domingo, 6 de novembro de 2016

Imortalidade da alma

O profeta Jonas no sheol

Para compreender melhor o conceito que traz o termo sheol, é bom repetir aqui algo sobre o mesmo conceito, e é imprescindível ler o que escreveu o profeta Jonas. Ele viu-se numa gravíssima situação, quando o grande peixe o engoliu.

No capítulo 2 verso 3 está escrito: “De minha angústia clamei a Iahweh, e ele me respondeu; do seio do Xeol pedi ajuda, e tu ouviste a minha voz”.

Ainda em vida Jonas diz estar no “seio do Xeol”. No verso 4 vemos que ele encontra-se nas “profundezas, no seio dos mares”. Essa afirmação não encontra tão grande significado, quando temos presente que o peixe está no mar, e foi ao mar que Jonas foi lançado e engolido por ele. Portanto, não causa espanto a afirmação de que ele está nas profundezas, no seio dos mares.

Mas, continuando, vemos que ele está longe da vista de Deus (v. 5), mas que contemplava o santo Templo. Ele está cercado pelo abismo (v. 6), está nas raízes das montanhas (v. 7).

Portanto, são várias as metáforas que Jonas usa para falar da situação na qual se encontra.  Ele está no sheol, no fundo do mar, no abismo, nas raízes das montanhas. Mas, o que mais surpreende é o termo sheol, já que esse é usado para falar da mansão dos mortos.

Jonas está vivo, como afirma expressamente no verso 8: “Quando minha alma desfalecia em mim, eu me lembrei de Iahweh, e minha prece chegou a ti, até o teu santo Templo”.

Por isso, temos que o sheol é um lugar de consciência, longe dos olhos de Deus, afastado de Seu templo, em uma posição profunda, como o fundo do mar, as raízes das montanhas e o abismo, a fossa (v. 7) Sendo assim, não se pode afirmar que o sheol é o pó da terra, referindo-se à superfície, nem que seja a sepultura, nem que se refira a um conceito geral de “sepultura comum da humanidade”. Ele refere-se a um lugar e força que envolve a todos os que descem ao mundo dos mortos, que é tragado pela morte ou levado para longe da terra, a sua parte que está debaixo do sol, como diz o Eclesiastes.

A língua hebraica não possui um vocábulo para falar do corpo. Ele refere-se ao homem como carne, por exemplo, em Gênesis 6,3. Pode-se afirmar que essa menção tem em vista a parte material do homem. Mas, não vemos a separação radical corpo e alma nas Sagradas Escrituras, mas, com mais especificidade no Antigo Testamento, somente uma tênue distinção.

O ensino da Enciclopédia Judaica sobre a imortalidade da alma e a ressureição


Segundo a Enciclopédia Judaica, um espírito ou sopro foi dado por Deus ao homem na criação. Esse espírito é inseparavelmente conectado ou mesmo identificado à vida.

De acordo com a mesma enciclopédia, do contato dos judeus com os persas e os gregos, a noção de uma alma incorpórea, com individualidade própria, foi adotada no Judaísmo.

Há expressões dessa ideia nos livros mais tardios do Antigo Testamento, como Provérbios 20,27. Como exemplo, as expressões “há um espírito no homem” de Jó 22,8, e também em Eclesiastes 12,7.

A alma é descrita pelos termos “ruah”, “nephesh” e “neshamah”. O primeiro é o estado primitivo da alma, o segundo é sua associação com o corpo e o terceiro é sua atividade no corpo.


(Início do artigo, em inglês, sobre a Alma na Jewish Encyclopedia.com, 1906.)

É preciso notar que o que está na Enciclopédia Judaica é que o sentido de alma para o judaísmo primitivo foi o de alma ligada intimamente ao corpo, identificando-se com a vida do sangue, e não era entendida como separável do corpo. Isso estaria em Gênesis 9,4 e Levítico 27,11.

Dessa forma, a enciclopédia interpreta a noção de Gênesis 2,7, por exemplo, como a representante da ideia primitiva, e que após certo tempo, ainda no Antigo Testamento, como no tempo de Provérbios, Jó e Eclesiastes, o sentido da alma como associada ao corpo, não mais identificada somente à vida inseparável do corpo, é que foi aceita no Judaísmo, poderíamos assim dizer.

Não é dito que essa noção veio com os livros deuterocanônicos, como muitos pretendem, no tempo do Exílio Babilônico, e isso é importante reconhecer, mas pela comunicação dos judeus com os persas e os gregos, e que essa ideia é expressa nos livros aceitos por todos os cristãos e pelos judeus, nos protocanônicos, e reconhecidos como realmente o são: Palavra de Deus.

Com isso, temos que nessa concepção, segundo a Enciclopédia Judaica, a noção de que a alma pode ser separada do corpo já está no Antigo Testamento.

A respeito da imortalidade da alma, afirma ainda que isso é fruto de especulação filosófica ou teológica, ao invés de uma simples fé.

Não seria algo expressamente ensinado na Escritura. Essa afirmação não chega a negar a imortalidade da alma como doutrina ensinada nas Escrituras, mas somente faz a asserção de que essa doutrina não está expressamente contida na Bíblia. Diante disso, podemos afirmar que ela está, de fato, implicitamente.

