Por
essa razão, a visão total desse ensino não pode negar a imortalidade da alma,
pois do contrário negaria igualmente a ressurreição. Além do mais, muitas
passagens de Jó realmente ensinam a imortalidade da alma e a ressurreição dos
mortos, de forma menos clara, com certeza, em comparação com o que está, para
indicar exemplos do Antigo Testamento, nos livros 1 e 2 dos Macabeus e no livro
da Sabedoria de Salomão, pois a revelação foi tomando maior clareza quando o
tempo aproximava-se para a inauguração do Novo Testamento.
Para
uma melhor visão do que está em Jó, de forma resumida, vejamos aquilo que logo
no capítulo 3 é ensinado. No verso 17 está escrito que no sheol os ímpios estão
em repouso: “Ali, os ímpios cessam os seus furores,
ali, repousam os exaustos de forças”. (Jó 3,17)
Portanto,
todos encontram-se nessa realidade após a morte, pois mesmo os que poderiam
encontrar outra sorte estão gozando de repouso. Mas, o fato está indicando principalmente
apenas a vida física em cima da terra, neste mundo, onde ao olhar para o túmulo
nota-se que nada mais existe, nenhum movimento, nenhuma atividade, ausência
total de vida. Certamente, na visão holista hebraica essa é a raiz do
pensamento usado para chegar à vida da alma. Sendo assim, no mundo dos mortos
as almas apenas possuem uma vida em sombra, sem a visão de Deus, e sem a
energia que caracteriza os vivos. É uma vida bastante limitada em sua
atividade.
Em
Jó 4,19 está escrito: “Quanto mais nos seus
hóspedes em casas de barro, que têm o pó por fundamento! São esmagados com a
traça.”
A
expressão “casas de barro”, na tradução acima, tirada da Bíblia da editora Ave
Maria, refere-se ao corpo humano. Essa é uma luminosa ideia de como é visto o
homem na Bíblia. Essa referência mostra que o ser humano possui uma habitação,
que é como uma casa, feita de argila, e que no fim da vida volta à sua
composição original, que é o pó da terra. Portanto, o fundamento do homem é o
pó, diz o texto sagrado.
Se
tal versículo estivesse no livro dos Macabeus, ou no livro da Sabedoria,
certamente não seria raro os defensores da mortalidade da alma citá-lo como
implicando em “influência” do pensamento filosófico grego entre o Povo de Deus.
No entanto, estando em Jó, graças ao Bom Deus, que é um livro de antiguidade
reconhecida, muito anterior ao período aproximado do exílio, que é citado por
muitos como o momento de contato do pensamento hebraico com o grego, donde
teriam vindo ideias não encontradas em outras partes da Escritura, essa
passagem de Jó derruba a tese da malfadada influência helenista que teria
trazido a doutrina da imortalidade da alma para o seio do povo judeu. Portanto,
nada mais falso.
Dessa
forma, o texto apresenta o mesmo sentido que está em Sabedoria 1,4: “A sabedoria não entrará na alma perversa, nem habitará no
corpo sujeito ao pecado”. A fragilidade das casas de barro ou do corpo
sujeito ao pecado pode ser vista nessa ilustração.
Vejamos
o que está em 1 Macabeus 2,63: “Hoje ele se eleva e
amanhã desaparecerá, porque tornará ao pó, e seus planos serão frustrados”.
Essa
é a mesma doutrina que está nas demais Escrituras, e, portanto, citada fora do
contexto geral serviria igualmente contra a fé na imortalidade da alma. Dessa
forma nascem as heresias. Assim, temos provado que os livros 1 e 2 Macabeus e
da Sabedoria, para citar apenas esses dois exemplares, possuem a harmoniosa e
mesma doutrina bíblica sobre o que estamos estudando aqui.
No
livro da Sabedoria 3,1 está escrito: “Mas as almas
dos justos estão na mão de Deus, e nenhum tormento os tocará”.
Tal
verso é entendido por muitos, que não estão familiarizados com esse santo
livro, e não creem em sua inspiração, como se fosse já um produto do tempo da
influência acima aludida. Mas, isso foi mostrado ser falso.
De
fato, não agrada a muitos a verdade mais clara que encontra-se nos versos 3 e
4: “E sua morte como uma destruição, quanto na
verdade estão na paz! Se aos olhos dos homens suportaram uma correção, a
esperança deles era portadora de imortalidade”. (Sabedoria 3,4)
Para
esses, que negam a imortalidade da alma, essa paz desfrutada na morte, e essa
esperança da imortalidade são entendidas como a vida de salvo já no estado após
a morte por causa imortalidade da alma, o que para esses estaria em oposição à
verdade da ressurreição. Tal não é o caso. Mas, não é somente isso. Olhando um
pouco adiante, no mesmo capítulo, temos a doutrina da ressurreição enaltecida,
como em todas as Escrituras.
O
verso 7 traz mais: “No dia de sua visita, eles se
reanimarão, e correrão como centelhas na palha”. (Sabedoria 3,7)
O
dia da visita é uma referência ao Dia da vinda do Senhor Deus, e da
ressurreição dos mortos. Portanto, a imortalidade que está na esperança do
verso 4 é aquela que será realizada no fim do mundo, como está no verso 7.
