sexta-feira, 11 de novembro de 2016

A fé de Jó: a imortalidade da alma e a ressurreição

Pelo livro de Jó temos uma apresentação da vida muito semelhante ao que encontramos no Eclesiastes. Em muitas passagens a vida neste mundo, natural e físico, é enfatizada, e a morte é comparada ao fim, quando a sepultura torna-se a morada, e a vida neste mundo termina para não mais ser restaurada.

Por essa razão, a visão total desse ensino não pode negar a imortalidade da alma, pois do contrário negaria igualmente a ressurreição. Além do mais, muitas passagens de Jó realmente ensinam a imortalidade da alma e a ressurreição dos mortos, de forma menos clara, com certeza, em comparação com o que está, para indicar exemplos do Antigo Testamento, nos livros 1 e 2 dos Macabeus e no livro da Sabedoria de Salomão, pois a revelação foi tomando maior clareza quando o tempo aproximava-se para a inauguração do Novo Testamento.

Para uma melhor visão do que está em Jó, de forma resumida, vejamos aquilo que logo no capítulo 3 é ensinado. No verso 17 está escrito que no sheol os ímpios estão em repouso: “Ali, os ímpios cessam os seus furores, ali, repousam os exaustos de forças”. (Jó 3,17)

Portanto, todos encontram-se nessa realidade após a morte, pois mesmo os que poderiam encontrar outra sorte estão gozando de repouso. Mas, o fato está indicando principalmente apenas a vida física em cima da terra, neste mundo, onde ao olhar para o túmulo nota-se que nada mais existe, nenhum movimento, nenhuma atividade, ausência total de vida. Certamente, na visão holista hebraica essa é a raiz do pensamento usado para chegar à vida da alma. Sendo assim, no mundo dos mortos as almas apenas possuem uma vida em sombra, sem a visão de Deus, e sem a energia que caracteriza os vivos. É uma vida bastante limitada em sua atividade.

Em Jó 4,19 está escrito: “Quanto mais nos seus hóspedes em casas de barro, que têm o pó por fundamento! São esmagados com a traça.

A expressão “casas de barro”, na tradução acima, tirada da Bíblia da editora Ave Maria, refere-se ao corpo humano. Essa é uma luminosa ideia de como é visto o homem na Bíblia. Essa referência mostra que o ser humano possui uma habitação, que é como uma casa, feita de argila, e que no fim da vida volta à sua composição original, que é o pó da terra. Portanto, o fundamento do homem é o pó, diz o texto sagrado.

Se tal versículo estivesse no livro dos Macabeus, ou no livro da Sabedoria, certamente não seria raro os defensores da mortalidade da alma citá-lo como implicando em “influência” do pensamento filosófico grego entre o Povo de Deus. No entanto, estando em Jó, graças ao Bom Deus, que é um livro de antiguidade reconhecida, muito anterior ao período aproximado do exílio, que é citado por muitos como o momento de contato do pensamento hebraico com o grego, donde teriam vindo ideias não encontradas em outras partes da Escritura, essa passagem de Jó derruba a tese da malfadada influência helenista que teria trazido a doutrina da imortalidade da alma para o seio do povo judeu. Portanto, nada mais falso.

Dessa forma, o texto apresenta o mesmo sentido que está em Sabedoria 1,4: “A sabedoria não entrará na alma perversa, nem habitará no corpo sujeito ao pecado”. A fragilidade das casas de barro ou do corpo sujeito ao pecado pode ser vista nessa ilustração.

Vejamos o que está em 1 Macabeus 2,63: “Hoje ele se eleva e amanhã desaparecerá, porque tornará ao pó, e seus planos serão frustrados”.

Essa é a mesma doutrina que está nas demais Escrituras, e, portanto, citada fora do contexto geral serviria igualmente contra a fé na imortalidade da alma. Dessa forma nascem as heresias. Assim, temos provado que os livros 1 e 2 Macabeus e da Sabedoria, para citar apenas esses dois exemplares, possuem a harmoniosa e mesma doutrina bíblica sobre o que estamos estudando aqui.

No livro da Sabedoria 3,1 está escrito: “Mas as almas dos justos estão na mão de Deus, e nenhum tormento os tocará”.

Tal verso é entendido por muitos, que não estão familiarizados com esse santo livro, e não creem em sua inspiração, como se fosse já um produto do tempo da influência acima aludida. Mas, isso foi mostrado ser falso.

De fato, não agrada a muitos a verdade mais clara que encontra-se nos versos 3 e 4: “E sua morte como uma destruição, quanto na verdade estão na paz! Se aos olhos dos homens suportaram uma correção, a esperança deles era portadora de imortalidade”. (Sabedoria 3,4)

Para esses, que negam a imortalidade da alma, essa paz desfrutada na morte, e essa esperança da imortalidade são entendidas como a vida de salvo já no estado após a morte por causa imortalidade da alma, o que para esses estaria em oposição à verdade da ressurreição. Tal não é o caso. Mas, não é somente isso. Olhando um pouco adiante, no mesmo capítulo, temos a doutrina da ressurreição enaltecida, como em todas as Escrituras.

