terça-feira, 15 de novembro de 2016

Imortalidade da alma: a aparição do profeta Samuel


Samuel profetiza a Saul após a morte
 
Em Samuel 28 é narrada a consulta que o rei Saul fez à mulher necromante de Endor, e a aparição de Samuel, com uma palavra de confirmação da rejeição de Saul da parte de Deus e do seu perecimento.
O exército filisteu havia acampado para a guerra, e ao vê-lo Saul temeu grandemente, e ficou perturbado. Procurou a Deus para o consultar, mas não obteve resposta, nem nos sonhos, nem pela sorte, nem pelos profetas. Deus não mais comunicou Sua Palavra a Saul. (cf. 1 Sm 28,5-6)
Teve o rei, então, a ideia de procurar uma mulher advinha, para que a consultasse. E chegando à mulher pediu a ela que invocasse a Samuel. (v. 11) Esse ponto que mostra essa outra tentativa do rei em encontrar resposta apesar de Deus não ter mais respondido será melhor entendido à frente.
O texto sagrado afirma que a mulher perguntou: “A quem chamarei” e que o rei respondeu: “Chama Samuel”. A linguagem da Escritura nesse momento não usou expressar-se como seria esperado, distinguindo corpo e alma: “A que alma chamarei” e “Chama a alma de Samuel”, mas é isso o que a passagem está informando. O início do capítulo introduz nesse assunto ao mostrar que “Samuel tinha morrido.” (v. 3)
E assim o fez aquela necromante. Diz a Escritura que: “Então a mulher viu Samuel e, soltando um grito medonho, disse a Saul: “Por que me enganaste? Tu és Saul!”. (1 Sm 28,12) O texto afirma que a adivinha “viu Samuel”, o que mostra ter sido uma aparição a ela, talvez uma visão individual, pois não parece que nesse momento Saul tenha visto o mesmo. De fato, ele pergunta: “Disse-lhe o rei: “Não temas! Mas o que vês?” E a mulher respondeu a Saul: “Vejo um deus que sobe da terra. Saul indagou: “Qual é a sua aparência?” A mulher respondeu: “É um velho que está subindo; veste um manto.” Então Saul viu que era Samuel e, inclinando-se com o rosto no chão prostrou-se.” (1 Sm 28, 13-14)
A passagem não sugere que a mulher tenha entrado em transe, e perdido sua própria consciência para que Samuel falasse por meio de sua boca, como seria se pensássemos na forma que acontece no espiritismo. A cena, porém, sugere que a mulher viu Samuel, continuou a conversa com Saul, sem qualquer alusão a um êxtase, e continua a descrever o que está vendo. Talvez Saul tenha visto o “espectro” de Samuel, conforme termo empregado no texto grego, mas dessa visão o texto não torna claro. Pode ser que o rei tenha, após o que a necromante contou-lhe, entendido tratar-se de Samuel, e agiu como costumeiramente agem os judeus, inclinando-se a prostrando-se diante da presença do santo profeta de Deus.
Ao continuar a narração do evento, a Escritura afirma: “Samuel disse a Saul: “Por que perturbas o meu descanso evocando-me?” (1 Sm 28,15)
Essas palavras estão em total acordo com o que a Bíblia inteira revela sobre o estado dos mortos: descem ao sheol e lá permanecem em descanso, possuindo uma existência sem a energia dos vivos, mas não deixam de existir. Os traços que o texto apresenta são claros: Samuel “sobe” da terra, indicando que vem do mundo subterrâneo. Não se trata da sepultura apenas, pois não é dito que Samuel foi ressuscitado em Ramá e veio até aquele lugar em Endor para conversar com Saul. O que está afirmando a Escritura é que o espírito de Samuel apareceu após ser invocado pela necromante. Em 1 Crônicas 10,13 está escrito que Saul consultou um “espectro”, e em Eclesiástico 46,20 sabemos que Samuel profetizou após a sua morte. Essas testemunhas tornam bastante sólido o fato de que a alma de Samuel foi vista pela necromante, e falou com Saul.