Para
corroborar a verdade do desenvolvimento da revelação, temos em Jó 7, 9: “A nuvem se dissipa e passa, assim quem desce à região dos
mortos não subirá de novo.”
Comparando
o homem com uma nuvem que desaparece, afirma que os mortos não sobem mais para
o mundo dos vivos, o que seria uma negação da ressurreição, quando lida a
passagem fora do seu contexto. É isso que faz muitos, negando a imortalidade da
alma quando Deus compara o homem com a erva. Entendem que se a erva murcha e
decompõe-se totalmente, assim seria o homem. Mas, da mesma forma que a nuvem
“se dissipa e passa”, Jó a compara com os mortos que descem ao sheol e não
voltam mais, ou seja, não mais ressuscitariam. O mesmo encontraria no verso 16:
“Sucumbo, deixo de viver para sempre!”. Essa
foi uma das mais dolorosas lamentações de Jó. Deixar a vida “para sempre” tem
implicações terríveis. As leituras, se assim terminadas em seu sentido,
estariam em desacordo com a própria verdade ensinada no livro de Jó, em
especial no capítulo 14, e em toda a Bíblia.
Essas
passagens não indicam que Jó deixaria de existir por completo, como se não
tivesse alma. Elas apenas mostram que na morte ninguém mais o veria, e não
poderia ser mais perdoado, pois Deus o procuraria para isso, e ele não estaria
mais vivo, não estaria na terra, e assim não mais existiria. Eis o sentido da
expressão de Jó.
O
verso 1 do capítulo 7 já mostra ser essa a verdade tratada: “Não é, acaso, uma luta a vida do homem sobre a terra?”.
Portanto
o foco de todo o capítulo, e em geral de todas as passagens do livro, diz
respeito ao mundo dos vivos. Trata-se da “vida do homem sobre a terra.” Não quer dizer isso que o mundo dos mortos não
exista, mas que lá não haveria mais as atividades que são da experiência dos
vivos. Isso ficará mais compreendido durante essa exposição.
Mais
adiante, encontramos: “O olho que me via não mais
me verá, o teu me procurará, e já não existirei” (Jó 7,8). E no verso
21: “Por que não toleras meu pecado e não apagas
minha culpa? Eis que vou logo me deitar por terra; tu me procurarás, já não existirei”.
Esse
é o mesmo que está em Jó 10,18-19, quando compara um aborto que vai direto ao
túmulo, e é como se nunca tivesse existido. Ninguém o viu.
Para
entender sobre o mundo dos mortos, o sheol (xeol), visto apenas como sepultura,
túmulo, pó da terra, é preciso ler as Escrituras em sua apresentação global, e
não apenas em algumas passagens.
Em
Jó 11,7 temos: “Ela é mais alta do que o céu! Que
podes tu fazer? É mais profunda que os infernos! Que podes tu saber?”
De
forma geral, a altura do céu e a profundeza do inferno são postas em oposição.
Nesse cenário a terra está no meio (ver verso 9). O pó da terra não equivale
nessa comparação ao inferno, pois o céu é inalcançável por sua altura, e os
infernos por sua profundidade.
Em
Jó 10,12 temos uma aproximação entre o sentido da alma e do espírito. Esses
estão nas mãos de Deus.
Em
Jó 33 ele declara algo de suma importância, pois reporta a Gênesis 2,7. No
verso 4: “O espírito de Deus me criou e o sopro do
Todo-poderoso me deu a vida”. Isso mostra que o espírito de Deus criou o
homem, o que mostra a criação da alma. Assim, o espírito de Deus não seria
apenas a energia vital transferida à matéria inerte, mas o poder de criar a
alma que é a vida do homem. O mesmo está no livro do profeta Zacarias. De fato,
está escrito: “Proclamação da Palavra de Iahweh
sobre Israel. Oráculo de Iahweh, que estendeu o céu e fundou a terra, que
formou o espírito do homem dentro dele.” (Zacarias 12,1)
O
profeta mostra a onipotência de Deus, e apresenta a criação do céu e da terra,
e a criação do espírito “dentro” do homem. Ao afirmar que Deus “formou o
espírito” está mostrando que algo foi criado dentro do homem, e esse é chamado
de espírito. Essa revelação é importante para o que estamos estudando, pois
Deus não apenas concede uma energia vital impessoal apenas para garantir a vida
física do homem na Terra, mas forma um espírito no seu interior.
Em
Jó 33,6 fala da criação do corpo: “Em face de Deus
somos iguais. Como tu, eu também fui formado do barro.”
O
livro de Jó não faz, porém, distinção radical entre o espírito e o corpo, pois
é a união de ambos que forma o homem. No entanto, a Escritura mostra que as
duas partes constituintes do homem estão implicadas na criação do mesmo em duas
etapas. Dessa forma, Jó expõe a distinção da alma e do corpo, e também a
imortalidade da alma como os demais livros das Escrituras.
Com isso, a apresentação da
imortalidade da alma, ou seja, da sua continuação após a morte, juntamente com
a esperança da ressureição, são dois elementos que podem ser encontrados no
livro de Jó.
Gledson Meireles.
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