terça-feira, 22 de novembro de 2016

Imortalidade da alma: Jesus levou cativo o cativeiro


Levou cativo o cativeiro

Em Efésio 4,8-9 temos o relato de um fato para realçar a concessão dos dons de Cristo a nós. Essa passagem é bastante sugestiva, pois menciona a subida de Cristo aos céus. Essa subida só pode ser a ascensão, pois antes disso Jesus não subiu ao céu pelo simples fato de nunca ter descido à terra, e somente subiu depois de ter ressuscitado. Fala o texto, portanto, da ascensão.

Pois bem. Falando do dia em que Jesus foi levado ao céu, afirma que os dons de Deus foram assim distribuídos aos homens. Esse foi o dia em que Ele levou cativo o cativeiro. Dessa forma, o v. 9 explica que o sentido de que Cristo “subiu” é que Ele desceu às profundezas da terra. Não é essa expressão apenas uma alusão ao fato de que Cristo desceu na encarnação, para nascer e viver neste mundo, embora seja esse o sentido que passa a tradução da Bíblia Ave-Maria. Essa expressão é, contudo, referência à Sua morte, quando Ele desceu aos infernos, no sentido de que foi à mansão dos mortos, e não ao inferno onde estão os condenados.

O conceito bíblico que está na expressão “o céu, a terra e debaixo da terra” traz o sentido de o mundo inteiro. Como estamos na terra, essa é uma parte do universo. Para percorrer toda a distância universal temos que ir ao céu e aos infernos, e é isso o que Cristo fez, perpassando toda a esfera da existência. Dessa forma, o v. 9 de Efésios está retratando a descida de Cristo aos infernos, ao sheol, à parte onde estavam os santos do Antigo Testamento.

Assim, usando a simbologia do sheol, esse mundo dos mortos é uma prisão, já que na morte não poderiam louvar a Deus, nem ter a visão de Deus, nem ver a luz, mas apenas viviam em uma região tenebrosa, ainda que sem sofrimento, à espera do Salvador. É por esse motivo que o texto afirma que ali foi um cativeiro, pois a morte tinha ainda seu poder total. Santo Tomás de Aquino afirma que através do pecado o homem sofre a morte corporal e a descida ao sheol. (Summa Theol. I, Q. 52, a. 1) Portanto, nesse sentido Cristo desceu ao sheol e libertou os salvos que lá estavam.

O texto de Apocalipse 5,13 é outra forma de mostrar todo o universo, pela apresentação de quatro símbolos: céu, terra, debaixo da terra e mar. O mar é símbolo das potências maléficas, e ali também estão sob seu poder muitos mortos. A criação que está no céu, na terra, no sheol e no mar é mostrada rendendo culto de adoração a Deus. Essa é uma expressão simbólica, é claro, mas que garante que há seres nesses quatro lugares. Assim, certamente nessa cena está apenas retratado o universo, com toda a criação prestando reverência de adoração a Deus.

O sheol, o hades e o seio de Abraão referem-se ao mesmo lugar, e que no latim o termo foi traduzido por infernos. O sentido era somente de habitação dos mortos. Mais tarde, ainda no Antigo Testamento, afirma Fr. William Saunders[1], chegou-se ao entendimento de que os bons e os maus estavam separados por um abismo, por certo o tartarus, e essa é a cena que é retratada pelo Senhor Jesus na parábola do rico e Lázaro.

Além do mais, o termo sheol não pode significar somente o túmulo, como explica o Haydock´s Bible Commentary[2], pois no Símbolo dos Apóstolos há um artigo específico em que professamos que Cristo foi sepultado, e outro em que desceu à mansão dos mortos. Então, esse é o sentido que São Paulo refere-se em Ef 4,9.

Dessa forma, a ascensão ao céu foi realmente a vitória de Cristo sobre a morte e Seus inimigos, mas o texto de Efésios, além de mostrar que nesse momento foi aberto os céus para descerem os dons sobre a Igreja, também foi o momento em que os que estavam cativos tiveram acesso aos céus junto com Cristo.

A tradução infernos no texto é o mesmo que dizer por debaixo da terra. Se a expressão debaixo da terra é igualmente usada para o ventre de uma mulher e isso mostra que o ventre da mulher não poderia ser o inferno, é igualmente válido concluirmos que o uso do mesmo não torna o ventre da mulher como túmulo. Se o primeiro argumento é verdadeiro, é da mesma forma o segundo. O ventre da mulher não é o inferno, numa região subterrânea espiritual longínqua do céu, não é a sepultura, local onde são postos os mortos, lugar onde estão enterrados os falecidos.

Na minha leitura bíblica encontrei a expressão: “tecido na terra mais profunda”, na tradução da Bíblia de Jerusalém para o verso do Salmo 139,15. Essa linguagem é metafórica, e antes de lembrar o ventre materno ela evoca a criação do Éden, quando Deus criou o homem modelando-o do barro. Certamente a terra “profunda” significa aquilo que não pode ser visto, não é da experiência de todos, que não puderam acompanhar essa criação. Portanto, ainda que seja uma lembrança do útero da mãe onde somos formados, a expressão terra mais profunda é de uma simbologia diversa.

De fato, significa a nossa criação, que sabemos ser feita no ventre. Mas, refiro-me à expressão que não está ligada ao corpo da mulher, mas à cena da criação no Jardim do Éden. Dessa forma, vemos que no verso 13 foi dito: “tu me teceste no ventre materno”. É uma metáfora de Deus tecendo o homem na barriga de sua mãe. O mesmo tem o sentido do verso 15, mas usa de uma linguagem e simbologia diferente.

Esse salmo está repleto de símbolos. Ao falar da onisciência de Deus, o salmista afirma que se ele for ao céu Deus está lá, e se deita-se no sheol (v. 8), também encontrará a Deus. Certamente, ao invés de entendermos sheol como simples sepultura, temos aqui o símbolo da morte representado no termo, mas que em sua comparação com o céu, e pela igual presença de Deus nessas duas extremidades da existência, temos que o sheol é o mundo dos mortos no sentido espiritual. Não se encontra Deus na inexistência. E, dessa forma, temos mais um indício da experiência da alma no sheol, onde até ali pode ser vista pelo Senhor.

O fato de que há muitos que interpretam Efésios 4,8-9 com referindo-se a outra coisa, e não ensinando ali a descida de Jesus ao mundo dos mortos, isso não significa que a passagem não ensine isso, mas apenas que esses comentadores estão errados.

E é muito estranha a afirmação de que Jesus desceu às profundezas da terra e levou cativo o cativeiro não significa que Ele levou os salvos que estavam presos no sheol. É uma simplificação gigantesca afirmar que isso apenas significa a vitória de Cristo. Para que isso seja suficiente, tudo bem, mas não é o que a Bíblia sugere, nem o que a Sagrada Tradição conservou.

O texto é claro ao afirmar que Jesus entrou no céu e assim distribuiu os dons aos homens. Que essa subida ao céu foi após a descida aos lugares mais baixos da terra, não há dúvida, e que nessa subida levou cativo o cativeiro. Em outra tradução do verso 8: “pelo que diz: Quando subiu ao alto, levou muitos cativos, cumulou de dons os homens. (Sl 67,19) (Tradução Bíblia Ave-Maria) É realmente expressivo para o fato de que Jesus entrou no céu com os santos salvos que estavam na mansão dos mortos, e isso implica que as almas são conscientes após a morte, e foi esse o sentido assumido por São Paulo nessa passagem.

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