No entanto, o que Samuel diz a Saul não traz novidade. Saul queria saber o que deveria fazer (v. 15), mas Samuel não o diz. E ao terminar suas palavras, profetiza que Saul e os seus filhos morrerão, juntamente com o exército de Israel. (1 Sm 28,19) Isso de fato ocorreu em 1 Samuel 31,6: “Assim morreram juntos naquele dia, Saul, os seus três filhos, o seu escudeiro e todos os seus homens”.
Todo o capítulo é literal, não usa de figura de linguagem, não supõe intervenção maligna, não afirma nada mais fora de que foi realmente Samuel quem apareceu na sessão realizada pela necromante em Endor.
A Bíblia proíbe a consulta aos necromantes, adivinhos, e etc., proibindo também essa prática. No entanto, em nenhum momento usa de argumentação de que não existem almas humanas para serem consultadas. Esse seria o melhor argumento, como fazem os mortalistas atuais, para tirar de vez toda a possibilidade de que um espírito humano envolva-se em uma cerimônia como a que foi apresentada. Mas, em toda a Bíblia nunca é usado nada nesse sentido, e o texto deixa claro que a fé dos judeus era de que os mortos desciam ao sheol e lá ficavam, e não que eles deixassem de existir completamente.
Essa passagem recebe várias interpretações, e muitas negam que Samuel tenha realmente aparecido, e que um espírito do mal veio enganar a Saul sob a aparência de Samuel. Já vimos que a Bíblia não sugere isso, mas é importante conhecer as objeções.
Muitos creem que conforme 1 Sm 28,6 Samuel não poderia ter aparecido, visto que Deus não mais respondia a Saul, tendo cortado radicalmente as relações com ele. Porém, pelos cânones bíblicos essa objeção não tem fundamento, pois o próprio Samuel lembra esse fato em sua conversa com Saul, em 1 Sm 28,16. A Escritura não vê nenhuma tensão entre a recusa do Senhor Iahweh em responder a Samuel, pelas vias normais, ou seja, por sonhos, pelo urim e pelos profetas e a aparição do profeta já falecido Samuel. Nenhum vestígio no texto bíblico deixa transparecer que Samuel não possa ter-se comunicado com Saul pelo fato de Deus não mais ter respondido às suas invocações.
Todo o relato acontece conforme pensava o rei Saul em seu coração, pois vendo que não mais tinha respostas do Senhor, pensou em procurar uma mulher que pratica adivinhação. Ele viu nessa opção uma possiblidade de ter uma mensagem. A sua busca de Deus e a sua consulta à necromante são vistas como duas possibilidades compatíveis para chegar ao objetivo desejado. Assim, pelos parâmetros bíblicos, Deus não ter respondido em 1 Sm 28,6 não interfere na aparição de Samuel em 1 Sm 28,13.
Sabemos que todas as coisas somente acontecem se estiverem de acordo com a vontade de Deus. Nesse ponto, Samuel poderia ter aparecido por permissão divina, mas não de acordo com a Vontade de Deus que fosse a Saul e lhe trouxesse a mensagem que tanto almejava. A aparição de Samuel estava entre as possibilidades normais de que os mortos podem aparecer aos vivos. De fato, aquela visão da necromante não é concebida como um meio de Deus responder a Saul, mas como uma forma diversa daquela, como outra via ao lado daquelas consideradas lícitas em Israel, a saber, sonhos, urim e profetas. Deus não falaria através das práticas da necromancia, mas era possível que os mortos ali aparecessem.
Isso não significa que de regra todas as vezes que os mortos são invocados eles aparecem. O que afirma-se aqui é que na Bíblia a possibilidade de um morto aparecer a um vivo não é descartada, e é isso o que está em 1 Samuel 28, com a nítida narração da aparição de Samuel para reprovar novamente o rei Saul e profetizar que sua sorte seria a morte na batalha contra os filisteus.
É preciso ressaltar que Saul não conseguiu o que pretendia. Ele queria saber o que fazer naquelas circunstâncias, sendo isso o motivo de pedir a ajuda de Deus. Ao olharmos atentamente para o que ocorreu em 1 Sm 28, não vemos que Samuel tenha dado qualquer conselho a Saul. Portanto, o que estava estabelecido em 1 Sm 28,6 foi seguido aqui: Deus não mais deixou qualquer revelação para Saul. O que foi dito em 1 Sm 28,17-18 já havia sido revelado por Samuel em vida. Assim, Deus não enviou resposta a Saul através de Samuel.