O verso 7 traz mais: “No dia de sua visita, eles se reanimarão, e correrão como centelhas na palha”. (Sabedoria 3,7)

O dia da visita é uma referência ao Dia da vinda do Senhor Deus, e da ressurreição dos mortos. Portanto, a imortalidade que está na esperança do verso 4 é aquela que será realizada no fim do mundo, como está no verso 7.

Para corroborar a verdade do desenvolvimento da revelação, temos em Jó 7, 9: “A nuvem se dissipa e passa, assim quem desce à região dos mortos não subirá de novo.

Comparando o homem com uma nuvem que desaparece, afirma que os mortos não sobem mais para o mundo dos vivos, o que seria uma negação da ressurreição, quando lida a passagem fora do seu contexto. É isso que faz muitos, negando a imortalidade da alma quando Deus compara o homem com a erva. Entendem que se a erva murcha e decompõe-se totalmente, assim seria o homem. Mas, da mesma forma que a nuvem “se dissipa e passa”, Jó a compara com os mortos que descem ao sheol e não voltam mais, ou seja, não mais ressuscitariam. O mesmo encontraria no verso 16: “Sucumbo, deixo de viver para sempre!”. Essa foi uma das mais dolorosas lamentações de Jó. Deixar a vida “para sempre” tem implicações terríveis. As leituras, se assim terminadas em seu sentido, estariam em desacordo com a própria verdade ensinada no livro de Jó, em especial no capítulo 14, e em toda a Bíblia.

Essas passagens não indicam que Jó deixaria de existir por completo, como se não tivesse alma. Elas apenas mostram que na morte ninguém mais o veria, e não poderia ser mais perdoado, pois Deus o procuraria para isso, e ele não estaria mais vivo, não estaria na terra, e assim não mais existiria. Eis o sentido da expressão de Jó.

O verso 1 do capítulo 7 já mostra ser essa a verdade tratada: “Não é, acaso, uma luta a vida do homem sobre a terra?”.

Portanto o foco de todo o capítulo, e em geral de todas as passagens do livro, diz respeito ao mundo dos vivos. Trata-se da “vida do homem sobre a terra.” Não quer dizer isso que o mundo dos mortos não exista, mas que lá não haveria mais as atividades que são da experiência dos vivos. Isso ficará mais compreendido durante essa exposição.

Mais adiante, encontramos: “O olho que me via não mais me verá, o teu me procurará, e já não existirei” (Jó 7,8). E no verso 21: “Por que não toleras meu pecado e não apagas minha culpa? Eis que vou logo me deitar por terra; tu me procurarás, já não existirei”.

Esse é o mesmo que está em Jó 10,18-19, quando compara um aborto que vai direto ao túmulo, e é como se nunca tivesse existido. Ninguém o viu.

Para entender sobre o mundo dos mortos, o sheol (xeol), visto apenas como sepultura, túmulo, pó da terra, é preciso ler as Escrituras em sua apresentação global, e não apenas em algumas passagens.

Em Jó 11,7 temos: “Ela é mais alta do que o céu! Que podes tu fazer? É mais profunda que os infernos! Que podes tu saber?

De forma geral, a altura do céu e a profundeza do inferno são postas em oposição. Nesse cenário a terra está no meio (ver verso 9). O pó da terra não equivale nessa comparação ao inferno, pois o céu é inalcançável por sua altura, e os infernos por sua profundidade.

Em Jó 10,12 temos uma aproximação entre o sentido da alma e do espírito. Esses estão nas mãos de Deus.

Em Jó 33 ele declara algo de suma importância, pois reporta a Gênesis 2,7. No verso 4: “O espírito de Deus me criou e o sopro do Todo-poderoso me deu a vida”. Isso mostra que o espírito de Deus criou o homem, o que mostra a criação da alma. Assim, o espírito de Deus não seria apenas a energia vital transferida à matéria inerte, mas o poder de criar a alma que é a vida do homem. O mesmo está no livro do profeta Zacarias. De fato, está escrito: “Proclamação da Palavra de Iahweh sobre Israel. Oráculo de Iahweh, que estendeu o céu e fundou a terra, que formou o espírito do homem dentro dele.” (Zacarias 12,1)

O profeta mostra a onipotência de Deus, e apresenta a criação do céu e da terra, e a criação do espírito “dentro” do homem. Ao afirmar que Deus “formou o espírito” está mostrando que algo foi criado dentro do homem, e esse é chamado de espírito. Essa revelação é importante para o que estamos estudando, pois Deus não apenas concede uma energia vital impessoal apenas para garantir a vida física do homem na Terra, mas forma um espírito no seu interior.

Em Jó 33,6 fala da criação do corpo: “Em face de Deus somos iguais. Como tu, eu também fui formado do barro.

O livro de Jó não faz, porém, distinção radical entre o espírito e o corpo, pois é a união de ambos que forma o homem. No entanto, a Escritura mostra que as duas partes constituintes do homem estão implicadas na criação do mesmo em duas etapas. Dessa forma, Jó expõe a distinção da alma e do corpo, e também a imortalidade da alma como os demais livros das Escrituras.

Com isso, a apresentação da imortalidade da alma, ou seja, da sua continuação após a morte, juntamente com a esperança da ressureição, são dois elementos que podem ser encontrados no livro de Jó.
Gledson Meireles.

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