados pelo diácono Filipe. Os diáconos e presbíteros não impunham as mãos. Esse costume foi seguido sempre, onde somente o bispo impõe as mãos. (cf. Atos 8,14-15) A imposição é mencionada ao lado de mais quatro doutrinas elementares em Hebreus 6,1-2. Mais tarde recebeu o nome de crisma. A Samaria, assim que aceita a Palavra de Deus, por meio de um diácono, foi logo reconhecida pelos apóstolos em Jerusalém.

Por tanto, ainda que em Antioquia estivessem dois grandes líderes cristãos, eles não tentaram a resolução particular como se fosse a Igreja de Antioquia fosse “autônoma" ou “independente”, e ligada apenas por laços do exercício da fé e da caridade. Nada disso.

A discussão de Paulo e Barnabé com os judaizantes não foram suficientes. Assim, no Concílio a heresia judaizante foi condenada, e uma carta conciliar foi enviada através de Judas e Silas a Antioquia.

A decisão foi autoritativa para toda a Igreja, tanto em Jerusalém, como em Antioquia, como em qualquer outra parte do mundo, de forma que um cristão não poderia crer e ensinar contrariamente ao que foi decidido no concílio.

Dessa forma, em Gl 5,2.4 São Paulo afirma que quem circuncidar-se não terá o benefício dado por Cristo e será separado da graça. Portanto, não é uma questão de escolha, de interpretação particular, de um estudo das Escrituras por grupos de cristãos que divergem da decisão oficial da Igreja.

De fato, os judaizantes foram obrigados a aceitar a definição de Jerusalém ou enfrentar a ser a partir daí separados da Igreja e considerados hereges.

Porém, é necessário perguntar: Aquilo que os judaizantes pregavam era heresia desde o início ou foi considerada como tal apenas depois da definição conciliar?

A resposta é: desde o início. E o que mudou com a definição? A resposta é: A clareza da doutrina, a compreensão da mesma que aumentou consideravelmente.

São Paulo já ensinava a liberdade dos cristãos em relação à Lei, e não mais impunha a circuncisão. Assim, todos os demais apóstolos.

No entanto, a pregação daqueles cristãos foi feita de forma a causar não somente a querela, mas a tornar necessária uma discussão geral e exigir uma definição oficial.

Mesmo dentro do grupo de Jerusalém havia quem pensasse conforme os judaizantes que moravam em outras partes da Judeia. Isso é o que mostra Atos 15, 5: “Alguns daqueles que tinham pertencido ao partido dos fariseus e que haviam abraçado a fé intervieram, declarando que era preciso circuncidar os pagãos e mandar que eles observassem a Lei de Moisés.

A dúvida pairava entre alguns, e ainda não entendiam o evangelho como pregado pelos apóstolos. Tiveram a ocasião para aprender a doutrina, e conformar-se com a decisão. Doutra maneira, formariam um partido oposto, tornariam uma seita.

Nenhum evangelho diferente era aceito. (Gl 1,8) Sempre que uma heresia surgia entre os cristãos, o bispo ou o presbítero era encarregado de lidar com a dissensão e proteger o rebanho fiel, denunciando o erro e tomando posição contra os hereges, sejam eles provenientes da igreja local ou vindos de fora. Esse foi o funcionamento da Igreja em todas ocasiões de heresia, como mostra a situação das igrejas da Ásia Menor por volta de 95 d. C., ou seja, do fim do século primeiro.[1]

Assim, não existiam cristãos que não estivessem unidos com os apóstolos, bispos, presbíteros, diáconos, e comunidade de Jerusalém, de forma que não existiam “denominações”, mas uma única Igreja, uma única denominação, sendo uma Igreja espalhada em inúmeras localidades. Não existiam seitas legítimas, ou seja, não havia igreja autônoma, divergente em termos de doutrina, e ao mesmo tempo aceita pelo colégio apostólico, pois as heresias que surgiam, todas foram anatematizadas pelos apóstolos.

·       A heresia judaizante foi condenada em Atos 15.

·       Qualquer outro evangelho foi anatematizado em Gálatas 1.

·       Quem ensina doutrina diferente é condenado em 1 Timóteo 6,3-4; 1 Pedro 2,1-3.

·       As heresias estão entre as obras da carne em Gálatas 5,20.