A objeção de que Samuel era um profeta, e Deus não enviou mensagem através dos profetas a Saul está então respondida. A prática era altamente probidade em Israel, em Levítico 19,31 e Deuteronômio 18,11, por exemplo. No entanto, em nenhum lugar está escrito que as almas não existem e que esse seria o motivo que invalidaria qualquer invocação dos mortos.
Se a necromancia fosse praticada por um israelita tornara esse ritualmente impuro. Essa lei não prevê o que ocorreu em 1 Sm 28 por parte de Samuel. Há quem afirme que Samuel não iria submeter-se à regras da necromancia, e se assim o fizesse estaria em contradição com a Lei. Nada disso é pressuposto na Bíblia. Como mostrado acima, a Bíblia não faz essa conexão, e o argumento em cima desse pressuposto não é bíblico, mas é oriundo de especulações, válidas enquanto parte da investigação, mas não devem permanecer por não serem naturais aos princípios da Escritura.
Se assim o fosse, o livro de Samuel teria ao menos insinuado que a participação do profeta Samuel naquele acontecimento teria feito dele um transgressor da lei contra as práticas da adivinhação. No entanto, nem de longe isso transcorre no texto. De fato, o próprio Samuel lembra novamente a Saul que o mesmo desobedeceu a Deus e por isso não mais tinha a resposta quando O consultava. Nada supõe que aquela intervenção de Samuel fosse algo que a lei considerasse pecaminoso.
É preciso muita atenção, como também é necessário fazer essa distinção que a Bíblia faz: Deus não respondeu a Saul, mas Samuel o fez, e não tendo nada da parte de Deus a acrescentar, por esse motivo, apenas repetiu a condenação que Deus já havia feito a Saul. Sendo assim, Deus não mais teve participação na vida de Saul, não dando-lhe respostas, e não foi Deus que diretamente enviou Samuel para falar a Saul alguma coisa. O que está ali é que Samuel apareceu a Saul e disse-lhe o que já estava estabelecido, e essa possibilidade das almas do sheol entrar em contato com os vivos é uma realidade, e sendo assim Deus permite que tais coisas possam porventura acontecer.
Temos então que:
1)    Segundo as regras do pensamento bíblico as proibições contra as práticas necromantes (Lv 19,31;20,6;Dt 18,11) não estão relacionadas às almas que possam vir a aparecer a algum vivo e proferir alguma sentença.
2)    Deus abandonou Saul e não mais esteve disposto a respondê-lo por quaisquer dos meios lícitos e usuais entre os judeus.
3)    Samuel apareceu a Saul porque foi importunado com a invocação da necromante, e por si mesmo, vista a possibilidade dada por Deus para isso, veio a Saul para informar-lhe novamente de sua rejeição da parte de Deus.
4)    Todas essas cenas estão harmoniosas com o tipo de pensamento da Bíblia, que não faz oposição entre a recusa de Deus de responder a Saul e a aparição de Samuel ao mesmo, nem liga a impureza da prática de necromancia à alma que porventura venha aparecer a algum homem.
A possibilidade das almas aparecerem é um fato. Agora, quanto às práticas espíritas, essas são normalmente feitas tendo como pressuposto que os espíritos dos mortos tomam o corpo do médium e falam através dele. Isso não foi o que aconteceu em 1 Sm 28. O que temos aí trata-se de uma visão, e não de uma possessão do corpo da necromante. Dessa forma, o que ocorre no Espiritismo moderno não pode ser igualado ao que está revelado sobre a comunicação que o profeta de Deus teve com o rejeitado rei Saul.
A necromante afirma ter visto “um deus”, em hebraico elohim. Esse termo indica alguém com aparência angélica, sobrenatural, celestial. De forma geral, essa designação não é usada para os mortos, mas para os anjos. No entanto, o rei Saul não estranha a aplicação do termo naquele momento, e pela descrição da aparência do ser visto ele entendeu tratar-se de Samuel. Assim, certamente o termo empregado “elohim” não é alheio também nesse sentido de espírito dos mortos, embora não seja mais encontrado na Bíblia com essa acepção.
