Nos primórdios a Igreja
Católica tinha sua sede em Jerusalém. Os apóstolos formavam o corpo de
liderança, conforme Jesus havia instituído, e seguiam a mesma forma de ação que
foi ensinada durante os 3 anos de ministério público de Jesus, onde os 12
receberam tudo o que era necessário para anunciar a salvação, e dentre eles
três eram considerados os expoentes, a saber: Tiago, Pedro e João, seu irmão.
São Paulo afirma que esses
eram como “colunas da Igreja”. (Gálatas 2, 9) A sede de Jerusalém foi governada
por Tiago, conhecido como irmão do Senhor, era filho de Alfeu (provavelmente,
conforme os dados dos evangelhos, é o mesmo que Cleófas).
O líder máximo era o
apóstolo Pedro, que foi o primeiro a proferir o sermão no dia da descida do
Espírito Santo, quando era comemorado o domingo de Pentecostes em Jerusalém.
Antes disso, os apóstolos
tinham sido ensinados e reconfortados durante quarenta dias pelo próprio Senhor
ressuscitado (Atos 1,3), e ficaram à espera, durante nove dias de oração, do “batismo
com o Espírito Santo” em Jerusalém, conforme a promessa. (cf. Atos 1,5). A
Igreja era composta pelos apóstolos e mais 120 irmãos, pelo menos, conforme
Atos 1,15. Certamente eram algumas centenas o total de discípulos.
Mas, nesse dia, após o
inflamado sermão de São Pedro, 3.000 pessoas abraçaram a fé em Jesus e foram
batizadas. (At 2,41) Eles “acolheram a palavra de Pedro e receberam o batismo”.
Essa era a porta de entrada na Igreja: “E nesse dia uniram-se a eles”.
A Igreja de Jerusalém
crescia, e logo a Palavra de Deus seria levada a todos os cantos do mundo,
conforme At 1,8. Não havia discípulos que não fossem ensinados pelos apóstolos
e discípulos. Pois a fé vem pelo ouvido (Rm 10,17), e esse era o começo da pregação
da fé. Todos os outros que iriam crer em Cristo nesse tempo foram iniciados na
fé em Cristo pelos apóstolos, diáconos ou outros discípulos já convertidos por
sua pregação. Essa era a Igreja.
Os fieis perseveravam no
ensinamento dos apóstolos, vendiam suas propriedades e entregavam aos
apóstolos. Esse costume cresceu de forma que, logo a Igreja espalhava-se e
possuía bens pelos quais podia manter-se em atividade missionária e auxiliar os
cristãos que passavam por necessidades materiais. (At 2,42-47)
Ainda frequentavam o Templo,
conforme At 2,46, e “nas casas” celebravam a ceia comum e a ceia eucarística
com os apóstolos. A ceia era chamada de “fração do pão”. Não consideravam o
judaísmo outra religião, mas consideravam as promessas cumpridas em Cristo e
continuavam a venerar as antigas tradições judaicas.
Aos poucos, porém, certas
restrições foram abandonadas, pois eram empecilho para a propagação da fé.
Assim, São Pedro recebeu a revelação de que Deus não faz acepção de pessoas, e
por seu ministério os pagãos foram recebidos na Igreja, em Atos 10, com a
descida do Espírito Santo, e o batismo logo em seguida.
Multidões convertiam-se ao
evangelho, juntavam-se aos apóstolos, “aderiam ao Senhor, pela fé”. (At 5,14)
Reconheciam em Pedro o chefe da Igreja, e assim os convertidos levavam doentes
para serem curados: “Chegaram ao ponto de transportar doentes para as praças,
em esteiras e camas, para que Pedro, ao passar, pelo menos a sua sombra
cobrisse alguns deles”. (At 5,15) Assim, veneravam os apóstolos como servos do
Senhor.
Em Atos 12 Pedro teve de
deixar Jerusalém por causa da perseguição, após ter sido libertado
milagrosamente pelo anjo de Deus. Então, “Pedro saiu e se pôs a caminho para
outro lugar”. (At 12,17) A história mostra que foi para Roma, onde havia uma
numerosa colônia de judeus convertidos. O livro de Atos evitou revelar o lugar
para onde Pedro se dirigiu por prudência, pois as autoridades queriam matá-lo.
