quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Imortalidade da Alma: aparição de Moisés


Moisés e Elias com Jesus na transfiguração

Os evangelhos ensinam que Moisés e Elias apareceram a Jesus no monte, fato histórico testemunhado pelos apóstolos Pedro, Tiago e João. (cf. Mt 17,3) Para quem não crê na imortalidade da alma, Moisés deverá ter sido ressuscitado, pelo menos temporariamente, para aparecer a Jesus e aos apóstolos no monte Tabor.

Isso seria o resultado dos princípios cridos pelos fautores da imortalidade condicional, princípios esses não tirados da Bíblia, como estamos acompanhando, mas entendidos, por muitos, de algumas passagens bíblicas segundo a interpretação que deram a elas. Quanto ao fato de Elias ter aparecido não é problema para essa doutrina, pois Elias não morreu, foi arrebatado aos céus. O problema para eles é a respeito de Moisés. Não creem que Moisés poderia ter aparecido se não houvesse ocorrido a sua vivificação.

Para quem crê na imortalidade da alma a cena é clara, e Moisés pode ter aparecido somente em espírito. Elias apareceu em seu corpo, da mesma forma que era quando foi arrebatado. E a questão não apresenta maiores problemas.

Vemos que ambos estavam no mesmo lugar, certamente, pois vieram juntos. Chegar a um lugar juntamente com outra pessoa não significa que a origem delas seja a mesma, que estivessem no mesmo lugar quando saíram. Mas, tendo em vista o fato de que Elias subiu aos céus, e Moisés foi levado para o sheol juntamente com todos os salvos do Antigo Testamento, temos que Elias poderia estar lá também. Jesus afirma em João 3,14 que ninguém subiu ao céu antes dele.

Outra explicação também está de acordo com a doutrina correta: Elias foi visto dirigindo-se ao céu, mas certamente entrou em outra esfera do céu, não no lugar onde Cristo entrou após a ascensão. Pode ter entrado talvez no primeiro céu, não no lugar que foi aberto apenas após a cruz de Cristo, diante do trono de Deus. Assim, na transfiguração, o representante da Lei e o representante dos profetas vieram saudar Jesus, em Quem cumpre-se a Lei e os Profetas. Dessa forma, um teria vindo do céu e outro da mansão dos mortos.[1] Essa é a explicação bíblica, mais conforme a revelação, e está em conformidade também com o que mostra Santo Tomás de Aquino.

De fato, Santo Tomás explica essa passagem afirmando que Elias apareceu com seu próprio corpo, e que a alma de Moisés veio da mansão dos mortos e apareceu em forma corporal, assim como faziam os anjos que eram vistos em várias ocasiões. Essa explicação é a que São Jerônimo, no século quarto, deu a essa passagem, mostrando como os dois personagens do Antigo Testamento apareceram a Jesus.[2]

Em Judas 9 é relatado o episódio onde Satanás disputa com o anjo Miguel sobre o corpo de Moisés. Essa referência não é encontrada em outro lugar da Bíblia, pois sabemos que Moisés morreu e foi sepultado em um lugar desconhecido. (cf. Dt 34,1-5) Assim, entende-se que o anjo Miguel teria ido enterrar o corpo de Moisés e o Demônio queria fazê-lo, mas de forma que o público soubesse e pudesse idolatrar o corpo do grande profeta.

Certamente, o fato alude a uma tradição judaica e a um escrito intitulado Assunção de Moisés. Por isso, a interpretação seria que o Demônio queria manter o corpo de Moisés morto e o arcanjo Miguel teria vindo para ressuscitá-lo. Assim, muitos creem que Moisés ressuscitou, ainda que não tenha base bíblica.

Essa informação é tirada de um livro apócrifo, portanto não inspirado, e de uma tradição judaica. A isso é acrescido o fato de que não há registro na Bíblia Sagrada sobre o assunto. Além do mais, em termos mais específicos, contradiz um verso que afirma que Moisés foi sepultado. Sendo que Moisés tinha sido sepultado, o arcanjo Miguel teria vindo para sepultá-lo, e não para ressuscitá-lo. Somente essa seria uma explicação que melhor conforma-se com a Escritura. Mas, afirmar que o arcanjo veio ressuscitá-lo implica em que ele teve que tirá-lo do sepulcro que Deus o tinha colocado. Diante de todos esses fatos, ainda assim é crido por muitos protestantes que Moisés ressuscitou.

Para isso, citam o texto mencionado de Judas 9: “Ora, quando o arcanjo Miguel discutia com o demônio e lhe disputava o corpo de Moisés, não ousou fulminar contra ele uma sentença de execração, mas disse somente: Que o próprio Senhor te repreenda.

O texto único da Escritura sobre isso afirma somente que: o arcanjo Miguel teve uma discussão com Satanás, disputava o corpo de Moisés com ele. Houve uma discussão e uma disputa pelo corpo de Moisés. Somente isso é escrito na Bíblia. Há, portanto, espaço para as inferências.

Há quem tenta fundamentar na discussão que foi relatada acima, onde o Demônio queria evitar que Moisés fosse ressuscitado e mantê-lo nas garras da morte. Assim, o arcanjo teria ganhado a disputa e tornado Moisés de volta à vida. Essa seria a melhor explicação, pois mostraria o motivo de Satanás querer o corpo de Moisés. A isso acrescenta-se a aludida obra que falava da assunção de Moisés, uma tradição judaica que era conhecida de todos nos primeiros séculos. Também há quem use Romanos 5,14, que fala sobre a Lei, que foi dada por Moisés, afirmando que a morte reinou de Adão até Moisés, ou seja, até a entrega da Lei, que revela o pecado. Assim, São Paulo teria feito uma digressão sobre a suposta ressurreição de Moisés, afirmando que a morte reinou de Adão até Moisés porque esse ressuscitou. Sendo assim, por esse parâmetro, Moisés teria vencido a morte. Mas, o que São Paulo está falando diz respeito à revelação da Lei de Deus, escrita para o Povo, e não uma hipotética alusão à ressurreição de Moisés. De fato, não há como fundamentar a ressurreição de Moisés biblicamente.