A visão da mulher foi de que um ser subiu da terra. Essa parte já foi explicada acima, de acordo com a visão geral do conteúdo da Bíblia a respeito disso. Mas vale a pena repetir aqui. Segundo as Escrituras, os mortos descem ao sheol, a mansão dos mortos, como está em Números 16,32-33. Dessa forma, prevendo que trataria da alma de Samuel nessa aparição, o capítulo de 1 Samuel 28 já inicia falando da morte do profeta. (v 3) Portanto, quando a mulher vê alguém subindo da terra, e não descendo do céu, isso indica a aparição de um morto, e não de um anjo ou espírito maligno, visto que os judeus criam que as almas eram como que sombras que permaneciam no lugar sombrio do mundo dos mortos, que está localizado nas regiões subterrâneas.
Em Eclesiastes 3,21 há uma interrogação a respeito do espírito (do fôlego) dos homens e dos animais, se o dos homens sobe e se o dos animais desce para debaixo da terra. Essa pergunta certamente é usada para enfatizar o cuidado de Deus para com o homem, que o trata exclusivamente, e não como os animais. O espírito aludido nesse texto não é por certo a alma imortal, que sai na morte e vai para o céu ou que desce para a debaixo da terra.
De fato, isso fica claro quando constatamos que os animais não possuem alma imortal, e não são mostrados como habitando o sheol, assim como os seres humanos. Além disso, em Eclesiastes 12,7 é revelado que na morte o espírito volta para Deus.
Assim, o que Ecl 3,21 está ensinando é o cuidado de Deus especialmente para com o homem, de forma que já alude a um destino diferente para os homens e para os animais, e uma diferença essencial entre o espírito do homem e o espírito dos animais. Sabemos que antes da vinda de Cristo ninguém subiu ao céu. Portanto, o espírito voltar para Deus significa apenas a vida que foi tirada, de forma que o corpo e alma não mais estão ligados, sendo o corpo decomposto e tornado pó, e a alma encaminhada ao sheol. O espírito que sobe a Deus em Ecl 12,7 significa que está sob a autoridade de Deus conceder a vida de cada pessoa na ressurreição. Entretanto, isso não necessariamente nega a existência da alma.
O espírito dos animais ser deixado descer para a terra talvez signifique que eles não estejam na mesma ordem no plano de Deus, e suas vidas perecem completamente, “descem” para a terra, ao invés de retornar a Deus criador. Desse modo, o que está em Eclesiastes 12,7 é uma resposta a Eclesiastes 3,21.
Sendo assim, as questões de Ecl 3,21 possuem estreita ligação com o destino eterno do homem, com a imortalidade da alma e com a ressurreição, mas o próprio termo espírito ali não conota a alma imortal, mas apenas o sopro de vida que é tomado por Deus quando esse morre. Refere-se ao fôlego de vida que garante a existência do homem na Terra, e não ao seu espírito que é parte do seu ser e que permanece no sheol após a morte.
A respeito da predição de Samuel em 1 Sm 28,19, sabemos que todos os mortos são sepultados e suas almas descem ao sheol, não é difícil entender que Samuel afirme que Saul e todos os seus estariam com ele. Isso apenas significa que eles morreriam. A passagem não faz distinção entre os mortos salvos e os condenados, apenas indica que no dia seguinte todos aqueles seriam mortos.
Com referência ao termo elohim, que é plural em hebraico, de fato, mas o contexto não indica que esse foi o caso, pois pela descrição Saul entendeu tratar-se de um único ser, e não de vários. Embora elohim seja o plural de deus em hebraico, o próprio Senhor Deus é chamado Elohim, e nesse sentido é traduzido no singular. Portanto, Samuel apareceu sozinho, e o termo elohim, geralmente aplicado a anjos, mostra sua majestade de profeta na visão.
Ainda mais. A profecia de 1 Sm 28,19 foi cumprida. Saul e seus filhos iriam morrer, e o exército de Israel seria entregue nas mãos dos filisteus.