O judeu fariseu Saulo de Tarso
perseguia a Igreja, até que o Senhor o converteu a caminho de Damasco, e ele
tornou-se o décimo terceiro apóstolo. (cf. Atos 9)
Em suas quatro viagens
missionárias, relatadas em Atos 13, 14, 15, 18 e 21, disseminou o Cristianismo em
muitas localidades. Todas as igrejas locais estavam sob o governo de um
apóstolo ou de bispos (epíscopos) e presbíteros por eles ordenados: “Os apóstolos designaram anciãos para cada
comunidade; rezavam jejuavam e os confiavam ao Senhor, no qual haviam
acreditado” (At 14,23), mantendo a comunhão com a sede da Igreja em
Jerusalém.
Ao final do seu ministério apostólico,
São Paulo, que havia testemunhado de Cristo em Jerusalém, vai a Roma, por
vontade de Jesus: “Tenha confiança. Assim
como você deu testemunho de mim em Jerusalém, é preciso que também dê
testemunho em Roma.”
A Igreja era chamada durante
esse tempo de “Caminho”, e muitos a consideravam uma “seita”. (Atos 24,14.22)
Havia quem pensasse que os discípulos formavam apenas mais uma seita judaica.
Doutrina
A doutrina ensinada por
Jesus foi anunciada pelos apóstolos, e desenvolveu-se segundo as exigências de
cada situação que surgia. Dentre as doutrinas, estão: a ceia (Atos 2,42), o
arrependimento, o batismo, a fé, e as boas obras (cf. At 2,38; 3,19; Atos 26,
20, Rm 3,28; Tg 2,22-24), a unção dos enfermos (Tg 5,16), a crisma (Atos 8,14),
a ordem (2 Tm 4,24), o matrimônio e o celibato (Mt 19; 1 Cor 7), a ressurreição
(At 24,21), o juízo (Mt 25), o novo céu e a nova terra (2 Pd 3; Ap 21-22) e
etc., que compõem o corpo de doutrina que rege a vida cristã.
Heresias
Nas primeiras pregações
apostólicas o número de cristãos alcançou mais de 8.000 convertidos, com
crescimento rápido e constante. (At 3; 4)
Para tomadas de decisões, os
apóstolos reuniam-se com os demais discípulos. Assim foi em Atos 2, quando 120
irmãos estavam reunidos, e Pedro falou da necessidade de escolher um substituto
para o apóstolo Judas Iscariotes, e quando convocaram assembleia geral (At 6,
2), onde foram instituídos os diáconos.
Do mesmo modo, mas de forma
mais ampla, apóstolos e anciãos reuniram-se em concílio, por volta de 49 e 50
d. C., para enfrentar a primeira heresia que perturbou a Igreja Católica. (cf.
Atos 15)
Essa consistia de que era
exigida a circuncisão para a salvação: “Se
não forem circuncidados, como ordena a Lei de Moisés, vocês não poderão
salvar-se”. (At 15,2)
O Concílio foi composto
pelos apóstolos e anciãos em Jerusalém, embora a disseminação da heresia tinha
sido feita em Antioquia, causando a primeira perturbação por questões de
doutrina na Igreja.
Eram homens da Judeia que
pregavam a necessidade da circuncisão para a salvação, conforme Atos 15,1. O Monselhor
Cristiani, em sua Breve História das Heresias, afirma que a heresia judaizante
negava o dogma da catolicidade da
Igreja. Queriam limitar a todos os cristãos provenientes do gentilismo às
observâncias próprias da Antiga Aliança.
São Paulo e São Barnabé
discutiram com esses cristãos judaizantes, e decidiram ir a Jerusalém para
resolver a questão. Essa é mais uma evidência escriturística de que a Igreja
era única.
Como em Atos 14, os
apóstolos sabendo da conversão da Samaria, enviaram os apóstolos Pedro e João para
lá, que impuseram as mãos para que recebessem o Espírito Santo todos os que
haviam sido batizados pelo diácono Filipe. Os diáconos e presbíteros não
impunham as mãos. Esse costume foi seguido sempre, onde somente o bispo impõe
as mãos. (cf. Atos 8,14-15) A imposição é mencionada ao lado de mais quatro
doutrinas elementares em Hebreus 6,1-2. Mais tarde recebeu o nome de crisma. A
Samaria, assim que aceita a Palavra de Deus, por meio de um diácono, foi logo
reconhecida pelos apóstolos em Jerusalém.
Por tanto, ainda que em
Antioquia estivessem dois grandes líderes cristãos, eles não tentaram a
resolução particular como se fosse a Igreja de Antioquia fosse “autônoma"
ou “independente”, e ligada apenas por laços do exercício da fé e da caridade.