Na verdade, contra isso a Bíblia afirma: “E Moisés, o servo do Senhor, morreu ali na terra de Moab, como o Senhor decidira. E ele o enterrou no vale da terra de Moab, defronte de Bet-Fegor, e ninguém jamais soube o lugar do seu sepulcro.” (Dt 34,5-6)

Pelas Escrituras temos que (1) Moisés morreu, (2) foi enterrado, (3) o arcanjo Miguel discutiu com Satanás (4) e disputou o corpo de Moisés. Não está escrito que ele foi ressuscitado, não há essa doutrina entre os cristãos dos primeiros séculos, não é doutrina que está na tradição cristã católica. Também não foi herdada dos judeus. Mas, mesmo diante disso tudo, os protestantes, muitos deles, que creem no princípio Sola Scriptura, somente a Escritura, a mesma Escritura que não afirma a ressurreição de Moisés, esses mesmos protestantes ensinam que Moisés foi ressuscitado.

No entanto, quando apresentamos que a virgem Maria, mãe de Jesus, foi ressuscitada e levada aos céus, eles afirmam que não há nada disso na Bíblia, que essa informação está em livro apócrifo, ou seja, que não é inspirado, que trata-se de tradição extra-bíblica, e por isso rejeitam o ensino. Nem mesmo aceitam as inferências, que são muitas e sólidas, diferentemente de como fazem com relação à ressurreição de Moisés. Essa realidade já é uma refutação séria da posição de muitos protestantes relacionada à Sola Scriptura.

Mas, ainda outra vez temos uma confirmação sobre a imortalidade da alma, de forma indireta, nas palavras que a Escritura emprega sobre o fato. Em Judas 9 é dito sobre o “somatos” [corpo] de Moisés. Não está escrito que disputava “sobre Moisés”, ou que a disputa era sobre “Moisés morto”, mas sobre o corpo de Moisés, ou melhor, sobre uma parte da pessoa de Moisés, expressão idêntica da forma como usamos até hoje.

O holismo adventista seria contrário a essa referência, ou melhor, ao sentido que entendemos dela, pois ela traria em si uma dualidade [o dualismo] não compatível com sua crença, e que aquela disputa do arcanjo com o Diabo deveria ser sobre a pessoa “inteira” de Moisés morto, e não sobre o corpo dele. Contudo, a Bíblia vem opor-se contra essa asserção pautada nos princípios da “imortalidade condicional” e derruba-a com força, mais uma vez, através da linguagem utilizada para falar de uma pessoa sem vida. Está escrito: “disputava o corpo de Moisés”.

Outra coisa pode ser colocada contra a ressurreição de Moisés: a morte de Moisés passou-se há milênios, antes da vinda de Cristo. Se a sua ressurreição foi “temporária” não teria sido feita ali, quando o mesmo morreu sobre o monte. A ressurreição teria ocorrido uns anos antes da escrita de Judas 9, pois teria que ter ocorrido durante o ministério terreno de Jesus. Dessa forma, Judas 9 não poderia estar tratando da ressurreição para a aparição no monte diante de Jesus. Se a alusão é à obra Assunção de Moisés, que relata algo sobre a morte de Moisés, deveria ser ali, no tempo da morte de Moisés, o momento do mesmo ser ressuscitado.

Com isso, temos que a ressurreição de Moisés teria ocorrido logo após sua morte, e ele ficou esperando séculos para aparecer a Cristo com seu corpo, junto com Elias, para depois voltar a morrer, considerando a tese da ressurreição temporária. Por outro lado, deveria, para quem crê nessa tese, afirmar que Moisés foi ressuscitado definitivamente, e assim seu corpo deveria ser glorificado, ou sofrido alguma transformação similar, para não morrer mais. Nada disso está escrito na Bíblia. São teses que enfraquecem-se diante do raciocínio à base da Bíblia.

Caso a assunção de Moisés fosse patrimônio da fé judaica, essa doutrina já contradiz à ressurreição temporária.

Por outro lado, se Moisés ressuscitou temporariamente, isso teria tido por fim aparecer a Jesus, ressurreição essa já no Novo Testamento, e não ocorrida no Antigo, pois isso sugeriria que já ocorreu a ressurreição que se dará como aquela para o fim do mundo, ou seja, à partir do pó da terra. Do contrário, o corpo de Moisés deveria estar incorrupto esperando por séculos a ressurreição. Nada disso é bíblico. Assim, somente os judeus do tempo de Cristo em diante creriam na assunção de Moisés, algo não conhecido nos tempos anteriores.

De qualquer forma, afirmar que Moisés ressuscitou para sempre é algo que as Escrituras não dizem. Poderia a Bíblia não revelar algo tão importante? Portanto, crer que essa suposta ressurreição foi apenas temporária também não tem suporte bíblico e não encontra fundamento nem mesmo na tradição judaica. Portanto, tem toda a aparência de uma doutrina falsa.
 
Gledson Meireles.





[1] http://www.catholic.com/quickquestions/was-elijah-assumed-into-heaven-before-mary.


[2] Summa Theologica, III, q. 45, a. 3.

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