Está escrito em 1 Sm 31,1-2: “Entretanto, os filisteus atacaram Israel, e os homens de Israel fugiram perseguidos por eles e caíram feridos de morte, no mente Gelboé. Os filisteus fizeram o cerco a Saul e seus filhos, e mataram Jônatas, Abinadab e Melquisua, filhos de Saul.”
E o verso 6 afirma: “Assim morreram juntos naquele dia, Saul, os seus três filhos, o seu escudeiro e todos os seus homens.”
No mesmo dia pereceram, nas mãos dos filisteus, tanto Saul como seus filhos e o seu exército. O texto afirma “todos os seus homens”, que é o exército que lutava com Saul contra os filisteus.
Então, os filisteus ainda tiveram mais participação nesse destino sombrio de Saul: “Cortaram-lhe a cabeça e despojaram-no de suas armas, e os enviaram à redondeza, pelo território dos filisteus, para anunciar a notícia em seus templos e ao povo. Assim que os habitantes de Jabes de Galaad souberam o que os filisteus tinham feito com Saul, todos os valentes de puseram a caminho e, depois de terem andado a noite toda, retiraram o muro de Betsã os corpos de Saul e os dos seus filhos. Voltando a Jabes, aí eles os queimaram. Depois recolheram os seus ossos e os enterraram debaixo da tarmargueira de Jabes, e jejuaram durante sete dias.” (vv. 10-11)
Ser entregue nas mãos dos filisteus significa sucumbir pela ação deles, e foi justamente isso que ocorreu com Saul, seus filhos e os homens do seu exército.
Saul suicidou por medo, após ver que estava derrotado. Isso está incluído em ser entregue nas mãos dos filisteus. Além do mais, para quem afirma que Saul foi entregue nas mãos dos habitantes de Jades de Galaad, esse apenas mostra não ter entendido a expressão ser entregue nas mãos de alguém, nesse contexto, e não prestou suficiente atenção no que fizeram aqueles habitantes. Eles apenas viram o fim de Saul, souberam o que os filisteus tinham feito contra ele, em seu ritual queimaram os corpos de Saul e dos outros, e os enterraram. No final, fizeram jejum por eles durante uma semana. Isso está longe do que significa ser entregue nas mãos de alguém no contexto de guerra.
Outro detalhe que é usado para desacreditar a aparição de Samuel é que não foram todos os filhos de Saul que morreram, mas apenas parte deles. Esse é outro problema em introduzir um critério que a Escritura não possui. De fato, a Bíblia mostra que a profecia foi cumprida, e morreram com Saul “os seus três filhos”, indicando que foi sobre esses filhos que a profecia considerou. Não afirma que teriam que morrer todos os filhos de Saul, mas apenas aqueles que com ele estavam na batalha.
Não adianta apelar para o dado textual em sua descontextualização total: “tu e os teus filhos estareis comigo”. Lido em separado poderia significar que todos os filhos de Saul, sem exceção, seriam mortos com ele. Ou talvez, a maioria deles. Contudo, ainda assim não é o que seria lógico da afirmação absoluta encontrada no verso isolado. Mas, esse é outro pressuposto inserido na interpretação. O capítulo não mostra que seja o caso de que pela afirmação é exigido que todos os filhos de Saul estivessem inseridos na profecia, e o verso não pode ser destacado de toda a passagem, mas ser entendido conforme o conteúdo do livro. E, como vemos, o mesmo é cuidadoso em asseverar o fim de Saul diante dos filisteus juntamente com seus filhos e o seu exército.
1 Samuel 28,19
1 Samuel 31,1.6
Como consequência, Iahweh entregará, juntamente contigo, o teu povo Israel nas mãos dos filisteus. Amanhã, tu e os teus filhos estareis comigo; e o exército de Israel também: Iahweh o entregará nas mãos dos filisteus.
Entretanto, os filisteus atacaram Israel, e os homens de Israel fugiram perseguidos por eles e caíram feridos de morte, no mente Gelboé. Os filisteus fizeram o cerco a Saul e seus filhos, e mataram Jônatas, Abinadab e Melquisua, filhos de Saul. Assim morreram juntos naquele dia, Saul, os seus três filhos, o seu escudeiro e todos os seus homens.