Nada disso.
A discussão de Paulo e
Barnabé com os judaizantes não foram suficientes. Assim, no Concílio a heresia
judaizante foi condenada, e uma carta conciliar foi enviada através de Judas e Silas
a Antioquia.
A decisão foi autoritativa
para toda a Igreja, tanto em Jerusalém, como em Antioquia, como em qualquer
outra parte do mundo, de forma que um cristão não poderia crer e ensinar
contrariamente ao que foi decidido no concílio.
Dessa forma, em Gl 5,2.4 São
Paulo afirma que quem circuncidar-se não terá o benefício dado por Cristo e será
separado da graça. Portanto, não é uma questão de escolha, de interpretação
particular, de um estudo das Escrituras por grupos de cristãos que divergem da
decisão oficial da Igreja.
De fato, os judaizantes
foram obrigados a aceitar a definição de Jerusalém ou enfrentar a ser a partir
daí separados da Igreja e considerados hereges.
Porém, é necessário
perguntar: Aquilo que os judaizantes pregavam era heresia desde o início ou foi
considerada como tal apenas depois da definição conciliar?
A resposta é: desde o
início. E o que mudou com a definição? A resposta é: A clareza da doutrina, a
compreensão da mesma que aumentou consideravelmente.
São Paulo já ensinava a
liberdade dos cristãos em relação à Lei, e não mais impunha a circuncisão. Assim,
todos os demais apóstolos.
No entanto, a pregação
daqueles cristãos foi feita de forma a causar não somente a querela, mas a
tornar necessária uma discussão geral e exigir uma definição oficial.
Mesmo dentro do grupo de
Jerusalém havia quem pensasse conforme os judaizantes que moravam em outras
partes da Judeia. Isso é o que mostra Atos 15, 5: “Alguns daqueles que tinham pertencido ao partido dos fariseus e que
haviam abraçado a fé intervieram, declarando que era preciso circuncidar os
pagãos e mandar que eles observassem a Lei de Moisés.”
A dúvida pairava entre
alguns, e ainda não entendiam o evangelho como pregado pelos apóstolos. Tiveram
a ocasião para aprender a doutrina, e conformar-se com a decisão. Doutra
maneira, formariam um partido oposto, tornariam uma seita.
Nenhum evangelho diferente
era aceito. (Gl 1,8) Sempre que uma heresia surgia entre os cristãos, o bispo
ou o presbítero era encarregado de lidar com a dissensão e proteger o rebanho
fiel, denunciando o erro e tomando posição contra os hereges, sejam eles
provenientes da igreja local ou vindos de fora. Esse foi o funcionamento da
Igreja em todas ocasiões de heresia, como mostra a situação das igrejas da Ásia
Menor por volta de 95 d. C., ou seja, do fim do século primeiro.[1]
Assim, não existiam cristãos
que não estivessem unidos com os apóstolos, bispos, presbíteros, diáconos, e
comunidade de Jerusalém, de forma que não existiam “denominações”, mas uma
única Igreja, uma única denominação, sendo uma Igreja espalhada em inúmeras localidades.
Não existiam seitas legítimas, ou seja, não havia igreja autônoma, divergente
em termos de doutrina, e ao mesmo tempo aceita pelo colégio apostólico, pois as
heresias que surgiam, todas foram anatematizadas pelos apóstolos.
·
A heresia judaizante foi condenada em Atos
15.
·
Qualquer outro evangelho foi anatematizado em
Gálatas 1.
·
Quem ensina doutrina diferente é condenado em
1 Timóteo 6,3-4; 1 Pedro 2,1-3.
·
As heresias estão entre as obras da carne em
Gálatas 5,20.
Dessa forma, quem persistia
na doutrina da obrigatoriedade da circuncisão e da Lei para a salvação estava
dissociado da Igreja Católica, da mesma forma que estavam fora os gnósticos
cristãos, que negavam a real encarnação de Jesus Cristo, a Sua Messianidade. (1
Jo 2,22)
Em suma, não havia no século
primeiro em qualquer parte do mundo uma igreja que não fosse fundada e
organizada por um apóstolo ou por alguém por ele apontado para tal missão, ou
que estivesse desligada da comunhão com os apóstolos e não submetida à sua
autoridade. Não existia igreja fora da unidade com a sede de Jerusalém, com os
apóstolos, e que funcionasse à deriva, de forma absolutamente autônoma, e ainda
tivesse o reconhecimento de verdadeira igreja cristã. Os apóstolos nunca
reconheceram qualquer grupo cristão que ensinasse doutrina contrária à que eles
mesmos ensinavam. E todos os que ensinavam a mensagem apostólica estavam sob
seu governo.