Dessa forma, quem persistia na doutrina da obrigatoriedade da circuncisão e da Lei para a salvação estava dissociado da Igreja Católica, da mesma forma que estavam fora os gnósticos cristãos, que negavam a real encarnação de Jesus Cristo, a Sua Messianidade. (1 Jo 2,22)

Em suma, não havia no século primeiro em qualquer parte do mundo uma igreja que não fosse fundada e organizada por um apóstolo ou por alguém por ele apontado para tal missão, ou que estivesse desligada da comunhão com os apóstolos e não submetida à sua autoridade. Não existia igreja fora da unidade com a sede de Jerusalém, com os apóstolos, e que funcionasse à deriva, de forma absolutamente autônoma, e ainda tivesse o reconhecimento de verdadeira igreja cristã. Os apóstolos nunca reconheceram qualquer grupo cristão que ensinasse doutrina contrária à que eles mesmos ensinavam. E todos os que ensinavam a mensagem apostólica estavam sob seu governo.

Por tudo isso, é impossível que alguém encontre uma situação semelhante à da tese de que as igrejas antigas pareciam com as denominações protestantes modernas. Onde alguém viu uma decisão luterana obrigar um presbiteriano? Ou um sínodo presbiteriano ter autoridade sobre uma igreja batista? Ou uma decisão batista conferir autoridade sobre uma igreja assembleia de Deus? Ou um pastor assembleiano ter autoridade para punir um membro da Congregação Cristã no Brasil por motive de heresia? E assim por diante.

Enquanto que, na Igreja primitiva, um cristão de Antioquia obedecia ordens de um apóstolo que morava em Jerusalém, como Pedro. Estava submissa às decisões do Concílio de Jerusalém, como mostrado. A Samaria foi iniciada na fé por Filipe, mas recebeu a imposição das mãos de Pedro e João, vindos de Jerusalém. Isso só ocorre dentro de uma mesma igreja. Não há nada semelhante com as denominações protestantes.
Assim, fica mais fácil identificar a Igreja: ela está com os apóstolos, e presbíteros por eles ordenados, funcionando por meio de concílio, etc. Não deve alguém procurar a igreja no meio dos que ensinavam a doutrina judaizante, nem a doutrina gnóstica, nem a doutrina pregada por Himeneu e Fileto (2 Tm 2 17,18) que ensinava ter a ressurreição já ocorrido. Talvez, pensassem em um tipo de “ressurreição” espiritual, ensinando que não haveria uma ressurreição corporal futura. Dessa forma, está identificada a Igreja.


Reflexão: Alguém poderá pensar, após estar persuadido do fato, que foi acima provado, que essa unidade foi apenas no primeiro século. Dessa forma, imagina, supõe, especula, que após a morte dos apóstolos foram surgindo denominações, e foram sendo estabelecidas igrejas independentes, com sedes independentes, com doutrinas mais ou menos puras, mas de alguma forma compatível com a pureza mínima exigida, aquilo que costumou-se falar após a Reforma Protestante de doutrinas fundamentais e inegociáveis que caracterizariam uma igreja cristã, uma doutrina bíblica.

Entretanto, o que ocorreu na história foi o surgimento de grupos heréticos (basta analisar esses do primeiro século), nunca aceitos pela Igreja Católica, e que em maior ou menor grau afastavam-se do ensino da Igreja, sendo sempre condenados em sínodos locais e concílios ecumênicos, de forma que não é possível encontrar igrejas legítimas que estão separadas umas das outras alegando estarem unidades nos pontos fundamentais apenas, divergindo em sistema de governo, de culto e de doutrina.

Esses foram os cristãos judaizantes, exigindo a observância da Lei antiga como meio de salvação, e que formaram a Igreja dos Pobres conhecidos também como Ebionitas, os gnósticos pagãos que introduziram em seu credo doutrinas de inspiração cristã, e dividiam-se em vários grupos com doutrinas estranhas ao cristianismo, ou seja, à fé cristã, e que não concordavam com o credo apostólico, os nicolaítas, que propunham um desprezo pela carne, que pode levar a um ascetismo como à libertinagem, como afirma Pierre Prigent, em O Apocalipse. Nenhum desses grupos constituía a Igreja.

Desde At 11,26, em Antioquia, os discípulos passaram a ser chamados de cristãos. Esse nome começou a ser usado, mais tarde, pelos hereges também. A Igreja foi chamada de Católica, porque era única e em toda parte, com abertura a todos, o que significa universal. Esse sobrenome dos cristãos também foi querido pelos hereges, que desejavam também ser chamados cristãos católicos.

No ano 375, São Paciano de Barcelona, escreveu o seguinte: “Cristão é meu nome, e Católico meu sobrenome. O primeiro designa a mim, enquanto o outro me faz específico. Assim, sou atestado e separado.” E ao explicar o sentido do termo “católico”, São Paciano diz que significa “em toda parte um”, ou “obediência em tudo”, ou seja, a todas as ordens de Deus. (Carta a Symproniano)
Gledson Meireles.




[1] Ler os artigos Identificando a Igreja, onde é tratada essa questão em cada uma das sete igrejas do Apocalipse.

 

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