 
 
O texto da profecia mostra que o povo Israel foi entregue nas mãos dos filisteus. Isso não significa que não sobrou nenhum Israelita para contar a história, ou que foi a maioria absoluta que caiu sob a espada dos filisteus. Antes, isso quer dizer que o povo de Israel não prevaleceu contra os filisteus naquela guerra. Assim, também, a profecia mostra que Saul e os seus filhos iriam sucumbir, e também o exército de Israel. Não podemos entender que não sobrou filho nenhum de Saul, e que Israel ficou totalmente sem exército, mas apenas que a guerra foi vitoriosa para o lado filisteu.
O mesmo dado é encontrado no texto que mostra a realização da profecia. O texto afirma que os homens de Israel fugiram e caíram mortos, o que não significa que todos os homens de Israel, sem faltar um só, teriam fugido e morrido. Nada disso. Apenas refere-se aos que estavam lutando com Saul.
Também, o texto afirma, de maneira geral, que os filisteus cercaram Saul e seus filhos. Não podemos parar nesse particular e afirmar que todos os filhos de Saul estavam ali, pois logo a seguir, repetindo o fato, o texto esclarece que Saul, seus três filhos, seu escudeiro e todos os seus homens morreram nesse dia. Portanto, o fato está relacionado aos que estavam com Saul naquele momento, naquele dia, e mostra que a profecia de Samuel foi totalmente cumprida.
A objeção talvez mais interessante é a que refere-se ao tempo em que a profecia deveria ser cumprida. O texto afirma que “amanhã” tudo isso ocorreria, mas pela leitura dos capítulos seguintes vemos que isso foi após alguns poucos dias. Tal caso não precisa deixar preocupado a quem está acostumado com o modo bíblico de apresentar as coisas.
Jesus fala em Mateus 16,28 que muitos que ali estavam vivos não morreriam sem ter visto o Filho do Homem vindo com Seu reino. E o contexto está ligado ao verso 27 que afirma que Jesus virá com Seus anjos. Assim, deveríamos pensar que antes que aquela geração do tempo de Cristo não passaria antes que a parusia ocorresse. O que tudo indica é que a profecia primeiramente estava ligada à vinda do Reino com inauguração, e que os sinais ali ocorridos e realizados, na destruição de Jerusalém, seriam os sinais que vão caracterizar a vinda de Cristo com Seus anjos no fim do mundo para julgar. Somente que não está familiarizado com essas especificidades bíblicas, ou que não creiam nas Escrituras, é que objetariam quanto a isso.
O mesmo pode-se afirmar do “amanhã” predito por Samuel, visto que nem no contexto do livro, nem em todos os capítulos imediatos, há qualquer alusão de que os acontecimentos profetizados não tenham sido realizados no prazo proposto.
Particularmente, o entendimento de Saul é também colocado em questão, como se o texto bíblico dependesse dele para relatar tudo o que relatou aqui. Assim, não teria sido afirmação da Bíblia de que foi Samuel quem realmente apareceu, mas que apenas isso foi a dedução de Saul. Essa problemática interpretação deixa todo o texto e contexto de lado, e conclui novamente por um dado periférico.
O relato mostra que Saul cria na existência das almas em um lugar após a morte, cria também que era possível evocar os mortos. Também mostra que a mulher teve a visão de um ser que não conhecia, e fez a descrição do mesmo a Saul que, a partir disso, entendeu que se tratava de Samuel. Então, a Bíblia, sem afirmar que Saul tivesse errado em seu entendimento, afirma que foi na verdade Samuel quem falou, no v.15: “Samuel disse a Saul”. A Bíblia não está somente continuando sobre uma suposta falha de intepretação do rei Saul, mas afirma, em todo o contexto, que foi Samuel quem apareceu naquele momento.