Como visto acima, nos primeiros tempos a noção, talvez, era de uma alma identificada somente com a vida no sangue, e com isso ela não teria uma substância.

Quando o espírito de Deus (a força, o sopro vital) deixasse o corpo, segundo essa explicação, a alma iria para o Sheol, sem vida e sem consciência.

Nota-se que não há negação da existência da alma, pois a mesma é distinta do corpo, podendo separar-se. Isso é muito importante.

O que está dito aqui é que a alma desce ao sheol, identificado como lugar espiritual, e que nessa região não haveria vida e consciência para a alma. Para confirmar isso são citados os textos de Jó 14,21; Salmo 6,6; 95,17; Isaías 38,18; Eclesiastes 9,5.10.

Essa explicação não está em harmonia com aquela dos mortalistas, pois esses afirmam que a alma é somente a vida, a parte não visível do corpo, e que deixa de existir com o corpo, quando esse é desfeito na sepultura, que seria o mesmo que sheol. Basta analisarmos para ver que essa não é a posição da Enciclopédia Judaica.

Isso deve ser entendido não como a exigência de identidade doutrinal entre o que está sendo exposto pela Enciclopédia Judaica e o que é crido pelos mortalistas, mas apenas mostrar que a fonte citada contém uma doutrina que é diversa, e que possui problemas até para os que aderiram à crença da alma mortal.

Em primeiro lugar, afirma que livros como do cânon judaico já insinuam a fé na imortalidade da alma. Em segundo, afirma que a alma é separável do corpo, e que o sheol é lugar que recebe as almas.

Assim, até o tempo do pós-exílio havia a ideia de Deus não ter ação direta no Sheol, lugar que não estava no reinado de Deus (Salmo 26,10; 49,16; 139;8). Mas esse não era entendido como sepultura, nem mesmo como sepultura comum da humanidade. E é importante notar os textos citados para mostrar que o sheol estava fora das relações benéficas com Deus.

O artigo da Enciclopédia Judaica menciona a fé implícita do salmista na onipotência e onipresença de Deus, o que daria a ele a esperança da imortalidade, e que Jó desejou a vida após a morte.

Não era uma fé certa, afirma, mas um desejo disso. Esse dado é de suma importância, pois interfere nas objeções que os mortalistas fazem, pois é reconhecido em fonte judaica que Jó expressou, de forma rudimentar, a fé na vida após a morte e antes da ressurreição.

Mas, conclui que somente após a conexão com a esperança messiânica, ou seja, a esperança de que o Messias viria, e sob a influência das ideias persas, “a crença da ressurreição” deu lugar à “contínua existência de uma alma desincorporada”.

Para isso cita Isaías 25, 6-8 e Daniel 12, 2. É notório que a ressurreição está conectada à imortalidade da alma, e quando é expressa a primeira a segunda é estabelecida.

(Início do artigo sobre a Imortalidade da Alma na Jewish Encyclopedia.com, 1906.)

Pitágoras e Platão criam que a alma era aprisionada ao corpo para expiar pecados de vidas passadas. Os judeus aprenderam no Talmude algo contrário a isso e, portanto, rejeitaram essa doutrina platônica.

Os rabinos ensinam que o corpo é puro, e que a alma é criada por Deus pura, formada e soprada para dentro do homem. Portanto, o dualismo é assim ensinado na literatura rabínica, ou seja, essa concepção de que o corpo e a alma são separáveis.

Diante dessa constatação, temos que a afirmação de que os judeus foram influenciados pelos gregos a respeito da imortalidade da alma é realmente feita por muitos estudiosos, e até mesmo a Enciclopédia Judaica afirma que essa crença veio aos judeus pelos seus contatos com os gregos, principalmente com a filosofia platônica.

Creio que isso é duvidoso. No entanto, como isso é usado por muitos cristãos para ensinar que os judeus tomaram essa ideia no período em que foram escritos os livros deuterocanônicos, e que essa ideia é típica dos escritos entre os dois testamentos, é preciso frisar que esse dado não é encontrado na mesma Enciclopédia Judaica.

Pelo contrário, a Enciclopédia ensina que nos livros dos Provérbios e Jó está a fé na alma como distinta do corpo. Se não concordam com a interpretação dessas passagens nesse sentido, não podem negar o fato de que os judeus que escreveram o artigo da Enciclopédia pensam diversamente.

Não há qualquer alusão, nessa passagem, de que somente dos livros escritos mais tarde é que a crença na imortalidade da alma foi herdada. Essa tese está na mente de muitos, mas a fonte em questão não corrobora esse particular, que é de grande importância.

Além do mais, a afirmação de que a crença da ressurreição foi a responsável pela crença da continuidade da alma sem o corpo é algo que corrobora a exatidão do que está no presente estudo. É como que uma garantia de que existindo a alma o corpo será a ela reunido. Ainda, é uma explicação de que a fé na imortalidade da alma fundamenta a ressurreição do corpo.


Gledson Meireles.

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