Por tudo isso, é impossível
que alguém encontre uma situação semelhante à da tese de que as igrejas antigas
pareciam com as denominações protestantes modernas. Onde alguém viu uma decisão
luterana obrigar um presbiteriano? Ou um sínodo presbiteriano ter autoridade
sobre uma igreja batista? Ou uma decisão batista conferir autoridade sobre uma
igreja assembleia de Deus? Ou um pastor assembleiano ter autoridade para punir
um membro da Congregação Cristã no Brasil por motive de heresia? E assim por
diante.
Enquanto que, na Igreja
primitiva, um cristão de Antioquia obedecia ordens de um apóstolo que morava em
Jerusalém, como Pedro. Estava submissa às decisões do Concílio de Jerusalém,
como mostrado. A Samaria foi iniciada na fé por Filipe, mas recebeu a imposição
das mãos de Pedro e João, vindos de Jerusalém. Isso só ocorre dentro de uma
mesma igreja. Não há nada semelhante com as denominações protestantes.
Assim, fica mais fácil
identificar a Igreja: ela está com os apóstolos, e presbíteros por eles
ordenados, funcionando por meio de concílio, etc. Não deve alguém procurar a
igreja no meio dos que ensinavam a doutrina judaizante, nem a doutrina gnóstica,
nem a doutrina pregada por Himeneu e Fileto (2 Tm 2 17,18) que ensinava ter a
ressurreição já ocorrido. Talvez, pensassem em um tipo de “ressurreição”
espiritual, ensinando que não haveria uma ressurreição corporal futura. Dessa forma,
está identificada a Igreja.
Gledson Meireles.
Reflexão:
Alguém poderá pensar, após estar persuadido do fato, que foi acima provado, que
essa unidade foi apenas no primeiro século. Dessa forma, imagina, supõe,
especula, que após a morte dos apóstolos foram surgindo denominações, e foram
sendo estabelecidas igrejas independentes, com sedes independentes, com
doutrinas mais ou menos puras, mas de alguma forma compatível com a pureza
mínima exigida, aquilo que costumou-se falar após a Reforma Protestante de
doutrinas fundamentais e inegociáveis que caracterizariam uma igreja cristã,
uma doutrina bíblica.
Entretanto, o que ocorreu na
história foi o surgimento de grupos heréticos (basta analisar esses do primeiro
século), nunca aceitos pela Igreja Católica, e que em maior ou menor grau
afastavam-se do ensino da Igreja, sendo sempre condenados em sínodos locais e
concílios ecumênicos, de forma que não é possível encontrar igrejas legítimas
que estão separadas umas das outras alegando estarem unidades nos pontos
fundamentais apenas, divergindo em sistema de governo, de culto e de doutrina.
Esses foram os cristãos
judaizantes, exigindo a observância da Lei antiga como meio de salvação, e que
formaram a Igreja dos Pobres conhecidos também como Ebionitas, os gnósticos
pagãos que introduziram em seu credo doutrinas de inspiração cristã, e
dividiam-se em vários grupos com doutrinas estranhas ao cristianismo, ou seja, à
fé cristã, e que não concordavam com o credo apostólico, os nicolaítas, que
propunham um desprezo pela carne, que pode levar a um ascetismo como à
libertinagem, como afirma Pierre Prigent, em O Apocalipse. Nenhum desses grupos
constituía a Igreja.
Desde At 11,26, em
Antioquia, os discípulos passaram a ser chamados de cristãos. Esse nome começou
a ser usado, mais tarde, pelos hereges também. A Igreja foi chamada de
Católica, porque era única e em toda parte, com abertura a todos, o que
significa universal. Esse sobrenome dos cristãos também foi querido pelos
hereges, que desejavam também ser chamados cristãos católicos.
No ano 375, São Paciano de
Barcelona, escreveu o seguinte: “Cristão é meu nome, e Católico meu sobrenome.
O primeiro designa a mim, enquanto o outro me faz específico. Assim, sou
atestado e separado.” E ao explicar o sentido do termo “católico”, São Paciano
diz que significa “em toda parte um”, ou “obediência em tudo”, ou seja, a todas
as ordens de Deus. (Carta a Symproniano)
[1] Ler
os artigos Identificando a Igreja, onde é tratada essa questão em cada uma das
sete igrejas do Apocalipse.
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