A comparação com Josué 10,13 não parece refutar o que foi colocado aqui.  De fato, no texto afirma-se que o sol parou, e a lua ficou imóvel, o que está em desacordo com o conhecimento científico que temos hoje. No entanto, como Galileu afirmou, a Bíblia está usando a linguagem corrente, como fazemos até hoje, ainda que tenhamos conhecimento de que o sol é imóvel e a lua é um satélite, portanto sabemos que ela é móvel. O que está afirmado na Bíblia é que de fato o dia foi estendido, de forma milagrosa, e não que Josué tenha tido um ponto de vista sobre o qual o relato foi construído. Aquele não foi o ponto de vista de Josué, mas o entendimento geral do que ocorreu, e as Escrituras afirmam que o dia foi feito maior do que o normal, e com isso usa a expressão de que o sol parou.
Voltando ao caso de Saul, ele não faria uma consulta a uma necromante se não cresse que a alma do morto tivesse a capacidade de ouvir à evocação e aparecer. Aliás, esse era o parecer dos judeus. O fato da necromancia estar proscrita não invalida o fato de que há o pressuposto de que o Povo de Deus cresse na possibilidade dos mortos aparecerem aos vivos. O que está em questão é a proibição e o pecado de consultar os mortos.
Pode ocorrer a argumentação de que entre o povo judeu existam muitas coisas que não provam ser elas legítimas e acatadas pelos fieis, mas esse não é o caso, já que todo o relato é solidamente construído na afirmação de que Samuel veio a comunicar-se com Saul depois de evocado pela mulher necromante de Endor.
O holismo bíblico e as passagens que tratam da morte. Uma das objeções quanto às passagens que parecem tratar do fim da atividade intelectual e suposta inexistência do ser humano após a morte é que, sendo o holismo o sistema adotado na Bíblia não haveria espaço para falar de alma separada do corpo. Interessante objeção, mas refutada no presente estudo. De fato, como visto que a natureza humana na Bíblia é de que corpo e alma são separáveis, então a aparente dificuldade deixa de interessar.
Também, conhecendo a fé do Povo de Deus de que após a morte a alma habita o sheol, não podendo louvar a Deus (cf. Sl 6,5), e que estava limitada em suas atividades ao mínimo possível (cf. Ecl 9,5.10), é compreensível que ao falar da morte não apareça uma visão tão otimista nos tempos antes de Cristo. Isso está longe de provar que a alma morre, mas apenas mostra a crença judaica anterior ao advento do Salvador.
Na doutrina cristã católica não há espaço para a crença pagã de uma alma revestida por um invólucro que não tem muita importância. Essa é a noção que geralmente prevalece nas críticas contra a imortalidade da alma. Na verdade, a Igreja Católica, com a Bíblia, ensina que a natureza humana é corpo e alma, e que a alma sendo espiritual continua a existir após a morte, esperando, porém, ser ressuscitada com o corpo. Ela não está morta, apenas perdeu a atividade nas suas faculdades daquilo que somente o corpo pode favorecer, e que tornará a completar-se com a ressurreição, que é totalmente necessária.
Portanto, mesmo tendo a noção da integralidade da natureza do homem por seu corpo e alma unidos, na morte a alma subsiste como núcleo da personalidade, mas continua a noção de que a pessoa está morta. Somente a junção do corpo e da alma faz a pessoa, e uma vez que na morte não existe essa união, então a Bíblia afirma que a alma (no sentido de pessoa, e não de alma imortal) está morta. Afirmar que uma alma morrerá é o mesmo que dizer que uma pessoa morrerá. (cf. Ez 18,4) É a isso que se refere a Bíblia nos textos dos Salmos 78,50 e Números 23,10 e outros. O termo empregado nesse sentido não faz nenhuma modificação na palavra alma como sinônimo de espírito que não pode morrer. É preciso reconhecer que a doutrina bíblica apresenta o corpo e alma que são separados na morte, sendo que a alma continua a existir com consciência.
Gledson Meireles.

2 comentários:

  1. Lucas banzoli que é moralista tem alguns artigos tentando refutar os textos da bíblia que prova a imortalidade da alma,as duas passagens de Paulo,uma de felipenses e a outra está em corintios,tem também a de Lucas 23.43,a história de Lázaro no hades etc,tenta refutar os textos que mostram imortalidade da alma!

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